quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Dia da vergonha

O 13 de Janeiro é feriado nacional para relembrar da importância central de eleições livres e plurais para a nossa dignidade como indivíduos, para a nossa liberdade como cidadãos e para satisfação do nosso desejo de paz e justiça como nação. Em todos os momentos em que se repete o ritual democrático de ir às urnas e depositar o voto, seja nas eleições legislativas, seja nas presidências ou nas autárquicas, espera-se que estejam garantidos os fundamentos desse acto de soberania do povo: a liberdade e o pluralismo. A realidade eleitoral porém tem sido uma outra, muito distante do que se espera numa democracia consolidada. O regime democrático caboverdiano, novo ainda com vinte anos, apresenta falhas graves que se tornam particularmente notórias no dia do voto. É um dia que devia ser de tranquilidade e de alegria. Depois de toda a euforia, de todos os argumentos e contra argumentos e de todas as paixões exacerbadas da campanha o cidadão espera sentir-se completamente livre para escolher os seus governantes e decidir o rumo do país. Para que assim seja a lei eleitoral estipula o fim de todas as actividades de campanha 24 horas antes precisamente para que serenidade volte a reinar e ninguém se sinta coagido. Não é porem o que acontece. O dia do voto é dia um triste e é um dia de vergonha. As pessoas saem de casa para ir votar e deparam-se com viaturas cruzando as ruas em todas as direcções pejados de pessoas com rosto fechado. Chegado ao local do voto há muitos poucos sorrisos e os cumprimentos entre pessoas conhecidas são muito pouco efusivos. A volta do local de voto há sujeitos hiperactivos a questionar eleitores se sabem onde vão votar e a oferecerem-se para ajudar. A agressividade no ar de tempos em tempos aumenta de intensidade com a chegada de outros tantos que entram pelos locais de voto, interpelam quem está ali na fila à espera de votar ou enfrentam outros que lá chegaram primeiro. Bilhetes de identidade são disputados aos donos ou por quem se oferece para os ajudar a encontrar o local certo do voto com o intuito de sugerir um sentido do voto ou então por aqueles que se prestam a comprar votos. O ambiente criado repele eleitores, intimida e condiciona. O que é feito à luz do dia durante a votação vem no seguimento do que nos sábados de reflexão e na noite antes de votação se constata por todos os cantos do país: uma pressão despudorada opressiva e chantagista dirigida à população social e economicamente vulnerável. Não se sabe se os efeitos no eleitorado dessas operações são decisivos na determinação dos resultados. Os métodos e procedimentos utilizados lembram organizações militares preparadas para infundir terror. E facto é que envenenam o ambiente. É só ver o número de incidentes que se verificam no chamado dia de reflexão e no próprio dia de votação. A tensão criada subsiste mesmo depois dos resultados publicados e de se conhecer o vencedor. As várias mortes violentas verificadas em vários pontos do país nos dias que seguiram às últimas eleições ilustram isso. Já antes um clima de violência latente tinha se instalado no país durante o período eleitoral. Vários factores contribuíram para isso designadamente as disputas dos outdoors, a tensão com as câmaras à volta da colocação de material de propaganda do partido no governo e, mais grave ainda, as denúncias de sabotagem na Electra por membros do Governo. A colocação de elementos das forças armadas na Electra serviu para tornou real uma ameaça imaginária e quase lançou multidões em manifestações à procura de sabotadores na central eléctrica da Praia. O linchamento público da imagem de dois técnicos da Electra sem inquérito algum tivesse sito feito das condições específicas de um particular apagão mostra o quão perigosamente longe se foi no esforço de manipular os caboverdianos. Os partidos da oposição aceitaram os resultados das eleições mas isso não significa que a democracia caboverdiana está de boa saúde. O abuso dos recursos do estado, a disponibilidade em dar golpes da mão e em intimidar e a explorar escandalosamente os mais vulneráveis da sociedade não vaticina nada de bom. Não obstante todo o verniz de respeitabilidade que a elite actualmente no poder cobre as suas operações e a sua governação é visível o traço profundamente anti-democrático da sua actuação e cultura política. Os ideais do 13 de Janeiro ainda estão por se realizar.

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Desafios

As eleições legislativas de 6 de Fevereiro deram uma terceira maioria absoluta ao PAICV. Como acontece nas democracias já consolidadas, o líder do maior partido da oposição reconheceu a derrota eleitoral quando se tornaram evidentes os resultados que para aí apontavam. Seguiu-se o discurso da vitória do líder do PAICV. A imprensa nacional e estrangeira e outros observadores saudaram o que aparentemente foi um processo eleitoral exemplar.

