Todos anos por altura do debate sobre o estado da Justiça e também na abertura do ano judicial colocam-se problemas de morosidade, de produtividade, de eficácia e da qualidade da justiça. Para além do tratamento que essas questões têm em sede do contraditório na Assembleia Nacional e também nos pronunciamentos anuais do presidente da república e de outros representantes de entidades ligadas à justiça, no dia-a-dia, devem ser preocupação permanente do Conselho Superior de Magistratura, o órgão de gestão da magistratura judicial. Para isso é fundamental o serviço de Inspecção Judicial. Com esse serviço pode-se verificar o estado de todos os serviços do tribunal e obter informações sobre o desempenho e o mérito dos juízes. Como se pode imaginar, a gestão que o CSM faz do sistema de justiça depende muito grau de efectividade da inspecção judicial. Aparentemente, porém, esse tem sido um dos calcanhares de Aquiles do sistema. Pelo que foi relatado na última edição do jornal “ASemana” há críticas sérias sobre o actual serviço. Fala-se designadamente de subjectivismo e de critérios desiguais na avaliação dos juízes. Independentemente da validade ou não das críticas, é facto que ao longo dos anos tem sido difícil erigir um serviço de inspecção judicial à altura. A própria lei de inspecção judicial só foi aprovada em Fevereiro de 2015 quase cinco anos depois da revisão constitucional de 2010 ter ampliado extraordinariamente os poderes do CSM. Parte das dificuldades advém provavelmente da própria pequenez do meio e do número reduzido de magistrados. Inspecção ao trabalho dos tribunais e ao mérito dos magistrados compreende a avaliação por colegas de profissão que muitas vezes se vêem constrangidos pela proximidade, amizade e familiaridade. Não é por acaso que o serviço durante anos foi praticamente inexistente ou trabalhou com um mínimo de pessoal. Muitos recusaram o convite feito para o integrar. O facto porém é que o trabalho dos juízes exige competência técnica e precisa ser monotorizado e avaliado também com competência para que o sistema no seu conjunte melhore, para que a meritocracia prevaleça nos processos de selecção e de promoção e para que o país e os cidadãos beneficiem de uma justiça efectiva e célere. Onde encontrar os recursos humanos para isso é o busílis da questão considerando que não é só reunir competências como também nesta fase inicial do Estado de Direito e da democracia ultrapassar os constrangimentos da pequenez e da proximidade. Países novos como Timor têm recorrido a magistrados de outros países entre os quais vários magistrados cabo-verdianos para preencher as insuficiências do seu sistema judicial. Hoje no mundo global mesmo países como o Reino Unido recorrem a nacionais de outros países para o exercício de cargos de algum grau de exigência técnica no domínio de políticas públicas. É o caso do canadiano Mark Carney que é actualmente governador do Banco de Inglaterra ou de Stanley Fischer que de governador do Banco de Israel passou para vice-governador do Federal Reserve Bank dos Estados Unidos. Não parece pois descabida a possibilidade de se recorrer por algum a tempo a magistrados experientes de outros países para ajudar a construir um corpo de magistratura altamente competente e produtiva que, de facto, fizesse o sistema judicial cabo-verdiano servir com celeridade o desejo de justiça dos cidadãos e ser mais um factor de competitividade do país. Funcionando como até agora dificilmente deixaremos de ouvir as mesmas queixas repetidas todos os anos nos momentos rituais de avaliação do estado da Justiça.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 741 de 09 de Fevereiro de 2016.
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