O Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, apanhou toda a gente de surpresa. O referendo marcado para 26 de Junho vinha causando alguma ansiedade, mas poucos pensavam que a decisão pela saída se concretizaria. Esperava-se que, apesar das paixões exacerbadas e da demagogia manifestadas ao longo do debate, o conhecimento antecipado das consequências negativas do corte com a Europa seria o factor determinante no posicionamento das pessoas. Infelizmente, não aconteceu.
Os argumentos da elite europeia não conseguiram demover os vários sectores da população que cada vez mais vêm-se manifestando insatisfeitos com a situação económica social de estagnação, com o desemprego elevado e com a evidência crescente das dificuldade das instituições da União Europeia em gerir crise sucessivas na região, designadamente a crise do euro, o terrorismo e o problema dos refugiados. O crescimento de forças políticas de extrema direita e de esquerda na Europa tem estado intimamente ligado ao nacionalismo, à xenofobia e aos ressentimentos provocados pelo rápido processo de globalização, pela percepção do poder crescente da Comissão Europeia e pelo presença de imigrantes vindos tanto de países recentemente integrados na União como de fora da União. As fracturas entre as elites e as populações ficaram completamente expostas ao longo de todo o processo que culminou com o referendo. Nem as ameaças externas que vêm despontado no horizonte, sob a forma do activismo russo na Ucrânia, o terrorismo jihadista e a eventual desintegração da Síria conseguiram unir as pessoas e evitar a deriva de posições que vem cavando o distanciamento entre as nações da Europa, entre as elites e o povo e entre os autóctones e os emigrantes.
Historicamente o sonho de uma Europa unida nasceu de uma preocupação fundamental de conter ameaças externas, manter o equilíbrio interno e criar um ambiente de paz, justiça e liberdade propício ao desenvolvimento. Após a segunda guerra mundial o estabelecimento de um eixo franco-alemão envolvendo os Países Baixos e depois a Itália foi central para se ir além das rivalidades continentais que em mais de uma ocasião tinham provocado guerras totais no espaço europeu com destruição massiva de bens e pessoas. Fundamental nesse processo foi a presença americana, via NATO, a garantir a segurança necessária no quadro da guerra fria para que durante décadas a experiencia europeia evoluísse de um Mercado Comum para uma Comunidade Económica Europeia, integrando o Reino Unido em 1975.
A partir de um certo momento o sucesso da experiência conjunta desses países, evidente na prosperidade conseguida e nos serviços prestados pelo Estado Social, entretanto construído, passou a ser uma referência no resto da europa e no mundo. Na primeira metade dos anos oitenta, países como Portugal, Espanha e Grécia, que durante décadas viveram sob ditaduras e que recentemente se tinham democratizado, foram integrados na Comunidade Económica Europeia (CEE), beneficiando de largos fundos estruturais para se colocarem no mesmo patamar dos outros. O mesmo processo iria depois verificar-se, na sequência da queda do Muro de Berlim em 1989, com os países da Europa do Leste que tinham estado durante décadas sob o manto do comunismo.
Chegado a este ponto, a Europa além de se confirmar como uma força para a democracia e um promotor da expansão de mercados e da sua regulação, mostrava-se como inovadora na criação de uma entidade supranacional onde países mantinham a identidade de estados ao mesmo tempo que se afirmavam mais europeus e cediam parte da soberania para instituições europeias. Tensões, inevitavelmente, desenvolveram-se à medida que se alargava o escopo da integração com a adopção do euro, a livre circulação e as transferências de poderes para a Comissão Europeia. Foram aceites enquanto reinou a prosperidade, mas ganharam uma outra dimensão quando veio a crise financeira em 2008, quando se perderam postos de trabalho com a globalização e apareceram imigrantes em massa. A falta de confiança instalou-se quando as lideranças mostraram-se incapazes de resolver os problemas. Piorou quando ficou patente que os sacrifícios exigidos eram distribuídos desigualmente, ficando os menos abastados com a maior carga. Em consequência alargaram-se as fracturas sociais e as divisões entre países. O Brexit é a primeira vítima disso. Outras estarão a caminho.
As incertezas geradas pela saída do Reino Unido vão ser consideráveis e afectam a todos. Cabo Verde não será excepção. 25% dos turistas que vêm a Cabo Verde têm origem no Reino Unido. A considerável baixa já verificada da libra em relação ao euro, a manter-se, certamente irá encarecer o destino Cabo Verde. A perspectiva futura de aumento das taxas de juro e de rendimentos menores dos britânicos poderá afectar o fluxo de turistas nos próximos anos. Indirectamente o país ainda poderá ser afectado porque provavelmente com o Brexit haverá menos crescimento económico e mais instabilidade na União Europeia e sabe-se que daí é que vem o grosso dos investimentos, das remessas e da cooperação internacional. Juntemo-nos a todos os que esperam que esta crise seja uma oportunidade para a liderança da União Europeia se colocar à altura dos problemas que confronta. É fundamental que a UE continue a ser uma referência mundial de democracia, de tolerância e de civilização.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 29 de Junho de 2016