domingo, janeiro 10, 2016

2016 – Ano de Mudança?

Há 25 anos, 1991 foi um ano de mudança histórica em Cabo Verde. Por Cabo Verde também passavam os ventos que desde de 1989 vinham deitando abaixo regimes totalitários e autoritários em todos os continentes. Para caracterizar o fenómeno, Francis Fukuyama falava na época do “Fim da História”, do abraçar quase universal dos princípios e valores da liberdade e democracia e do reconhecimento da importância central da iniciativa privada e dos mercados na criação de riqueza e prosperidade. Um optimismo contagiante acabou por dominar toda a década que então se iniciava à medida que barreiras ideológicas desapareciam e saltos tecnológicos nos domínios dos transportes e telecomunicações lançavam a humanidade num processo de globalização sem precedentes. Em consequência, centenas de milhões de pessoas deixaram a pobreza, muitas vezes abjecta, para integrarem as fileiras da nova classe média dos países emergentes.
Cabo Verde, que vinha de vários anos de estagnação económica e de um crescimento do PIB em 1990 de praticamente 0%, iniciou o ano com um novo governo que se anunciou pronto a construir as instituições próprias de uma democracia moderna e a reestruturar profundamente a economia. A economia estatizada que tinha sido criada nos quinze anos de partido único tinha falhado em fazer Cabo Verde crescer com a rapidez que outros estados insulares como as Maurícias e as Seychelles vinham crescendo. Em consequência o rendimento per capita de Cabo Verde mantinha-se abaixo dos mil dólares (957) enquanto nas Maurícias já era de 2365 dólares e nas Seychelles já ultrapassava os 5 mil dólares. Essas ilhas tinham feito escolha oposta em relação a Cabo Verde. Maurícias tinham apostado na atracção do investimento externo para criar uma base de manufactura para exportação, aproveitando o sistema preferencial de acesso a mercados da Europa, América e Japão e as Seychelles tinham feito um comprometimento sério com o desenvolvimento do turismo, que as deixou com um turismo de qualidade que tem um efeito forte de arrastamento na economia nacional.
Depois de quinze anos de rendimentos perdidos por causa de estratégias erradas de estatizar, fugir dos mercados e rejeitar o turismo, a perspectiva nos primórdios dos anos noventa era soltar as amarras que vinham prendendo a criatividade, energia e iniciativa dos cabo-verdianos e pô-las ao serviço da criação de riqueza. A década de noventa acabou por se revelar de um crescimento sem precedentes, com impacto significativo no emprego que desceu para os níveis mais baixos de sempre. A década e meio que se seguiu, apesar de beneficiar de importantes fluxos de capital privado particularmente nos três anos antes da crise financeira de 2008 e de donativos e empréstimos concessionais ao longo de todo o tempo, tem-se revelado frustrante nos resultados de crescimento económico (2012 – 1,2%; 2013 - 1%; 2014 - 1,8%) não obstante os avultados investimento feitos. O ano de 2015 é já claramente um ano  fraco com resultados nos três últimos trimestres  de 1%, 05%, 1,4%  respectivamente a confirmar que o impacto de toda a chamada Agenda de Transformação ficou muito aquém do prometido.
A Ministra das Finanças ainda procura justificar a situação actual de estagnação económica como sinal de modelo esgotado e de necessidade de passar para um outro estádio de desenvolvimento, numa perspectiva que justifica a orientação seguida até agora e até aconselha para se continuar numa nova etapa. A realidade porém é que há muito se devia ter abandonado o modelo, mas razões outras não deixavam. Uns dizem que é por factores ideológicos, outros apontam para razões pragmáticas de manutenção do poder. O facto é que com o andar dos anos a competitividade externa do país não melhora, os sectores de energia, água e transportes marítimos e aéreos continuam fracos, caros e não confiáveis e a base da economia mantem-se pouco diversificada. A administração pública faz o seu trabalho sempre pouco sensível e burocrática em relação ao mundo de negócios, enquanto a atenção dos governantes para questões centrais como a segurança, o desenvolvimento do turismo e a atracção de investimento externo continua não devidamente focalizada, nem consequente.
Em 1991 teve que se imprimir uma reorientação radical para que a economia voltasse a crescer a taxas que se traduzissem em ganhos efectivos, em rendimentos e qualidade de vida para a população. Algo similar deverá acontecer neste ano de 2016. A dúvida é se, à semelhança do que foi há 25 anos, também hoje existe a consciência de que se impõe uma mudança de paradigma na governação actual, uma vontade em explorar outras vias para desenvolver o país e uma confiança que é possível produzir riqueza e prosperidade sustentável de que todos poderão beneficiar. Para bem de toda a gente, esperemos que sim.
        Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 6 de Janeiro de 2016
    

