terça-feira, abril 30, 2013
Jobs ,jobs, jobs
Os dados do Instituto Nacional de Estatística que apontam para um aumento de mais de 4 por cento de desemprego entre 2011 e 2012 vieram confirmar a quebra de actividade económica e a ausência de oportunidade de emprego já sentida pela generalidade da sociedade cabo-verdiana. Conjuntamente com os dados do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) que dão conta de crescimento negativo em 2009 e taxas de crescimento abaixo do previsto nos anos subsequentes não deixam margens para dúvidas que a propalada agenda de transformação do governo não se concretizou. Mesmo com investimentos públicos vultuosos, que já levaram a endividamento no limiar da sustentabilidade, o país não cresceu como previsto e muito menos solucionou o grave problema de desemprego. A luta contra o desemprego não tem sido propriamente o foco da atenção do actual governo. Sempre que confrontado com números reveladores do pouco avanço no domínio do emprego, particularmente para os jovens, a resposta tem sido invariavelmente evasiva, desresponsabilizadora e acusadora. Relembra que o desemprego é estrutural, afirma que já fez a sua parte e acusa o sector privado e as pessoas de falta de iniciativa, de incapacidade de gerar auto-emprego e até de se negarem ao trabalho. Entretanto mantém viva a miragem do trabalho público na administração do Estado. Propicia estágios, abre novas vagas e promete o 13º mês e aumentos salariais. Age provavelmente com a forte convicção de que enquanto as dificuldades de crescimento do país não se fizerem sentir na administração pública, poderá manter a confiança de uma parte substancial do país, seja da elite nacional que gravita à volta do Estado, seja da parte da população que mesmo em dificuldades olha para o Estado como pedra salvadora. A realidade mundial actual e a história das nações demonstram que sucesso no combate ao desemprego só é possível com economias a crescer e a tornarem-se cada vez mais produtivas. Não se vê como Cabo Verde possa ser excepção a essa regra. Estranha-se pois que não se questione porque nos últimos dez anos o crescimento económico do país não foi acompanhado da criação significativa de empregos. O governo, apesar de falhar no seu objectivo programático de fazer cair o desemprego para um dígito, não presta a devida atenção ao problemamesmo quando ao longo da década perderam-se empregos em sectores como o industrial e serviços que não foram compensados por novos postos de trabalho. Prefere deflectir críticas com subterfúgios diversos e alimentar ilusões de desenvolvimento. Com investimentos públicos em infra-estruturas, em equipamentos sociais e sectores produtivos corre-se sempre o risco de contaminação política. Podem ser desviados dos seus propósitos originais. Em vez de contribuírem para o esforço global de criar riquezas através do uso efi- ciente de recursos como capital, trabalho e recursos naturais são utilizados como material de propaganda, como veículo de distribuição de favores e como expressão de uma relação paternalista com a sociedade. Constituem-se numa espécie de “atracção fatal” de que não se consegue libertar mesmo face à realidade do crescimento sem emprego, da criação de elefantes brancos e da falta do retorno desejável em áreas como a educação, a saúde e a formação profissional. O pior acontece quando a preferência pelo investimento público dissociado do suporte ao investimento privado situa-se perfeitamente na zona de conforto ideológico de quem governa. Nesse caso, nem o excessivo endividamento público para satisfazer o modelo de desenvolvimento consegue ser travão suficiente. É a economia que cria emprego e ela só pode sustentar-se sob impulso do sector privado. A existência de um ambiente de negócios caracterizado por forte concorrência, flexibilidade do mercado de trabalho e adequação do capital humano às necessidades das empresas é fundamental para se realizar o potencial da iniciativa, criatividade e energias dos indivíduos e da sociedade. Muitas dificuldades na criação de emprego ao longo dos últimos anos devem-se às insuficiências já constatadas na educação e formação profissional que resultam da rigidez das relações laborais e da crescente informalidade da economia. Os últimos dados do INE constituem um alerta sério para se mudar a política em Cabo Verde. Emprego é rendimento, auto-estima, factor de coesão social e suporte da cidadania activa e interventiva. Criar as condições para a sua criação e sustentabilidade é uma das funções fundamentais de qualquer governo. Não se deve permitir a nenhum governo eleito desresponsabilizar-se quando as suas políticas afectam de forma gravosa as expectativas de uma vida digna, autónoma e feliz dos cidadãos.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 30 de Abril de 2013
quarta-feira, abril 24, 2013
Ambição nova, modelo velho
