Editorial Nº 560 • 22 de Agosto de
2012
Coabitação
uma falsa questão
Há um ano fez-se história nas eleições
presidenciais. Pela primeira vez elegia-se um Presidente da República defensor
do sistema de governo vigente na II República e que proclamava que o seu
caderno de encargos é a Constituição. A escolha do povo revelou o efeito
forte e sugestivo das sucessivas chamadas à uma cidadania activa e também
alguma inquietação perante um governo já num terceiro mandato, mas
aparentemente sem soluções e algo desnorteado.
A vitória teve ainda especial significado por
causa do envolvimento inapropriado de membros do governo e do próprio
Primeiro-ministro. Durante e na sequência das eleições houve demissão do Chefe
de estado-maior das Forças Armadas, foram feitas denúncias de compra de
consciências e de compra de votos e fundos públicos foram entregues a
associações, organizações comunitários e câmaras municipais em violação
frontal da lei eleitoral. Não obstante tudo isso a maioria do eleitorado
decidiu não deixar que a eleição suprapartidária do Presidente da República
fosse arrebatada pelo governo, ou fosse determinada por lealdades ao partido.
No primeiro ano de mandato, o Presidente da
República Jorge Carlos Fonseca dirigiu grande parte da sua atenção para o
reforço institucional do regime democrático e para a elevação da cultura
constitucional. Enquadram-se nesse esforço os sucessivos apelos à instalação do
Tribunal Constitucional e à eleição do Provedor de Justiça. Também o Poder
Judicial tem sido insistentemente estimulado a ocupar o seu papel fundamental
na defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, em assegurar-se da legalidade
dos actos do Estado e no dirimir de conflitos em tempo útil com vista à
realização plena da justiça. E em prol de uma cultura da constituição para além
dos vários apelos ao respeito pelas regras do jogo democráticos, a presidência
da república com várias actividades ao longo do ano assumiu, de facto, a
liderança na comemoração do vigésimo aniversário da Constituição da República.
Uma outra preocupação de relevo do PR tem sido o
princípio constitucional de autonomia do poder local várias vezes posto em
causa pelo governo em leis e medidas constrangedoras das acções municipais. O
veto político aplicado à taxa ecológica vai nessa direcção. Já as
questões de Defesa e das Forças Armadas que cabem no âmbito das funções do PR,
enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas, aparentemente não mereceram o
mesmo nível de atenção. Não foi convocado o Conselho Superior de Defesa Nacional
não obstante se ter nomeado um novo chefe de estado-maior e se ter avançado com
leis importantes como são os estatutos dos militares.
O governo e o partido que o suporta têm em
intervenções públicas referido a maiorias supostamente diferentes que deram o
mandato ao governo e elegeram o PR. As razões para esse tipo de raciocínio, que
não tem cabimento no nosso sistema de governo, são claras. Arrastar o PR para o
terreno da bipolarização em que se quer manter o país. O PR em Cabo Verde não
tem programa de governação como tinha o PR francês, o socialista Mitterrand,
quando, durante o seu mandato de sete anos, Jacques Chirac do partido da
direita, ganhou as legislativas. Inventou-se aí a ideia de coahbitation para
caracterizar a convivência entre os dois. Não há nada parecido em Cabo Verde.
Insistir numa pseudo-coabitação em Cabo Verde é, de
facto, um acto de hostilidade ao figurino constitucional vigente e ao princípio
da separação e interdependência de poderes. Daí é um passo para se chegar à
forma desrespeitosa como é tratada a mensagem do PR de suporte ao veto à taxa
ecológica. A maioria parlamentar impediu a sua leitura na sessão plenária da
Assembleia Nacional e de seguida o seu líder procedeu à contestação sistemática
dos seus fundamentos.
A realidade é que o PR não governa e não saberia
como fazê-lo mesmo que quisesse. Acusações do tipo visam constrangê-lo no
exercício das suas funções. A comemoração do primeiro ano após o 21 de Agosto
de 2011 deve ter como objectivo reforçar a vontade então expressa de se ter um
Presidente da República que cumpra e faça cumprir a Constituição.
A Direcção