segunda-feira, julho 31, 2023

Não ao desalento. Pelo crescimento

 

Nos tempos conturbados de hoje, marcados por incertezas e imprevistos diversos, o foco no crescimento económico é fundamental para se estar minimamente preparado para enfrentar crises de origem económica, climática e sanitária. Esta é uma recomendação que Cabo Verde, que segundo os últimos dados do INE, sofreu uma contracção de 20,3 % da sua economia em 2020 devido à Covid-19, uma das maiores entre os países do mundo, devia merecer a maior atenção de todos, em particular dos seus governantes e da totalidade da classe política. A pressionar o caso veio o memorando do Banco Mundial de 14 de Julho a alertar para o esgotamento do modelo de desenvolvimento do país que vem dando sinais de cansaço desde 2008.

Entre as chamadas de atenção do BM está a constatação da importância do Investimento Directo Estrangeiro (IDE) como factor-chave do crescimento económico. De facto, num ambiente a partir de 2008 em que a produtividade deixa de ser um grande contribuidor para o PIB, o crescimento, segundo os dados do BM, teve de depender do nível do IDE. Os anos de maior crescimento na última década, entre 2016-2019, foram os de maior investimento em infraestruturas do turismo numa contribuição para o PIB de 2,6%. O foco no crescimento económico deve, pois, significar um esforço maior na atracção de investimento externo e na implementação de políticas que tragam de volta a produtividade como grande contribuidor para o PIB.

Tanto a primeira como a segunda tarefa enfrentam dificuldades, se não obstáculos, de monta. Da produtividade já se sabe das resistências para se diminuir a rigidez estrutural na utilização dos factores de produção. Em relação à atracção de investimento directo estrangeiro, que devia merecer todo o engajamento do país e da sociedade, trabalha em sentido contrário o discurso político. Cada vez mais polarizado, é um discurso que tende a cair para os estereótipos antigos, onde de um lado estariam os “patriotas e amantes da terra” e do outro “os vendedores da terra”.

Num arquipélago onde ao longo da sua história secular, os momentos de prosperidade estiveram ligados a uma articulação mais próxima com a economia mundial através de exportação de bens e serviços, fixar-se nesse tipo de retórica é condenar o país a níveis baixos de crescimento económico. Em vez de um espírito de abertura ao mundo e de cosmopolitismo acompanhado de uma efectiva fiscalização democrática e responsabilização do governo alimentam-se medos, desconfiança e ressentimentos que tendem a reduzir o IDE a “esquemas” para roubo de recursos do país e exploração dos cabo-verdianos.

O resultado não podia ser mais desastroso. Neste quesito o Memorando do BM relembra que uma das razões por que a média de crescimento nos primeiros quinze anos após a independência ficou nos 3% do PIB foi precisamente por “baixo investimento”. Excluía-se então o investimento directo estrangeiro. Na época, segundo o mesmo documento, os maiores contribuidores para o PIB eram a Ajuda Pública ao Desenvolvimento(APD) e as remessas dos emigrantes. E essa referência à constituição do PIB nesse período de baixo crescimento serve também para lembrar aos novos entusiastas da nação global e da nação diasporizada que não há remessas de emigrantes que substituam a necessidade do país de atrair investimento directo estrangeiro e de se organizar para ser competitivo e aumentar a produtividade. O IDE não significa apenas capital, como também tecnologia e know-how e, fundamentalmente, mercados de exportação e procura externa em forma de fluxos turísticos.

O economista Mohamed A. El-Erian num artigo recente explicou que tanto os países desenvolvidos como os em desenvolvimento correm o risco de verem, num momento ou outro da sua trajectória económica, os seus modelos de crescimento esgotarem-se e caírem na estagnação e até mesmo em regressão. Para evitar a armadilha, têm-se que encontrar uma forma de revigorar a estratégia de crescimento. Mohamed A. El-Erian e outros economistas como Gordon Brown que foi primeiro-ministro do Reino Unido e Michael Spence num livro “Permacrisis” sugerem acções em três áreas para conseguir esse revigoramento: fazer a reengenharia de modelos de crescimento que se têm revelado inefectivos; melhorar a gestão económica nacional e aprimorar a coordenação e as respostas políticas globais.

Como tiveram a oportunidade de salientar o crescimento económico pode não ser tudo, mas não há muita coisa que se consegue fazer ou resolver sem ele. Com a crise pandémica e as outras que vieram logo atrás, viram-se as consequências. O aumento da pobreza e da desigualdade social, seguido de tensões sociais e em certas partes do mundo até de tumultos, demonstraram a importância fundamental de se focar num crescimento que seja inclusivo, durável e sustentável. Para o desencadear e alimentar há que criar um ambiente competitivo capaz de atrair investimentos e garantir a produtividade que assegura a contínua produção de riqueza.

A grande questão que se coloca é qual o engajamento que se pode esperar da classe política para ir além da política, que apenas procura atingir e conservar o poder, e fazer outra política, capaz de encontrar respostas para as dificuldades actuais. Uma política que seja de mobilização da energia e da criatividade nacional para se realizar as reformas indispensáveis ao crescimento. Também que seja de promoção de uma nova atitude em relação ao mundo e que afaste qualquer sinal de desalento perante o desafio de se construir um Cabo Verde em sintonia com os desejos e expectativas de todos. Do Banco Mundial veio o alerta para se revigorar o modelo de crescimento e desenvolvimento. Do debate da próxima sexta-feira no parlamento, a Nação espera um firme comprometimento de toda a classe política para que isso aconteça. 

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1130 de 26 de Julho de 2023.

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