sexta-feira, janeiro 08, 2016

Saídas

Uma das novidades da última semana de Dezembro foi a saída da Janira Hoffer Almada do cargo de Ministra da Juventude e do Emprego. O Primeiro-Ministro justificou a saída com a marcação das eleições legislativas e com a necessidade de ela se dedicar às tarefas político-partidárias. O argumento não colhe. A presença dela no governo não limitou em nada a sua acção partidária em particular desde de meados de 2014 quando se apresentou como candidata ao cargo de presidente do PAICV. Pelo contrário serviu, e bem, para fazer avançar os seus propósitos de liderança e conseguir os resultados que obteve como em tempo foi denunciada pelos outros candidatos, designadamente por Felisberto Vieira. O acto de pedido de exoneração não tem outra explicação senão o de camuflar o que a olhos de todos andou a fazer durante este ano de 2015. Esteve todo o tempo em campanha eleitoral pelas ilhas e pelas comunidades no exterior fazendo uso de recursos e meios do Estado. Aliás é só perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro  se alguma vez (2006 ou 2011)se suspendeu do seu cargo para se candidatar a um novo mandato no governo. Não há nenhuma exigência constitucional ou da lei eleitoral nessa matéria. Diferente é o caso de Ulisses Correia e Silva na Praia. Presidentes de Câmara e vereadores são inelegíveis no círculo eleitoral onde exercem actividade (alínea a do art. 404º)  do Código Eleitoral. Por isso, no seu caso como o foi de António Monteiro em 2006 é de renunciar ao mandato na câmara, em tempo para poder constar da lista de deputados para o círculo eleitoral de Santiago Sul.

    Publicado no jornal Expresso das Ilhas de 6 de Janeiro de 2016

quinta-feira, janeiro 07, 2016

Reafricanização dos espíritos: consequências

O jornal Público trouxe no domingo dia 3 de Janeiro uma reportagem intitulada “Ser africano é um tabu em Cabo Verde”. Lendo os vários depoimentos não se pode deixar de concluir que há uma crise profunda de identidade em Cabo Verde. Parece que já não existe mais o cabo-verdiano que só depois de chegar à Europa, como parece ter sido o caso do Corsino Tolentino e do Francisco Carvalho, é que descobre que há gente que confunde identidade com cor da pele. Não era assim na sua terra. Passou a ser depois quando o Estado independente dirigido pelo PAIGC/PAICV assumiu como sua missão fazer a “reafricanização dos espíritos”. A partir daí, segundo Gabriel Fernandes,  os caboverdinos não se concebem a partir de dentro, da sua peculiaridade cultural, mas sim de fora, da sua compartilhada situação de africanos e dominados” . Em vez de se conservar num estado fora das tensões raciais que a sua vivência crioula nas ilhas lhe tinha proporcionado deixou-se dividir e agora diz que é cabo-verdiano, preto e africano. E naturalmente quando se começa a resvalar num plano inclinado a tendência é acelerar, neste caso, encontrar razões diversas para se dividir ainda mais:  coloração da pele, mais clara ou mais escura; lugar de origem, ilhas a norte ou a sul; badios e sampadjudos; descendentes de escravo, resistentes ou colaboracionistas, etc. Tudo pode ser motivo de divisão e de polarização e consequente discriminação até se chegar ao absurdo da afirmação do Abrãao Vicente nessa reportagem de que O poder acaba por filtrar o negro. Ulisses Correia da Silva, presidente da Câmara da Praia, é o primeiro santiaguense preto a candidatar-se a primeiro-ministro. Todos os outros foram mestiços, mulatinhos.”