A realidade porém não é assim tão rósea. Vários incidentes antes e durante o período eleitoral indiciam problemas graves na democracia caboverdina.

Primeiro, foi a propaganda governamental que dominou o serviço público da rádio e televisão durante os meses que antecederam às eleições Depois, assistiu-se a vários momentos de confronto de autoridades públicas e do partido no governo com a lei eleitoral obrigando a intervenções repetidas da Comissão Nacional de Eleições. O Governo envolveu-se numa história rocambolesca de sabotadores na Electra que um inquérito a entregar até 31 de Janeiro ficou por esclarecer. Elementos das Forças Armadas foram posicionadas nas principais centrais eléctricas do Pais. Partidos em comícios, por todas as ilhas, dedicaram tempo precioso das suas mensagens a denúncias de compra de votos e de sequestro de bilhetes de identidade de votantes.

A democracia em Cabo Verde ainda não passou pelo teste da “segunda alternância de Poder”. Samuel Huntington, renomado cientista político americano, no seu livro Terceira Vaga: democratização no final do século XX , considerou como democracia consolidada só aquela em que “o partido que ganhou as eleições no período de transição, ao perder em eleição subsequente, transfere Poder para um outro partido e este, por sua vez, quando derrotado posteriormente também cede a governação pacificamente”. Segundo Huntington é essa segunda troca de partidos no governo que demonstra que as elites políticas no país estão suficientemente comprometidas com a democracia e com o processo de passagem de poder após as eleições. E que tanto elas como o público estão cientes de que se alguma coisa correr mal “mudam-se os governantes, não se muda de regime”.

É bom que se saiba o que vai mal para que no novo ciclo de governação a democracia seja aprofundada e consolidada. Para isso é essencial a contribuição de todos os actores políticos e fundamentalmente de uma sociedade civil autónoma e participativa e o suporte de uma comunicação social atenta, interveniente e defensora das regras do jogo democrático.

O espectáculo de milhares de jovens ontem nas ruas de Tunis, hoje nas de Cairo mas amanhã, provavelmente, nas de Amã e de outras cidades por esse mundo fora lembra os grandes desafios com que Estados e sociedades estão a ser confrontados. A baixa qualidade de ensino e a desadequação da formação profissional não contribuem para a competitividade e não são factores de empregabilidade. O resultado é o número crescente de jovens com estudos liceais e universitários completos sem possibilidade de um emprego decente e compensador. E isso num ambiente em que as famílias já sofrem com o aumento dos preços dos alimentos e de combustíveis que a saída ainda tímida da crise já provoca.

O ano 2011 vai de ser de apertar do cinto com já se anunciara. Os aumentos de combustíveis ontem divulgados são o prelúdio de dificuldades que virão. Espera-se que o governo que sairá das eleições de 6 de Fevereiro venha com uma outra energia e atitude em relação à construção de uma estrutura económica nacional com maior sustentabilidade e capacidade de expansão. Uma tarefa só realizável se for abandonada a cultura prevalecente de dependência que rouba as pessoas da sua liberdade e autonomia, aumenta a centralização e atrofia a criatividade e a iniciativa.

Editorial do jornal "Expresso das Ilhas" de 9 de Fevereiro de 2011

sábado, fevereiro 05, 2011

Mudar

Já nos últimos dias antes das eleições percebe-se que a campanha falhou em ser o esperado palco do grande debate sobre políticas alternativas para os próximos cinco anos. O discurso de campanha derivou demasiado para os ataques à credibilidade de uns e outros. A preocupação em comparar décadas passadas de governação não deixou muito espaço para se interrogar sobre o futuro.

As eleições legislativas acontecem num momento crítico da economia global. Dois anos após a Grande Recessão ainda não são claros os contornos do que será o mundo pós crise. Para um pequeno país como Cabo Verde saber orientar-se para melhor situar-se no quadro das relações económicas emergentes é vital. E isso só pode ser feito através de políticas inteligentes para cuja discussão pública e triagem as campanhas eleitorais deveriam contribuir.

Actualmente, nas democracias com eleições à porta, a questão central e urgente é como adequar-se aos novos tempos com sucesso. Nos países com regimes autoritários essa urgência também existe e na falta de um escape democrático manifesta-se da forma como está a fazer na Tunísia e no Egipto. Só em Cabo Verde é que aparentemente a classe política não se sente obrigada pela sociedade civil em expor e debater aprofundadamente o que tem para oferecer ao país nestes tempos difíceis.

