segunda-feira, junho 10, 2019

O pau e a cenoura

Amanhã 6 de Junho deverá ser assinado com o Banco Mundial o acordo de ajuda orçamental de 40 milhões de dólares, como foi anunciado pelo próprio primeiro-ministro durante o último debate no parlamento.
Apesar de não ter ficado claro qual a modalidade de dispensa da ajuda, se seria anual ou o montante dividir-se-ia por 4 ou 5 anos, parece que o importante no anúncio é a decisão da retoma da ajuda. Para o PM significa um reconhecimento do esforço do governo em melhorar a economia nacional. Em 2016, no princípio do mandato do actual governo, o Banco Mundial ao suspender a ajuda directa ao orçamento condicionou a sua retoma à melhoria da situação financeira da TACV. Em Maio de 2017 o governo retirou a TACV dos transportes aéreos doméstico e regional e entregou a exploração desses mercados à Binter. Não foi suficientemente para o Banco Mundial. Continuou a insistir que teria que haver uma solução para a TACV internacional que eliminasse riscos orçamentais futuros. Até lá não haveria ajuda. Finalmente em fins de Fevereiro último com a compra de 51% da TACV pela islandesa Lotfteidir parece que o BM já se dá por satisfeito e volta à ajuda.
O que aconteceu visto assim retroactivamente faz lembrar a utilização da técnica do “pau e da cenoura” para conseguir resultados em que a virtude está do lado de quem os usa e os custos são assumidos por quem foi apanhado em falta. A verdade porém não é tão simples. As instituições de Bretton Woods, entre as quais o FMI e o BM, não desconheciam que no período imediatamente anterior se agravara a dívida do país, aumentara o défice orçamental e a economia praticamente se tinha estagnado durante anos seguidos. Nos seus relatórios recomendavam a aceleração de reformas estruturais designadamente da TACV, mas, como dissera a ex-ministra das Finanças à imprensa em 2013, continuavam a reconhecer que a dívida era sustentável a longo prazo. Com a mudança de governo a verificar-se em 2016 as referidas instituições endureceram a sua posição e já exigiam a “liquidação” da TACV. O governo, posto contra a parede, certamente que não foi nas melhores condições que teve que proceder à reestruturação da transportadora aérea e claramente a sua posição negocial sofreu com isso. As soluções encontradas são custosas e padecem de insuficiências várias, mas pelo menos a sangria de fundos públicos foi em grande medida estancada. O serviço de transporte aéreo que porém se espera ter num país arquipélago e relativamente isolado do mundo ainda está aquém do desejável.
Paul Romer, o Prémio Nobel da Economia que foi durante alguns anos economista chefe do Banco Mundial confessou num artigo no jornal Financial Times que falhou em tentar reformar essa instituição. Ele diz que que o banco tem uma missão diplomática mas que diplomacia exige ambiguidade e o que o BM faz para manter conformidade na frente diplomática não é compatível com pesquisas científicas necessárias para a identificação dos problemas e a proposta de soluções. Quer dizer que há que tomar com saudável cepticismo algumas das reformas que propõem. Segundo Romer, poderão ter sido afectadas por “complexas sensibilidades políticas”. Aliás, nenhum país se desenvolveu com as soluções do BM que não poucas vezes mudam conforme uma ou outra corrente económica se torna proeminente. Comentando a actual “paixão” do BM pela inclusão financeira usando tecnologia (fintech) alguém no Financial Times de 24 de Abril lembrou o obvio – que sem rendimento não há inclusão financeira, e sem emprego não há rendimento. Tecnologia por si própria não resolve o problema do desenvolvimento como se fosse algo mágico.
Ter capacidade própria, consistência e convicção é pois fundamental na busca do melhor caminho para chegar ao desenvolvimento . Para isso toda a ajuda deve ser bem-vinda mas ela nunca pode significar ficar na posição em que o diálogo entre parceiros é substituído por incentivos do tipo “pau e cenoura”. Nesse sentido é imprescindível que se aja de forma estratégica para diminuir a dependência tanto em termos de recursos como também de visão, capacidade de produzir e implementar políticas públicas. Infelizmente as décadas de política de reciclagem da ajuda externa consolidaram no país uma cultura de dependência. Em vez de seguir políticas próprias, demasiadas vezes vai-se atrás de projectos propostos por parceiros internacionais porque são a fonte de financiamento. Não se prepara devidamente para expor e defender as opções próprias e definir as prioridades do país. Em nome do desenvolvimento a reciclagem da ajuda tende a tornar-se num fim em si mesmo. O que fundamentalmente passa a importar é o fluxo de recursos criado pelos projectos sem que os resultados ou a sustentabilidade futura dos mesmos estejam no centro da atenção. A preocupação maior é que a um projecto siga um outro num movimento que se quer permanente.
No processo, além dos custos associados à falta de uma visão integradora com acções encadeadas e dirigidas para objectivos bem definidos, acrescentam-se ainda a ineficiência na utilização dos recursos. Tal acontece às vezes por descaso, porque são doados, outras vezes, porque não alavancam recursos existentes e ainda outras vezes porque são desviados em troca de favores políticos e similares. O orçamento do Estado que deve ser financiado fundamentalmente por receitas conseguidas com a contribuição de todos os cidadãos também devia merecer atenção para melhor se poder avaliar o seu impacto e a qualidade das despesas. Infelizmente o que se verifica em demasiadas ocasiões é que parafraseando o Presidente da República muitas das despesas do Estado revelam-se desnecessárias, desadequadas e desproporcionais. A falta de racionalidade na utilização dos recursos e o desperdício evidente que se faz em viagens, eventos e em iniciativas improdutivas dificilmente vão permitir que chegue um dia em que se possa libertar-se da ajuda orçamental de outros países e instituições internacionais. Quer dizer que os custos inerentes, imediatos e a prazo, vão manter-se mesmo quando trazem algum bem.
Regozijar-se com a retoma da ajuda do Banco Mundial só deveria ter razão de ser se fizesse lembrar as dúbias razões que em primeiro lugar levaram à sua suspensão, os sacrifícios feitos depois e os custos assumidos por causa da posição de fragilidade com que se teve de encarar certas situações para voltar ao agrado do BM. Mas não só lembrar. Importa é agir para que a exposição do país às vontades dos outros seja cada vez menor e o país esteja melhor posicionado para prosseguir o seu próprio caminho e cumprir a sua visão de futuro com parcerias menos condicionantes e mais potenciadoras das capacidades e recursos do país.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 914 de 5 de Junho de 2019.

segunda-feira, junho 03, 2019

Promessas da economia digital

O conflito com a empresa Oi terminou formalmente no dia 22 com a “recompra” dos 40% das acções que detinha na CVTelecom.
A empresa brasileira teria comprado as acções da Portugal Telecom numa operação que não foi de conhecimento imediato da parte cabo-verdiana. O contencioso que se seguiu depois de passar pelos tribunais cabo-verdianos, com desfecho positivo para os accionistas nacionais, foi levado ao tribunal arbitral de Paris onde tudo leva a crer que Cabo Verde arriscava-se a pagar 120 milhões de dólares à Oi entre indeminizações e outros custos, em vez dos 26 milhões necessários para as reaver. Como acontece nestas situações, o assunto foi mais uma oportunidade de confronto político onde mais se acusou do que se esclareceu. A tentação foi de se reabrir o debate em como a privatização se processou no passado em vez de se concentrar em como agir para dinamizar um sector vital nos tempos de hoje que paradoxalmente em Cabo Verde há anos que dá sinais de dificuldades com contributos baixos e até negativos para o PIB nacional, segundo o Relatório Anual do BCV de 2017.
Os quadros do INE são também claros a mostrar que as telecomunicações, actividades dos serviços relacionados com as tecnologias de Informação é um dos componentes do Produto Interno Bruto que desde de 2009 vêm diminuindo a sua contribuição. A constatação desse facto há muito que devia ter sido um alerta para os governantes. Indicia claramente que não estão a dar os resultados prometidos para o sector que devia ser estratégico para a economia cabo-verdiana tanto como motor de crescimento económico, como criador de empregos em particular para os jovens em todas as ilhas. Têm sido anos e até décadas a falar de Cabo Verde como hub para a economia digital e em fazer de Cabo Verde uma Cyber Island mas parece que se ficou essencialmente no discurso, sem acção consequente. O mesmo não aconteceu, por exemplo, nas Maurícias que despertou para a economia digital nos primeiros anos deste século, praticamente no mesmo momento que Cabo Verde. Actualmente são cerca de 20 mil os postos de trabalho criados no sector das tecnologias de comunicação e informação.
Conseguiram porque souberam agir estrategicamente e fazer os investimentos necessários com a urgência de quem precisa diversificar a economia para continuar a crescer. Não podiam ignorar que o panorama do comércio internacional iria mudar com o fim, em 2005, do Sistema Geral de Preferências (GSP) que permitia acesso fácil aos mercados da Europa. Tinham de diversificar para além das exportações de têxteis e do açúcar para a economia digital, serviços financeiros e turismo de grande valor acrescentado. Economias insulares não podem ficar fixadas no que deu certo no passado. Com recursos naturais limitados e mercado interno extremamente pequenos a grande aposta deve ser na educação e formação profissional para alavancar o único recurso com que realmente podem contar: as pessoas. Se o contributo das pessoas pode ser trabalho à distância e os serviços dirigidos para a procura externa consegue-se ultrapassar os constrangimentos da dimensão, da dispersão territorial e do isolamento em relação aos grandes mercados. É o que conseguiram fazer com os call center, os back offices e todos os serviços que se enquadram nos chamados Business Processing Operations (BPOs). E os ganhos são os já conhecidos.
Em Cabo Verde, no mesmo momento ouviu-se o mesmo discurso da importância da economia digital, da aposta nas tecnologias de informação e comunicação e da necessidade de competências linguísticas designadamente do inglês. O problema é que o discurso não levou ao diálogo útil, à construção de uma vontade com sentido de urgência e de oportunidade e também à implementação de um plano de investimentos estratégico que materializasse a visão nele contido. É verdade que houve muitos e vultosos investimentos designadamente em banda larga, nos serviços do móvel, na governação electrónica, no alargamento do ensino secundário e universitário e na construção de data centers. O problema é que todo esse dinheiro gasto pelo Estado, pelos privados e pelas famílias em educar os seus filhos não está a resultar nos empregos e aumento de rendimentos que foram perspectivados. As empresas de telecomunicações depois de fazerem chegar os seus serviços a toda a população já se ressentem da falta de tráfico que uma economia digital dinâmica e a exportar serviços poderia oferecer. Mesmo inovações no sector poderão tardar em ser adoptadas se a expectativa de retorno dos investimentos necessários ficar aquém do aceitável.
Não é certamente por acaso que só agora é que o país vai adoptar o 4G enquanto o mundo já se prepara para o 5G. Num sector em que as inovações acontecem a ritmo vertiginoso não fazer investimentos em tempo certo pode significar ficar para trás, perder competitividade e desperdiçar oportunidades únicas. Modelos de negócios que outrora funcionaram, deixam de garantir retorno – caso da voz nos velhos Telecom – e provavelmente não é possível nem aconselhável voltar atrás e restabelecer monopólios ou posições dominantes no mercado para garantir sustentabilidade. Importa ao país que realmente tenha uma infraestrutura de comunicações moderna e competitiva. Há entretanto que coordenar esforços e agir estrategicamente e com sentido de urgência para que se crie a economia digital capaz de inverter a situação actual e o sector passar a dar um contributo positivo para o PIB.
Os acontecimentos da semana passada poderão estar a abrir uma nova etapa no sector de telecomunicações em particular se o governo encontrar o parceiro estratégico certo para isso. Importante porém é que se compreenda que se está ainda muito longe da realização das promessas muitas vezes badaladas da economia digital. Seria extraordinário que se materializassem, num país arquipélago como Cabo Verde, considerando os vários constrangimentos da mão-de-obra passiveis de serem ultrapassados com conectividade fiável, estável e a baixo custo. Para isso é fundamental a alavancagem dos recursos humanos do país. Infelizmente é precisamente o que não se conseguiu até hoje como se pode inferir dos níveis de desemprego particularmente dos jovens com estudos secundários e universitários. Impõe-se uma mudança urgente de rumo. São necessários diálogos, compromissos e visão do futuro. É realizando isso que o Poder se legitima.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 913 de 29 de Maio de 2019. 

