Ainda no último trimestre do ano de 2021 o caminho para a retoma da economia na generalidade dos países sejam eles desenvolvidos, emergentes ou menos desenvolvidos continua semeado de incertezas. Não era esse sentimento nos primeiros meses do ano, quando se iniciou a vacinação massiva das pessoas em particular nos Estados Unidos e na Europa.
Acreditava-se que em Julho e até o mais tardar no fim do Verão estar-se-ia perante um regresso à normalidade e que o esperado crescimento económico seria vertiginoso, suportado por uma procura suprimida por meses de restrições diversas e mesmo quarentenas estritas e agora libertada. A realidade é que o aparecimento de variantes mais contagiosas do coronavírus, o Alfa e depois o Delta, a resistência inesperada à vacinação e os persistentes problemas de produção e distribuição das vacinas que vão deixando milhões desprotegidos não permitiu que essas expectativas se concretizassem completamente.
Há, de facto, crescimento, mas não nas taxas previstas, e dá sinais de ser assimétrico em detrimento dos países mais pobres alargando em consequência o fosso entre os países pobres e os países ricos. Quanto ao emprego, continua muito aquém do desejado a meio com incertezas por causa da Covid-19 e em alguns casos de resistência de uma parte significativa de pessoas em regressar ao que tinham ou faziam no mundo pré-pandémico. Nota-se ainda a tendência para o aumento da inflação também de forma desigual, menos nos países ricos e mais nos outros, o que pode vir a traduzir-se em mais um obstáculo para a retoma da economia. A persistência dos efeitos da pandemia com impacto nas cadeias de abastecimento tem-se traduzido na escassez de certos produtos, atrasos na entrega de componentes necessários para a produção e naturalmente num aumento geral de preços de vários produtos, de bens alimentares e de fornecimento de energia.
Tudo leva a crer que os aumentos mais pronunciados dos preços de energia, em particular, dos produzidos a partir de combustível fóssil resultam dos efeitos cumulativos da retoma da actividade no período pós-pandémico. Também podem dever-se ao fraco investimento no sector energético de base fóssil em reacção às opções de se proceder à transição energética e de dar combate às alterações climáticas e ainda aos constrangimentos gerados pela rivalidade entre as grandes potências e que afectam os stocks de petróleo e gás natural em todo o mundo. Nestas condições provavelmente não será tão cedo que se poderá regressar a um mundo de menos incertezas e com capacidade de crescer e criar empregos. Há os mais optimistas que apontam para o segundo semestre de 2022 como de regresso à normalidade e à retoma mundial, mas há quem veja um caminho mais longo e mais sinuoso a percorrer. São vários os sinais que se vai regredir no grau da globalização com proteccionismos, onshoring de empresas em sectores-chave, reformulação de cadeias de valor, impactando nas possibilidades e oportunidade de muitos países retirarem milhões de pessoas da pobreza como aconteceu nas últimas décadas.
Em Cabo Verde, já se sentem os efeitos das deficiências na circulação de bens e da alta de preços em vários bens e serviços entre os quais energia e transportes. A economia nacional, extremamente dependente do turismo, sofre ainda as consequências de um sector que pelas suas características provavelmente vai levar algum tempo até atingir o vigor anterior e afectar o emprego, as receitas públicas e as exportações do país da mesma forma que outrora. Com mudanças a se verificarem no ambiente económico a nível mundial, dificilmente um restauro das actividades irá acontecer retomando simplesmente o que se fazia antes. Será fundamental saber adaptar-se às novas condições e poder inovar e ser mais produtivo e competitivo. Também será essencial saber aproveitar as oportunidades e explorar novos mercados e canalizar o que de melhor se tem para investir no futuro de modo a garantir um desenvolvimento sustentável.