O comportamento típico do Governo de responder acusando, sempre que confrontado com falta de resultados e omissões de política, viciou o diálogo democrático entre situação e oposição, entre governantes e cidadãos e entre o Estado e a sociedade. Dez anos depois, ainda o Governo culpa a governação anterior pelas dificuldades do presente. Procura bodes expiatórios para o que vai mal e duvida das motivações e intenções dos críticos.

Na campanha em curso quer-se comparar momentos históricos irrepetíveis e contextos político-económico internacionais diferentes. Procura-se abater o mensageiro para que a atenção não se fixe na mensagem. Centra-se na questão de credibilidade de pessoas e partidos para fugir à responsabilidade pelos resultados presentes e à discussão aprofundada das propostas de governação para o futuro. Mas, como bem disse o Primeiro Ministro da Palestina, Salam Fayyad, a propósito da insurreição no Egipto contra Mubarak "hoje a legitimidade do Poder está baseada nos resultados produzidos para as pessoas. Terminaram os tempos em que simplesmente se podia dizer: Lidem comigo porque com os outros será muito pior".

O perigo de se descambar para a violência está associado à insistência em mobilizar paixões de multidões e em estigmatizar o outro para atingir fins eleitoralistas. Os incidentes repetidos que se vêm verificando nos últimos dias, com cenas de teatro como apontar o dedo a "sabotadores" na Electra e entregar a guarda das centrais eléctricas às forças militares, são ilustrativos.

É de extrema hipocrisia fazer-se apelo à não-violência nas eleições e depois forçar o embate eleitoral num caminho que inevitavelmente leva a insultos, a atentados graves à imagem dos candidatos e a acções intimidatórias dos eleitores. É evidente que há que mudar este estado de coisas para que o país ganhe com todas as virtualidades do jogo democrático.

Editorial do Jornal "Expresso das Ilhas" de 2 de Fevereiro de 2011

segunda-feira, janeiro 31, 2011

Há limite!

As declarações do Governo, na pessoa da Ministra do Turismo, Indústria e Energia, anunciando a suspensão de um técnico por razões alegadamente ligadas ao corte d energia verificado na cidade da Praia no dia 18 de Janeiro desencadeou um autêntico vendaval político. Menos não era de esperar.

O anúncio da suspensão, por um membro do governo, politizou a questão. As referências feitas à possibilidade de haver sabotagem introduziram um elemento potencialmente explosivo, considerando que o País se encontra em campanha eleitoral e obviamente polarizada. A pessoa ou pessoas visadas enfrentam o perigo de serem injustamente acusadas na praça pública e consideradas culpadas sem que os seus direitos de defesa sejam exercidos.

Apagões são, de há vários anos, parte do quotidiano dos caboverdianos em todas as ilhas. Certamente que não é porque, num determinado momento, se está a realizar-se algo relevante que se vai conjecturar que esse preciso apagão é fruto de sabotagem. Aliás, um número razoável de apagões, pela sua frequência e duração, seguramente afectaram, num momento ou outro, algum acto importante, seja dos órgãos de soberania, da administração pública, das empresas, da cultura, do desporto ou mesmo do lazer dos cidadãos.

Um dos grandes temas de discussão nas campanhas para as eleições legislativas de 6 de Fevereiro é necessariamente o da energia e água. Termina-se a década sem ter conseguido ultrapassar os principais constrangimentos nesse sector e sem garantir aos consumidores qualidade e fiabilidade no fornecimento de factores essenciais para a qualidade de vida das pessoas, para a produção nacional e para a competitividade do país. Perante isso, naturalmente que responsabilidades são assacadas e propostas de solução futuras requerem-se das candidaturas partidárias.

O debate livre e sereno de propostas no período eleitoral não deve ser perturbado por acções susceptíveis de criar fracturas graves e provocar paixões cegas. Corre-se o risco de transformar opositores, num pleito eleitoral, em beligerantes com consequências imprevisíveis. Ao governo e ao partido que o suporta exige-se uma atitude de maior contenção e discernimento para que o ritual de legitimação do Poder na democracia se verifique sem sobressaltos.

As últimas eleições legislativas ficaram manchadas por declarações do Sr. Primeiro Ministro ligando a classe política caboverdiana, e implicitamente a oposição, ao mundo da droga. O momento escolhido no dia da votação em que declarações susceptíveis de afectar o voto são proibidas, deixaram em muita gente a sensação de que se procurou chocar o eleitorado para tirar vantagem. O facto de não se ter investigado as denúncias revela o quão frágil ainda é o Estado de Direito em Cabo Verde.