segunda-feira, maio 27, 2019

Corrupção, o mal a evitar

Acusações de corrupção são das piores armas políticas usadas nas democracias. Deixam saber que não há transparência na condução dos assuntos públicos e que há interesses particulares a serem protegidos em detrimento de bens e serviços que deveriam servir a todos.
Não poucas vezes são a arma de escolha no combate contra as elites ou de arremesso entre as forças políticas na sua luta pelo poder ou ainda para demonizar um adversário. Independentemente do seu grau de correspondência à realidade, o impacto sócio-político de acusações sistemáticas de corrupção é a todos os níveis desastroso. Provocam descrença nas instituições, justificam a desconfiança de muitos em relação aos políticos e alimentam o cinismo sobre o próprio regime democrático. Em termos económicos, ao indiciar que as regras não são iguais, aumenta os custos para os operadores, favorece a concorrência desleal e prejudica o consumidor. Se para qualquer país são enormes os prejuízos de fazer política com acusações mútuas de corrupção, para os países que estão a se enveredar pelos caminhos sinuosos do desenvolvimento são de facto terríveis.
A experiência de vários países demonstra que é possível evitar os efeitos da “política politiqueira” que em tudo vê corrupção com uma cultura de transparência e mecanismos de prestação de contas, com particular atenção a eventuais conflitos de interesses nos processos de decisão, com um sistema judicial eficaz e com uma imprensa livre e uma cidadania activa. A urgência em agir concertadamente para não deixar esse mal se instalar é cada vez maior no mundo de hoje. Mesmo em regimes não democráticos aumenta extraordinariamente a sensibilidade perante casos de corrupção como demonstra a ofensiva anti-corrupção que está a ter lugar em vários países asiáticos como a China, o Vietname e a Malásia. A legitimidade do governo desses países parece cada vez mais depender não só da dinâmica de crescimento que conseguem imprimir como também da sua eficácia em impedir que alguns se apropriem de forma desproporcional e ilegal da riqueza criada por todos.
Nas democracias também nos últimos anos cresceu consideravelmente a intolerância perante quaisquer sinais de corrupção. Basta ver o número de ex-chefes de Estado e de governo que estão ou já foram investigados por corrupção em países como a França, a Itália, Portugal, Espanha e Israel. Na sequência da crise financeira de 2007/2008 e da Grande Recessão ficou o sentimento no grande público que os custos da crise foram sofridos desigualmente pelos mais pobres enquanto uma elite financeira responsável pela crise foi salva e até lucrou com a situação. Esse sentimento de desencanto foi ainda agravado pela aparente incapacidade das elites políticas em encontrar soluções para as piores consequências da globalização que se têm traduzido na perda de trabalho e de rendimentos de milhares de pessoas na Europa e na América. Uma incapacidade que também demonstram em pôr cobro à concentração de riqueza num número cada vez mais restrito dos chamados 1% e em encontrar sistemas de redistribuição criativos que revalidem o actual contrato social e suporte a expectativa de diminuir a desigualdade social reinante. A perspectiva de um papel mais interventivo do Estado nos próximos anos tanto no papel de regulador como também de promotor da economia e de agente da redistribuição de riqueza, essencial para se manter a paz social, diminuir o ressentimento em relação às elites e construir um futuro, obriga a uma maior preocupação com a corrupção e a estar mais atento a políticas que a podem agravar.
Em países em desenvolvimento como Cabo Verde conseguir que o Estado desenvolva esses papéis essenciais que envolvem o fomento da iniciativa privada, a consolidação do tecido empresarial nacional e a atracção do investimento sem se deixar enredar no mar de interesses muitas vezes conflituantes não é tarefa fácil. Países como os do Sudeste asiático que em décadas passadas conseguiram vencer a batalha do desenvolvimento com um forte intervencionismo do Estado na economia e na criação de um sector privado dinâmico não o fizeram sem que num momento ou outro não tivessem sido confrontados por situações que configurem clientelismo, patronagem e nepotismo. Hoje o mundo é muito diferente e a intolerância a quaisquer actos que podem indiciar alguma relação de corrupção pode ser fatal. Mantém-se porém o objectivo central de fazer surgir e consolidar-se um sector empresarial moderno sem que o Estado se deixe apanhar pelos interesses. Saber a todo o momento conciliar esse objectivo com a realidade existente da fragilidade do sector, dos hábitos de dependência do Estado, dos constrangimentos ao empreendedorismo e das insuficiências do mercado não é certamente fácil. Muitos tentaram, poucos conseguiram.
A verdade é que não se consegue construir o ambiente adequado para uma interacção frutífera entre o público e o privado com vista a potenciar o desenvolvimento do país se a política se resumir a acusações de corrupção, se medidas políticas forem vistas sempre através de um prisma de que se quer lesar intencionalmente o interesse do país e se a insistente discussão do passado servir para invalidar qualquer discussão do futuro. O que se tem visto e ouvido nestas últimas semanas no parlamento, nos órgãos de comunicação social e nas redes sociais sugerem que é nessa direcção que teimosamente se está a querer ir. Que essa é a tendência que se nota em várias democracias, é um facto. Os populismos vivem de indignação, acusações e ressentimentos. Mais uma razão para não se deixar arrastar por tal caminho.
O desenvolvimento de Cabo Verde implica necessariamente uma intervenção estratégica do Estado na construção das bases da sua economia. É supostamente consenso que o crescimento económico terá que contar com um forte contribuição do sector privado que o país puder criar e motivar. Também é verdade que nenhum recurso que através dos impostos tenha sido subtraído ao rendimento das pessoas deva ser utilizado de forma ilegal por qualquer individualidade ou direccionado para interesses particulares. Se assim é, há que construir as bases institucionais, desenvolver a cultura de serviço público e fortalecer os checks and balances do sistema político para que o esforço de desenvolvimento do país não beneficie alguns em detrimentos de outros. Diálogo construtivo em vez de acusações mútuas de corrupção precisa-se para que se possa evitar os percalços de um caminho difícil e não cair numa deriva com consequências graves para o país.

