A dificuldade em
mudar demonstra que décadas seguidas de aplicação de um modelo de
desenvolvimento baseado na reciclagem da ajuda externa decididamente teve
consequências graves e duradoiras na vida da nação. E isso é visível na forma
como os problemas do país são equacionados e colocados no parlamento ou na
comunicação social, assim como é claro nas atitudes e expectativas em relação
ao presente e ao futuro que são sistematicamente alimentadas e
reproduzidas.
O país debate-se com níveis altos de
desemprego, mas mostra-se incapaz de pôr suficiente atenção na procura de vias
para debelar esse flagelo. Devia ser óbvio que o desemprego só pode ser
combatido com crescimento da economia a taxas mais altas do que as verificadas
nos últimos anos. Devia, mas afinal não é. Assinou-se um pacto de concertação
estratégica, mas parece que ficou submerso nos anúncios de manifestações e
ameaças de greve e nos posicionamentos políticos que logo vêm atrás. O que
devia traduzir preocupação de todos - não só com quem está empregado mas também
com os desempregados e os com os novos que chegam ao mercado de trabalho e que
precisam de uma economia dinâmica e competitiva para os absorver - não dá
sinais de se concretizar. Prefere-se ficar com a ilusão que de alguma forma o
Estado vai continuar a manter os postos de trabalho actuais.
As discussões
intermináveis à volta das medidas de mitigação dos efeitos da seca fazem
esquecer o problema de fundo que é a vulnerabilidade no mundo rural. Discutir
ajuda externa e como distribuí-la no país parece ser o desporto favorito de muitos.
É campo para populismo e demagogia, rivalidades e disputas de influência junto
das pessoas. Sempre foi assim e é uma das razões por que a situação no meio
rural não se alterou e a vulnerabilidade das populações se aprofundou. Num ano
de seca extrema e em que o falhanço das políticas para o mundo rural ficou
claro para todos o que mais se ouve para além dos arremessos políticos é a
velha receita de fixar a população e desencravar as povoações. Por debater
ficam as vias de como mover as pessoas para actividades mais produtivas,
geradores de rendimento e com potencial de sustentabilidade que realmente
diminua a sua vulnerabilidade.
Assim como o desemprego e as dificuldades das
pessoas no campo não prendem a atenção por causa da sua utilidade na luta
política, também faz-se por esquecer que o país tem a dívida pública acima dos
130% do PIB e que várias empresas estatais têm dificuldades financeiras que
podem pesar ainda na dívida existente. Como é próprio de quem se habituou à
ajuda externa, fica-se sempre à espera ou que a dívida seja perdoada ou que se
resolva por si. Ninguém pensa nas enormes dificuldades que países como
Portugal, Irlanda, Espanha e Grécia passaram por terem acumulado dívida a tal
nível. Entretanto, também a questão é campo para picardias políticas e vontade
para criar as condições para a conter e sanar financeiramente o sector
empresarial do estado perde-se no jogo de culpar o outro e nas fugas à
responsabilidade.
A verdade é que já devia ser evidente que o
país tem de se mover num caminho que torne a economia competitiva e se criem
condições para aumento da produtividade. A adequação da administração pública é
essencial para isso, mas se noutras matérias dificilmente se encontra espaço
para se chegar aos compromissos necessários, em matéria de administração não se
vê como os atingir. É um facto constatado por todos e realçado pelos operadores
económicos. Só que a administração pública é a arena principal de disputa e
quando a política centra-se muito na capacidade do Estado em alocar recursos,
facilitar acessos e criar oportunidades dificilmente as partes vão convergir
nas reformas. E, se não há consenso para o crescimento e emprego com foco na
iniciativa privada e acompanhada de medidas de atracção de investimento externo
e de uma política de promoção de exportações de bens e serviços, ninguém vai
achar necessário tomar as medidas que se impõem para se conseguir os níveis de
eficiência e eficácia que o país tanto precisa.
Um outro empecilho a debates construtivos que
podiam levar a encontrar as vias para fazer o o país crescer nas taxas desejadas
e para resolver o problema de emprego e garantir rendimentos às pessoas tem a
ver com a orientação a ser imprimida à economia nacional. Uma das consequências
de demasiados anos a viver na dependência da ajuda externa foi que se deixou de
olhar para fora e se fixou em olhar para dentro. Caiu-se numa espécie de
paroquialismo que para o país arquipélago, de
pequena dimensão e população pode revelar-se fatal, principalmente
quando lógicas identitárias ganham impulso e rivalidades entre as ilhas são
alimentadas. Da história de Cabo Verde se aprende que, nos casos em que o país
conheceu algum momento de prosperidade, o crescimento resultou de uma ligação
mais dinâmica à economia mundial. Para aprofundar essa ligação devem ir todas
as políticas de promoção do sector privado e de atracção do investimento
externo e o esforço de transformar Cabo Verde num destino turístico com
valências múltiplas que aumentem a sustentabilidade do sector.
Melhorar o nível da política e elevar o
debate é o grande desafio que hoje se coloca às democracias. Há que evitar por
um lado a polarização que práticas populistas tendem a criar e, por outro, não
se deixar tentar por vias simplistas para questões complexas que globalmente só
vão contribuir para descredibilização da democracia. A resolução dos problemas
de desenvolvimento dependem da capacidade em conseguir estabelecer os
compromissos necessários para fazer as reformas e reorientar o país. Não se
consegue isso, porém continuando a fazer a mesma política de sempre e a
persistir nos mesmos debates estéreis que não deixa que caía o ilusionismo que
por demasiado tempo tem mantido as pessoas alheias à realidade do país.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição
impressa do Expresso
das Ilhas nº
852 de 28 de Março de 2018.
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