JORNAL 673 DE 22 DE OUTUBRO
DE 2014
O Presidente da República a dado momento do seu discurso na
abertura do Novo Ano judicial fez um veemente apelo a todos os caboverdeanos: “Não
tenhamos receio de enfrentar a realidade, não nos deixemos levar por
interpretações convenientes, não tenhamos medo de buscar a verdade”. O
apelo justifica-se. Não se pode ignorar mais a atitude conformista, acrítica e
passiva das pessoas enquanto os problemas, designadamente económicos e sociais,
se amontam e soluções para o futuro são adiadas.
O governo optou por lidar com o país pela via do marketing
político e pela propaganda. Questões como a debilidade da economia, os
problemas do desemprego, a insegurança, a inadequação do ensino e formação e a degenerescência
do tecido social são “desvalorizadas” ou atiradas para “debaixo do tapete”. A
governação é demasiado condicionada pela política do curto prazo, pela gestão
das expectativas e pela preocupação em manter tudo e todos sob controlo. Constroem-se
barragens, portos e aeroportos, inauguram-se centenas de habitações sociais,
investem-se centenas de milhões em sistemas eléctricos mas os problemas
continuam. Opções desajustadas, prioridades trocadas e ineficiências no uso das
infraestruturas, levaram a que os resultados dos investimentos ficassem aquém
dos previstos. Não se conseguiu alavancar o crescimento económico, nem
consolidar o sector privado nacional e nem resolver o problema do desemprego.
O Cabo Verde dos rankings internacionais e da “boa
governação” não coincide com o país real. Todos sentem isso mas, em geral, só
reagem, e defensivamente, quando isso é apontado por estrangeiros em artigos de
jornal ou recentemente num documentário televiso.
A Justiça é um dos sectores em que a percepção geral é de que
funciona mal. As críticas feitas ao sector centram-se normalmente na questão da
morosidade. Na intervenção referida anteriormente o PR fez questão de
demonstrar que o sentimento de falta de justiça por parte da população tem uma
base mais alargada. É afectado, por exemplo, pela relação com a administração pública
onde por vezes princípios constitucionais como isenção, imparcialidade e de
fundamentação não são aplicados. Também é afectado pela relação com a polícia
de quem se espera prontidão, discernimento e efectividade na defesa dos
direitos dos cidadãos e nas operações de combate ao crime, mas que demasiadas
vezes não acontece. Prejudica ainda a justiça a incapacidade, por exemplo, de
dotar o Ministério Público de meios essenciais para conduzir a investigação
criminal e garantir que os processos presentes ao tribunal não padeçam de
quaisquer falhas.
É evidente, como diz o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
que para se conseguir resultados em matéria de Justiça importa ir além da “terapêutica única da exigência de mais meios
e interpelar a nossa atenção, a nossa
criatividade e o nosso esforço”. Há que acrescentar a isso também vontade
política de realizar a Constituição e cumprir as leis da república. Das
intervenções no início do ano Judicial, pode-se concluir que muitas das falhas
no sector da justiça derivam da inacção dos poderes públicos. O facto de não se
ter instalado o Tribunal Constitucional e os tribunais de Relação levou à
situação do bloqueio actual. Juízes já na categoria de juízes conselheiros via
concurso público não podem ocupar os lugares no Supremo Tribunal porque este tribunal
ainda se assume como tribunal constitucional. O mesmo acontece com os juízes
desembargadores também seleccionados para os dois tribunais de 2ª instância que,
de acordo com a lei, em três anos deveriam ter sido instalados. Isso não é
aceitável.
Seria sempre de esperar que negociações para se conseguir
maiorias qualificadas para eleger juízes do Tribunal Constitucional levassem o
seu tempo. Não é razoável que que o processo já se aproxime dos 15 anos. Em
2010 fez-se uma revisão constitucional. Se algum dos partidos não concordasse
com o modelo existente deveria ter apresentado propostas de alteração. Não se
compreende é que logo a seguir o partido no governo venha mostrar dúvidas e, na
sequência, as negociações se tenham arrastado até hoje.
O que se passa no sector da justiça espelha muito do se passa
em outros sectores. Basta ver a questão da insegurança e da criminalidade e as
dificuldades da polícia em lidar com a situação. A mesma coisa no Banco Central,
uma instituição fundamental para a gestão macroeconómica do país, em que o
governo mantém uma situação de indefinição na nomeação dos seus órgãos. Há que
mudar a atitude, encontrar saídas e acabar com o marasmo.