Oficiosamente a Crise já chegou a Cabo Verde. Oficialmente diz-se que os efeitos da crise lá fora poderão atingir-nos. Mas que até lá nada realmente ficou de fora, seja o 13º mês, o salário mínimo ou os aumentos salariais para repor o poder de compra perdido. O Poder continua a sentir-se compelido a dizer meias-verdades à sociedade. Situações complicadas continuam a acumular-se lá fora, particularmente na zona do euro, mas o governo cá persiste em subestimar os efeitos já sentidos da crise e em demonstrar que rapidamente serão ultrapassados com uma ofensiva diplomática que renove a ajuda e abra outras linhas de crédito concessionais.
Em todos os países enfrentar a crise significa para a generalidade das pessoas sofrer cortes brutais sucessivos nos rendimentos e na qualidade de vida à medida que são implementadas as medidas de austeridade. Nas muitas das manifestações de revolta e desagrado verificadas nas ruas das cidades do mundo inteiro ouve-se sempre a queixa de que os cidadãos não foram devidamente consultados quando decisões fatídicas eram tomadas. Ninguém os chamou quando se tratava de salvar os bancos do desastre financeiro que tinham engendrado com a sua ganância. Nem tão pouco quando a conjugação de grandes acumulados de dívida pública com perspectivas baixas de crescimento económico a médio prazo provocou stress nos mercados e em consequência subiram as taxas de juro da dívida de alguns países para níveis que praticamente os levou à beira da falência.
Em alguns desses países, eleições recentes serviram para canalizar o ressentimento das pessoas e para penalizar governos que lhes ocultara a verdade. Na Grécia, o primeiro ministro Papandreou quis antecipar-se com o pedido de um referendo que lhe assegurasse o apoio da população na implementação das rigorosas decisões dos parceiros. A decisão caiu mal e já provocou tumulto nos mercados, abrindo a possibilidade de a Grécia sair do euro. Em Cabo Verde, o primeiro-ministro confessou recentemente que uma crise no euro teria efeitos catastróficos para o país. À parte isso, pouco se tem dito à nação sobre os perigos da crise e as medidas que deverão ser tomadas para conter o seu impacto. A linha oficial é que o país estava salvo da crise. Por isso, as medidas já anunciadas pelo PM incluindo cortes a serem feitos, consolidação de instituições diversas e de controlo rigoroso de certas despesas dificilmente encontrarão o eco desejado.
Para o Governador do Banco de Cabo Verde, no texto publicado neste número do jornal (pags. 18 e 19) é crucial a gestão da competitividade externa para fazer face à crise. Mas teme que as exigências não foram comunicadas aos caboverdianos com vista a obtenção dos necessários consensos. Quer dizer que os caboverdianos nem sabem como a crise está a afectar o país nem como preparar-se para a confrontar. As ambiguidades e meias-verdades do Governo têm servido para toldar completamente a visão sobre os factos. O debate com a Oposição tem sido crispado e pouco esclarecedor. Dificilmente servirá como suporte de consensos futuros de como lidar por exemplo com uma crise do euro na sequência da saída de um ou mais países da união monetária.
Os tempos são de extraordinária dificuldade e imprevisíveis quanto ao desfecho de vários processos cruciais em jogo. Uma certeza que os povos querem ter é que seus governantes lhes falem verdade. Porque vontades são mobilizadas e sacrifícios são consentidos se a causa é comum, se o esforço é igualmente suportado e se a governação prima pela verdade e a honestidade.
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