Na Europa, os países do Sul, os chamados PIGS (Portugal, Itália,
Grécia e Espanha) foram os mais atingidos pela crise financeira. As razões são
múltiplas, mas a opinião corrente é que as lideranças nacionais durante décadas
não fizeram as transformações que a entrada na zona euro impunha. De facto, uma
união monetária com a Alemanha e outros países do norte da Europa exigia alguma
convergência em termos de produtividade e de competitividade externa sob pena
de se dividirem em países credores e países devedores. Infelizmente é o que
veio a acontecer. Hoje para assegurar crescimento futuro são obrigados a
adoptar políticas duras de austeridade e a fazer reformas dolorosas, que a
curto prazo trazem desemprego, empobrecimento geral e perda de qualidade de
vida.
Nada disso era previsível
anos atrás quando pareciam estar a modernizar-se num ritmo estonteante. Na
época, os líderes projectavam a imagem de estar a cavalgar ondas de transformação.
Inauguravam grandes infraestruturas, apadrinhavam projectos de modernização e
lançavam iniciativas tecnológicas de ponta. Exímios no marketing político e em
relações públicas, apresentavam-se como a promessa da prosperidade crescente e
imparável. Quando se caiu na realidade, ficou claro que muito do esplendor
anterior, financiado com fundos comunitários a custo perdido e com dívida
pública e privada a juros só possíveis no quadro de uma verdadeira união
monetária e fiscal, não passava de “fogo-de-vista” e não contribuía para atrair
investimento estrangeiro, abrir novos mercados e alargar a base exportadora.
Hoje é claro para todos, principalmente para aqueles que mais pagam os
excessos, as ilusões e as promessas não cumpridas, que os anos passados de
suposta glória e transformação foram de desperdício, de oportunidades perdidas
e mesmo de aproveitamentos menos lícitos.
A lição parece que não chegou
a Cabo Verde. Ouvindo os governantes, fica-se com a impressão de déjà vu. A
similaridade com o optimismo e o fulgor governo de Sócrates em Portugal antes
da chegada da Troika é por demais evidente. Também aqui a mobilização de
milhões de metros cúbicos de água, a aposta nas energias renováveis, a
promoção das TICs e os clusters tirados quase literalmente da cartola prometem
redenção e prosperidade futura e levar Cabo Verde em 2030 a 12 mil dólares per
capita: o ponto onde actualmente se encontram as Maurícias. Há porém uma diferença
com Portugal. As infraestruturas em Cabo Verde não foram financiados com
transferências de fundos europeus a custo perdido. Foi com dívida externa e o
serviço da dívida já começou a pesar seriamente (ver paginas 28 e 29).
Apesar de o Primeiro-ministro
José Maria Neves se ver como líder transformacional, a exemplo dos que citou na sua .aula
magna.da terça-feira na Escola de Negócios e Governação, a realidade é que
mesmo após 12 anos de governo contínuo, o essencial para a sustentabilidade do
país não se concretizou. Na sequência dos investimentos públicos não vieram
investimentos privados, o que indicia prioridades duvidosas, timings errados
ou inadequações diversas. Sem o sector privado e sem investimento estrangeiro
e sem competitividade externa como assinalam os relatórios do Forum Económico
Mundial e do Doing Business dificilmente se poderá garantir níveis de
crescimento necessários durante anos e décadas para acabar com o desemprego,
eliminar a pobreza e garantir prosperidade para todos. A estrutura de economia
sem uma base diversificada e muito centrada no turismo e ainda em modo de
reciclagem da ajuda externa revela o grau da não concretização das
transformações prometidas.
Criar novos paradigmas,
lançar novas plataformas e ter iniciativas ou mesmo tirar o país da sua rotina
habitual não são tarefas para qualquer líder. É mais tentador deixar-se seduzir
pela aparência de sucesso e pela popularidade gerada pelo marketing político.
Ou então, ficar pela conquista de boa vontade junto da comunidade
internacional para poder aceder a fundos que depois se utiliza para reproduzir
o paternalismo do Estado e alimentar o assistencialismo e o conformismo das
populações. Quando se quer realmente mudar, há riscos a percorrer e
experiências a serem produzidas.
A marca dos verdadeiros
líderes vêem-se mesmo nos momentos de saída. O exemplo último foi o do Papa
Bento XVI que foi ao ponto de resignar para dar à Igreja a possibilidade de,
com um novo Papa, de ultrapassar os escândalos sexuais, resolver problemas
organizacionais e adaptar-se para o século XXI. Demonstra uma fibra que já tinha
revelado na luta contra o relativismo moral e pela afirmação de que a razão e
fé não são incompatíveis.
As nações em momentos de
encruzilhada na sua história precisam que a realidade não lhes sejam omitida
com recurso ao marketing político ou que sejam desviadas do confronto da
realidade por populismos similares ao de Hugo Chávez. Como nos diz a Europa do
Sul, miragens pagam-se caro.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 6 de Março de 2013