domingo, janeiro 16, 2011

Basta de discurso estéril e abusivo

No discurso de cumprimentos ao PR o Primeiro Ministro foi igual a si próprio.Assim como há dias foi no debate dos líderes dos partidos onde as suas intervenções foram pontuadas por insultos e promessas de fazer "mais do mesmo". Retomou as inverdades históricas que tem repetido durante os seus anos de mandato em tom histriónico de acusação ao MpD e à governação nos anos noventa. Mostrou que ainda tem necessidade de justificar os seus fracassos e promessas não cumpridas indo desenterrar o adversário de dez anos atrás. É uma falta de sentido de responsabilidade impensável em qualquer democracia. Mas que em Cabo Verde ganha aparente razoabilidade porque os eleitores não são confrontados com alternativas de governanção, mas sim com cenários apocalípticos, cenários do Fim do Mundo. JMN diz é em Santiago Norte há que votar Cabo Verde ou … . Fica nas entrelinhas. Em tais situações quem arvora ter missão histórica e transcendental não tem dúvidas. Só tem certezas. Por isso não se responsabiliza pela falta de resultados no domínio da criação de emprego do emprego que lhe podiam informar que o combate contra a pobreza não está realmente a ser ganho. Não se responsabiliza pela falta de uma base alargada e diversificada de exportações que lhe dá a indicação que o país não está a ser competitivo e que poderá não estar em condições de criar os milhares de postos de trabalho de que precisa a curto e médio prazo. E não se responsabiliza pela fraca qualidade do capital humano que lega ao país e pela delapidação de capital social e de confiança entre os caboverdianos, derivada da insegurança material e física dos últimos anos, que já estão a constituir um travão a qualquer tentativa de arranque. Passa de lado qualquer responsabilidade pelo facto de não existir na sociedade a atitude certa que seria de quebrar o espírito de dependência e de o substituir pelo empreendedorismo e a cultura de serviço indispensáveis no mundo globalizado de hoje. Optou por fazer alarde de obras feitas com base em empréstimos de última hora. Empréstimos subordinados às estratégias de exportação de outros países. Obras ditadas mais pelo expedientismo de natureza politico-partidária do que por um plano estratégico. Ilhas como S.Vicente e Sal perderam oportunidades valiosas com repercussões globais na economia nacional por falta da visão estratégica que saberia definir prioridades e encadear acções com vista a resultados concretos e mensuráveis. A obra vital que seria o estabelecimento de um sistema de produção de energia e agua fiável, eficiente e económico não se concretizou apesar dos milhões que a propanganda diz foram aplicados. Chegar ao fim de uma década com uma economia que, para crescer depende quase unicamente no turismo é uma confissão inequívoca de fracasso. A alta taxa de desemprego e o crescimento raso também apontam nesse sentido. As remessas de emigrantes (mais do valor de um MCA por ano), as doações de países amigos e os empréstimos têm ajudado a mascara a situação real do país. Mas o facto é que o País não tem recursos naturais, não exporta e tem fraco capital humano. Sobrevive-se, e há mesmo algum crescimento, mas os limites são claramente visíveis no quadro deste modelo e revelam-se no nível de desemprego persistente no país. O PAICV claramente que pretende manter esse modelo caduco e por uma razão simples: dá-lhe os instrumentos do Poder sobre a sociedade como ele o entende. Gosta de dependência. Mas hoje é evidente que não só não resulta a curto prazo na criação dos milhares de emprego que o Pais urgentemente precisa como alimenta todos os obstáculos que impedem o país de aproveitar em pleno e em tempo as oportunidades quando elas se apresentam. Como ficou demonstrado nos anos 2006, e 2007.