“Uma nova ambição” foi o slogan do XIII congresso do PAICV, o partido no governo, realizado no último fim-de-semana. Slogan curioso, tratando-se de um congresso cuja finalidade aparente foi a de unir as fileiras, ainda com marcas da crise aberta pelas eleições presidenciais de 2011, para melhor proceder à substituição do actual líder, Dr. José Maria Neves. Mas compreende-se se a intenção é fazer os militantes confiar que vão permanecer no poder até pelo menos 2030, quando Cabo Verde será “um país desenvolvido”. Pela projecção de imagem de partido hegemó- nico no sistema político evitam lutas divisivas pela liderança e focalizam esforços dos militantes na subalternização da oposição. Nos discursos do congresso foi relembrado, em vários momentos, que o PAICV em 40 anos de independência governou 30 anos. Para se chegar a esse número não houve pudor algum em pôr no mesmo pé 15 anos de governo sem consentimento do povo (tirania, ditadura) e 15 anos de governo constitucional e com mandato do povo soberano baseado no voto. Dá para perguntar até que ponto os princípios e valores da República são assumidos pelos seus dirigentes. Com essa aritmética dúbia provavelmente pretendia-se dar por provado que é “destino” de Cabo Verde ser governado pelo PAICV. No quadro surreal assim criado, os anos noventa de governação do MpD, que por sinal são os anos da construção da democracia liberal e constitucional que Cabo Verde é hoje, são vistos como uma espécie de “desvio da história”. Também justificados ficariam os ataques, 12 anos depois, à década de noventa e o esforço em demonstrar que só quem realmente ama Cabo Verde merece governar. Os próprios. É interessante notar que a fasquia de 12 mil dólares per capita considerada ambiciosa de atingir em 2030 foi alcançada pelas Maurícias anos atrás. A diferença entre os dois, como países independentes, é de 7 anos, mas enquanto as Maurícias com a sua democracia diversificava a sua economia, industrializava-se e exportava bens e serviços, Cabo Verde caminhava sem liberdade pessoal, política e económica e com um passo rasteiro de 4,4 por cento em média. Fechado sob si próprio, hostil ao investimento directo estrangeiro e sem uma política coerente de desenvolvimento do capital humano, Cabo Verde não podia almejar atingir níveis aceitáveis de produtividade e competitividade, conseguir mercados e garantir retorno de investimento. Ficou para trás. Foi só com a implantação das liberdades e a edificação das instituições do Estado de direito, nos anos noventa, que se logrou soltar o potencial do país e crescer à média, da década, de mais 7% ao ano. A ambição pessoal de aumentar rendimentos e melhorar a qualidade de vida passou a ser o motor da nova era. A mudança de governo em 2001 constituiu de uma certa forma uma inversão de marcha. A taxa média de crescimento da década voltou a baixar para os 5,2 por cento fomentou-se a dependência de recursos externos, aumentou-se a dependência dos favores públicos e o desemprego agravou-se ainda mais. O entusiasmo do fim do milénio foi substituído pelo conformismo. Mais uma vez espera-se que o impulso do crescimento venha de donativos e da dívida concessional. Só se veio a reconhecer que a crise atingiu Cabo Verde quando os doadores se retraíram por falta de disponibilidade financeira. Entretanto a acção governamental não foi suficientemente dirigida para melhorar a competitividade, adequar o capital humano às exigências de hoje e atrair capital privado nacional e estrangeiro. Não se concretizaram as diminuições de custos de contexto nem se potencializaram oportunidades designadamente no turismo. E, como outrora, corre-se o risco de ficar agarrado a elefantes brancos fruto de investimentos de duvidosa racionalidade económica, mas perfeitos em proporcionar saltos imaginários de alavancagem do desenvolvimento. Cálculos feitos por economistas da praça apontam para 9% o crescimento do PIB para se atingir a meta dos 12 mil dólares em 2030. Os resultados muito abaixo dos previstos nos últimos três anos de investimento público, com base na dívida, deixam claro que com a economia estruturada e dirigida como tem sido até agora não será possível atingir tal taxa do PIB. Aliás, o abaixamento do rating da Fitch de estável para negativo provém também das informações definitivas sobre os anos 2008, 2009 e 2010 publicados pelo INE. A ambição pois só se concretizará com um outro modelo. Aquele que, como também noutras paragens e em vários momentos históricos, já demonstrou libertar as energias dos indivíduos e do sector privado dando as garantias institucionais que o esforço e a criatividade serão justamente compensados. Há ambição. Só que não é boa nem é nova. Parece que é mais uma das manifestações da velha ambição do poder que posto para escolher entre controlo e desenvolvimento opta invariavelmente por controlo.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 24 de Abril de 2013
quarta-feira, abril 17, 2013
Não repetir os erros do passado
“Fornecimento de energia e água com qualidade e a custos baixos é essencial para a melhoria do ambiente de negócios e das condições sociais”. Este é um dos vários conselhos dados pelo FMI no final da missão de Novembro de 2012 para se ultrapassar a situação actual de crescimento raso, o aumento do défice das contas correntes e o endividamento a aproximar-se dos limites da sustentabilidade. O relatório do FMI (WEO) publicado ontem baixava em 0,3% a previsão de crescimento para 2013 e alargava o défice de contas correntes de -8,9% para -13,2% do PIB.
