Cabo Verde tem um problema central de escala. O relatório da Competitividade 2017 põe o país na posição 137 em 138 países quanto à dimensão do seu mercado, tanto interno como o externo. É um facto que a dimensão do país, a pequenez da sua população e a sua posição geográfica afastada dos grandes centros dinâmicos da economia mundial tornam extremamente complexa encontrar uma via rápida para o desenvolvimento. Tal constrangimento nem sempre foi tido em devida conta pelos governantes ao longo dos anos. Perdeu-se tempo com modelos de desenvolvimento com base na substituição de importações, não foram aproveitadas no tempo certo as oportunidades de exportação que existiam no quadro do Sistema Geral de Preferências e evitou-se como se praga fosse o turismo que poderia trazer procura externa necessária para a dinâmica da economia. Há mais de 25 anos que se assumiu que o caminho deve ser outro, que o país tem que se focar na produção de bens e serviços, expandir os mercados e tornar-se competitivo para poder desenvolver e prosperar.
Saber que é assim, não significa porém que se queira fazer para que aconteça. A via aparentemente mais fácil da reciclagem da ajuda externa foi a miragem que não deixou que a orientação do país fosse mais consequente em contornar o problema estrutural de mercado exíguo. Não se insistiu com políticas de atracção de investimentos externos que além de capital e tecnologia trouxesse mercados, nem se procurou no quadro de uma perspectiva estratégica mobilizar um fluxo externo forte de pessoas na condição de turistas, de visitantes, ou de pensionistas. Não estranha que cresça cada vez mais a sensação de que se esticou a corda demais e que hoje com a dívida pública pesadíssima, reformas estruturais por fazer, custos elevados de factores, um capital humano aquém do exigível e sérias dificuldades em certas empresas estatais a economia não avance com a rapidez que seria de esperar. As sucessivas quebras de eficácia em sectores-chave da vida do país designadamente nos transportes aéreos, segurança, justiça, saúde, educação, transportes marítimos, passam a impressão de que se atingiu um limiar preocupante que para não ser ultrapassado irá exigir outra atitude e outro comprometimento para se ter uma inflexão positiva no rumo que as coisas parecem estar a tomar.
Caso paradigmático do que está a passar é a questão à volta dos transportes marítimos inter-ilhas que tem dominado as conversações entre os armadores e governo. A realidade actual é que as ilhas padecem de um sistema de transporte marítimo que com regularidade, custos justos e segurança as liguem por forma a que o país deixe de ter o mercado fragmentado, imprevisível e dominado por ciclos de carências e abundâncias que na prática inviabilizam muita actividade económica ou deixam-na basicamente na condição de actividade de subsistência. De facto, sem um mercado interno unificado pelas verdadeiras auto-estradas ligando as ilhas que seria ter uma carreira regular a baixo custo não é possível potenciar para além da subsistência básica o pouco que ainda o país consegue produzir e movimentar para o mercado. Muito menos pensar em aproveitar-se da procura gerada pelo turismo em particular nas ilhas orientais para dar o salto para actividades económicas que realmente tragam rendimento significativo às famílias e sejam capaz de criar e garantir empregos em número suficiente para debelar o desemprego, há muito estrutural em Cabo Verde.
Como se pode constatar das queixas dos armadores e também dos utentes, é claro que uma primeira e grande dificuldade em ter transportes frequentes a custos razoáveis entre as ilhas está relacionado com o volume de mercadorias e de passageiros que o país consegue movimentar nas actuais circunstâncias. O mercado pequeno faz com que as ligações sejam infrequentes e caras. A falta de regularidade inibe a produção de mercadorias e prejudica o estabelecimento da relação de compra e venda que poderia hipoteticamente justificar maior frequência e custos mais baixos. Romper este círculo vicioso com subsídios, concessões de linha e eventualmente outros mecanismos, designadamente taxas e facilidades portuárias mais ajustadas devia há muito ser uma prioridade das políticas do país. Particularmente quando se está em presença de mercados potenciais em expansão rápida nas ilhas do Sal e da Boa Vista que bem podiam ser explorados se dado o empurrão inicial com sentido estratégico. O país precisa urgente que o turismo tenha cada vez maior capacidade de arrastar o resto da economia viabilizando mais iniciativas económicas, criando mais emprego e aumentando o rendimento disponível.
A consciência de que é preciso criar escala em termos de mercado, de volume de carga e de movimentação de passageiros, deve guiar a actuação das autoridades no seu esforço de aumentar rapidamente o impacto que o turismo tem sobre o resto da economia e também de diminuir as assimetrias regionais pela via da potenciação da capacidade produtiva de cada ilha. Dificilmente, porém, se conseguirá fazer isso se se continuar com o que é aparentemente a tendência actual de abrir completamente os portos da ilha do Sal e da Boa Vista ao tráfego internacional. A diminuição de carga na cabotagem que implicará com a chegada de contentores directamente do exterior certamente que não irá contribuir para o abaixamento do preço e aumento da regularidade do tráfego inter-ilhas. Os produtores nacionais terão sérias dificuldades em competir com fornecedores designadamente das Canárias que chegam directamente aos mercados turísticos dessas duas ilhas. Para o Estado, a consequência será manter indefinidamente subsídios para a cabotagem sob pena de ver aumentar ainda mais as assimetrias. Globalmente para a economia nacional significará menor participação da produção nacional, menos crescimento, mais migrações internas e desemprego persistente.
A realidade histórica do desenvolvimento económico não postula sucesso no desenvolvimento nos países que abriram completamente o seu mercado interno aos operadores estrangeiros deixando vulnerável o empresariado nacional. Em países com mercados pequenos a situação é mais complexa porque há situações em que há mercados imperfeitos e outras onde há falha completa do mercado e o Estado tem que intervir. No caso de Cabo Verde, a actuação do Estado devia pautar-se por uma actuação flexível e inteligente no sentido de ultrapassar as imperfeições do mercado, de ajudar na superação da fraqueza do empresariado local e de criar condições para o melhor aproveitamento das oportunidades. Infelizmente, não tem sido assim como bem testemunha o programa Casa para Todos e projectos similares. Às estratégias dos outros há que responder com uma estratégia própria que garanta a realização e sucesso do empresariado nacional nas condições restritivas do mercado existente no país.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 829 de 18 de Outubro de 2017.