sexta-feira, janeiro 14, 2011

Campanha a partir do Palácio do Platô

Sob o disfarce da apresentação dos cumprimentos ao Presidente da Republica, no início do Novo Ano, o Sr. Primeiro Ministro fez no dia 6 de Janeiro o balanço da sua governação numa perspectiva clara de campanha com vista às eleições legislativas marcadas para 6 de Fevereiro. A Constituição estabelece claramente que o Governo é politicamente responsável somente perante o parlamento. Não há pois cabimento constitucional para apresentação de balanços de governação ao PR. No parlamento, a apresentação do estado da Nação é seguida de discursos dos outros partidos e de um debate no contraditório. O que se assistiu na quinta-feira foi mais um expediente do PAICV: o Dr. José Maria Neves a falar sozinho e sob os holofotes de toda comunicação social, particularmente da rádio e da televisão públicas. Um privilégio dado pelo Primeiro Ministro ao líder do partido no governo num período já de campanha em que as leis eleitorais exigem neutralidade e imparcialidade das autoridades. É um jogo a que os cabo-verdianos vêem assistindo neste período. Os pretextos variam: se não é um balcão qualquer que se está a inaugurar, é um novo comunicado do MCC que se está celebrar ou então a chagada do catamarã que põem todo o mundo em polvorosa. O PAICV, via Governos e os seus titulares, faz campanha rija e descarada enquanto cinicamente exige que os outros se contenham e não ultrapassem os limites fixados pela lei eleitoral. A consolidação da democracia passa por fazer os cidadãos acreditar que é possível fazer política com honestidade, verdade e “fair play”. Há quem insista em fazer crer o contrário.

quinta-feira, janeiro 13, 2011

A CNE, o art. 105º e a liberdade de imprensa

A coimas aplicadas aos jornais “”, “Liberal” e a “Asemana” geram controvérsia em todos os quadrantes. Isso porque as razões apresentadas pela Comissão Nacional de Eleições para penalizar esses órgãos de imprensa parecem colidir com sacrossanta liberdade de expressão e de informação indispensável numa democracia, mormente nas vésperas das eleições. A CNE justifica as suas acções com o princípio constitucional de igualdade de oportunidade e tratamento das candidaturas, estabelecido no nº5 do artigo 99º da CR, e cita o artigo 105º do Código Eleitoral. As várias alíneas do nº 2 desse artigo limitam, de facto, a transmissão, a difusão, a manipulação de programas e imagens que ponham em vantagem candidatos, partidos ou coligações. A questão que se pode colocar é se tais restrições são aplicáveis a todos os órgãos de comunicação social ou só àqueles que fazem “transmissões, difusões, usam imagens e podem truncar áudio e vídeo”, ou seja à radiodifusão e à televisão. A Constituição trata de forma diferente os órgãos de comunicação social. Tem normas especiais para os órgãos públicos. Em relação aos privados faz diferença entre a imprensa escrita e os órgãos como a rádio e a televisão que se servem do espectro electromagnético pertencente ao domínio público. Estipula claramente no nº 6 do artigo 60 que a criação e a fundação de jornais e outras publicações não carece de autorização, enquanto para a rádio e televisão no nº 7 do mesmo artigo exige que se faça concurso público para adquirir licença. No serviço público da rádio e televisão obriga a que fique assegurado a expressão e o confronto das diversas correntes de opinião. Tal imposição, porém, não se aplica aos órgãos privados. Esse sujeitam-se simplesmente a garantir tempos de antena regulares e equitativos a todos os concorrentes nos períodos eleitorais (nº4 do artigo 58 da Constituição da República). A posição de constitucionalistas como Gomes Canotilho e Vital Moreira é que nos órgãos públicos o pluralismo e igual tratamento de opiniões é assegurado internamente. Mas que nos outros órgãos de comunicação consegue-se pluralismo agindo externamente no meio circundante, pela via designadamente de regulação do acesso a licenças, da manutenção do ambiente de concorrência e da facilitação da criação livre de jornais. Pelo que foi dito fica claro que a abordagem que Constituição faz e obriga a fazer da problemática da comunicação social é complexa e diferenciada. Nesse sentido custa a crer que o legislador com o artigo 105º do Código Eleitoral quisesse tolher gravemente a liberdade de expressão na imprensa escrita com preocupações de igualdade de tratamento de candidaturas quando é comprovadamente fácil qualquer organização ou indivíduo recorrer a outros jornais ou criar o seu próprio para fazer valer o seu ponto de vista. Já a radiodifusão e a televisão pedem uma outra posição. Os Meios são mais caros e carecem de licença, por isso mostra-se razoável que se exija que sejam mais comedidos e que sem ferir a liberdade de expressão e informação a que têm direito não anulem o princípio de igualdade de tratamento de todos os candidatos. Concluindo, a percepção geral de que as posições da CNE em relação aos jornais têm sido consideradas demasiado severas advém muito provavelmente do facto de que as restrições da lei eleitoral não lhes ser aplicáveis. Ou então, que num quadro de direitos concorrentes a liberdade de expressão e de imprensa saía tão gravemente prejudicada, sofrendo restrições que a Constituição não prevê e que nenhuma maioria, ou supermaioria, pode criar.