Infelizmente o documento do FMI que trazia essa e outras recomendações ainda não foi publicado porque, segundo a ministra das Finanças, em declarações à rádio nacional, o governo não o autorizou. Supostamente continha erros nos cálculos da dívida externa. O Governo, com esta estória de erro nos dados, procura de facto minimizar o impacto da baixa do rating de Cabo Verde feita pela empresa de notação financeira Fitch. Imagine-se a felicidade dos gregos, portugueses,cipriotas e outros se pudessem dizer o mesmo e mudar a realidade vivida.
A fraca competitividade do país em vários sectores de actividade resulta em grande medida dos custos excessivos de energia e água. Uma década de uma gestão desastrosa do sector de energia e água deixou comparativamente o país com tarifas das mais altas entre os países da África. As famílias e as empresas tiveram que lidar anos a fio com blackouts sucessivos, imprevisíveis e duradoiros. Foram obrigados a arcar com os custos da baixa qualidade e falta de garantia de fornecimento contínuo adquirindo geradores e substituindo equipamentos e electrodomésticos danificados por variações bruscas de tensão. Enquanto tudo isso acontecia, assistia-se ao espectáculo protagonizado pelas autoridades de escolher em quem deitar as culpas na sequência de mais um apagão ou período de semanas sem água.
Na próxima semana, o Governo leva à Assembleia Nacional o debate sobre o sistema energético. Provavelmente considera que o momento é ideal para mostrar que colocou o país num caminho seguro para a resolução dos problemas de energia. O discurso oficial põe enfase nas taxas de penetração das renováveis, ontem de 25%, hoje de 50% e até já se fala de 100%. Mas, como em muitos desses investimentos feitos com recurso a crédito externo, a relação custo/benefício não é a melhor como é notório no caso das centrais solares de Santiago e do Sal. O facto é que mesmo com infusão da energia eléctrica a partir dos aerogeradores ainda não houve abaixamento do preço e o custo no consumidor do KWh, à volta de meio dólar, continua dos mais altos do mundo.
Quando se vê a situação actual da Electra com a sua reputação abalada junto do público e constituindo pelo volume das suas dívidas um risco orçamental, convém lembrar do que se deve evitar na governação do país e na gestão da coisa pública. Primeiro, há que fugir à tentação de transformar sectores chaves da vida do país em campos de batalha ideológicos em que se deixam soltos sentimentos neonacionalistas e anti-privatizações. Segundo, os investimentos devem ser programados de forma a serem feitos em tempo próprio, encadeados para terem maior impacto e submetidos a uma estratégia com objectivos bem definidos. Terceiro, a responsabilização pelo andamento do processo e pelos resultados deve ser assumido por quem de direito não deixando vazios de orientação que deitam a perder o capital humano e organizacional acumulado e sentido de pertença e orgulho dos trabalhadores.
O mundo da energia ainda traz muitas surpresas: quando se pensava que o preço dos combustíveis fósseis seria só a subir, inovações tecnológicas como o fracking, a extracção do gás natural das rochas xistosas, dão-lhes nova vida. Aumenta a oferta, baixam os preços, aparecem novos produtores e mais longo e árduo se torna o caminho para a implantação das energias renováveis. Cabo Verde, pelo potencial em energia eólica e nível de irradiação solar existente, tem um futuro nas energias renováveis. Importa agora, com uma rede inteligente “smart grid” e com a promoção de atitudes e regulações viradas para a eficiência energética, criar condições para que apareçam novos operadores e soluções inovadoras. Soluções que contribuam para que a energia chegue a todos a um preço aceitável e seja um factor de competitividade do país.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 17 de Abril de 2013
quarta-feira, abril 03, 2013
Cansaço
Sente-se que o exercício do poder se aproxima da sua fase derradeira quando se multiplicam os sinais de falta de equilíbrio e ponderação por parte do Governo. Em decisões tomadas, na comunicação com o país e no tratamento do contraditório ou de simples descontentamento popular já se nota desrespeito pelo princípio da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. Revelador nesse aspecto é o acórdão 26/2013 do Supremo Tribunal de Justiça que mostrou ser excessiva a coacção sob a forma de impedimento de entrada no local de trabalho e perda de vencimento imposta aos funcionários do Ministério das Finanças. Tinham-se negado a fornecer impressões digitais para um sistema de controlo de assiduidade cuja garantia de guarda efectiva de dados pessoais não era conhecida.
