sexta-feira, fevereiro 26, 2016

Crioulo - que gramática?



Por ocasião de mais um Dia da Língua Materna voltam à baila questões como a oficialização do crioulo, o ensino bilingue, a problemática das variantes e o modo de escrita seguindo o ALUPEC, ou outra grafia mais próxima da raiz etimológica das palavras utilizadas. Não se ouve falar muito é da questão da gramática do crioulo, não obstante já estarem a verificar no país, desde o ano lectivo anterior, experiências de ensino bilingue que hoje já perfazem 8 turmas em vários pontos de Santiago e em S. Vicente. Se em relação à origem do léxico do crioulo já não muitas dúvidas que quase todo ele é de origem portuguesa e latina, constatação que já tinha levado o Dr. Baltasar Lopes da Silva a classificar o nosso crioulo como língua neolatina, já em relação à gramática, aparentemente, continua aberta a discussão. Há quem atribua a sua origem a alguma língua falada nesta região ocidental da África, talvez seguindo o raciocínio que se os vocábulos têm origem europeia e sendo o crioulo resultante de cruzamento de culturas então a sintaxe deve vir da África. O Dr. Baltasar no seu livro “O Dialecto Crioulo de Cabo Verde” referiu-se a uma estrutura gramatical simplificada do português adoptada inicialmente que teria servido de base para uma vitalidade do crioulo que depois tornou impossível a sua erradicação e deu-lhe viabilidade literária. Interessante como as observações de Baltasar parecem convergir com as de Derek Bickerton, um linguista inglês, especialista do crioulo do Havaii. Estudando o crioulo do Havaii, Bickerton nota que do contacto inicial entre os trabalhadores de diferentes origens desenvolve-se um pidgin, uma espécie de língua franca, cuja estrutura gramatical não é fixa: varia dependendo da origem dos seus falantes e não é suficientemente expressiva. Algo porém extraordinário acontece quando as crianças nascidas nesse meio se apropriam da língua falada na comunidade. Completam-na com uma gramática e um potencial de expressão que inclui poesia como constata Steven Pinker no seu livro “Instinto de Linguagem” quando conta a história das escolas de surdos-mudos na Nicarágua sandinista dos anos 80. Segundo ele, a primeira geração de alunos criou um sistema de sinais com estrutura e limitações próprias de pidgins. As segundas gerações, formadas por crianças mais novas, apropriaram-se dos sinais e apuseram uma gramática que segundo Pinker é a gramática comum aos crioulos, independentemente da sua base lexical. As observações de Bickerton e de Pinker dão substância à ideia de uma gramática universal, ou de um modelo gramatical inato, e aparentemente resolvem o mistério da origem das línguas crioulas. Ela é localmente criada pelas crianças quando com essa estrutura gramatical absorvem e modelam os vocábulos já disponíveis no pidgin e produzem, citando Baltasar Lopes, uma língua impossível de erradicar e com viabilidade literária. Um outro lado desta teoria de modelo gramatical inato é o de tornar mais difícil para as crianças que têm o crioulo como língua materna aprenderem outras línguas. Verificar se essas dificuldades são reais e como se manifestam devia ser objecto de estudos científicos apropriados conducentes às melhores decisões em matéria de ensino do crioulo, do português e de outras línguas nas nossas escolas, como aliás bem aconselhou a doutora Amália Lopes na entrevista à TCV no Dia da Língua Materna.
 Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 743 de 24 de Fevereiro de 2016.

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