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 912 de 22 de Maio de 2019.

segunda-feira, maio 20, 2019

Pressão populista

Na semana passada o foco da atenção foi o Liceu da Várzea. O governo fez saber através de uma portaria que autorizava que o terreno de 12 mil metros quadrados ocupados pelo liceu fosse cedido por 5,8 milhões de dólares às autoridades americanas para completar a área necessária para construir uma embaixada de raiz em Cabo Verde.
A reacção de várias pessoas entidades e sectores de opinião não se fizeram esperar. Condenaram a decisão deixando transparecer nos argumentos apresentados sentimentos de anti-americanismo remanescente de algum anti-imperialismo terceiro mundista. Algo similar já tinha conhecido no ano passado aquando da discussão do Acordo SOFA referente ao estatuto de militares americanos presentes em missão oficial no território nacional. Foi então notória a contaminação do debate pelos mesmos sentimentos, enviesando e tornando menos produtivo o esgrimir dos argumentos pró e contra. Do imbróglio algo inesperado nos dois casos chama a atenção a agressividade com que são avançados certos tipos de argumentos, a preocupação em rotular negativamente quem tem posição diferente e as acusações às vezes frontais de que há quem esteja a submeter-se aos ditames de países estrangeiros.
Interessante que os posicionamentos sobre estes assuntos vindos a público não têm só origens em elementos inorgânicos que se fazem ouvir essencialmente nas redes sociais. Convergem no essencial com os adoptados pelas principais forças políticas da oposição. O resultado é que numa matéria de relacionamento com um estado estrangeiro o governo e a oposição aparecem de costas voltadas e de forma acrimoniosa. Isso em contraste absoluto com a atitude que os sucessivos governos formados por um e outro partido têm assumido ao longo dos tempos em relação aos Estados Unidos da América designadamente em matéria de segurança, de política de ajuda ao desenvolvimento e de luta pela democracia e pelos direitos humanos no mundo e também no âmbito de programas como o MCA de 2005 e o de 2012. Razão para dizer que as motivações das partes nestes assuntos traduzem mais a possibilidade de aproveitamento numa perspectiva político-partidária de matérias, que não poucas vezes se tornam casos por falhas na própria forma do governo de as comunicar, do que realmente uma posição do Estado. Por isso que em geral os países estrangeiros envolvidos em tais imbróglios domésticos nem se incomodam com os arremessos vindos da oposição. O entendimento geral, como recentemente fez notar um alto dignatário europeu referindo-se a dirigentes partidários estrangeiros, é que os líderes quando estão fora do poder podem dizer e fazer o que bem entenderem. Não afecta as relações entre os Estados.
As democracias vivem hoje sob pressão de populismos de vários tipos. Uma característica comum a todos eles é a aposta em políticas identitárias que têm por base a busca da identidade por contraposição ao “outro” visto por Jan-Werner Muller no seu livro de 2016 “O que é o populismo?” como um ente diferente, corrupto ou de alguma forma moralmente inferior. Acrescenta o autor que a pretensão central do populismo é afirmar “que só uma parte do povo é que é realmente o povo”. A sua força motriz é o medo. Por isso é que certos populismos na Europa e nos Estados Unidos ganham força alimentando o medo contra, por exemplo, o imigrante e o islão e outros populismos insistem que o inimigo é a elite cosmopolita e a globalização. Em todos esses casos está-se à procura de um bode expiatório, de razões para odiar e de ameaças para confrontar.
Cabo Verde não está imune a essas tentações populistas. Aliás, o populismo já vinha do regime de partido único e só ganhou uma outra dimensão com o eleitoralismo da democracia. Os efeitos da generalização do uso das redes sociais e as mudanças geracionais nos partidos políticos vieram imprimir uma nova dinâmica ao que já existia e o resultado vê-se na fragilização das instituições com destaque para o parlamento, no empobrecimento do discurso político e no ambiente de maior crispação entre os partidos. Na procura de consolidação de identidades parece que um dos ingredientes que tem provado alguma utilidade, se tivermos em consideração a gritaria em certos círculos contra “bases, complexo militar e tropa americana”, é o espicaçar do sentimento anti-americano. Vê-se o artificialismo disso tudo quando se sabe que esses mesmos círculos não se opuseram, por exemplo, aos exercícios da NATO em 2005, ou à recepção em Cabo Verde de ex-prisioneiros vindos da base de Guantánamo em Cuba ou à assinatura em Washington do acordo em 2015 que faz de Cabo Verde um dos cinco “anchor states” no sistema de segurança dos Estados Unidos nesta região. Para muita gente nesta afirmação de identidades parece que também ajuda a hostilidade à Europa com o pretexto dos vistos, o confronto permanente entre o crioulo e o português que tem feito regredir o ensino da língua portuguesa e o afirmar de uma “africanidade” que ameaça desconstruir a caboverdianidade.
O discurso político nestes últimos dias tem sido dominado pela ideia de que o Liceu da Várzea está à venda, que já se vendeu a TACV e que outras empresas vão seguidamente ser vendidas. Parece que já se descobriu o que poderá alimentar o medo em Cabo Verde. Noutros países aposta-se no medo da imigração descontrolada, mas aqui no país e em certos círculos, talvez seja a ideia de venda do país a forma encontrada de galvanizar um certo tipo de populismo atractivo para sectores que sempre viveram à volta do Estado. Nisso certamente tiveram a ajuda de quem não soube desconstruir narrativas que no bom estilo populista dividia o campo político entre os que amam a terra e os outros. E iniciativas contraproducentes como publicar resolução do governo nomeando 25 empresas estatais e participadas que deviam ser privatizadas só poderiam confirmar a narrativa já existente.
O facto é que esse tipo de discurso tende a bipolarizar ainda mais o espaço político, diminuir consideravelmente as possibilidades de acordo entre as forças políticas em questões-chave para o país e tornar de todo quase impossível discutir qualquer assunto de relevância para o futuro. Também não é o tipo de discurso que convida a acções de forma concertada e estratégica, às vezes mesmo ultrapassando legislaturas para que o futuro do país seja garantido. O populismo vive da divisão mas aprofundando as fracturas na sociedade caboverdiana talvez leve alguém ao poder mas à custa de se sacrificar efectivamente o desenvolvimento do país. Espera-se que esse facto já comprovado por outros seja devidamente interiorizado e que a tempo se arrepie caminho para que o país não seja engolido num populismo que não leva a lado nenhum.

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 911 de 15 de Maio de 2019.

segunda-feira, maio 13, 2019

Ainda à procura da normalidade

Quase trinta anos depois de mudança de regime político, Cabo Verde ainda não se vê como um “país normal”. Mas normalidade no sentido de pluralismo, democracia e sociedade aberta era o que realmente todos mostraram querer com o seu voto no dia 13 de Janeiro de 1991 que garantiu a maioria qualificada para se aprovar uma Constituição liberal e democrática.
Com esse gesto as pessoas quiseram exprimir que não mais estavam dispostas a aceitar um pensamento único. Não mais queriam ser tratados como cidadãos de segunda sujeitos ao governo de um grupo dos melhores filhos e deixados indefesos perante a discricionariedade e arbitrariedade das autoridades. E não mais dispunham-se a acatar um regime que coarctava a liberdade, a iniciativa e o espírito crítico. Infelizmente a realidade actual não corresponde completamente ao sonho de então e há mesmo o perigo de inversão da marcha em certos domínios.
É verdade que avanços extraordinários foram feitos na construção da normalidade desejada nos anos seguintes de construção da democracia. Mas também é facto que símbolos, ritos e personagens sobreviventes do regime antigo conseguiram insinuar-se no regime democrático, concomitantemente fazendo ressurgir com uma nova vitalidade a tentação de excluir pensamento outro, de se enaltecer e de servir a si próprio e de dobrar a Lei e as instituições ao seu interesse e conveniência. Antes, quando claramente constituía o núcleo essencial da ideologia do regime, procurava legitimar-se suportando-se no cultivo da gratidão pelo sucesso do processo de independência. Hoje, quando subtilmente impregna o Estado democrático procura justificar-se em exclusão de qualquer outra compreensão do percurso da Nação exigindo respeito pela história que só uns autorizados podem escrever e que obrigatoriamente deve ser passada às novas gerações em todas as escolas do país.
Se dúvida houvesse quanto a isso, a reacção excessiva e estrambólica de pessoas e entidades a um post na página do Facebook do deputado Emanuel Barbosa datado de 29 de Abril (opinando no essencial que por Amilcar Cabral não ser uma figura do Estado, “não se mostra aceitável que as suas fotos estejam afixadas em estabelecimento do Estado”) foi bem clara: o país tem tabus, a Constituição e as leis não se aplicam a todos e há que olhar para o lado antes de exercer o direito à liberdade de expressão. A questão central, levantada pelo deputado, se nos organismos públicos só deve estar a imagem do presidente da república porque constitucionalmente é o órgão de soberania que representa interna e externamente a república e é o garante da unidade do Estado, foi completamente ignorada. Em sentido contrário já muito visível ficou o entendimento de pessoas em certos sectores de que há símbolos nacionais outros que não os constantes do artigo 8º da Constituição e que as leis devem dobrar-se para os acomodar. Caricato no imbróglio foi a liderança do MpD através do secretário-geral demarcar-se da opinião do deputado do seu partido sobre uma figura política central ao legado histórico do seu principal adversário político, uma centralidade que o PAICV não se farta de reivindicar.
Viver num país normal onde se privilegia a liberdade pessoal, se preza a igualdade dos indivíduos e a lei se aplica a todos sem distinção pode para alguns não ser excitante como pelo menos inicialmente parece participar em alguma revolução bolivariana, seguir algum Comandante en Jefe ou extasiar-se perante os ritos patrióticos de multidões como na Coreia do Norte. Mas como venezuelanos, cubanos e coreanos e muitos outros noutros países e noutras eras podem testemunhar a excitação, enquanto durar, consegue-se à custa da perda de dignidade, de autonomia pessoal e de esperança num futuro de prosperidade. O culto de personalidade que é comum a todos esses regimes é a verdade única oficialmente aceite que faz do quotidiano um mundo de mentiras repetidas mil vezes e que precipita e atira as pessoas e a sociedade para o atraso porque elimina-se o espírito crítico, alimenta-se o conformismo, substitui-se a razão pelo sentimento e apela-se a paixões irracionais que criam a ilusão de que tudo é possível e que nada deve ser colocado no caminho da realização do objectivo traçado. Parafraseando Churchill sobre a democracia pode-se dizer que a democracia é o menos excitante dos regimes político, mas é o que um país normal faz que justamente deixa mais espaço para a criatividade e inovação, cria as condições para a produção sustentada de riqueza e abre caminho seguro para a inclusão.
O progressivo avanço simbólico de Amílcar Cabral na vida pública de Cabo Verde democrático não podia ser feito sem custos. A sua figura histórica é indissociável do PAIGC, o partido que liderou a luta de libertação na Guiné e esteve na origem de um regime de partido único na Guiné e outro em Cabo Verde. Como líder e teórico revolucionário esteve na origem da ideologia adoptada nos dois regimes de carácter totalitário. É evidente que forçar o reconhecimento do seu percurso político num contexto democrático de valores situados nos antípodas dessa ideologia cria tensões profundas que estão a ser resolvidas com mais esforço de indoutrinação nas escolas, com mais agressividade na invocação do seu pensamento em cerimónias públicas e com maior intransigência em discutir por exemplo se a sua estátua deveria estar numa rotunda como acontece em Bissau ou em repartições públicas onde legalmente nem o primeiro-ministro está e só é permitida a imagem do presidente da república, como acontece aliás em todas as democracias.
O choque contínuo daí resultante abre caminho para maior intolerância, para o estreitamento do espaço deixado ao espírito crítico e para mais crispação política visto que o PAICV proclama-se partido de Cabral. Contribui também para um esforço redobrado de indoutrinação das crianças algo directamente proibido pela Constituição que impede que o Estado programe a educação e o ensino segundo directrizes várias entre as quais políticas e ideológicas (artigo 50º nº 2 c) da CRCV). A violência verbal que se seguiu ao post no Facebook do deputado Barbosa ilustra bem o ponto em que já se chegou nesta deriva cujo imediato efeito é coarctar as liberdades. Pode complicar ainda mais a situação se na luta entre os partidos pelo eleitorado jovem todos se renderem a uma posição acrítica da forma como historicamente deve ser visto A. Cabral, como já vem acontecendo. Ninguém porém ganhará com isso. A Venezuela do comandante Chávez e agora de Maduro é o exemplo dramático do que não é um país normal.
Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 910 de 08 de Maio de 2019.