Excessos quase bipolares sucedem-se na comunicação. De um lado, o convite do presidente Obama, transformado em acontecimento histórico, é tratado de forma estrambólica. No sentido oposto dá-se sinais de autismo quando a ministra das Finanças responde secamente a jornalistas sobre a devolução do IUR com um “o MF está a fazer o seu trabalho”. Num momento o Primeiro Ministro chama de terroristas a deputados da oposição que no Parlamento, sede própria do contraditório democrático, questionaram políticas, exigiram responsabilização por manifesta má gestão da DGCI e chamaram atenção para por condutas alegadamente pouco éticas. No momento seguinte há festejos e regozijo porque Cabo Verde aparece colocado no 26º lugar das democracias do mundo.
Mesmo de instituições normalmente menos vulneráveis como as Forças Armadas vêm sinais preocupantes. A reacção do Chefe de Estado Maior na imprensa escrita em resposta a um alegado descontentamento de oficiais superiores não foi a mais cuidada e prudente. Respeito pela hierarquia e por critérios meritocráticos em promoções e na atribuição de comandos é fundamental para que a instituição esteja sempre à altura das suas missões constitucionais. Também já se notam tensões intra e inter-institucionais resultantes das tarefas em matéria de segurança interna que cada vez mais se confere às Forças Armadas. O quadro legal-constitucional entrega à Polícia a responsabilidade única pela segurança interna. Na falta de ajustes no tempo certo, de alterações de normas existente e de coordenação num quadro legal claro, surgem necessariamente tensões que acabam por afectar a eficácia operacional das forças.
A três anos do fim do mandato, a estabilidade governativa ressente-se de decisões importantes já pré-anunciadas quanto à liderança do partido que o sustenta. O primeiro ministro é presidente do Paicv até fins de 2014. Depois terá um ano de gestão certamente mais complexa do país porque a convergência com o novo líder do partido nem sempre se verificará. Dois membros do governo já se pronunciaram publicamente sobre a eventualidade de se candidatarem a presidente do partido. O ministro da Defesa Nacional está demissionário. Nos questionamentos dos jornalistas feitos à ministra das Finanças na sequência do relatório do FMI sobre a DGCI e também das promessas não cumpridas de devolução do IUR sente-se que há expectativa que ela não vai durar no cargo.
O terreno movediço debaixo do governo acontece precisamente quando as opções de política feitas no passado não deram os frutos pretendidos. Os investimentos públicos realizados não abriram caminho para investimentos privados indutores de crescimento significativo e criador de empregos. Mais: levaram o défice orçamental a atingir os valores mais altos de sempre e a dívida pública a aproximar-se do limiar da sustentabilidade. Culpar a crise internacional pelas dificuldades actuais não colhe, porque a perda de donativos e de acesso privilegiado a empréstimos concessionais já estava pré-determinado. Era consequência da graduação a país de rendimento médio. De facto, perdeu-se tempo, muita coisa foi para debaixo do tapete e o governo auto-iludiu-se com a sua retórica de transformação.
Tempos complicados vivem-se hoje. Muitas reformas ficarão por fazer, problemas sociais vários amontoaram-se, a administração depois de anos de forte partidarização deixa transparecer o seu desnorte e ineficácia e o espaço público revela um défice grande na sua capacidade de gerar soluções no quadro da dinâmica governo/oposição e governo/sociedade civil. É essencial que projectos de liderança emerjam e que sejam capazes de, num quadro plural, forjar vontades abrangentes, reconstituir a fibra da sociedade e imprimir uma nova motivação e confiança no futuro.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 3 de Abril de 2013.
quarta-feira, março 27, 2013
Imagem não é tudo
Um estudo recente de opinião do Centro de Investigação de Gestão
da Lusófona deixa transparecer a forma desconcertante como os caboverdianos
continuam a encarar os resultados da governação actual do país. Nos inquéritos
feitos dá-se maior nota à imagem de Cabo Verde projectada para o exterior
enquanto classificam como negativo a Economia e a Competitividade, as Finanças
Públicas, a Honestidade na gestão do governo, a Electricidade, a Água e o
Emprego e Formação Profissional. Parece não haver qualquer ligação entre a
imagem do país e o que normalmente deveriam ser os seus pressupostos. E o
governo não ainda é suficientemente penalizado pela falta de perspectivas e de
emprego a curto e médio prazo.
