
As várias cumplicidades à volta do veto presidencial, designadamente a não publicidade do veto, a não fundamentação do mesmo, a sonegação de informação, as ausências para não decidir e, finalmente, as desculpas esfarrapadas para não deliberar fazem lembrar acontecimentos de há dez anos atrás. Também estava-se perto do fim da legislatura e o PAICV tinha saído vencedor nas eleições legislativas. No dia 1 de Fevereiro de 2001, a meio da campanha eleitoral presidencial, o então presidente Dr. Mascarenhas Monteiro resolveu empossar um governo do PAICV. A legislatura não tinha terminado. Só viria terminar no dia 13 de Fevereiro com a sessão constitutiva da nova Assembleia Nacional. O País viveu um caso inédito de ter um governo que não correspondia à configuração de forças políticas no parlamento. De facto o MpD ainda detinha maioria absoluta e um governo que não fosse por ele formado não sobreviveria à moção de confiança necessária para ser um governo pleno e não de gestão. O então PR resolveu o problema jogando com os prazos. Empossou o governo do PAICV 13 dias antes do fim de legislatura mas ainda com uma folga de mais dois dias para completar os 15 dias do prazo de apresentação do seu programa do governo. De modo que quando o Paicv veio solicitar confiança para o seu programa já encontrou um parlamento cuja configuração de forças políticas lhe era favorável. O facto é que o então PR contornou o estipulado na constituição para a transferência de poderes na sequência das eleições legislativas. A Constituição é clara: Vinte dias depois de publicados os resultados eleitorais no Boletim oficial, inaugura-se uma nova legislatura na sessão constitutiva da nova assembleia nacional. O governo até ao momento em pleno uso das suas competências, demite-se automaticamente e passa a governo de gestão. Condição essa que irá manter até ser exonerado pelo presidente da república no mesmo momento em que é empossado o novo governo. Este, por sua vez, entra em gestão e só inicia efectivamente o mandato com a apresentação do programa ao parlamento e aprovação da moção de confiança. Em Fevereiro de 2001 a conveniência reinou. O então PR, em entrevista posterior, desculpou-se dizendo que o ex-primeiro- ministro, Dr. Gualberto do Rosário, pedira demissão e ele “não mandou arquivar”. Assim, mesmo sabendo que o Governo do MpD ficaria demitido automaticamente no dia 13 de Fevereiro com a nova legislatura, optou por exonerar o Dr. Gualberto do Rosário e empossar o Dr. José Maria Neves como Primeiro-ministro. Precisamente a meio de eleições presidenciais que viriam a ser declaradas ganhas pelo candidato apoiado pelo PAICV, por apenas 12 votos. Claro que é absolutamente legítimo perguntar-se até que ponto a posse do Governo antes de tempo e a meio da campanha influenciou os resultados das presidenciais. Particularmente quando se sabe como o Governo do PAICV moveu-se logo a seguir a sua posse. Fulgurantemente moveu-se para controlar a polícia, o processo eleitoral e a rádio e televisão. Os pontos nevrálgicos que todos que querem o poder ou querem projectar uma imagem de força ocupam para tornar bem visível o domínio que têm sob as coisas, as pessoas e os processos. Sabe-se o que aconteceu depois.