É evidente que não se consegue adequar o país e as pessoas ao novo paradigma de relações que está a emergir do mundo pós-pandémico repetindo a mesma forma de pensar, de encarar e fazer as coisas do passado. Por causa das extraordinárias mudanças verificadas no mundo, em todos os países e nas relações internacionais e na atitude das próprias pessoas há um apelo geral para se pensar “fora da caixa “,out of the box, e encontrar soluções novas para realidades novas não devia certamente ser este o momento para se enfiar a box na cabeça e insistir em pensar dentro dela. Infelizmente, é o que está a passar. Ouvindo o parlamento no que foi a primeira reunião plenária desta sessão legislativa tem-se a impressão que se vive e debate-se num mundo à parte. Os aumentos dos custos de energia em proporções similares ao que se passa em vários países em vez de ser um convite a discussões construtivas sobre a problemática energética de um país insular no actual contexto mundial é oportunidade para mais um jogo de culpas entre os partidos do arco da governação.
Acontece o mesmo quando é trazida à discussão a questão da TACV e do hub na ilha do Sal. Repetem-se as mesmas acusações, mas, quando possíveis soluções são discutidas, não se fica com a impressão que se está a tomar em devida conta a realidade actual do impacto sem precedentes da pandemia e das incertezas que existem quanto ao futuro e à evolução do sector da aviação comercial. O mesmo padrão de comportamento repete-se quando a temática é outra, seja ela à volta da água, da energia, dos transportes, da habitação, ou das barragens. Tudo parece funcionar num registo eleitoralista permanente em que quem governa mostra triunfalmente o quanto é que já ofereceu à população e a oposição esforça-se por demonstrar que foi muito pouco, alguém foi discriminado e está-se a fazer para ganhar votos.
Todos dizem querer um Estado Social cada vez maior, mas sem os sacrifícios e os compromissos necessários para construir a base económica que o tornaria sustentável. Em tal ambiente, são quase estéreis os debates democráticos que pela sua função deviam ser esclarecedores da situação do país e do mundo envolvente e precursores de soluções. Daí é só mais um passo no sentido da degradação do discurso político e da sua não correspondência com a verdade e a realidade factual, submetido que fica à logica segundo a qual “os fins justificam os meios”. O outro lado deste estado de coisas, que configura um autêntico bloqueio ao desenvolvimento, é a crescente dependência da ajuda externa, tornada mais evidente quando perante choques, sejam eles de origem interna ou externa, como está a acontecer há mais de três anos, primeiro com a seca e depois com a pandemia e os seus efeitos socioeconómicos a nível local e global.
As eleições presidenciais podiam ter o efeito de uma “pedrada no charco” e ajudar o país a sair do torpor mental e intelectual que a política partidária com discurso rasteiro, populista e permanentemente eleitoralista o está a condenar. O presidente da república não governa, mas pode ser um promotor do “mercado de ideias” que, segundo pensadores como John Stuart Mill, deve-se criar na busca da verdade. O país, na procura da prosperidade, precisa pensar “fora da caixa” e só pode fazê-lo com o respeito pela verdade e pelo conhecimento. Nesse aspecto, o presidente da república através das suas mensagens e iniciativas e também do seu papel de moderador e árbitro do sistema político pode ter um papel importante para ajudar o processo democrático a ser virtuoso e por essa via credibilizar ainda mais a democracia liberal e constitucional.
Diminui-se, porém, esse papel se se deixa que as eleições presidenciais sejam capturadas pelas mesmas tricas e futricas partidárias – (SOFA, dois primeiros-ministros, dois milhões, profanações) – que só contribuem para manter a actual falta de diálogo no país. Na sequência, descredibilizam-se as instituições competentes para as investigar e que em tempo as deram por resolvidas (Tribunal Constitucional, Supremo Tribunal de Justiça, Ministério Público) e deixam o país numa crispação política paralisante, quando mais precisa movimentar, experimentar e inovar na busca de soluções para sair da crise, voltar à normalidade e fazer a retoma da sua economia. É preciso deixar o país respirar e libertá-lo das grilhetas das inverdades, dos mitos e do ilusionismo que o aprisionam.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1037 de 13 de Outubro de 2021.