O Expresso das Ilhas põe nas bancas nesta quarta-feira, 27 de Janeiro, a sua edição número mil. Quase vinte anos se passaram desde a primeira edição de 12 de Dezembro de 2001.
Ininterruptamente nas bancas desde então o jornal passou por muitas fases e até agora tem conseguido driblar o destino que muitos pressagiam para a imprensa escrita. Com uma nova direcção a partir de Agosto de 2010, e após uma reestruturação profunda, que colocou a empresa em bases financeiras mais resilientes, o Expresso das Ilhas tem vindo a navegar os ventos difíceis encontrados pelos jornais em todo o mundo. Em Cabo Verde, como noutras latitudes, alguns já soçobraram ou tiveram de mudar de plataforma para poder sobreviver, ficando o país em tempos de pandemia sob o risco de não ter qualquer jornal impresso.
De facto, à actual realidade de um mercado publicitário a encolher-se, juntaram-se há algum tempo as ameaças da televisão 24/7, que vinham de longe, e as novas ameaças representadas pelas redes sociais. Estas últimas até dão espaço a alguma pretensão de que os médias tradicionais não são necessários e que se pode passar sem mediação na comunicação social. Por isso mesmo a caminhada não tem sido fácil até agora mas talvez este momento venha a revelar-se como um ponto de inflexão numa tendência que até recentemente parecia inelutável. Um sinal claro é a derrota de Trump. Na sua esteira sofreram sério revés as movimentações que vinham propondo realidades alternativas e também combatendo a comunicação social tradicional e acenando com uma sedutora ligação directa do líder às pessoas através do Twitter, do Facebook e de outras plataformas na internet. Uma oportunidade poderá estar a oferecer-se para afirmação de uma outra forma de jornalismo que não deixe as pessoas completamente expostas à demagogia, ao populismo e à manipulação violenta de sentimentos e paixões em detrimento da razão.
Ninguém hoje pode pretender desconhecer que por detrás dessas ondas de apoios a demagogos e extremistas estão problemas reais que tardam em ser devidamente enfrentados. As frustrações, os ressentimentos, a insegurança, a perda de rendimentos e de estatuto social de largas camadas da população nas democracias têm sido a fonte que alimenta todos os candidatos a autocratas no seu esforço de descredibilização das instituições, de questionamento dos processos democráticos e de se apresentarem como o único e verdadeiro representante do povo. Não se pode esconder, porém, que ao longo do tempo têm recebido preciosa ajuda de onde em princípio devia haver mais recato.
É uma realidade os estragos que a classe política vem provocando nas instituições democráticas. Quantas vezes usam do mesmo discurso populista para lançar descrédito sobre as instituições ou servem-se de argumentos mesquinhos para bloquear acções urgentes e necessárias, mostrando-se incapazes de compromissos. Também é preciso ver o papel dos médias que no seu afã de conquista de audiência perdem a perspectiva do que deles se espera: fiscalização consistente e até acutilante da acção governativa e não produção de mais cinismo em relação às instituições que depois deixa as pessoas e todo o sistema político mais vulnerável. Ainda há a acrescentar a indiferença de boa parte da sociedade civil que, mostrando desprezo pela actividade política e cultivando um cosmopolitismo que não deixa ver os problemas mais locais, tudo faz para alimentar sentimentos anti-elitistas que tendem a ser aproveitados por demagogos para lançar as pessoas contra tudo o que é ciência, conhecimento consolidado e informação institucional.
O Expresso das Ilhas na sua última iteração procurou ir além do que o panorama jornalístico cabo-verdiano oferecia. Como historicamente se pode comprovar, as democracias nos seus primeiros anos tendem a ter uma imprensa muita partidarizada ou facciosa. É, em certos aspectos, natural que seja assim considerando que instituições democráticas estão a ser construídas, uma cultura democrática está ainda por ser absorvida e nem sempre se consegue distinguir o adversário do inimigo. Também não se viveu tempo suficiente em democracia para perceber que a política é a arte do possível e que para se conseguir ganhos consistentes há que criar disponibilidade para negociar, chegar a acordos e firmar compromissos. Num ambiente do tipo, muito do que aparece nos jornais é um misto de informação, opinião e especulação procurando servir interesses de partidos e facções e ambições de certas personalidades. A crispação política nas instituições e em particular no parlamento é replicada e amplificada via imprensa com sacrifício muitas vezes da verdade e do debate das questões públicas pertinentes e num registo que não poucas vezes desemboca em acções judiciais por injúria, calúnia e difamação.
Preparar Expresso das Ilhas para ir além das contendas iniciais da democracia e prestar-se a servir o público com mais equilíbrio e objectividade traduziu-se em primeiro lugar na introdução do editorial enquanto opinião expressa do jornal quanto aos assuntos correntes do país. Libertava-se assim o resto do jornal e também os jornalistas para informação sem contaminação opinativa e especulativa. Nas páginas deixadas para os colunistas e opinião de colaboradores houve sempre a preocupação em as manter plural. Por outro lado, querendo um jornal generalista, procurou-se dar cobertura com alguma profundidade a matérias de natureza económica e ter uma secção de cultura vibrante, não descurando o seguimento de situações internacionais e o acesso a opiniões habilitadas de personalidades estrangeiras. A ciência e a tecnologia sempre foram áreas de eleição no jornal e é com agrado que se pode constatar que de alguma forma a “moda” pegou.
A partir da nova abordagem o jornal reafirmou o seu comprometimento com a verdade e com a informação factual e também a sua disponibilidade em promover o conhecimento indispensável para uma participação cidadã plena. Coincidentemente é o que hoje em plena crise das democracias se espera de um papel renovado da imprensa na defesa das instituições e dos direitos fundamentais e na luta contra realidades alternativas e contra os promotores da pós-verdade. Neste número 1000 celebra-se essa caminhada e renova-se a vontade de a prosseguir com firmeza.
Saudamos todos os colaboradores do Expresso das Ilhas pela contribuição ao jornal ao longo de todos estes árduos anos de colocar o jornal nas bancas com a qualidade e assiduidade esperadas pelos leitores e anunciantes.
O nosso apreço vai para todos os que com os seus artigos de opinião contribuíram para que o jornal fosse um espaço plural de debate político.
Os nossos agradecimentos aos patrocinadores das múltiplas iniciativas do Expresso da Ilhas na promoção da cultura cabo-verdiana s e aos anunciantes pela sua contribuição na sustentabilidade do jornal como uma voz interventiva no espaço público do país.
Um muito obrigado ao parceiro especial que é a Tipografia Santos que todas as quartas-feiras com mais uma edição acabada de imprimir nos permite cumprir com os nossos leitores e anunciantes.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1000 de 27 de Janeiro de 2021.