segunda-feira, maio 06, 2019

Mais emprego

Em mais uma celebração do 1º de Maio, Dia do Trabalhador, a atenção vai para a problemática do emprego no mundo de hoje, para a dificuldade generalizada em inverter os dados do desemprego e para o número crescente dos que desistem e se auto-excluem do mercado de trabalho.
Há quase três décadas que a economia mundial está a sofrer mudanças profundas sob o impacto da globalização, da liberalização de capitais e de avanços nas tecnologias de informação e comunicação. No processo, cadeias globais de valor criadas aumentaram exponencialmente a riqueza disponível e retiraram da pobreza centenas de milhões. Devido à dinâmica gerada, postos de trabalho foram destruídos e outros novos surgiram deixando para trás um grande número de perdedores mas abrindo oportunidades para muita gente em todos os continentes. Hoje, para uns a grande questão é como amortecer o choque negativo dessas mudanças designadamente no desemprego e na perda de rendimento sem quebrar a dinâmica económica. Para outros é como não ficar à margem de todo o processo de criação de riqueza e sem possibilidade de agarrar o comboio da prosperidade.
Depois da crise financeira de 2007/2008 e da Grande Recessão que se lhe seguiu os efeitos negativos da globalização acentuaram-se no mundo desenvolvido. Ao mesmo tempo que empregos no sector industrial desapareciam com as novas cadeias de valor, empregos criados no sector de serviços mostravam-se incapazes de os substituir porque as pessoas ou não estavam habilitadas para os exercer ou se revelavam pouco atractivos e pagavam menos. O descontentamento aí gerado passou a ressentimento com a crescente percepção pública da excessiva concentração de riqueza e aumento da desigualdade social. Muito do populismo e do sentimento anti-imigrantes que se vê em crescendo nos Estados Unidos e na Europa tem aí o seu fundamento.
Já no mundo em desenvolvimento há que se referir a pelo menos dois casos distintos. Há o caso da China e de mais outros países asiáticos que são os grandes ganhadores do actual sistema e que assistiram à ascensão de milhões de pessoas à classe média e ao crescimento económico a taxas elevadas de mais de 8% ao ano durante décadas suportada por uma rápida industrialização voltada para as exportações. Há o outro caso de países em desenvolvimento que deixaram a sua economia ficar dependente da exportação de minérios, de petróleo e de produtos agropecuários sem se diversificarem realmente. Além de crescerem com taxas relativamente baixas falharam em criar empregos suficientes e de qualidade em número e rapidez que historicamente só foi possível com a industrialização. Nem a dinâmica dos serviços, nem as promessas da economia do conhecimento enquanto motores de criação de empregos mostram-se capazes de compensar essa lacuna no processo de desenvolvimento desses países. E é a constatação deste facto que crescentemente tem levado muitos deles a reverter as suas políticas.
O problema é que o mundo de hoje, particularmente desde que a China foi aceite na OMC e se tornou na grande base industrial do mundo, não é o mesmo de décadas em que no quadro de sistemas preferenciais e de cotas alguns países asiáticos fizeram a sua caminhada com sucesso via industrialização com base nas exportações. Agora o grande desafio é inserir-se nas cadeias globais de valor e sabe-se que para isso as exigências são múltiplas incluindo custos de contexto, custo de factores e nível de formação dos trabalhadores que devem estar a um nível de poder competir com os oferecidos por outros concorrentes. A ameaça de guerras comerciais, a tentação de adopção de políticas proteccionistas pelas grandes potências e a tensão geopolítica em vários pontos do globo prometem tornar a caminhada que ora se procura iniciar ainda mais difícil e imprevisível. Tanto no passado como no presente os países que conseguiram ganhar com a sua inserção na economia mundial tiveram primeiro de construir um grande consenso interno quanto aos objectivos e as vias de os atingir. Aprenderam a abster-se do populismo e da demagogia nas discussões de política e no exercício do contraditório no quadro democrático para que negociações em questões de fundo do país tivessem alguma chance de sucesso e houvesse confiança para celebrar pactos alargados e firmar acordos pontuais.
Na campanha para as legislativas de Março de 2016 os dois grandes partidos correctamente identificaram o emprego como principal preocupação do povo cabo-verdiano. No debate político a candidatura de Ulisses Correia e Silva prometeu crescimento económico de cerca de 7% ao ano e 45 mil postos de trabalho enquanto a candidatura de Janira Hopffer Almada prometeu 15 a 20 mil empregos por ano. Interessante notar que o facto de todos concordarem ser o emprego o maior desejo das pessoas não leva depois a uma aproximação de posições para que condições sejam criadas e o objectivo de gerar mais postos de trabalho e fazer crescer com vigor e sustentabilidade a economia nacional seja materializado. Prefere-se ficar pela política que faz do adversário um inimigo e um potencial sabotador na realização dos interesses do país. E lida-se com a população tornando-se enquanto deputado da situação ou da oposição em porta-voz das reivindicações que, como disse o líder da UCID durante o debate sobre “Habitação e Habitabilidade”, as pessoas não fariam se tivessem um emprego decente.
O foco portanto devia estar em encontrar as melhores vias e fazer reformas que se impõem para criar empregos seguros e de qualidade e pela via do emprego melhorar a situação de todos. É evidente que alguns irão sempre precisar de ajuda directa e solidária do Estado que estará em melhor posição se tiver uma economia a crescer com vigor redobrado e a criar número significativo de postos de trabalho. Tornar o país mais produtivo e mais competitivo particularmente nesta fase de crescente dificuldade nas relações internacionais exigirá esforços redobrados, novos métodos de actuação dos actores políticos e mais abertura para se fazer as negociações e chegar aos acordos necessários em sectores-chave do país designadamente em matéria de administração pública, segurança, educação e política económica no seu todo.
Governar e fazer oposição já não devia passar pelo número de visitas, auscultações e socializações feitas às populações com a frequência e intensidade que ainda hoje se regista. Para além dos custos inerentes parecem ser actos permanentes de campanha eleitoral disfarçados de contacto com as populações. Fica no ar se os dignos representantes têm tempo depois do frenesim correndo pelas ilhas para estudar e reflectir sobre as questões, para encontrar as vias para as resolver e implementá-las no quadro de políticas devidamente ponderadas. A persistente precariedade e vulnerabilidade das populações põem sérias dúvidas quanto a isso. O mesmo faz o desemprego ainda elevado mesmo em face de maior crescimento económico. Há que mudar na forma de actuação da classe política e dos governantes para se poder lidar efectivamente com os constrangimentos ao desenvolvimento e posicionar melhor o país para aproveitar as oportunidades. Celebrar o 1º de Maio deveria significar a renovação do comprometimento para com a criação de condições para se ter mais empregos e propiciar maior empregabilidade a todos os cabo-verdianos.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 909 de 01 de Maio de 2019.