Momentos houve na história de Cabo Verde em que acusações de natureza criminal lançadas contra indivíduos e grupos políticos serviram de pretexto para mobilizar multidões e violar direitos fundamentais. Essa parte negra da nossa história não é para repetir em nenhuma circunstancia. Por isso é de condenar a forma como o governo e o partido que o suporta tratam o assunto da Electra, colocando-se na posição de acusar, julgar e condenar cidadãos e partidos políticos sem consideração devida às leis que regem à República.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 26 de Janeiro de 2011

sábado, janeiro 29, 2011

Maioria absoluta e estabilidade governativa

A questão da bipolarização na política caboverdiana tem sido levantada por várias vezes ao longo dos vinte anos de regime democrático. Alguns críticos do actual sistema ainda não se convenceram das vantagens do confronto democrático. Extrapolam as vantagens do consenso para camuflar as suas preferência se não para o partido único, pelo menos para a existência de um partido solidamente hegemónico. Consideram perda de tempo todo o exercício do contraditório. Para outros criticar bipolarização significa abrir um espaço político no qual pretensões de pequenos partidos em ganhar expressão e dimensão podiam realizar-se. Nos discursos da generalidade dos críticos da bipolarização há um "travo" qualquer que lembra discursos anti-partidos em regimes do tipo salazarista e discursos contra o pluralismo em regimes de partido único. Não se nota a preocupação em compreender as dificuldades de origem da democracia cabo-verdiana e as razões da crispação política que a caracteriza. Com a inauguração da democracia a 13 de Janeiro, Cabo Verde deparou-se com uma situação insólita em que do lado do governo ficou o movimento popular, que derrubou o regime anterior, e, na oposição, o ex-partido único. A construção das instituições democráticas ficou marcada pela ausência de forças políticas na área do Poder francamente comprometidas com a democracia, do tipo PS/PSD em Portugal ou do tipo PP/PS em Espanha, para só citar alguns exemplos. O resultado é que a Nova Constituição não foi votada pela oposição e a mudança nas instituições, e particularmente na administração pública, sujeitou-se a vários percalços. Concomitantemente o processo de reestruturação a partir de uma economia estatizada e autárcica para uma economia de base privada e inserida no mundo foi contestado a passo e passo. A crispação política não desapareceu mesmo com a chegada do ex-partido único ao poder dez anos depois. Querendo ser origem de tudo em Cabo Verde, o PAICV não se reconcilia com o facto dos fundamentos do Cabo Verde moderno ser o legado das profundas transformações no domínio político e económico verificadas nos anos 90. E ataca, ataca sempre. A tensão política existente não resulta da bipolarização em si mesma mas da particularidade da força política que, seja na oposição, seja no governo, nunca se sente tranquila. Talvez porque outras forças existem. E não muda também porque não há pressão social e política que force todos os actores políticos a se regerem pelas regras do jogo democrático. A presença de uma terceira força não ia alterar nada. É só relembrar a violência com que se tem dirigido à UCID sempre esse partido toma uma posição claramente distinta e oposta à sua. A não existência de uma maioria absoluta muito provavelmente iria aumentar a tensão política. Expectativas de eleições antecipadas estariam sempre presentes. A Constituição caboverdiana, diferentemente da Lei Fundamental portuguesa, não deixa muito espaço para governos minoritários. Obriga a aprovação de uma moção de confiança por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funçõesno início do mandato do Governo e exige que todas os projectos e propostas de lei seja votados também por maioria absoluta. Em Portugal as leis são aprovadas por maiorias simples e é a rejeição do programa do governo por maioria absoluta que leva a demissão do Governo. Por aí vê-se que a existência de uma maioria absoluta sólida é base fundamental para estabilidade governativa em Cabo Verde. A existência de uma terceira força expressiva provavelmente complicaria o quadro político sem trazer os benefícios de diminuição da crispação política. Muito pelo contrário.

quinta-feira, janeiro 27, 2011

Jogo da "bolha"