A aparente dissonância
cognitiva é resultado directo da forte propaganda do Estado. Veja-se o grande
alarido governamental e institucional que se segue a quaisquer boas
referências ou ajudas vindas do exterior. A propaganda, porém, só tem o eco
desejado porque se incutiu na população a importância central da ajuda externa
para a sobrevivência do país.
Durante décadas a fio
promoveu-se uma economia com base na reciclagem de donativos e empréstimos
concessionais. Para a relação com o mundo importava ser .credível e útil.ficando em segundo plano a construção de uma base produtiva e de prestação de
serviços. Vivendo da generosidade dos outros e sem suporte próprio e autónomo
abriu-se o caminho para o paternalismo do Estado e dos governos e para o conformismo
da população. A falta de dinâmica interna não permite às pessoas sonhar com
rendimentos e qualidade de vida de acordo com a motivação, energia e
criatividade que consigam mobilizar individualmente ou em empresas. Têm que
ajustar as suas expectativas de progresso ao que o governo consegue extrair da
comunidade internacional.
Em tal ambiente fica evidente
que dificilmente se desenvolve uma cultura de responsabilização do governo. A
tendência geral é para cada um procurar situar-se de forma a retirar o máximo
do sistema. O governo por seu lado reforça a sua legitimidade extrapolando o
seu papel em manter os fluxos externos. Na democracia com os ciclos eleitorais
periódicos, a vontade de se manter no poder torna a propaganda mais intensa e
permanente. No processo sorve recursos significativos do Estado, mina o
pluralismo e reforça o espírito dependente dos cidadãos.
Passam os anos e torna-se
cada vez mais difícil encontrar caminhos para a sustentabilidade futura ao
país. De passagem, desperdiçam-se oportunidades, gastam-se energias e
frustram-se ambições no embate com um sistema, com uma cultura e com pessoas
que só se revêem no modelo de uma economia de renda. E ninguém podia ignorar
que tal modelo um dia iria acabar.
Hoje o governo pretende
escudar-se na crise internacional para justificar a diminuição de donativos e
o fim do acesso dos empréstimos concessionais. Mas isso há muito que fora
anunciado. Como não aconteceu a transformação que há mais de uma década vem
apregoando, não há investimento e exportações que substituam as transferências
externas. Sente-se no dia-a-dia a perda de dinâmica de vários sectores de
actividade. Mas as acções de propaganda continuam e o governo não parece
incomodar-se mesmo quando a incompetência bate à porta da sua máquina de
arrecadar receitas.
O governo continua a
classificar de profetas de desgraça e de pessimistas quem lhe propõe outros
caminhos para a sustentabilidade do país que não a vã procura de novos
doadores. E insiste em manter o país preso à ilusão de que de alguma forma
saberá mobilizar recursos para substituir os perdidos. A cobertura mediática
das viagens recentes do Primeiro-Ministro à China e a Singapura visou
precisamente isso. As múltiplas declarações do PM desde o convite feito por
Obama a quatro países africanos incluindo Cabo Verde só se justificam com
tendência de fazer de toda a comunicação do governo propaganda.
Há que mudar. Há que
confrontar os atrasos estruturais e encontrar caminhos para uma dinâmica de
sustentabilidade do país. Há que o fazer em diálogo honesto com a população e
num contraditório útil e respeitoso com as forças da oposição e a sociedade
civil.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 27 de Março de 2013
terça-feira, março 26, 2013
Governação e propaganda: onde termina um e começa o outro
O insólito reina no discurso
político cabo-verdiano. O que mais se ouve falar é de que está em curso uma
grande Agenda de Transformação. Baldes de água fria surgem às vezes de repente
para pôr freio a certo tipo euforia. É o caso das declarações feitas
recentemente pela ministra das Finanças quando confrontada com as críticas do
FMI às estruturas do ministério ligadas ao fisco. Disse peremptoriamente: “Até este momento
caminhamos graças à generosidade da comunidade internacional, quer em termos
dos fluxos da ajuda pública ao desenvolvimento, quer em termos dos empréstimos
concessionais. Este paradigma tem de ser mudado e temos de ter a coragem de
criar as condições para mudar”. A ministra não só constata que a dependência externa persiste
e está bem enraizada, mas que será necessário algum feito corajoso, quiçá
heróico, porque é provavelmente muito difícil ou talvez contranatura, mudar as
coisas.