     Publicado no Jornal Expresso das Ilhas de 6 de Janeiro de 2016

segunda-feira, janeiro 04, 2016

2015: um ano atípico

O ano de 2015 que chega ao fim tem-se revelado em vários aspectos como um ano incomum. Provavelmente ficará registado como um ano de mudanças em vários países e regiões do globo, um ano de viragem em muitos outros e ainda um ano em que, em vários momentos, surpreendeu pelo surgimento do inesperado.
No plano internacional todos os olhos têm estado transfixos no que se passa na Europa: sem ainda ultrapassar a crise financeira e da dívida soberana já está mergulhada na crise dos refugiados. A resposta óbvia para ultrapassar as crises seria dar um passo em frente para uma maior integração da União Europeia. Mas nem todos vêem com bons olhos mais cedência de soberania nacional, maiores transferências de fundos para evitar uma Europa a várias velocidades e uma política externa e de defesa comum que permita protagonismo mais consequente na cena mundial e a contenção de eventuais ameaças vindas da Rússia ou do Médio Oriente. Afligidas pelas dúvidas e incertezas, as nações dentro da Europa deram este ano sinais claros que poderão estar perante autênticos terramotos políticos dentro das suas fronteiras. Em Portugal, Espanha e Grécia os partidos tradicionalmente do chamado arco da governação perderam terreno a favor de partidos de esquerda radical enquanto em países com a Suécia, a França, a Polónia e a Hungria foi a extrema-direita que fez progressos assustadores.
Do outro lado do Atlântico, na América do Sul, é já claro a viragem na maré do populismo que ameaçava engolir vários países do subcontinente. Perdeu vitalidade em certa medida com a queda do preço do petróleo e de outras commodities (matérias primas e produtos agro-pecuários). Sinais disso vêem-se na crise do chavismo na Venezuela, nas dificuldades do governo  brasileiro a braços com o marasmo económico e acusações graves de corrupção e no afastamento dos partidos peronistas na Argentina após décadas de poder. A quebra na procura global também teve outros efeitos designadamente no crescimento dos chamados países emergentes, em particular dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Pôs em evidência algumas das insuficiências do modelo económico por eles seguido e baixou as expectativas de crescimento global a ponto de economistas proeminentes alertarem para  uma possível “estagnação secular”. 
Talvez já a antecipar os tempos menos auspiciosos que podem estar à frente, Cuba, com a ajuda providencial do Papa Francisco, apressou-se a negociar com os americanos o fim do embargo de mais cinquenta anos imposto ao país. O presidente Obama que soube surpreender o mundo com as negociações de Cuba, conseguiu ainda neste ano realizar a façanha do acordo nuclear com o Irão não obstante a hostilidade aberta de Israel e de sectores do partido republicano. Em Novembro, inesperadamente, pôde construir conjuntamente com a China e mais países na Cimeira de Paris um consenso inédito no domínio de mudanças climáticas que obriga a acções coordenadas de todos para evitar que o aquecimento global vá acima dos 1,5ºC.
2015 fica  ainda marcado pelo irromper na cena internacional de acções terroristas do Estado Islâmico. Os atentados de Paris mostraram a capacidade do ISIS em recrutar combatentes entre os jovens europeus e de levar para o coração da Europa o terror que acompanha a sua luta pelo Califado. O medo gerado pela possibilidade de actos terroristas tornou extremamente difícil a gestão dos muitos milhares de pessoas que vindas da Síria procuram escapar da extrema violência que caracteriza a actuação do ISIS no quadro das lutas sectárias que dilaceram o Médio Oriente. Na Europa e também na América sentem-se os efeitos desse medo nos discursos de certos políticos e no avanço de forças radicais tanto de esquerda como da direita, todos apostados em fazer política identitária exacerbando em particular o nacionalismo, a etnicidade e a religião. A África, e em particular a Líbia, o Mali e a Nigéria com o Boko Haram já é um palco para a reprodução desses conflitos.
 Em Cabo Verde também 2015 foi um ano atípico. Iniciou com a mudança da liderança do PAICV, o partido que suporta o governo, mas não foi seguida de mudanças no sistema de governação, designadamente de unificação da direcção política do partido com a chefia de governo e com a liderança da maioria parlamentar. As tensões que daí resultaram produziram situações como as que deitaram abaixo o estatuto dos titulares de órgãos de soberania aprovado unanimemente pela Assembleia Nacional e que já levaram à demissão da ministra Sara Lopes, em Novembro, e na semana passada à saída da ministra Janira Hopffer Almada. São situações que, por falhas na coordenação e défices de solidariedade, diminuem a eficácia da governação com os resultados que se vêem com particular nitidez na gestão desastrosa que se está a fazer da TACV.
Também por essas mesmas razões 2015 foi um ano de campanha eleitoral a todo o tempo no qual naturalmente por razões de recursos e de oportunidades o governo foi o principal protagonista de entre todos os outros actores. Os quarenta anos de independência foram comemorados meses a fio tanto no país como nas comunidades. Viagens sucederam-se pelas ilhas num ritmo vertiginoso. Provavelmente não houve dia em que não se tenha inaugurado alguma coisa com direito a cobertura da rádio e da televisão. Chegados ao fim de 2015 e a poucos dias do início do período eleitoral, espera-se que tudo volte à normalidade e o processo democrático siga o seu caminho e dê ao país um governo legitimado nas urnas. Cabo Verde bem precisa.
   Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 30 de Janeiro de 2015