Os debates televisivos ganharam relevância nos pleitos eleitorais nas democracias desde o célebre debate nos Estados Unidos, em 1960, entre John Kennedy e Richard Nixon. Saiu vitorioso Kennedy e a partir daí ficou claro para toda a gente que sucesso nos debates depende de vários factores entre os quais a chamada telegenia, a capacidade de cativar os telespectadores e de os fascinar por gestos, expressões e formas discursivas. A competência em tratar as questões em debate é importante mas não é tudo. Na sequência do primeiro debate entre os líderes políticos na televisão nacional na passada sexta-feira as opiniões dividiram-se quanto ao formato, às perguntas colocadas e a actuação de cada participante, em particular, dos líderes dos dois maiores partidos. Para a generalidade das pessoas, JHA surpreendeu pelo seu desembaraço apesar do seu discurso redondo e UCS ficou aquém do esperado não obstante ser mais concreto nas respostas. Compreende-se provavelmente a reacção das pessoas se se considerar quais as suas expectativas em relação ao debate. Os dos partidos têm-se apresentado ao eleitorado com estratégias bem diferentes. Enquanto o MpD tem colocado o foco na pessoa de UCS fazendo-o portador de soluções e líder de um partido que é Cabo Verde, o PAICV com um líder mais jovem tem apostado no legado do partido e na governação dos últimos quinze anos. Em consequência, o eleitorado tem expectativas diferentes em relação aos dois líderes: de UCS esperam um superior domínio das matérias em debate, em particular, em matéria económica. Quando a sua superioridade não se evidencia como esperado, nem JHA parece desprovida, há algum desorientamento seguido de euforia no campo do PAICV e de algum desapontamento no campo do MpD. Outros debates certamente ajudarão a calibrar melhor a percepção que o público terá dos dois líderes e a moderar as expectativas em relação a qualquer um deles. Os debates continuarão porém a ser marcados pela diferença do discurso produzido. O discurso do PAICV em qualquer circunstância, seja no parlamento, em pronunciamentos de governantes ou em debates na comunicação social, é profundamente ideológico. Os oradores seguem um guião bem claro na sua exposição em que os elementos referenciais da sua visão do mundo são expostos e confirmados, as acções desenvolvidas pelo governo são justificadas e apresentadas como as únicas possíveis, dada a circunstância, e os adversários são apontados como inimigos do bem que se propõem em fazer. Este discurso que recria realidades à medida que é feito, aproveitando-se de toda a informação que vai surgindo seja o ranking de Mo Ibrahim ou o fundo Afroverde acabado de apresentar em Luxemburgo dificilmente se pode combater com argumentos de natureza tecnocrática fora de uma roupagem ideologia distinta que rivaliza com a do adversário. Tanto assim é que para a gente que não é do PAICV o discurso da líder parece coisa memorizada e repetida sem pensar. Já para outras pessoas sem quadro ideológico definido o impacto é outro e a percepção da pessoa que faz esse discurso pode ser completamente diferente e vista como demonstração de capacidade intelectual e disciplina mental. Cada estratégia tem os seus riscos. A estratégia do foco no líder faz dele o grande alvo de tácticas dirigidas especialmente para o deitar abaixo do pedestal. Por outro, a estratégia de proximidade do partido tende a passar a imagem de que se é uma espécie de apêndice do partido, cheia de frases feitas e falta de espontaneidade. Naturalmente que nos debates seguintes e em particular o de 10 de Março ir-se-á verificar estes aspectos e ver como foram afectados na sua estratégia em relação ao partido e ao país. Mas primeiro terão que enfrentar a UCID que como ainda um pequeno partido à cata de mobilizar algum voto de protesto poderá no debate colocar-se na posição de advogado do diabo no questionamento das propostas, objectivos e metas apresentados.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 744 de 02 de Março de 2016.