Relembrando o caminho até o 13 de Janeiro

Comemorou-se em Novembro do ano passado dia o décimo quinto aniversário da Queda do Muro de Berlim. As imagens desse extraordinário dia ocuparam mais uma vez os ecrãs das televisões em todo o mundo. Milhões reviveram os momentos por que passaram no seu próprio país até conseguirem libertar-se do comunismo. Muitos outros milhões lembraram-se como a queda do Muro lhes trouxe esperança. Como regimes totalitários em todos os continentes de repente deixaram de meter medo e multidões derramaram-se nas ruas clamando pela Liberdade, pela Democracia e pelo direito a uma vida melhor, mais próspera, mais justa. Ao longo do 1989, nos então satélites da União Soviética, a revolução democrática já se tinha posto em movimento. Na Polónia, Lech Walesa, o líder do movimento sindical Solidariedade desde 1980, já tinha causado brechas suficientes no regime, abrindo caminho para um primeiro governo não comunista, em Setembro. Hungria, nos fins de Outubro, precipitava-se rapidamente em direcção ao multipartidarismo. Quase duas semanas depois da queda do Muro de Berlim, em Novembro, Checoslováquia viveu a sua Revolução de Veludo e o fim do jugo soviético. Na Roménia a experimentação comunista iria terminar de forma sangrenta com o fuzilamento de Ceaucescu e da sua mulher no dia de Natal. O ano 1990 arrancou com as imagens macabras dos Ceaucescu a assombrar todos os ditadores por esse mundo fora. Em Fevereiro, na União Soviética, o partido comunista deixou cair da Constituição o artigo 6º que o consagrava como força e guia da sociedade e do Estado. Dias depois, em Cabo Verde, o então partido único, o PAICV anunciava a abertura política. Num comunicado emitido a 19 de Fevereiro predispôs-se a abandonar a sua condição de força dirigente da sociedade e do Estado, o célebre artigo quarto, numa revisão constitucional a realizar-se na legislatura pós 1991. Eleições pluripartidárias só seriam realizadas em 1995. Samuel Huntington, o grande cientista político americano, considerou as democratizações em cadeia que se verificaram na sequência da queda do Muro de Berlim como parte de Uma Terceira Vaga de Democracia, que iniciara 25 anos antes com o 25 de Abril em Portugal. Cabo Verde falhou em apanhar a onda democrática de 1974. Por isso, em 1990, era um dos dominós em queda, no quadro do que Ken Jowit, recorrendo á analogia dos dinossauros, chamou da Extinção Leninista, ou seja, o desaparecimento repentino, acelerado e compreensivo de regimes leninistas em todo o mundo.

segunda-feira, janeiro 10, 2011

Mais um na ELECTRA: entrada em "espécie"

Na última assembleia geral da ELECTRA o governo unilateralmente optou por aumentar o capital social da empresa, reduzindo ainda mais os municípios a uma posição minoritária. Chama a atenção nesse processo o facto do aumento do capital ter sido feito em "espécie" conforme portaria do Ministério das Finanças de 30 de Dezembro. As duas centrais térmicas, supostamente de back up das centrais fotovoltaicas de Sal e Santiago, passaram a fazer parte do parque de geradores da Electra. É de se relembrar que o processo de aquisição dos dois grupos de geradores de 4,9 MW foi dirigido pelo Ministério da Economia. No B.O. de 29 de Dezembro de 2009, o Governo, através da Resolução nº 44/2009, autorizou a Ministra da Economia a negociar e a contratualizar com empresas portuguesas, dispensando concursos, público e limitado, e a adjudicar obras, em ajustes directos . Dois dias depois da publicação da Resolução, a Ministra assinou com a empresa Tecnologia, Representações e Comércio (TRC) a instalação imediata de dois grupos térmicos de produção de energia como futuro back up de duas centrais de aproveitamento da energia solar, então por construir. São essas centrais térmicas adquiridas sem concurso e dentro de um pacote supostamente para energias renováveis que são agora entregues à Electra. É normal que alguns perguntem se com esse processo apressado foi a melhor compra seja em termos de preço, seja do equipamento que, de facto, a Electra precisa para assegurar com eficiência e eficácia a produção de energia no país. Quanto ao valor pago todos parecem de acordo que se pagou mais do que normal, considerando que, para centrais similares, 1 MW de potência fica por menos de 1 milhão de euros. De qualquer forma a incorporação desse activo na Electra não foi aparentemente sujeita a nenhum tipo de avaliação independente do seu valor real. E isso devia ser feito para não prejudicar os outros accionistas que, com a infusão de capital, viram a sua posição diminuída. Também para não sobrecarregar ainda mais a empresa com sistemas pouco eficientes ou não ajustados às necessidades. Tudo isso acarreta custos que naturalmente serão repassados aos consumidores. Nesse aspecto também a agência de regulação do sector (ARE) cuja missão inclui velar para que os consumidores paguem um preço justo devia também pronunciar-se. Resumindo, com este episódio o Governo mostra mais uma vez como vem tratando a questão central de energia. Expendientismo virou norma. Com medidas avulsas similares não resolve os problemas mas no processo, ameaça afundar a empresa, sobrecarrega os consumidores com preços elevados de energia e má qualidade de serviço e contribui para minar a competitividade do país.

