sábado, fevereiro 05, 2011

Mudar

Já nos últimos dias antes das eleições percebe-se que a campanha falhou em ser o esperado palco do grande debate sobre políticas alternativas para os próximos cinco anos. O discurso de campanha derivou demasiado para os ataques à credibilidade de uns e outros. A preocupação em comparar décadas passadas de governação não deixou muito espaço para se interrogar sobre o futuro.

As eleições legislativas acontecem num momento crítico da economia global. Dois anos após a Grande Recessão ainda não são claros os contornos do que será o mundo pós crise. Para um pequeno país como Cabo Verde saber orientar-se para melhor situar-se no quadro das relações económicas emergentes é vital. E isso só pode ser feito através de políticas inteligentes para cuja discussão pública e triagem as campanhas eleitorais deveriam contribuir.

Actualmente, nas democracias com eleições à porta, a questão central e urgente é como adequar-se aos novos tempos com sucesso. Nos países com regimes autoritários essa urgência também existe e na falta de um escape democrático manifesta-se da forma como está a fazer na Tunísia e no Egipto. Só em Cabo Verde é que aparentemente a classe política não se sente obrigada pela sociedade civil em expor e debater aprofundadamente o que tem para oferecer ao país nestes tempos difíceis.

O comportamento típico do Governo de responder acusando, sempre que confrontado com falta de resultados e omissões de política, viciou o diálogo democrático entre situação e oposição, entre governantes e cidadãos e entre o Estado e a sociedade. Dez anos depois, ainda o Governo culpa a governação anterior pelas dificuldades do presente. Procura bodes expiatórios para o que vai mal e duvida das motivações e intenções dos críticos.

Na campanha em curso quer-se comparar momentos históricos irrepetíveis e contextos político-económico internacionais diferentes. Procura-se abater o mensageiro para que a atenção não se fixe na mensagem. Centra-se na questão de credibilidade de pessoas e partidos para fugir à responsabilidade pelos resultados presentes e à discussão aprofundada das propostas de governação para o futuro. Mas, como bem disse o Primeiro Ministro da Palestina, Salam Fayyad, a propósito da insurreição no Egipto contra Mubarak "hoje a legitimidade do Poder está baseada nos resultados produzidos para as pessoas. Terminaram os tempos em que simplesmente se podia dizer: Lidem comigo porque com os outros será muito pior".

O perigo de se descambar para a violência está associado à insistência em mobilizar paixões de multidões e em estigmatizar o outro para atingir fins eleitoralistas. Os incidentes repetidos que se vêm verificando nos últimos dias, com cenas de teatro como apontar o dedo a "sabotadores" na Electra e entregar a guarda das centrais eléctricas às forças militares, são ilustrativos.

É de extrema hipocrisia fazer-se apelo à não-violência nas eleições e depois forçar o embate eleitoral num caminho que inevitavelmente leva a insultos, a atentados graves à imagem dos candidatos e a acções intimidatórias dos eleitores. É evidente que há que mudar este estado de coisas para que o país ganhe com todas as virtualidades do jogo democrático.

Editorial do Jornal "Expresso das Ilhas" de 2 de Fevereiro de 2011

1 comentário:

Anónimo disse...

Interrogar sobre o futuro thats the question e o drama de Cabo-Verde. Encara-se o futuro com uma total despreocupação como se a comunidade internacional tem alguma obrigação de nos sustentar eternamente. No dia da verdade em que formos chamados a nossas responsabilidade, é que vão ser elas. Este é o mundo de amanhã da pós crise. Quem não se souber desenrascar neste mundo globalizado, ou seja o país que não tiver o seu nicho para tirar as suas castanhas do fogo estará tramado. Vê o drama e as lições da economia portuguesa, a nossa tutora, para antever o que vai acontecer com Cabo Verde quando o balão da basofaria estoirar.
O momento crítico da economia global devia exigir melhor reflexão da parte do MPD mas parece que és a única cabeça pensante e questionante neste partido. Este é o grande drama do teu partido, que se pretende ser liberal envergonhado, mas não tem uma doutrina intelectual coerente, pelo menos a meu ver.
É pena que sendo O MPD um partido reformista reformador e mesmo com conceitos progressista da sociedade do século XXI, os temas importantes para Cabo Verde tais reformas estruturais de fundo no em cabo Verde, para o elevar ao nível das democracias ocidentais avançadas, nomeadamente reformas no sistema político-administrativo-económico, reformas do ensino das universidades, o novo coceito da tão propalada diáspora etc não aparecem explicitamente. O tema da Regionalização, por exemplo e a necessidade de um estatuto especial ou autonomia política para S. Vicente, são escamoteados e em troca aparecem promessas situacionistas, ministérios ou o discurso do abandono sem alternativas nem propostas convincentes. Tenho mais coisa neste balanço mas não te vou maçar. Parece que andas e andamos a pregar no deserto.
Concordo integralmente com a necessidade da mudança e está aí o meu voto. Penso que a oposição toda exprime esta vontade. Mas ‘ a la fin je reste sur ma faim’.
Abraços e boa sorte