segunda-feira, abril 29, 2019

Educação sem peias

O 25 de Abril foi há 45 anos. A movimentação militar chamada Revolução dos Cravos que se verificou nesse dia determinou o fim de 48 anos do regime autoritário de Salazar/Caetano e abriu o caminho para a democracia em Portugal e para o desmoronamento do império colonial e independência das ex-colónias.
Para o cientista político americano Samuel Huntington foi a revolução que marcou o início da terceira onda de democracia e que, depois de passar por vários países entre os quais o Brasil nos anos oitenta, iria atingir o seu apogeu em 1989 com a queda do Muro de Berlim e posterior derrocada do império soviético e falência generalizada de regimes autoritários e totalitários em todo o mundo. Quatro décadas e meia depois para um outro cientista político e sociólogo americano Richard Fishman, numa entrevista ao jornal Público, o 25 de Abril foi o ponto de partida para de uma democracia que resultou de “uma fusão rara de revolução social, mudança cultural e democratização convencional”. Infelizmente para os cabo-verdianos o impacto do 25 de Abril só ficou pelas marcas também nas ilhas deixadas pela revolução social e as mudanças culturais que provocou. A liberdade e a democracia ficaram adiadas e só se concretizariam a partir dos anos noventa.
O desfasamento em Cabo Verde das vertentes social, cultural e política da movimentação de Abril acabaram por impactar negativamente todo o processo de desenvolvimento do país. No seu estudo comparativo das democracias portuguesa e espanhola, Richard Fishman chamou a atenção para o facto de em Espanha não se ter verificado a revolução social e o processo de transição ter sido ditado pelas elites sem a contribuição de baixo para cima das pessoas que em Portugal redefiniu a relação com a hierarquia social prevalecente. O resultado foi que, segundo o autor, até hoje a democracia espanhola é mais crispada e mais polarizada. Imaginem-se as consequências em Cabo Verde onde todo o processo político, social e cultural foi sequestrado pela lógica de poder do partido único. A contestação das hierarquias sociais existentes foi aproveitada para despromover e condicionar as elites locais cavalgando uma onda de igualitarismo que apenas permitia reverência para com “os melhores filhos do povo”, a elite emergente. A mudança cultural em curso - em vez de continuar na senda do aprofundamento da consciência da caboverdianidade agora que as pessoas se viam livre das peias do Estado Novo de Salazar - foi primeiro cooptada e depois subordinada à ideologia do pan-africanismo e da luta de libertação de onde o partido único retirava a legitimidade do seu poder. O corte com o passado do país que tal via pressupunha acabou por ser real e prenhe de consequências, mas não completo. Sempre que era restabelecido era para procurar selectiva e convenientemente acontecimentos, factos e realizações que justificassem o presente e demonstrassem a sua inevitabilidade.
A corrida para a modernidade e à frescura de ideias que deviam advir com o 25 de Abril rapidamente colapsaram perante um regime que se mostrou inimiga das liberdades, que rapidamente virou o país para dentro com as suas políticas sócio-económicas e reorientou-o para o cumprimento de um mítico destino africano. A adopção de um modelo de desenvolvimento com base na reciclagem da ajuda externa garantiu sustentabilidade e legitimidade ao regime na base de uma suposta boa gestão dos recursos postos à disposição pela comunidade internacional. Na realidade, por um lado atrasou o país em relação a outros como as Maurícias e as Seicheles que optaram por uma economia aberta ao mundo e se abriram ao investimento directo estrangeiro e ao turismo e incentivaram as exportações. Vê-se o atraso na diferença de três ou mais vezes no rendimento per capita desses países relativamente a Cabo Verde. Por outro criou na população mentalidade de dependência, desincentivou a iniciativa individual e não deixou espaço para se desenvolver uma cultura de produção e de serviço.
A democracia que se começou a construir 15 anos depois inevitavelmente teve que sofrer com as mazelas acumuladas no tecido social, designadamente a inércia cívica, o igualitarismo que desencoraja a criatividade e a procura de excelência e o conformismo que faz as pessoas recear diferenças de opinião e pensamento crítico. Se na Espanha analisada por Richard Fishman a crispação política na ausência de certos factores para a sua dissipação mantem-se apesar do processo de democratização consensual entre as elites, em Cabo Verde onde tal consenso nunca realmente existiu não se vê como se poderá libertar-se da excessiva polarização política para que compromissos em domínios-chave para o país sejam atingidos. A educação é um dos tais domínios sobre o qual urgentemente precisar-se-ia chegar a um compromisso firme. Apesar dos enormes investimentos já realizados no sector, é facto que o sistema de ensino e as estruturas de formação existentes têm-se revelado inadequados para garantir a empregabilidade dos jovens e ser factor de competitividade do país.
Retrospectivamente pode-se constatar que o corte com o passado e a captura ideológica da sociedade e do sistema de ensino em particular verificados após a independência contribuíram de várias formas para tornar os investimentos na educação pouco produtivos. Apesar de massivamente se ter educado a população, diminuindo extraordinariamente o analfabetismo, levando liceus a todos os pontos do país e abrindo as portas ao ensino superior não é perceptível que o efeito multiplicador sobre a sociedade desse esforço se compare, por exemplo, com o legado cultural e intelectual deixado por alguns poucos de gerações anteriores. A qualidade de formação no pós- independência não tornou o país atractivo para estudantes de outros países nem permitiu que se desenvolvesse uma estratégia de colocação de quadros nacionais em organizações internacionais e em projectos de cooperação com países próximos. A emigração espontânea de trabalhadores não beneficiou de nenhuma estratégica de formação que poderia melhorar a sua qualidade e eventualmente os seus proventos com ganhos para o país. Optou-se pela mediania e o resultado se vê nos números de desemprego e no perfil do desempregado e cada vez mais no do inactivo.
O percurso do país não tinha que ser o que foi e não tem que prosseguir no mesmo caminho dissipando recursos sem que os resultados justifiquem os enormes investimentos feitos pelos indivíduos, pelas famílias e por toda a comunidade nacional através do Estado. Sucessivas gerações não têm que continuar a serem sacrificadas pelo sistema ineficiente que se insiste ano após ano em reproduzir. É um facto que todos reconhecem que o único recurso real de Cabo Verde é a sua gente. Não faz sentido que se continue a desperdiça-lo. Para se reorientar o sistema há que ultrapassar os obstáculos que até agora impediram que reformas profundas fossem possíveis porque na ausência de compromissos tudo vale como arma de arremesso político. Dos professores, a peça fundamental para o sucesso, é de se esperar que sigam o seu patrono Baltasar Lopes na sua Última Lição (pag. 24) vendo a função do professor no “seu contributo para se formarem homens e de que assim às suas mãos confiam a comunidade parte principalíssima do trabalho e de a ele assegurar o seu futuro próximo, um próximo infinitamente re­nascido na escala e na sucessão do tempo”.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 908 de 24 de Abril de 2019.