A pergunta que fica no ar é:
por que caminhos tem andado Cabo Verde que o mantém quase 38 anos depois da
independência ainda sujeito à generosidade dos outros? Certamente qua não os
mesmos das ilhas Maurícias que não obstante ser só sete anos mais velho como
país independente tem quase o triplo do rendimento per capita de Cabo Verde. Ou
então os caminhos das ilhas Seychelles e de outras economias pequenas e
insulares que não se deixaram seduzir pela ajuda externa. Pelo contrário,
aproveitaram as facilidades de acesso aos mercados para exportar bens e
serviços. E sem inibições, mas com sabedoria, desenvolveram o turismo pondo em
bom o uso a magia, a beleza e a tranquilidade associadas ao ambiente insular.
Em Cabo Verde, optou-se por passar para a comunidade internacional a “imagem de
bons meninos” e daí tirar dividendos sem pensar no dia de amanhã, mas sempre
com discursos de transformação. Até se inventou um nome pomposo para isso – “exportar
credibilidade”.
As dificuldades que a
ministra das Finanças já pressente no mudar de paradigma não são imaginárias.
Viver uma farsa com o fito de granjear assistência contínua de outrem acaba por
afectar o Estado, os indivíduos e o tecido económico-social e cultural de uma
forma que certamente não se encontrará em economias viradas para o exterior.
Assim é porque descentralização de decisões, iniciativa, espírito de
cooperação, meritocracia e cultura de resultados são necessários para se triunfar
no mundo global. Muito diferente é estruturar-se para gerir a generosidade dos
outros.Na esteira da obsessão pelo controlo dos recursos disponibilizados vem o
centralismo, a burocracia, o egoísmo e uma cultura fixada em processos e em
conseguir “mais e mais meios” em detrimento de realizações sustentáveis e
potenciadoras do engenho e energia das pessoas.
Muitos dos males
institucionais, sociais e políticos em Cabo Verde derivam do facto de o Estado
se colocar no topo da cadeia alimentar e estender os seus tentáculos para se
assegurar que todos, indivíduos, empresas e organizações sociais dependam da
sua generosidade. O movimento para a regionalização em várias ilhas é, em boa
parte, uma reacção ao centralismo, à macrocefalia e a assimetrias diversas que
resultam da postura de controlo. Iniciativas como o da cimeira do
Primeiro-ministro com os presidentes das câmaras na passada sexta-feira não dão
sinais de irem além do show off. Até parecem gestos vazios face às reiteradas
tentativas de diminuir as atribuições e a autonomia dos municípios. No mesmo
sentido vão as acções do Estado junto dos jovens e idosos. Sente-se excesso de
politização no que deviam ser actos de solidariedade colectiva para com os
elementos mais vulneráveis da comunidade.
Para fazer marchar a economia
e para a criação de empregos não se nota o mesmo empenho. A forma quase
distraída descrita no relatório do Banco Mundial como o Governo encara o
turismo, o impulsionador da economia e grande criador de empregos, dá conta
disso. Nessas matérias que são fundamentais para a autonomia, rendimentos e
auto-estima das pessoas, o governo retrai-se com justificações de
responsabilidade partilhada ou com desconhecimento das razões por que o sector
privado não investe.
Nesta fase em que o governo se
vê forçado a ir além do seu modelo de reciclagem da ajuda externa nota-se a
intensificação da propaganda. Até faz lembrar momentos pré- eleitorais.
Agarra-se a tudo para marcar presença intoxicante na comunicação social:
Tubarões Azuis, eleição do Papa, índice de desenvolvimento humano, convite de
Obama. Lembra certos governos da Europa pouco antes de perderam nas urnas. Mas
não se pode governar com propaganda. Os cabo-verdianos têm direito de saber a
verdade da situação do país para melhor poderem posicionar-se para o que o seu
futuro seja escrito com a sua participação, conhecimento e vontade de vencer.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 26 de Maio de 2013
quarta-feira, março 13, 2013
“Boa governação” mira-se no espelho
Da ministra de Finanças o
país já se habituou a ouvir declarações categóricas do género “a DGCI estará em
condições de iniciar os pagamentos (do IUR) na segunda quinzena de Novembro
(2012)”, que depois não têm tradução em actos reais e concretos. No passado
recente fez o discurso da blindagem, na sequência da crise internacional, com
o mesmo fervor e certeza que posteriormente iria colocar no discurso de aumento
brutal do IVA na água, energia, transportes e comunicações e na criação de
novas taxas para fazer face à mesma crise. Em entrevista ao jornal “Asemana”,
há quatro meses atrás, a ministra garantiu que a “estrutura (da DGCI) necessária, incluindo a
aplicação, os procedimentos e o savoir-faire, está pronta”. Hoje, no relatório
do FMI, sabe-se que a DGCI vive um caos administrativo. A questão que se põe é em quê acreditar.