sábado, janeiro 08, 2011

Despartidarizar a Administração Pública

Apresentadas as listas para as eleições legislativas, salta à vista o número de candidatos na lista do partido do Governo que ocupam cargos proeminentes na Administração, nos Institutos Públicos e nas fundações governamentais. Encontram-se entre os candidatos a deputados vários directores gerais, presidentes de institutos públicos, delegados de ministérios nas ilhas e concelhos, membros de conselho de administração de empresas públicas e até o reitor da universidade pública. A ideia do partido/Estado não podia ficar melhor reflectida.

Uma candidatura ao cargo de deputado da nação significa que, pelos menos por cinco anos, se está a fazer uma opção por uma carreira política. A Constituição exige da Administração Pública e dos seus agentes isenção e imparcialidade na condução dos assuntos do Estado. A ética que daí emerge torna incompatível a condição de servidor público e de activista político. Ir contra isso é alimentar a promiscuidade entre a carreira política e a carreira na função pública; significa perpetuar a partidarização da Administração com todos os seus efeitos nefastos já de todos conhecidos.

O partido no Governo escolheu convidar para Deputado dirigentes de órgãos da administração directa, indirecta e autónoma direccionadas para a prestação de ajudas a sectores mais vulneráveis, designadamente crianças, velhos e mulheres, ou mais sensíveis e influenciáveis como os jovens. Compreendem-se, assim, os convites a dirigentes do ICASE, da Fundação Caboverdiana de Solidariedade, do Instituto para a Igualdade e Equidade do Género, da Direcção Geral de Juventude, da Direcção Geral dos Desportos e delegados dos ministérios de Educação e da Agricultura. Quer-se explorar eleitoralmente a relação que porventura eles pessoalmente ou as instituições que dirigem estabeleceram com esse grupo de pessoas. Evidente que isso não é lícito.

Os convites do partido no governo feitas a dirigentes da Função Pública, seja para candidaturas em eleições autárquicas, seja nas eleições legislativas, geram dinâmicas perversas que vão muito além das eleições. Nas autarquias em que forças de oposição ganham um mal-estar permanente, estabelece-se entre os dirigentes dos serviços desconcentrados do Estado e os órgãos municipais, apimentados de tempos em vez com despiques entre membros do governo, e mesmo directores dos serviços centrais, com os presidentes das câmaras.

Também, em antecipação a convites futuros para exercer cargos políticos, alguns dirigentes colocados em instituições de "grande valor relacional" com grupos específicos da população adoptam, à partida, uma vincada atitude política-partidária. No ambiente assim criado dificilmente se desenvolvem os valores da lealdade institucional e da defesa do interesse público e a cultura de prestação de serviço que se exige da administração pública.

Há que pôr um stop a todo este processo que já vem de muito longe. De outra forma, o país nem irá conseguir que emerja do seu seio uma classe política séria, competente e comprometida com o serviço público, nem conseguirá dotar-se de uma administração meritocrática, livre de corrupção e de tráfico de influências e que se vê a si próprio como o instrumento essencial para a realização do interesse geral.