segunda-feira, abril 22, 2019

Alternância por concretizar

No próximo dia 20 de Abril completam-se três anos da inauguração da actual legislatura dominada pelo MpD. A vitória nas eleições de 16 de Março negara um quarto mandato ao PAICV abrindo o caminho para uma alternância na condução do país.
A dimensão da derrota eleitoral do PAICV, que ficou reduzido a pouco mais do que terço dos deputados, pareceu sugerir que o eleitorado quereria uma mudança de políticas mais do que uma mudança de governo. E compreende-se: a situação do país vinha-se deteriorando em crescimento, emprego e segurança enquanto se tornava mais notória a vulnerabilidade da população rural e acentuava-se a desesperança numa parte significativa da juventude. A promessa do turismo ainda ficava aquém do desejado tanto pela relativa baixa da qualidade dos postos de trabalho criados como também pelo seu fraco efeito de arrastamento na economia nacional. Quis-se pois alternância para mudar este estado coisas.
É um facto que as políticas públicas aplicadas na década anterior tinham desembocado numa estagnação económica que se arrastava há vários anos com óbvio impacto no emprego, no rendimento das pessoas e nas perspectivas futuras das pessoas e em particular dos jovens. A par disso, via-se como o Estado se tinha endividado ultrapassando então mais de 125% do PIB enquanto empresas públicas como a TACV tornavam-se num risco crescente para o país. Também se constatava que a trajectória centralista do Estado se mantinha ou tornava-se pior criando nas diferentes ilhas a sensação de estarem a ficar para trás. Por seu lado, a administração pública, na sua ineficiência e resistência a reformas, continuava a ser um obstáculo à melhoria do ambiente de negócio e um travão no esforço para tornar o país mais competitivo. Juntam-se a isso as dificuldades crescentes da população jovem saída dos liceus e universidades não só em encontrar emprego como também a adequar-se à oferta existente de trabalho. Não espanta pois que perante um quadro tão difícil a votação nas urnas não clamasse por uma outra governação e outras políticas para o país.
O problema é o que acontece depois de ganhar o poder. O desafio logo à partida é como proceder para que ao mesmo que se faz a gestão diária se esteja preparado para fazer as alterações de políticas que abram caminho ao cumprimento das promessas eleitorais. Para isso conviria não se deixar afogar nos problemas que são sempre maiores do que parecem quando se está na oposição e nem deixar-se levar pela tentação de confrontar o adversário como se as eleições não tivessem sido realizadas e ganhas. Mas não é o que normalmente acontece nessas circunstâncias e o resultado é a continuação por muito tempo da crispação política típica dos tempos eleitorais e a perda de ímpeto para a mudança que isso acarreta com claro prejuízo para se fazer as reformas que se impõem. Para um país como Cabo Verde que de há muito que vem “esticando” a corda de um modelo de desenvolvimento claramente gasto e obsoleto, os resultados podem ser desastrosos porque há muito coisa inadiável a ser feita. E no meio de confrontos políticos, que são simples repetição de diferenças do passado, os problemas do presente não são devidamente debatidos. Como há desconfiança não se criam vontades. E se não houver vontade nem debate lúcido dificilmente os problemas podem ser equacionados e resolvidos. O que se passou com a lei da regionalização na semana passada no parlamento é ilustrativo a esse respeito.
Ninguém fica tranquilo se perante as dificuldades a abordagem adoptada continua essencialmente a ser “mais do mesmo” e se conveniências político-partidárias continuam a perturbar o reconhecimento dos problemas e a procura de soluções. A verdade é que faz confusão às pessoas, por exemplo, notar que afinal crescimento não está a trazer mais emprego, que mais educação não está a criar mais oportunidades de trabalho para os jovens, e que o país continua grandemente vulnerável às secas. Também incomoda verificar que apesar de grandes investimentos no Estado persistem as queixas da sua ineficiência e da sua insensibilidade no tratamento dos utentes e operadores económicos. No mesmo sentido vê-se com alguma apreensão que soluções encontradas em certos sectores embora contribuam para estancar sangrias de recursos públicos e diminuir défices orçamentais deixam espaços vazios que as pessoas e a economia no seu todo pagam em custos mais elevados, em acesso limitado e baixa qualidade de serviço. Globalmente não há percepção que se está perante uma abordagem nova sem as amarras das políticas no passado que falharam em proporcionar mais rendimento e mais oportunidades de uma via melhor. E isso não é bom para as pessoas nem para a democracia.
A democracia corre o risco de entrar numa crise profunda se se desenvolver a percepção geral que todos os partidos são iguais, que todos os governos fazem o mesmo e que a alternância política é uma farsa porque todos vão para o governo para se servirem e não para servir o interesse geral. Como já alguém disse, a democracia não garante bons governos mas assegura que maus governos podem ser mudados e o país reorientado com outras políticas. A história demonstra que se isso não acontece e o sistema partidário falha em assegurar verdadeira alternância corre-se o risco de descredibilização das instituições e de toda a classe política. O forte desgaste sofrido pelas instituições nos últimos três anos a começar pelo parlamento mas não deixando incólume nenhum outro órgão de soberania ou instituição pública tem como base essa frustração com alternâncias que não se materializam e levam ao descrédito do regime.
No próximo ano de 2020 começa o novo ciclo eleitoral com eleições autárquicas seguidas de legislativas e presidenciais que irá prolongar-se para a segunda metade do ano 2021. Tendo como referência o que se passa noutras democracias pode-se dizer que provavelmente vai-se ter eleições como nunca antes aconteceu no que respeita aos protagonistas, às tácticas utilizadas e ao papel a desempenhar pelas redes sociais nas campanhas eleitorais. E como outras experiências democráticas já demonstraram nenhum partido está seguro de manter a sua importância e o seu peso eleitoral por mais legado histórico que reivindicar ou maior número de militantes que reclamar. Se persistir a descrença na incapacidade dos actuais actores em fornecer alternativas credíveis pode-se ter que lidar com a ascendência de partidos extremistas e eventual aparecimento movimentos sociais inorgânicos. A verificar-se a fragmentação do campo político cabo-verdiano neste molde já com exemplos em outras latitudes seria um desastre de total responsabilidade dos dois grandes partidos cabo-verdianos. Desempenhar com sentido de estado e respeito pelo interesse geral o papel de partido de situação e o de partido de oposição no regime democrático é fundamental para o funcionamento, credibilidade e eficácia da democracia. Infelizmente, há demasiados exemplos que isso não tem sido a norma, em particular nos últimos anos.

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 907 de 17 de Abril de 2019.

segunda-feira, abril 15, 2019

Avisos à navegação

Cabo Verde no seu afã diário de sobrevivência e a sonhar com o desenvolvimento de vez em quando depara-se com factos, situações e constatações que deviam obrigar a uma pausa seguida de reflexão mais aprofundada.
O crescimento de 5,5% do PIB sem aparente efeito nos níveis de desemprego que, de acordo com o INE, permaneceram de 2017 para 2018 em 12,2% bem podia ser um dos tais momentos para reavaliações colectivas das políticas públicas. Infelizmente, como já tinha acontecido com a seca de 2017 não foi desta que a classe política se muniu da serenidade necessária para analisar as razões por detrás do aparente desfasamento entre crescimento e emprego e das vulnerabilidades que persistem no país, em particular no mundo rural. Pelo contrário, foi pretexto para mais um “round” de picardia política que nada acrescentou à preocupação geral sobre como criar empregos sustentáveis e com qualidade. A verdade é que, apesar dos tropeções na realidade que de tempos em tempos acontecem, é grande a tentação para se continuar no ilusionismo das promessas várias vezes repetidas e dos milhões que vêm de fora para resolver os problemas. O jogo do poder não deixa que a classe política desista do discurso populista e demagógico. A sociedade civil não mostra autonomia, vontade ou capacidade para forçar a saída deste paradigma de existência.
Assim, por exemplo, face à seca de 2017 que continuou em 2018 e deixou bem claras as vulnerabilidades do mundo rural pergunta-se o que é que mudou. Não parece que se tenha feito um balanço das políticas em direcção ao sector da agricultura e pecuária que há pouco se centravam nas barragens, na mobilização de água e no agronegócio. A seca e a pobreza revelada da população rural pôs tudo a nu mas há quem ainda insista que eram políticas correctas e que os investimentos realizados justificavam-se. Os resultados negativos indisfarçáveis em situação de crise não contribuem para alterar minimamente essa crença. Tão pouco dão sinal de mudar no essencial a abordagem da situação no mundo rural. Paradoxalmente continua-se a acreditar que é possível agir para ao mesmo tempo fixar as populações, criar empregos e aumentar a produtividade da economia rural. Agora quer-se mobilizar água recorrendo à dessalinização e focar estudos e projectos na constituição de cadeias de valor e no acesso aos mercados das ilhas turísticas. O puzzle a construir para que tudo isso dê certo ainda deve incluir transportes eficientes, regulares e a custos competitivos para além do devido condicionamento e a certificação dos produtos. Claro que o problema central de escala que se coloca em tudo o que diz respeito à produção no país não deixará de existir e afectar a competitividade de produtos. Entrementes, o que parece incompatível com a produção bem-sucedida para nichos de mercado, para o aumento da produtividade e a melhoria do rendimento no campo é manter o actual nível populacional ocupado na agricultura e até elevá-lo com os esforços de fixação e criação de empregos.
A história do desenvolvimento de diferentes países revela claramente a evolução da economia a partir da agricultura, pecuária e indústrias extractivas do sector primário para o sector secundário com a industrialização e posteriormente para o sector terciário dos serviços. Uma evolução que se suportou no aumento da produtividade e que foi acompanhada de deslocação da mão de obra primeiro para indústria e progressivamente para os serviços e que resultou na emergência de uma classe média e na diminuição geral da pobreza. Actualmente com a economia digital, o estabelecimento de cadeias de valores globais e o comércio livre entre as nações o potencial para expansão parece não ter limite e imparável a tendência para a concentração das pessoas nas cidades e nas grandes áreas metropolitanas. Claro que face a essas tendências há um esforço para se evitar o agravamento excessivo das desigualdades territoriais mas numa perspectiva dinâmica com alargamento do leque de ofertas locais sem comprometer as necessidades de mão-de-obra dos sectores em rápido crescimento. Em Cabo Verde parece não ser esse o entendimento. Aparentemente pretendeu-se contornar a fase da industrialização e desembocar diretamente nos serviços como, aliás, aconteceu num grande número de países africanos. O resultado vê-se na agricultura ainda basicamente de subsistência, numa grande população rural vulnerável e crescente população nas periferias das cidades ocupadas em atividades informais de baixa produtividade e de fraca capacidade de criação de emprego. Mesmo a parte formal dos serviços não tem suficiente dinâmica para criação massiva de empregos que historicamente a industrialização demonstrou ter.
Daí as persistentes e elevadas taxas de desemprego em África contrariamente ao que se verifica na Ásia que escolheu industrializar-se para exportação. Uma outra consequência pode ser vista no rendimento per capita desses países. Maurícias tem três vezes o rendimento per capita de Cabo Verde. Diferenças similares ou mais pronunciadas existem entre países asiáticos e africanos. E assim é porque enquanto Maurícias industrializava-se para exportação nos anos 70 e 80, Cabo Verde submetia-se a políticas que viravam o país para dentro, negava o investimento directo estrangeiro e hostilizava o sector privado nacional. As tentativas de industrialização dos anos noventa vieram relativamente tarde e não tiveram seguimento na década seguinte. Na África existe agora uma forte motivação para se industrializar como se pode ver com particular destaque na Etiópia, Quénia e Ruanda. Percebe-se finalmente que dificilmente se será bem-sucedido na luta contra a pobreza e na construção de um futuro de progresso sem indústrias competitivas. O sucesso da China está aí para demonstrar qual deve ser o caminho.
Pode-se pois concluir que na ausência de uma política de industrialização dificilmente um país ou uma economia consegue criar empregos em número e qualidade para baixar significativamente o desemprego. E certamente não é pela via do auto emprego, fazendo uso de receitas diversas de empreendedorismo e sonhando com start ups que se vai chegar lá. Sucessos por essas vias exigem na maior parte das vezes um ambiente de negócios favorável, um nível elevado de formalização da economia e existência de mercados estruturados que à partida não se pode assumir. Tem que se construir. Mesmo a formação profissional e um sistema de estágios massificado para trazer resultados positivos têm que se enquadrar dentro de um círculo virtuoso onde densidade empresarial, cultura industrial e de serviços e organização das profissões são ingredientes essenciais. Claro que para um país como Cabo Verde de pequena população e espalhada por nove ilhas a oportunidade que a emergência da sociedade do conhecimento e da economia digital podia oferecer devia ter sido logo identificada. Entre outras vantagens permitia contornar constrangimentos como localização geográfica e dispersão de recursos humanos e potenciar conhecimento e habilitações técnicas individuais. Mas isso só seria possível se se tivesse assumido realmente uma aposta séria na qualidade da formação e do conhecimento do cabo-verdiano. Investiu-se na massificação do ensino em detrimento da qualidade.
O resultado é que sem industrialização e com um sector de serviços ainda pouco dinâmico não estranha que a habilitação média do jovem desempregado seja o 9º ano de escolaridade. O aviso que isso iria acontecer vem de longe, como, aliás, todos os outros avisos que apontavam para falhas e incongruências de políticas públicas e que foram ignorados. Está-se perante mais um outro alerta de que o crescimento económico pode não estar a traduzir-se em mais emprego. O futuro dirá se será desta vez que o alerta será ouvido e que serenamente se irá debater e agir para que finalmente o desemprego deixe de ser estrutural e empregos cheguem a todos.