No jogo da bolha também conhecido por jogo de pirâmide ou esquema de Ponzi o dinheiro de novos “entrantes” alimentam as extraordinárias mais valias ganhas pelos já lá estavam antes. A bolha estoura quando ninguém mais põe dinheiro suficiente para garantir os juros elevados pagos aos outros. Uma coisa é sempre certa nesse tipo de jogo: há uns poucos ganhadores que são os que montaram o esquema e aliciaram outros a participar. Perdedores são muitos e são aqueles que se deixaram apanhar na miragem de lucros fáceis e fartos. A crise financeira que lançou o mundo na Grande Recessão teve na sua origem em algo que, segundo o economista Paul Krugman, assemelha-se a um “gigantesco esquema de Ponzi”. Alguns faziam muito dinheiro à medida que muitos outros lançavam-se a comprar casas acima das suas posses, seduzidos pela subida aparentemente imparável do valor comercial das mesmas. Sabe-se o que aconteceu quando o mundo real bateu à porta e muitos deixaram de poder pagar as amortizações mensais. Tudo veio abaixo. Um outro esquema que apresenta bastantes semelhanças com o “jogo da bolha” é o modelo preferido do PAICV de desenvolvimento com base na ajuda externa. Sustentam o jogo a cooperação externa, a ajuda orçamental, os programas de instituições internacionais como o Banco Mundial. Os programas de ajuda em doações ou empréstimos, ao longo do tempo, vão se justificando com os avanços, muitas vezes aparentes, nos índices de desenvolvimento e de governança e na modernização e competitividade da economia. Mas raramente há retorno adequado dos investimentos seja em emprego, seja em crescimento. A realidade é que ano após ano a situação das populações não muda significativamente, a desigualdade social aumenta e a disparidade entre o campo e as cidades, em particular a cidade Capital, acelera. Á volta do Estado/gestor da ajuda cresce uma elite cúmplice e engajada em perpetuar a situação de dependência das populações porque é nessa gestão que reside a fonte dos seus rendimentos e do seu poder. Entretanto pelo país proliferam, como num cemitério, marcas deixadas por projectos sucessivos da cooperação externa sem que resultados práticos, perenes e sustentáveis sejam visíveis nas comunidades, nas famílias e nas pessoas. Elefantes brancos resultantes de investimentos feitos mais por razões de prestígio e de expedientismo político do que por razões de natureza económica e estratégica completam o quadro. A economista zambiana Dambisa Moyo ilustra muito bem essa questão no seu livro “Dead Aid”. O problema com tais esquemas é que, a exemplo de todos os jogos da bolha, o estouro final acaba sempre por acontecer. Assim, da fase de doações passa-se à da dívida concessional e posteriormente à dívida comercial que poderá, rapidamente, revelar-se incomportável e dar origem à reestruturação da dívida soberana com todas as suas consequências. Os sinais, que se está a chegar ao limite, notam-se nas dificuldades crescentes em conseguir financiamentos nas condições anteriores. Cabo Verde está queimar os seus últimos cartuchos com as linhas de créditos conseguidas de Portugal. Os investimentos feitos falharam em criar emprego a curto prazo e mostram-se duvidosos em termos de proporcionar crescimento a médio, longo prazo. Contribuíram porém para se ultrapassar os limites do endividamento sutentável e o FMI já extraiu do Governo do PAICV a promessa de que 2011 vai ser o ano do apertar do cinto. Como em todos os momentos em que a “bolha” rompe-se, sofrem os mais os pobres e vulneráveis. O Governo finge não saber da situação difícil do país e do contexto internacional também difícil que vai ser o ano 2011 com a subida do preço do petróleo, dos cereais e dos minérios. Segundo o jornal Financial Times da segunda-feira , calcula-se que o aço em 2011 vai sofrer um aumento de 66%. Com todos estes dados, o PAICV, em tempo de eleições, promete “mais do mesmo” como se nada estivesse a acontecer. Simplesmente para se agarrar ao Poder por mais cinco anos.

Progresso. Como avaliá-lo?

"Dicas" do Presidente Barack Obama no discurso do Estado da União de 25 de Janeiro de 2011 (tradução livre)

“Estamos já prontos para o progresso. Dois anos após a pior recessão dos nossos tempos a Bolsa de Valores voltou à alta. Os lucros das empresas aumentaram. A economia está a crescer novamente.

