.Era desde o
início assumido que a Loftleider poderia ser o parceiro estratégico que o
país precisava para construir um hub no Atlântico Médio capaz de
aproveitar o fluxo de passageiros entre a Europa e América do Sul e
entre a África e a América do Norte. Como parte do grupo Icelandair que
tem uma história de sucesso na criação de um hub no Atlântico Norte, a
disponibilidade e o interesse da Loftleider em assumir a gestão da TACV
foi de grande importância. Emprestava credibilidade à ideia de um hub na
Ilha do Sal que poderia capitalizar com ganhos os activos da empresa e
do país designadamente os recursos humanos, certificados ETOPS e
localização geográfica que de outro modo poderiam ser desbaratados
liquidando a empresa como propunha o Banco Mundial e outras instituições
internacionais. A assinatura do contrato de compra e venda no valor de
1,3 milhões de euros acompanhada de uma capitalização no valor de 6
milhões de dólares pelo parceiro estratégico pode ser visto como um
sinal que depois de mais de um ano de teste do potencial acredita mesmo
no sucesso um hub aéreo na Ilha do Sal. E essa é a boa notícia.
É uma boa notícia porque todo o investimento feito pelo país na TACV, nos aeroportos, na regulação aeronáutica e fundamentalmente nos recursos humanos poderá ser aproveitado para gerar riqueza numa escala nunca vista porque já não mais limitado ao tráfego de e para Cabo Verde e perfeitamente apto para competir na prestação de serviços intercontinentais de passageiros. É uma boa notícia também pelo efeito de arrastamento que terá sobre empresas fornecedoras de bens e serviços à aviação particularmente se se conseguir conjugar o hub com stopover. É ainda uma boa notícia porque aumenta a conectividade de Cabo Verde contribuindo extraordinariamente para acabar com o relativo isolamento em relação a regiões dinâmicas do globo com vantagens directas para o turismo, aproximação de mercados e atracção de potenciais investidores. Naturalmente que como tudo no mundo de negócios há riscos como a própria Loftleider reconhece quando cria uma subsidiária para os representar no negócio e evitar o contágio da empresa-mãe na eventualidade das coisas não correrem bem.Entrementes nos próximos cinco anos os riscos vão ser partilhados pois só depois desse prazo é que a Loftleider Cabo Verde poderá vender as suas acções reservando o Estado de Cabo Verde o direito de preferência de as comprar. Mas certamente que será do interesse das partes e muito particularmente de todos no país que o empreendimento tenha sucesso. O ruído causado pela disputa partidária poderá sugerir que haja desejos em contrário, mas a verdade é que sucesso significa mais empregos, mais rendimentos e mais certeza no futuro. Toda a gente tem interesse que assim seja. Envereda-se pela má política quando uns e outros confundem deliberadamente diferença de opiniões e de políticas com falta de engajamento com os interesses do país.
Privatizações são objecto de discordância em todo o sítio onde são intentadas. Quando iniciadas, há sempre quem discorde do momento ou da oportunidade. Quando vistas em retrospectiva, mesmo os seus promotores acham que podiam ser melhor conduzidas. O facto é que no momento de decisão ninguém tem a informação completa. Trabalha-se com os dados disponíveis e num contexto específico que exige muitas vezes acção decisiva, tempestiva e encadeada para se conseguir os objectivos de política pretendidos. Razões para privatizar são múltiplas designadamente para diminuir o risco orçamental, arrecadar despesas extraordinárias, promover o sector privado, atrair investimento externo que traz capital, know-how e mercados, desenvolver parcerias estratégicas para a modernização do país e inserção da economia nacional na economia global. Privatizações em grande escala acontecem quando há um esforço de diminuição do Estado na economia como aconteceu na Inglaterra de Margaret Thatcher ou em processos de transição de economias estatizadas para economia de mercado conduzidos na Europa de Leste e na Rússia depois da queda do comunismo. Em Cabo Verde também foram privatizadas várias empresas na década de noventa no quadro de construção de uma economia de mercado e de reformas estruturais que aumentaram o potencial do país permitindo-lhe crescer a uma média superior a 7% entre 1995 e 2008. Apesar de globalmente positivas as privatizações continuaram a ser o tema fracturante preferido para se fazer política de divisão, com “patriotas” de um lado e “antipatriotas” do outro.