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 906 de 10 de Abril de 2019.

segunda-feira, abril 08, 2019

Incongruências na lei da regionalização

A Lei da Regionalização continua em discussão na Assembleia Nacional. Aprovada na generalidade em Novembro de 2018 foi retomada em sede de discussão na especialidade na última reunião plenária de Março findo. Os trabalhos no parlamento foram interrompidos na sequência da não aprovação do artigo 6º sobre os órgãos da Região que exigia uma maioria qualificada de dois terços dos votos. Criou-se um impasse ao não se chegar a consenso em como proceder a partir da queda de um artigo central da lei no que respeita à organização das regiões. Segundo a RTC, o governo na pessoa do ministro dos Assuntos Parlamentares prometeu rever a redacção do artigo sexto “chumbado” e trazer de volta o diploma em Abril. Uma solução inédita e duvidosa, mas não muito diferente do que se tem visto no processo de legislar sobre autarquias supramunicipais, carregado como está de incongruências várias.
Começou-se a querer legislar para as regiões há cerca de dez anos atrás. O problema para quem tinha a iniciativa foi sempre conseguir os votos das outras forças políticas e a maioria qualificada necessária para passar a lei ao mesmo tempo que assegurava que ficava com todos os louros de ter levado avante a lei e os outros com o estigma de terem sido contra. Em 2010, na impossibilidade de convencer a oposição a aprovar uma lei de criação de regiões, o então governo de José Maria Neves fez aprovar o regime de criação de regiões no quadro de uma lei da descentralização aprovada por maioria absoluta e abstenção e voto contra das outras forças. E ficaram com os louros. Agora com o governo de Ulisses Correia e Silva avança-se com a lei das regiões, mas falta chegar a um acordo com as outras forças políticas em boa parte porque há uma disputa para saber quem tem o mérito da iniciativa e no processo vai-se fazendo acusações ou insinuando de que os outros são contra. Apesar de não existirem estudos que comprovam um sentimento maioritário da população a favor da regionalização, nem evidência que seja a única via para combater com eficiência e eficácia a excessiva centralização do país, todos os partidos agem nessa matéria como se tratasse do grande prémio eleitoral a conquistar a todo o custo.
Daí as múltiplas incongruências que se pode vislumbrar nas propostas apresentadas. A primeira que faz de cada ilha uma região, ou seja, uma autarquia supramunicipal, confronta-se com a dificuldade de nas ilhas com um único município o território e a população das duas categorias de autarquias coincidirem. Aparentemente não se está a criar regiões para ganhar escala, aumentar os recursos materiais e humanos e elevar o nível de actuação. Uma segunda incongruência é criar excepção à regra de região-ilha que tem como base o reconhecimento do percurso histórico e cultural único de cada uma delas – e por isso força a criação de regiões mesmo em ilhas como Brava e Maio com pequena população e fracos recursos – para depois criar duas regiões em Santiago com o simples argumento do peso demográfico da ilha. Uma terceira incongruência que é consequência da segunda vê-se na quebra do princípio da igualdade na representação das ilhas em instâncias de decisão sobre a utilização de recursos do Estado como parece consagrar a Constituição de 1992 ao atribuir ao Conselho dos Assuntos Regionais, onde as ilhas são igualmente representadas, competências na emissão de pareceres sobre o plano nacional de desenvolvimento regional e os planos regionais. Depois da revisão constitucional de 1999 e a criação do Conselho Económico e Social, a lei do Conselho de Desenvolvimento Regional aprovada em Julho de 2014 consagrou as mesmas competências e reafirmou o princípio da igualdade de representação das ilhas. Uma quinta incongruência é fazer da Praia a sede da região Santiago Sul e nessa condição centro gerador de uma identidade da região quando constitucionalmente se lhe dá um estatuto administrativo especial para se assumir em pleno como Capital da Nação.
Finalmente encontra-se uma incongruência de monta entre a intenção de fazer da regionalização o instrumento para criação de riqueza com valorização das especificidades próprias da ilha, potenciação de recursos e desenvolvimento de vantagens comparativas e competitivas e o discurso com enfase na redistribuição dos recursos do Estado pelas ilhas que tem acompanhado toda a agitação política sobre a matéria. Diz-se que se quer as ilhas mais autónomas, dinâmicas e voltadas para o futuro, mas de algum modo continua-se a encorajar e a alimentar reflexos nocivos já profundos nas pessoas e na sociedade cabo-verdiana produzidos pelo reciclar de dádivas vindas directamente do exterior ou por intermediação do poder central.
Os ganhos político-eleitorais, com vantagem para quem governa, que os partidos irão querer obter logo à cabeça poderá ser o maior obstáculo à substituição nas ilhas da narrativa de ressentimento de quem até agora se se considerou discriminado pela narrativa de possibilidade que o empoderamento das regiões deverá criar. Eleitoralismo e dependência ficaram ligados por demasiado tempo. Custa romper a ligação existente e construir outros laços entre o Poder e a sociedade no pressuposto de que é o sucesso na promoção do desenvolvimento para todos que assegura uma legitimidade maior e sustentada à governação.
Incongruências várias caracterizam políticas públicas em Cabo Verde devido à falta de visão e a ausência de estratégia que tem caracterizada a actuação dos governantes durante décadas Ao focar a sociedade na procura de meios propiciados pelos outros não se deixa espaço para encontrar via própria de produção de riqueza nem capacidade para aproveitar oportunidades. Não espanta que os anos passam e não se consegue confrontar adequadamente o problema do desemprego como mostram os últimos dados do INE mesmo face a um crescimento do PIB de 5,5%. A governação do país ao longo de décadas deixou a maior parte mão-de-obra em sectores de baixa produtividade, foi incapaz de no tempo próprio aproveitar as janelas que se abriram à indústria virada para exportação e criação rápida de emprego e não se mostrou suficientemente visionário para investir na educação de qualidade necessária para a sociedade digital e de conhecimento que se anunciava. Incongruências nas políticas públicas levam a isso. Infelizmente não há muitos sinais de se querer ir mais além, como se pode depreender das últimas discussões na Assembleia Nacional.

Humberto Cardoso



Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 905 de 03 de Abril de 2019.

