Recentemente passou na comunicação social a notícia da saída da Ecobus da carreira Assomada/Praia. As razões para isso teriam sido medidas tomadas pelas autoridades locais que efectivamente impediram a empresa de cumprir com os horários fixos de saída da Assomada e de chegada à Praia dos autocarros (hiaces) inviabilizando assim o negócio. Voltou-se ao modelo habitual de negócios em que os hiaces andam à procura de passageiros e não têm horário de saída e nem tão pouco de chegada porque paragens ao longo do caminho dependem de conveniências várias. Já se sabe que os grandes perdedores são todos aqueles que querem usar o seu tempo de forma produtiva nas suas deslocações e esperam que transportes públicos regulados dêem as garantias necessárias para isso em termos de tempo, frequência, segurança e conforto. Não se compreende é a atitude das autoridades que em vez de regular a actividade económica em benefício de uma melhor e mais segura circulação de pessoas e bens acabam por deixar o sector dos transportes interurbanos numa informalidade que prejudica toda a gente.
O exemplo da Ecobus vem particularmente a propósito no momento em que se discute o papel crucial do sector privado na economia, a necessidade de combater a informalidade, a urgência em fazer um uso mais eficiente das infra-estruturas e de outros investimentos públicos e a importância de se ter um empresariado nacional apostado na criação de riqueza. Mostra como a tendência geral é para tudo funcionar à revelia do que é propalado em discursos e posições oficiais. Hoje, décadas passadas, vê-se o Estado ainda preponderante na economia nacional, a actividade informal sempre a crescer, o desperdício e a gestão inadequada de meios e serviços públicos e o empresariado nacional em retirada em quase todos os sectores designadamente, construção civil, comércio, indústria e serviços.
Neste sentido, paradigmático é o que se passa nas ilhas do Sal e da Boavista em que, a par do investimento turístico, cresce a actividade informal e assiste-se ao espectáculo de empresários nacionais a ficar para trás porque não há regulação e não há estratégia dirigida para fazer a procura turística engajar com a economia nacional. Aparentemente o Estado dá-se por contente com as receitas em impostos e taxas que cobra aos turistas, aos operadores e às importações. E a cultura rentista continua a prevalecer sobre o que devia ser uma cultura de criação de riqueza, de criação de emprego e de exportações, não obstante todo o discurso de valorização do empreendedorismo, da competitividade e da inovação.
O novo governo do MpD prometeu fazer diferente. As propostas na lei do Orçamento do Estado de 2017 visam criar uma nova relação das empresas com o fisco que, por um lado, as deixe respirar e, por outro, incentive o investimento ao mesmo tempo que alarga a base tributária, promovendo a formalização de micro e pequenas empresas. Uma outra ajuda para a actividade empresarial será o pretendido estímulo à procura interna através do redireccionamento de partes do Fundo de Ambiente e do Fundo do Turismo para os municípios, as novas politicas de aprovisionamento de bens e serviços do Estado dirigidas às empresas locais, a activação de fundos de garantia e a diminuição de custos de segurança social.
O ressurgir de questões essenciais como os custos de energia e água, que recentemente tiveram aumentos significativos, e também de putativos aumentos de tarifas de transportes marítimos, que já se projectavam para cima de 50%, vieram relembrar que os problemas das empresas e do empresariado caboverdiano não são apenas de natureza fiscal e de financiamento. Até porque nesses domínios o que o governo consegue oferecer não é o que se esperaria no âmbito de um choque fiscal de estímulo ao investimento e às empresas. A pesada dívida pública, de mais 126% do PIB, e o risco orçamental representado pelas empresas públicas como a TACV, IFH e Electra não lhe dão qualquer folga para reduções significativas de carga fiscal. De qualquer forma a reacção tépida dos empresários às propostas do governo deixa transparecer que precisam de algo mais compreensivo. Algo que, por exemplo, faça diminuir os custos dos factores, os custos de contexto, os custos de transporte e de comunicação. Uma estratégia que inverta o processo de retirada do empresariado nacional de vários sectores da economia e activamente promova a sua dinamização através da satisfação de parte significativa da procura gerada pelo turismo e também via a identificação de oportunidades externas de fornecimento de bens e serviços.
Lawrence Summers, da Universidade de Harvard, num artigo de Julho deste ano no Financial Times aconselha aos governos que assumam um nacionalismo responsável no sentido que o bem-estar económico dos seus cidadãos deve ser o principal objectivo e que os acordos internacionais devem ser avaliados não por quantas barreiras deitam a baixo mas sim se com eles os cidadãos nacionais ficam melhor posicionados. O contrário, que ele chama de internacionalismo reflexivo, acaba por marginalizar os que se vêem espoliados da sua actividade e do seu emprego por causa de facilidades dadas a outros e que depois vão engrossar o número de apoiantes de eventuais demagogos como se viu no Brexit e na eleição presidencial americana de 8 de Novembro. Com a adopção de uma estratégia nacional dirigida para a afirmação de um empresariado nacional mesmo no quadro de uma economia aberta evitam-se situações em que a falta de regulação mate a iniciativa empresarial, como parece ter sido o caso da Ecobus e outras situações em que a omissão em matéria de políticas para os sectores deixa em sistemática desvantagem os empresários nacionais. Quando não se tem uma estratégia própria fica-se sujeito à estratégia dos outros.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 781 de 16 de Novembro de 2016.