quarta-feira, janeiro 05, 2011

Providencial

Na sua última mensagem de Ano Novo o Sr. Presidente da República optou por esquecer que o cargo é suprapartidário e que o PR não governa nem assume opções de política. Em vários momentos, ao longo do discurso, mostrou corroborar as políticas do actual governo: “Os êxitos e ganhos que conseguimos durante o ano 2010 são argumentos suficientes e garantes para mantermos a confiança nas nossas capacidades em vencer as dificuldades e os obstáculos habituais da caminhada. Até porque podemos, através de feitos e coisas de pequena monta, descobrir e ver expressas em obras as nossas capacidades e possibilidades reais de vencer os desafios económicos de competitividade e da concorrência e da boa aplicação de recursos”. Nenhuma palavra sobre défice orçamental cinco vezes superior ao desejável no quadro da ligação ao euro, ou sobre a divida pública excessiva a atingir valores próximos do Produto Interno Bruto anual e ou ainda sobre o baixo nível de competitividade de Cabo Verde que o coloca no 117º entre 139 países. Pelo contrário, o PR mais à frente no discurso afirma que “é imperativo continuar os esforços em curso”. Naturalmente que isso só é possível se houver continuidade da governação. Outro governo terá outras opções de política até porque as actuais falharam em dar o Pais o crescimento que precisa para vencer a batalha do desemprego. Desemprego que aflige as famílias, corrói a coesão social e mina a esperança dos mais jovens. Mais à frente no discurso, o PR não se coíbe de entrar na refrega entre o Governo/PAICV e os demais partidos, e também o Comissão Nacional de Eleições, sobre o protagonismo dos governantes e outros agentes do Estado em período eleitoral que se manifestou mais vivamente no episódio dos outodoors propagandísticos do Governo. Veio dizer que “a Administração deve poder cumprir as suas funções”. De facto, a Constituição não diz que durante o período eleitoral o Governo passa ser governo de gestão. Mas facto é que a Constituição e o Código eleitoral estabelecem um conjunto de inelegibilidades de certos agentes públicos como os magistrados, militares, diplomatas, oficiais de justiça, inspectores, etc. Também explicitamente o código eleitoral no artigo 97º proíbe inaugurações e lançamentos de primeira pedra a titulares de cargos públicos e obriga a uma maior imparcialidade e isenção as autoridades públicas estaduais e muncipais. Não se pode dizer que o período seja de normalidade. Aliás o PR em Novembro justificou a necessidade de se realizar as eleições o mais cedo possível precisamente para se passar rapidamente este período de menos efectividade de acção do Estado. Por causa da crise, disse ele então. Agora volta atrás no seu argumento e municia a posição dum governo que, a olhos de todos, usa e abusa das prerrogativas da governação para a sua vantagem eleitoral. Não é aceitável. Parece que o apego á crença de que o Partido antecede o Estado leva a que, nos momentos cruciais, o interesse do Partido se sobreponha aos interesses da colectividade nacional, mesmo quando são estes o objecto de juramento solene perante a República.

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