Mas nós nunca avaliamos progresso só com essas medidas. Avaliamos progresso pelo sucesso do nosso povo. Pelos postos de trabalho que podem encontrar e a qualidade de vida que esses empregos podem oferecer. Pelas possibilidades de sucesso de um pequeno homem de negócios que sonha transformar uma boa ideia numa empresa florescente. Pelas oportunidades de uma vida melhor que legamos às nossas crianças”.

quarta-feira, janeiro 26, 2011

Sanha contra os anos 90

A governação da década de 90 é sistematicamente atacada pelos governo e dirigentes do PAICV. É uma situação algo estranha na democracia. Noutras paragens, ao novo governo, permite-se-lhe cem dias de lua-de-mel, durante os quais as críticas da oposição e dos mídias são mitigadas, e seis meses para ainda culpar a governação anterior. Passado esse período, o novo governo assume total responsabilidade e sofre o impacto total do criticismo da comunicação social e da oposição. Em Cabo Verde acontece algo de extraordinário: o governo, no fim do segundo mandato, ainda continua a confrontar o que o antecedeu, dez anos antes. E a confrontá-lo de forma dura, cáustica e belicista. A percepção geral é que isso constitui perda de tempo, de energia e de atenção, com consequências na resolução eficaz e atempada dos problemas actuais. E também que constitui falta de respeito para com a nação na medida em que se recusa a assumir as consequências dos seus actos. De facto o País não pára. O Cabo Verde que teve a governação do MpD não é o mesmo de vários anos depois. Não se pode, em boa fé, exigir, hoje, do MpD algo que, há muito, não tem possibilidade de resolver porque não governa. Nem se pode culpa-lo hoje, por eventuais erros cometidos ontem, porque, pela mesma razão, não os pode corrigir. A irrazoabilidade dos ataques, aliada à sua natureza sistemática e permanente, pode levar qualquer observador a concluir que os verdadeiros alvos não são o MpD, ou a sua governação. Procura-se atingir, realmente, a memória e o significado profundo dos anos 90. De facto, essa década decisiva do Pais, não se define como o ano dos dois mandatos do MpD. Ficará fundamentalmente para a História como os anos da libertação do totalitarismo, da adopção da primeira Constituição, Democrática e Liberal, da construção do Estado de Direito democrático, da emergência do mundo autárquico, e das reformas económicas, entre as quais a liberalização económica, as privatizações e o acordo cambial, que restauraram a dignidade e a iniciativa ao indivíduo e integraram o País no mundo e na modernidade. O grande problema nisso tudo é que o PAICV foi um protagonista inconformado em todo o processo. Forçado a fazer a Abertura pelos acontecimentos que desembocaram na queda do Muro de Berlim e no fim da Guerra Fria, tentou manter-se no Poder na nova fase, mas perdeu. A 13 de Janeiro de 1991, viu-se na condição de oposição num sistema político que, de forma inexorável, se afastava dos princípios e valores do regime dos primeiros 15 anos após a independência. A adopção de uma nova Constituição e de uma nova bandeira nacional simbolizou a ruptura completa com o passado. Para o PAICV, apresentar-se perante a sociedade, os correligionários e os amigos internacionais como vítima do novo regime passou a ser um componente essencial da sua estratégia de sobrevivência. Resultou, mas o preço a pagar é demasiado caro, tanto para o partido como para o País e a sociedade. O PAICV vê-se completo na sua trajectória histórica. Não assume o conflito inevitável entre o passado de partido único, que nunca renegou, e a sua condição de partido legitimamente eleito para governar num sistema democrático. O conflito de um partido, hoje no Governo, a beneficiar dos ganhos do percurso em direcção à Boa Governança, ou seja em direcção à Liberdade Política, à Liberdade Económica e à afirmação do indivíduo, e, ao mesmo tempo, a resgatar e a integrar, como inseparável de si próprio, uma longa história de luta contra esses mesmos princípios. As baterias apontadas contra a década de noventa, aparentemente numa postura bélica contra o MpD, são na realidade a forma como o conflito é resolvido no seu seio. Esse é o drama do PAICV. O drama do País é que o Cabo Verde moderno tem que ser construído a partir dos alicerces já erguidos. Ao dedicar tanta energia em atacar a década de noventa o Governo fragiliza o trabalho de dar continuidade à construção das instituições democráticas e ao aprofundamento das reformas económicas que já demonstraram ser necessárias para o crescimento a taxas capazes de combater o desemprego. Mantém o País numa postura de, permanentemente, revisitar passos passados, passos esses cada dia mais distantes e cada vez mais longe do contexto onde se situaram, e eventualmente se justificaram. É tempo dos caboverdianos dizer aos governantes que ninguém os elege para olhar para o passado e para procurar reinterpreta-lo. Não é esse o papel do Estado. Foram eleitos para construir o futuro, salvaguardando as conquistas fundamentais, designadamente as que garantem a dignidade do indivíduo, as que preservam a sua liberdade e as que lhe possibilitam exercer o seu direito à felicidade e à prosperidade pessoal e familiar.