Na sequência da primeira volta das eleições presidenciais ruiu o muro de silêncio à volta do processo eleitoral em Cabo Verde. Finalmente fizeram-se ouvir as vozes que denunciavam compra de votos, manipulação de consciências e uso indevido de recursos do Estado. Testemunhos de destacados militantes do partido no governo, constatações de observadores internacionais e a indignação de muitos cidadãos convergiram em apontar que algo vai mal no seio das instituições do Estado democrático.
Há muito que se vêm manifestando sinais de erosão das instituições. O governo ignorou manifestações de má governação enquanto procurava aproveitar-se politicamente da relativa boa imagem do país no estrangeiro. Tardou em reconhecer que a sistemática fuga dos dirigentes à responsabilidade, a partidarização da função pública e a negação da meritocracia acabaria por ter um efeito nocivo tanto na sociedade como no Estado.
A existência agora revelada de compra de votos ou de um “mercado de votos”mostra como a sociedade vem sendo roubada da sua autonomia e minada pela criação de redes de dependência. Em vez de sociedade civil autónoma, há uma sociedade onde pontificam grupos, associações e redes sociais alimentados por fundos do Estado. Precisamente o que Hillary Clinton denunciou em Julho de 2010 na Cracóvia: “democracias em que governantes esforçam-se por criar a sua sociedade civil, uma colecção de ONGs, associações comunitárias, organizações juvenis, etc., dependentes em recursos e instrumentos de uma agenda maior de controlo social”.
As transferências feitas a municípios e associações nas vésperas das eleições, confirmadas na semana passada por dirigentes do partido no Governo, indiciam métodos utilizados. Chegar às pessoas via câmaras nos municípios onde o poder é da mesma cor partidária do governo e via associações nas câmaras de oposição, em violação do princípio da imparcialidade e de isenção no tratamento dos cidadãos e de não favorecimento em virtude de opções político-partidárias. Com isso perde-se o sentido do interesse público, substituído pelo interesse do partido, e as instituições e a cidadania são enfraquecidas.
A fragilidade das instituições torna-se cada vez mais notória seja em lidar com situações novas seja ainda em potenciar o conhecimento, a energia e criatividade dos seus novos quadros. A administração pública não se torna mais competente, o fornecimento de bens públicos como água e electricidade não inspiram confiança, a Justiça é morosa, a polícia não é mais eficiente e a qualidade tarda a chegar às escolas e universidades. As próprias Forças Armadas dão sinais complicados. O ataque sem qualificação dirigido ao Major Adriano Pires pelo Gabinete do Chefe de Estado Maio das Forças Armadas no jornal “A Nação” é um exemplo disso.
Problemática também se revela a inacção e o silêncio dos órgãos da direcção do Estado. Ainda não há, por exemplo, reacção da parte da procuradoria-geral da república perante acusações de compra de votos. O governo não justifica transferências vultuosas de fundos para particulares nas vésperas de eleições, em violação do código eleitoral. E os órgãos de soberania não se pronunciam face ao insólito da resposta do comando das Forças Armadas às críticas de um cidadão.
No actual contexto as eleições presidências do próximo domingo dia 21 ganham uma outra importância e pertinência. Urge evitar derivas das instituições que as afastem da realização do interesse público. O presidente da república tem umpapel essencial em assegurar-se da conformidade do funcionamento das instituições com os princípios constitucionais para que as práticas de boa governança sejam adoptadas, para que não haja discriminação e para que todos os cidadãos se sintam livres na escolha dos governantes.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 17 de Agosto de 2011