As tentativas de privatização da TACV iniciadas em 2000 no governo do MpD e com seguimento posterior nos governos do PAICV a partir de 2002 goraram-se em parte por causa de resistências de vários quadrantes na sociedade e no Estado. Dados vindos a público na sequência de audiências feitas em sede de comissão parlamentar de inquérito deixaram perceber as interferências governativas, as deficiências de gestão e as fragilidades dos modelos de negócios adoptados que cumulativamente conduziram a empresa à situação de falência com dívidas à volta de 100 milhões de dólares. Entre liquidar a empresa ou mantê-la nos mesmos moldes, uma opção que se tinha tornado impossível devido à dívida acumulada e ao grande risco orçamental que entretanto passou a representar, o governo decidiu explorar um novo modelo de negócios baseado na construção de hub na Ilha do Sal. Aparentemente, de lado ficaram as pretensões de desenvolver as outras unidades de negócio identificadas. A CV Handling já tinha sido entregue à ASA em 2015, os transportes aéreos domésticos e regionais foram descontinuados a partir de Maio de 2017 e a unidade de manutenção ressentia-se da perda de aviões próprios da companhia. Em todo este processo o governo teve objecção do Banco Mundial materializada na suspensão desde 2016 da ajuda orçamental mas persistiu apesar dos constrangimentos ao tesouro público. A aposta já parece dar frutos mas a questão que se coloca agora é que resposta dar aos sectores que foram negativamente afectados.
O resgate da TACV poderá ter sido iniciado mas onde param as políticas de transporte que procuram, por um lado, melhorar a ligação entre as ilhas com segurança, frequência e preço ajustado para incentivar a circulação nas diferentes ilhas do país, a exemplo do que se passa nos outros arquipélagos da Macaronésia. Claramente que a via não pode ser a de empresas a praticarem preços máximos sem sinais evidente de uma política comercial atractiva. A ligação regional na aparente impossibilidade da Binter realizá-la como estava prevista inicialmente foi tomada pelos concorrentes na região. Os voos para Lisboa objecto de reclamação de passageiros principalmente em S. Vicente mas também na Cidade da Praia e noutras ilhas sofrem com a posição quase monopolística das transportadoras. As vias para solucionar isso tudo terão que ser encontradas no âmbito de uma política compreensiva de transportes que não se deixe ficar pela lógica pura e dura do mercado. Pequenos países e países arquipélagos têm imperfeições e falhas de mercado que não se resolvem com o laissez-faire. Há que encontrar o meio termo entre o excesso e a omissão do Estado para que nas ilhas e no país as reformas surtam o efeito desejado.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 901 de 05 de Março de 2019.
É uma boa notícia porque todo o investimento feito pelo país na TACV, nos aeroportos, na regulação aeronáutica e fundamentalmente nos recursos humanos poderá ser aproveitado para gerar riqueza numa escala nunca vista porque já não mais limitado ao tráfego de e para Cabo Verde e perfeitamente apto para competir na prestação de serviços intercontinentais de passageiros. É uma boa notícia também pelo efeito de arrastamento que terá sobre empresas fornecedoras de bens e serviços à aviação particularmente se se conseguir conjugar o hub com stopover. É ainda uma boa notícia porque aumenta a conectividade de Cabo Verde contribuindo extraordinariamente para acabar com o relativo isolamento em relação a regiões dinâmicas do globo com vantagens directas para o turismo, aproximação de mercados e atracção de potenciais investidores. Naturalmente que como tudo no mundo de negócios há riscos como a própria Loftleider reconhece quando cria uma subsidiária para os representar no negócio e evitar o contágio da empresa-mãe na eventualidade das coisas não correrem bem.Entrementes nos próximos cinco anos os riscos vão ser partilhados pois só depois desse prazo é que a Loftleider Cabo Verde poderá vender as suas acções reservando o Estado de Cabo Verde o direito de preferência de as comprar. Mas certamente que será do interesse das partes e muito particularmente de todos no país que o empreendimento tenha sucesso. O ruído causado pela disputa partidária poderá sugerir que haja desejos em contrário, mas a verdade é que sucesso significa mais empregos, mais rendimentos e mais certeza no futuro. Toda a gente tem interesse que assim seja. Envereda-se pela má política quando uns e outros confundem deliberadamente diferença de opiniões e de políticas com falta de engajamento com os interesses do país.
