As eleições legislativas de 6 de Fevereiro deram uma terceira maioria absoluta ao PAICV. Como acontece nas democracias já consolidadas, o líder do maior partido da oposição reconheceu a derrota eleitoral quando se tornaram evidentes os resultados que para aí apontavam. Seguiu-se o discurso da vitória do líder do PAICV. A imprensa nacional e estrangeira e outros observadores saudaram o que aparentemente foi um processo eleitoral exemplar.
A realidade porém não é assim tão rósea. Vários incidentes antes e durante o período eleitoral indiciam problemas graves na democracia caboverdina.
Primeiro, foi a propaganda governamental que dominou o serviço público da rádio e televisão durante os meses que antecederam às eleições Depois, assistiu-se a vários momentos de confronto de autoridades públicas e do partido no governo com a lei eleitoral obrigando a intervenções repetidas da Comissão Nacional de Eleições. O Governo envolveu-se numa história rocambolesca de sabotadores na Electra que um inquérito a entregar até 31 de Janeiro ficou por esclarecer. Elementos das Forças Armadas foram posicionadas nas principais centrais eléctricas do Pais. Partidos em comícios, por todas as ilhas, dedicaram tempo precioso das suas mensagens a denúncias de compra de votos e de sequestro de bilhetes de identidade de votantes.
A democracia em Cabo Verde ainda não passou pelo teste da “segunda alternância de Poder”. Samuel Huntington, renomado cientista político americano, no seu livro Terceira Vaga: democratização no final do século XX , considerou como democracia consolidada só aquela em que “o partido que ganhou as eleições no período de transição, ao perder em eleição subsequente, transfere Poder para um outro partido e este, por sua vez, quando derrotado posteriormente também cede a governação pacificamente”. Segundo Huntington é essa segunda troca de partidos no governo que demonstra que as elites políticas no país estão suficientemente comprometidas com a democracia e com o processo de passagem de poder após as eleições. E que tanto elas como o público estão cientes de que se alguma coisa correr mal “mudam-se os governantes, não se muda de regime”.
É bom que se saiba o que vai mal para que no novo ciclo de governação a democracia seja aprofundada e consolidada. Para isso é essencial a contribuição de todos os actores políticos e fundamentalmente de uma sociedade civil autónoma e participativa e o suporte de uma comunicação social atenta, interveniente e defensora das regras do jogo democrático.
O espectáculo de milhares de jovens ontem nas ruas de Tunis, hoje nas de Cairo mas amanhã, provavelmente, nas de Amã e de outras cidades por esse mundo fora lembra os grandes desafios com que Estados e sociedades estão a ser confrontados. A baixa qualidade de ensino e a desadequação da formação profissional não contribuem para a competitividade e não são factores de empregabilidade. O resultado é o número crescente de jovens com estudos liceais e universitários completos sem possibilidade de um emprego decente e compensador. E isso num ambiente em que as famílias já sofrem com o aumento dos preços dos alimentos e de combustíveis que a saída ainda tímida da crise já provoca.
O ano 2011 vai de ser de apertar do cinto com já se anunciara. Os aumentos de combustíveis ontem divulgados são o prelúdio de dificuldades que virão. Espera-se que o governo que sairá das eleições de 6 de Fevereiro venha com uma outra energia e atitude em relação à construção de uma estrutura económica nacional com maior sustentabilidade e capacidade de expansão. Uma tarefa só realizável se for abandonada a cultura prevalecente de dependência que rouba as pessoas da sua liberdade e autonomia, aumenta a centralização e atrofia a criatividade e a iniciativa.
Editorial do jornal "Expresso das Ilhas" de 9 de Fevereiro de 2011