Já havia sinais que a imagem
de rigor projectada pelo ministério das Finanças e Planeamento não condizia
com a prática. Para a imagem de competência muito contribuiu o aumento
extraordinário das receitas do Estado de 2004 a 2008 e as proclamações oficiais
que punham ênfase na qualidade das despesas. A realidade, porém, como comprova
o relatório do FMI, é que o aumento deve mais à adopção do IVA e à dinâmica
económica do “tempo das vacas gordas” do que a uma maior eficácia da
administração fiscal. Aliás, foi durante esse período que o grupo de quadros
que fora preparado para o IVA se dispersou e as reformas preconizadas em 2004,
para consolidar a DGCI, não se concretizaram. Por outro lado, a suposta
qualidade das despesas revelou ser mais gorduras do Estado e despesas rígidas
dificilmente sustentáveis em tempo de vacas magras e ainda por cima feitas com
rigor discutível. Prova disso foram os fundos transferidos para associações e
outras entidades nas vésperas das eleições presidenciais. Na época
constituíram objecto de denúncias públicas, em particular de círculos próximos
do partido no governo, mas apoiantes do candidato não sancionado pela cúpula do
partido.
Com a crise as consequências
de não se ter uma máquina tributária à altura fizeram-se sentir em força.
Segundo o FMI, as receitas caíram devido não só à quebra da actividade
económica, mas também porque a DGCI não dispunha de meios humanos e da expertise necessária para fazer os
contribuintes em geral e principalmente os mais fortes cumprir plenamente a
lei. No processo, a relação com os contribuintes piorou por falta de capacidade
de resposta, particularmente no que respeita às restituições do IUR e às
devoluções do IVA. Os cidadãos e as empresas sentiram-se prejudicados no seu
rendimento disponível e na sua liquidez e capacidade de investir, enquanto o
Estado pelas suas próprias palavras (OE 2013) confessava estar a financiar-se
gratuitamente com o IUR não restituído. A reacção nefasta do governo perante o
que é de facto resultado de má gestão da sua administração não ficou por aí.
Procurou superar as deficiências da administração fiscal alargando as fontes de
receitas com novos impostos e actualizações de taxas. É evidente que a
competitividade das empresas e do país não poderia deixar de sofrer com os
custos e ineficiências daí resultantes.
O relatório põe a nu várias
opções do governo prenhes de consequência. Um aspecto vital citado é o dos
recursos humanos. A administração fiscal exige quadros altamente qualificados e
motivados. Qualificados para estarem à altura da complexidade do sistema e
poderem responder às necessidades dos contribuintes e também dissuadir os
tentados a contratar consultores na perspectiva de contornar obrigações fiscais. Motivados não só no
ambiente de trabalho como também na remuneração porque considerando os valores
em jogo é de se prevenir situações que podem conduzir a favorecimento e mesmo
corrupção. Ora o que diz o FMI é que a qualificação e motivação na DGCI estão
muito aquém do desejável. Não há carreira porque não se fazem concursos
públicos. Pessoas com mesma formação e perfil são pagos de forma diferenciada
sem que haja razões objectivas para isso. Quadros dirigentes com deficiente
capacidade de gestão e planeamento
tendem a funcionar como .bombeiros.procurando responder a solicitações de
outros sectores do ministério e de contribuintes.
Um outro aspecto grave que o
documento aponta é o do sistema informático e a relação com o NOSi. Têm sérias
dúvidas quanto à adequação da aplicação utilizada e estranham que aos
utilizadores não é dado formação apropriada nem mesmo um manual para se
orientarem. Resultado disso é o atraso de anos na construção de cadastros dos
contribuintes e as dificuldades em obter do sistema recursos que por um lado
facilitem a vida dos cidadãos e empresas na relação com o fisco e por outro
permitam à DGCI detectar incumprimentos, fraudes e tentativas de evasão fiscal.
Perante tudo isto, várias
questões se colocam: será que o que se passa no ministério das Finanças é
espelho do que acontece noutros ministérios? A administração pública
encontra-se no mesmo estado da DGCI quando à qualificação e motivação dos seus
quadros e capacidade de planeamento da sua actividades? O NOSi, no qual tanto
se tem investido, presta serviço a outros sectores do Estado da mesma forma
como faz à DGCI descrita no relatório do FMI? Por onde anda a boa governação? O
governa que esclareça o país.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 13 de Março de 2013
quarta-feira, março 06, 2013
Transformação ou miragem
Na Europa, os países do Sul, os chamados PIGS (Portugal, Itália,
Grécia e Espanha) foram os mais atingidos pela crise financeira. As razões são
múltiplas, mas a opinião corrente é que as lideranças nacionais durante décadas
não fizeram as transformações que a entrada na zona euro impunha. De facto, uma
união monetária com a Alemanha e outros países do norte da Europa exigia alguma
convergência em termos de produtividade e de competitividade externa sob pena
de se dividirem em países credores e países devedores. Infelizmente é o que
veio a acontecer. Hoje para assegurar crescimento futuro são obrigados a
adoptar políticas duras de austeridade e a fazer reformas dolorosas, que a
curto prazo trazem desemprego, empobrecimento geral e perda de qualidade de
vida.