Privatizações são objecto de discordância em todo o sítio onde são intentadas. Quando iniciadas, há sempre quem discorde do momento ou da oportunidade. Quando vistas em retrospectiva, mesmo os seus promotores acham que podiam ser melhor conduzidas. O facto é que no momento de decisão ninguém tem a informação completa. Trabalha-se com os dados disponíveis e num contexto específico que exige muitas vezes acção decisiva, tempestiva e encadeada para se conseguir os objectivos de política pretendidos. Razões para privatizar são múltiplas designadamente para diminuir o risco orçamental, arrecadar despesas extraordinárias, promover o sector privado, atrair investimento externo que traz capital, know-how e mercados, desenvolver parcerias estratégicas para a modernização do país e inserção da economia nacional na economia global. Privatizações em grande escala acontecem quando há um esforço de diminuição do Estado na economia como aconteceu na Inglaterra de Margaret Thatcher ou em processos de transição de economias estatizadas para economia de mercado conduzidos na Europa de Leste e na Rússia depois da queda do comunismo. Em Cabo Verde também foram privatizadas várias empresas na década de noventa no quadro de construção de uma economia de mercado e de reformas estruturais que aumentaram o potencial do país permitindo-lhe crescer a uma média superior a 7% entre 1995 e 2008. Apesar de globalmente positivas as privatizações continuaram a ser o tema fracturante preferido para se fazer política de divisão, com “patriotas” de um lado e “antipatriotas” do outro.
As tentativas de privatização da TACV iniciadas em 2000 no governo do MpD e com seguimento posterior nos governos do PAICV a partir de 2002 goraram-se em parte por causa de resistências de vários quadrantes na sociedade e no Estado. Dados vindos a público na sequência de audiências feitas em sede de comissão parlamentar de inquérito deixaram perceber as interferências governativas, as deficiências de gestão e as fragilidades dos modelos de negócios adoptados que cumulativamente conduziram a empresa à situação de falência com dívidas à volta de 100 milhões de dólares. Entre liquidar a empresa ou mantê-la nos mesmos moldes, uma opção que se tinha tornado impossível devido à dívida acumulada e ao grande risco orçamental que entretanto passou a representar, o governo decidiu explorar um novo modelo de negócios baseado na construção de hub na Ilha do Sal. Aparentemente, de lado ficaram as pretensões de desenvolver as outras unidades de negócio identificadas. A CV Handling já tinha sido entregue à ASA em 2015, os transportes aéreos domésticos e regionais foram descontinuados a partir de Maio de 2017 e a unidade de manutenção ressentia-se da perda de aviões próprios da companhia. Em todo este processo o governo teve objecção do Banco Mundial materializada na suspensão desde 2016 da ajuda orçamental mas persistiu apesar dos constrangimentos ao tesouro público. A aposta já parece dar frutos mas a questão que se coloca agora é que resposta dar aos sectores que foram negativamente afectados.
O resgate da TACV poderá ter sido iniciado mas onde param as políticas de transporte que procuram, por um lado, melhorar a ligação entre as ilhas com segurança, frequência e preço ajustado para incentivar a circulação nas diferentes ilhas do país, a exemplo do que se passa nos outros arquipélagos da Macaronésia. Claramente que a via não pode ser a de empresas a praticarem preços máximos sem sinais evidente de uma política comercial atractiva. A ligação regional na aparente impossibilidade da Binter realizá-la como estava prevista inicialmente foi tomada pelos concorrentes na região. Os voos para Lisboa objecto de reclamação de passageiros principalmente em S. Vicente mas também na Cidade da Praia e noutras ilhas sofrem com a posição quase monopolística das transportadoras. As vias para solucionar isso tudo terão que ser encontradas no âmbito de uma política compreensiva de transportes que não se deixe ficar pela lógica pura e dura do mercado. Pequenos países e países arquipélagos têm imperfeições e falhas de mercado que não se resolvem com o laissez-faire. Há que encontrar o meio termo entre o excesso e a omissão do Estado para que nas ilhas e no país as reformas surtam o efeito desejado.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 901 de 05 de Março de 2019.