segunda-feira, abril 01, 2019

Fundo soberano causa divergências

As opiniões no país continuam a dividir-se quanto aos efeitos sobre a dívida do Estado que eventualmente virão da extinção do Trust Fund e subsequente criação de um fundo soberano de garantia ao investimento privado. O Vice-Primeiro Ministro e Ministro das Finanças voltou a afirmar num encontro com empresários em S. Vicente que se vai avançar com a criação do Fundo Soberano “sem qualquer impacto sobre a dívida pública”. Dias antes o Governador do Banco Central (BCV) foi categórico a dizer que a “dívida pública vai subir, pelo menos a prazo”. A divergência em certa medida está no facto de o governo acreditar que a substituição dos títulos da dívida que o BCV detém neste momento (TCMF) pelos novos títulos TTRP emitidos pelo Tesouro irá acontecer perfeitamente sem fricção financeira, enquanto o BCV duvida que isso seja possível. E a verdade é que se realmente a substituição não proceder como previsto há consequências entre as quais o aumento da dívida pública.
A questão de fundo é que o BCV tem na sua posse títulos de dívida (TCMF) no valor de 4,7103 milhões de contos que deviam ser resgatados em Agosto de 2018 de acordo com a Lei nº 69/V/98 mas não foram. O valor do resgate ou devia ser acautelado pelo Estado ao longo dos vinte anos no fim dos quais os títulos atingiam a maturidade ou devia ser o próprio Trust Fund no valor total de 90 milhões de euros que desde 1998 vinha sendo gerido pelo Banco de Portugal. A intenção do governo em utilizar o activo dos 90 milhões num fundo soberano de garantia a investimentos imediatamente pôs o problema de como fazer isso e ao mesmo tempo assegurar o resgate de todos os TCMF. Se para outros detentores desses títulos como o BCA, a Garantia e o INPS soluções negociadas sempre podiam ser encontradas, já com o BCV pela sua própria natureza e autonomia outros condicionalismos tinham que ser levados em consideração. As outras entidades podiam aceitar substituir os seus TCMF por outros títulos de dívida emitidos pelo Tesouro. Já o BCV está impedido de financiar o Estado por essa via. No cerne das disputas está como ultrapassar o imbróglio.
O governo propõe alterar a lei orgânica do Banco Central e contornar o impedimento. Um parecer do BCV enviado a 19 de Março ao parlamento dá por assente que essa pode ser uma linha de acção “ainda que subverta num primeiro momento a intenção inicial de todo o mecanismo subjacente à criação do Trust Fund e dos TCMF bem assim a proibição de financiamento do BCV ao Estado”. A questão que se coloca é em que medida alterações na lei orgânica do BCV particularmente no que respeita às relações entre o Estado e o Banco Central afectam a sua autonomia na execução da política monetária e cambial e na supervisão financeira.
A caminhada do BCV para maior autonomia e independência iniciada nos anos 90 primeiro com a lei orgânica de Julho de 1996, em sintonia aliás com o que se verificava em todo o mundo como por exemplo no Reino Unido durante o governo de Tony Blair, ganhou um impulso significativo com a revisão constitucional de 1999. A partir daí o Banco Central passou não só a colaborar na definição das políticas monetária e cambial como a executá-las de forma autónoma. E também a exercer as suas funções respeitando os compromissos internacionais, caso do Acordo Cambial de 1998, que vinculam o Estado de Cabo Verde. A lei orgânica de 2002 que veio cimentar essa autonomia beneficiou de um acordo tácito conseguido na época entre os dois partidos parlamentares para se evitar a sua instrumentalização designadamente para se interromper mandatos de governadores nomeados pelo governo anterior. Apesar de o Banco Central ser visto pelos constitucionalistas como “órgão constitucional” não há exigência de maioria qualificada para a aprovação da sua orgânica. Convinha porém que assim fosse para garantir estabilidade e credibilidade, como aliás foi defendida em 2002 pela então oposição.
O sucesso do “peg” do escudo ao euro e o baixo nível de inflação são frutos da opção feita em matéria de autonomia que não deve ser posta em causa sob pena de o país posteriormente arcar com as consequências. Veja-se o que se passou após o conflito aberto em Novembro de 2011 entre a então ministra das Finanças e o governador do Banco Central com a cena “da missa, do padre e do sacristão”. Pode-se perguntar se as medidas tomadas posteriormente pelo BCV através das taxas directoras que resultaram no aperto ao crédito teriam sido menos impactantes na economia se houvesse mais convergência entre as políticas fiscal e monetária. Ou então se degradaria tanto a situação do Novo Banco se houvesse mais diálogo. Importa pois que perante a necessidade de encontrar uma via para se fazer o resgaste dos TCMF, atingido a maturidade dos mesmos, que isso seja feita sem pôr em causa a extraordinária engenharia financeira que criou o Trust Fund e os ganhos institucionais conseguidos com a adopção do Acordo Cambial.
Haverá certamente mérito do governo em querer instalar um fundo que dê garantias para investimentos de privados nacionais que de outra forma provavelmente não conseguiriam financiamento. Certamente que algum risco estará associado à operação e que inevitavelmente se reflectirá nos títulos emitidos pelo Fundo Soberano. Mesmo que se queira gerir o Fundo Soberano de forma a manter uma notação A “fica difícil conjecturar a priori se a colocação desses títulos no mercado poderá ser bem-sucedida” como bem aponta o parecer do BCV referido atrás. De qualquer forma há que ponderar devidamente sobre esta engenharia apresentada como inovadora e criativa ciente de que os problemas do sector privado não se limitam ao financiamento. E insistir que é assim, não leva a bom porto como várias vezes já ficou provado no passado e que ainda se vê na elevada percentagem de crédito mal parado (12,2% dos empréstimos) que foi motivo de preocupação da última missão do FMI.

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 904 de 27 de Março de 2019.

segunda-feira, março 25, 2019

Não dá para continuar a empurrar com a barriga

É notório que não se vive, não se participa nem se reivindica como se fazia poucos anos atrás em Cabo Verde. Num dia Brava manifesta-se na ilha e na capital. A morte de uma parturiente que não teria sido evacuada a tempo foi a justificação. Noutro dia grupos cívicos criticam a justiça e exigem que alguém de direito assuma a responsabilidade pelas falhas no sector e pela frustração sentida pela população que quer justiça competente e em tempo útil. Em dias certos no mês os partidos literalmente engalfinham-se no parlamento prejudicando o equacionamento dos problemas, a criação de vontade para as resolver e a própria busca de soluções.
 Algo recentemente mudou na postura das pessoas e no comportamento das organizações e das próprias instituições. Os sinais vinham de muito atrás, mas provavelmente foi a mudança de governo que terá propiciado a viragem que actualmente se constata. A agitação social e política dos últimos três anos supera em muito o que se passou na década anterior.
Claro que o fenómeno não é exclusivo de Cabo Verde. Com especificidades próprias acontece em maior parte do globo. Há quem aponte a crise financeira, a chamada Grande Recessão de 2008 como o ponto de viragem. Outros vão mais longe e apontam os ataques terroristas de 11 de Setembro como o fim do período aberto com a queda do Muro de Berlim, em 1989, em que se viu o avanço aparentemente imparável da democracia e a adopção generalizada das regras da economia de mercado acompanhada de prosperidade sem precedentes particularmente na China. A verdade é que hoje principalmente nas economias mais avançadas vive-se com o sentimento de que há desigualdade crescente de rendimentos com concentração de riqueza numa pequena minoria e que os governos se mostram impotentes para inverter o processo e também para gerir adequadamente as migrações de pessoas vindas de outras paragens à procura de uma vida melhor. Em consequência nota-se que aumenta a reacção contra a globalização e a favor do proteccionismo e que não há certezas que o futuro traga mais rendimento e mais qualidade de vida e que dúvidas crescentes em relação às instituições democráticas, aos média e a outras entidades mediadoras incluindo as científicas levam ao extremar de posições na sociedade.
Já nos países emergentes como por exemplo o Brasil há reacções similares, mas com efeitos mais complicados considerando a fragilidade maior das instituições e também a precariedade de existência de largas camadas da população mesmo aquelas que recentemente se viram elevadas ao nível da classe média. As causas aí pesam bastante pelo lado da corrupção, pela incapacidade do Estado em propiciar os serviços desejados com eficiência e eficácia e a dificuldade em avançar como um modelo de desenvolvimento que garanta crescimento sustentável e criação de empregos seguros. Em Cabo Verde acontece algo semelhante com a diferença de o sistema produtivo ser muito limitado e a atenção geral fixar-se no Estado e nos recursos que concentra ou pode dar acesso. Por isso é que quando fica claro que o panorama sócio-económico é mais complicado do que o esperado porque se perdeu tempo, se investiu mal e as prioridades foram trocadas a reacção é de maior impaciência, de descrença nas instituições e na classe política e de corrida desenfreada especialmente da parte dos interesses corporativos para assegurar o seu quinhão no bolo representado pelo Estado. Depois de se ter constatado que afinal problemas a todos os níveis foram em boa medida varridos para debaixo do tapete e ressurgem agora com vigor surpreendente e consequências funestas a dúvida é se agora não se está simplesmente a “empurrá-los com a barriga” não obstante os governantes garantirem que as “suas soluções são inovadoras e criativas”.
A UCID há dias publicamente afirmava que as câmaras de vigilância não têm transmitido a sensação de segurança às populações. Depois de milhões de dólares gastos na instalação das câmaras e do centro de comando e controlo esperava-se o trabalho complementar de fazer chegar a polícia junto das comunidades e potenciar de facto o investimento feito. Ao que parece ainda não aconteceu e só a divulgação da baixa das ocorrências registadas pela polícia não é suficiente para dar confiança que a criminalidade esteja efectiva e significativamente a diminuir. Também depois dos extraordinários investimentos feitos no sector da justiça não deixa de causar perplexidade que num julgamento de um caso com notoriedade, porque resultante de acusações graves feitos contra juízes e contra o sistema de justiça, o juiz peça escusa e o processo fique adiado sem data conhecida. A sensação é que, não obstante os meios muitas vezes avultados postos em certos sectores, os resultados estão a ficar muito aquém do esperado como cada vez mais se apercebe na área de educação e formação. Da mesma forma, ninguém fica realmente indiferente quando por exemplo se divulga que houve 24 mortes por negligência médica ou se apercebe da dimensão de bebidas produzidas fora dos parâmetros aceites e da quantidade de medicamentos e produtos alimentícios sem condições para o consumo que são retirados do mercado.
Saltando para outras áreas também não se deixa de ficar perplexo quando depois de 20 anos de vigência do Trust Fund e na hora de assumir os compromissos de resgatar os títulos (TCMF) emitidos desde a constituição do fundo é que se vai operacionalizar uma solução que passa por transferir o dinheiro do Trust Fund para um Fundo Soberano de garantia a investimento privados. Pergunta-se onde pára a visão estratégica nesta e noutras situações para que, quando se age, evitar ficar na posição de praticamente encurralado e muito limitado nas posições negociais como aconteceu no processo da privatização da TACV. Levar as pessoas a recuperar confiança e fazê-las acreditar num futuro melhor é essencial para libertar da vitimização do passado e agarrar o futuro encarando os problemas sem necessidade de os varrer para debaixo da tapete nem os de empurrar com a barriga num ilusionismo que já provou não servir o país.


Humberto Cardoso


Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 903 de 20 de Março de 2019.