Nada disso era previsível
anos atrás quando pareciam estar a modernizar-se num ritmo estonteante. Na
época, os líderes projectavam a imagem de estar a cavalgar ondas de transformação.
Inauguravam grandes infraestruturas, apadrinhavam projectos de modernização e
lançavam iniciativas tecnológicas de ponta. Exímios no marketing político e em
relações públicas, apresentavam-se como a promessa da prosperidade crescente e
imparável. Quando se caiu na realidade, ficou claro que muito do esplendor
anterior, financiado com fundos comunitários a custo perdido e com dívida
pública e privada a juros só possíveis no quadro de uma verdadeira união
monetária e fiscal, não passava de “fogo-de-vista” e não contribuía para atrair
investimento estrangeiro, abrir novos mercados e alargar a base exportadora.
Hoje é claro para todos, principalmente para aqueles que mais pagam os
excessos, as ilusões e as promessas não cumpridas, que os anos passados de
suposta glória e transformação foram de desperdício, de oportunidades perdidas
e mesmo de aproveitamentos menos lícitos.
A lição parece que não chegou
a Cabo Verde. Ouvindo os governantes, fica-se com a impressão de déjà vu. A
similaridade com o optimismo e o fulgor governo de Sócrates em Portugal antes
da chegada da Troika é por demais evidente. Também aqui a mobilização de
milhões de metros cúbicos de água, a aposta nas energias renováveis, a
promoção das TICs e os clusters tirados quase literalmente da cartola prometem
redenção e prosperidade futura e levar Cabo Verde em 2030 a 12 mil dólares per
capita: o ponto onde actualmente se encontram as Maurícias. Há porém uma diferença
com Portugal. As infraestruturas em Cabo Verde não foram financiados com
transferências de fundos europeus a custo perdido. Foi com dívida externa e o
serviço da dívida já começou a pesar seriamente (ver paginas 28 e 29).
Apesar de o Primeiro-ministro
José Maria Neves se ver como líder transformacional, a exemplo dos que citou na sua .aula
magna.da terça-feira na Escola de Negócios e Governação, a realidade é que
mesmo após 12 anos de governo contínuo, o essencial para a sustentabilidade do
país não se concretizou. Na sequência dos investimentos públicos não vieram
investimentos privados, o que indicia prioridades duvidosas, timings errados
ou inadequações diversas. Sem o sector privado e sem investimento estrangeiro
e sem competitividade externa como assinalam os relatórios do Forum Económico
Mundial e do Doing Business dificilmente se poderá garantir níveis de
crescimento necessários durante anos e décadas para acabar com o desemprego,
eliminar a pobreza e garantir prosperidade para todos. A estrutura de economia
sem uma base diversificada e muito centrada no turismo e ainda em modo de
reciclagem da ajuda externa revela o grau da não concretização das
transformações prometidas.
Criar novos paradigmas,
lançar novas plataformas e ter iniciativas ou mesmo tirar o país da sua rotina
habitual não são tarefas para qualquer líder. É mais tentador deixar-se seduzir
pela aparência de sucesso e pela popularidade gerada pelo marketing político.
Ou então, ficar pela conquista de boa vontade junto da comunidade
internacional para poder aceder a fundos que depois se utiliza para reproduzir
o paternalismo do Estado e alimentar o assistencialismo e o conformismo das
populações. Quando se quer realmente mudar, há riscos a percorrer e
experiências a serem produzidas.
A marca dos verdadeiros
líderes vêem-se mesmo nos momentos de saída. O exemplo último foi o do Papa
Bento XVI que foi ao ponto de resignar para dar à Igreja a possibilidade de,
com um novo Papa, de ultrapassar os escândalos sexuais, resolver problemas
organizacionais e adaptar-se para o século XXI. Demonstra uma fibra que já tinha
revelado na luta contra o relativismo moral e pela afirmação de que a razão e
fé não são incompatíveis.
As nações em momentos de
encruzilhada na sua história precisam que a realidade não lhes sejam omitida
com recurso ao marketing político ou que sejam desviadas do confronto da
realidade por populismos similares ao de Hugo Chávez. Como nos diz a Europa do
Sul, miragens pagam-se caro.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 6 de Março de 2013
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