Editorial do Jornal "Expresso das ilhas " de 5 de Janeiro de 2011

sexta-feira, janeiro 07, 2011

Mordaças nos telemóveis

O impacto do silenciamento dos telemóveis como plataforma de troca de informações entre indivíduos e grupos com vista a acção comum torna-se mais notório com o aproximar da campanha para as eleições legislativas. Ninguém está recorrer aos SMS´s de forma como se fez nas autárquicas de 2008. E não é por falta de esforço dos partidos concorrentes em fazer uso dos meios mais modernos de comunicação, designadamente a internet e as redes sociais como a Facebook, para chegar aos eleitores. Só não exploram as potencialidades oferecidas pelos telemóveis, considerando que há cerca de trezentos mil utilizadores no em Cabo Verde, é porque estão impedidos pela ANAC. Com uma deliberação, a agência reguladora das comunicações, bloqueou o uso de pequenas mensagens, SMS, como meio de mobilização e coordenação de acções de indivíduos e grupos. Justificou a proibição citando o incómodo de alguns utilizadores em receber mensagens não solicitadas. Só aos operadores de telecomunicações e a certas institucões deixaram essa prerrogativa. Aos operadores talvez para garantir o seu apoio essencial no condicionamento do acesso e aos outros possivelmente só para mostrar que não há motivações escondidas. O problema é que essas posições de autoridades não são nem inócuas nem inéditas. Num artigo da prestigiada revista americana “Foreign Affairs” de Janeiro de 2011 sob o título “O poder político dos Media sociais” O professor da Universidade de Nova Iorque Clay Sherky escreve que “a resposta das autoridades ao aparecimento novas formas de comunicação acessível a todos é apertar na censura e investir na propaganda. Nesse sentido, o controlo da capacidade de troca de mensagens, abrangendo o universo dos utilizadores dos telemóveis, não deixa de ser uma medida tentadora, por uma razão simples: evita acções conjuntas e coordenadas de cidadãos para serem ouvidos, para informarem e serem informados , para participarem em eventos de toda a espécie ou para pressionarem e influenciarem as autoridades. A experiência recente do activismo social e político no Irão, mas também na Bielorrússia, Ucrânia, Coreia do Sul, Chile e Filipinas, em que o poder do telemóvel e dos SMS´s ficou patente, não deixou de chamar a atenção das autoridades em muitos países que não vêem com bons olhos a autonomia dos indivíduos e da sociedade civil face ao Estado. Governos recorrem permanentemente aos meios poderosos da rádio e da televisão para fazer valer o seu ponto de vista, sem contraditório à altura. Quando aparece um meio como o telemóvel, que a todos possibilita dar e receber informações directamente sem controlo do Estado, sentem-se ameaçados. Mas as liberdades de expressão, de informação e de reunião são essenciais para o exercício da cidadania e para o funcionamento da democracia. Os únicos limites que a Constituição as impõe são as que explicitamente estabelece. Às autoridades não são permitidas que alarguem as restrições, sob que razão for. O bloqueio dos SMS broadcasting configura o que o professor Clay Sherky considera de atentado ao direito de informar e ao direito de reunião, com impacto directo na participação política dos cidadãos e na capacidade de “empoderamento” dos indivíduos e da sociedade civil caboverdiana. E os efeitos desse bloqueio sentem-se: A mão do Estado, e de quem a controla, vai para as eleições mais pesada e influente do que devia. A guerra que o Governo moveu contra os outdoors da Oposição, ao mesmo tempo que teimosamente mantinha os seus, não obstante a Lei e as posições da CNE, confirma o que o referido artigo do “Foreign Affairs” considera a típica reacção das autoridades ao maior protagonismo dos cidadãos e da sociedade civil derivado do uso dos novos media sociais: censura e mais propaganda.

quinta-feira, janeiro 06, 2011

Patético.

O Governo lidera explosões de alegria em Cabo Verde sempre que há um pronunciamento do Millenium Challenge Corporation (MCC/MCA). No anúncio do da primeira doacção do MCA no valor de 110 milhões de dólares, o Sr Primeiro Ministro declarou que era "como se tratasse de uma segunda independência de Cabo Verde". A partir daí, e ao longo dos cinco de implementação dos projectos, sucederam-se episódios de propaganda para mostrar ao povo caboverdiano que o governo americano aprova a sua "boa governação". Passado o primeiro pacote do MCA a "batucada" prossegue, mas agora ao ritmo dos comunicados de imprensa do MCC. Foi uma festa o comunicado de imprensa (press release) do MCC de 9 de Dezembro de 2009. Anunciava que o "(MCC) Board of Directors agreed to select Cape Verde as eligible to develop a proposal for a second compact grant". Quer dizer que acordavam em seleccionar Cabo Verde como elegível para desenvolver propostas para um segundo financiamento. De imediato multiplicaram-se os pronunciamentos na rádio, televisão, jornal, as declarações de políticos e naturalmente os auto-elogios do governo do PAICV. Dois anos mais tarde, um novo comunicado, de 5 de Janeiro de 2011, veio dizer que "(MCC) Board of Directors agreed that Cape Verde, Indonesia, and Zambia are eligible to continue the process of developing compacts in Fiscal Year 2011". Ou seja Cabo Verde fica elegível para continuar o processo de desenvolvimento das propostas no periodo de Outubro 2010 a Setembro 2011, o ano fiscal dos Estado Unidos. Festa rija outra vez está a sacudir o país orquestrada pelo Governo e o sr PM,e condimentada pela oportunidade de fazer campanha eleitoral. Fica-se à espera duma outra grande festa após o terceiro comunicado do MCC, o que finalmente vai dizer: (MCC) Board of Directors approved a $$$ million compact with the Government of Cape Verde. Independentemente dos eventuais ganhos dessas doações é notória a postura do Governo: Celebra a ajuda e não o trabalho. A dependência e não o espírito de realização. A gratidão servil e não o auto respeito. Quem assim faz não está fortalecer o carácter da Nação. Muito menos está a dotá-la da atitude certa para vencer os desafios do desenvolvimento.

quarta-feira, janeiro 05, 2011

Providencial

Na sua última mensagem de Ano Novo o Sr. Presidente da República optou por esquecer que o cargo é suprapartidário e que o PR não governa nem assume opções de política. Em vários momentos, ao longo do discurso, mostrou corroborar as políticas do actual governo: “Os êxitos e ganhos que conseguimos durante o ano 2010 são argumentos suficientes e garantes para mantermos a confiança nas nossas capacidades em vencer as dificuldades e os obstáculos habituais da caminhada. Até porque podemos, através de feitos e coisas de pequena monta, descobrir e ver expressas em obras as nossas capacidades e possibilidades reais de vencer os desafios económicos de competitividade e da concorrência e da boa aplicação de recursos”. Nenhuma palavra sobre défice orçamental cinco vezes superior ao desejável no quadro da ligação ao euro, ou sobre a divida pública excessiva a atingir valores próximos do Produto Interno Bruto anual e ou ainda sobre o baixo nível de competitividade de Cabo Verde que o coloca no 117º entre 139 países. Pelo contrário, o PR mais à frente no discurso afirma que “é imperativo continuar os esforços em curso”. Naturalmente que isso só é possível se houver continuidade da governação. Outro governo terá outras opções de política até porque as actuais falharam em dar o Pais o crescimento que precisa para vencer a batalha do desemprego. Desemprego que aflige as famílias, corrói a coesão social e mina a esperança dos mais jovens. Mais à frente no discurso, o PR não se coíbe de entrar na refrega entre o Governo/PAICV e os demais partidos, e também o Comissão Nacional de Eleições, sobre o protagonismo dos governantes e outros agentes do Estado em período eleitoral que se manifestou mais vivamente no episódio dos outodoors propagandísticos do Governo. Veio dizer que “a Administração deve poder cumprir as suas funções”. De facto, a Constituição não diz que durante o período eleitoral o Governo passa ser governo de gestão. Mas facto é que a Constituição e o Código eleitoral estabelecem um conjunto de inelegibilidades de certos agentes públicos como os magistrados, militares, diplomatas, oficiais de justiça, inspectores, etc. Também explicitamente o código eleitoral no artigo 97º proíbe inaugurações e lançamentos de primeira pedra a titulares de cargos públicos e obriga a uma maior imparcialidade e isenção as autoridades públicas estaduais e muncipais. Não se pode dizer que o período seja de normalidade. Aliás o PR em Novembro justificou a necessidade de se realizar as eleições o mais cedo possível precisamente para se passar rapidamente este período de menos efectividade de acção do Estado. Por causa da crise, disse ele então. Agora volta atrás no seu argumento e municia a posição dum governo que, a olhos de todos, usa e abusa das prerrogativas da governação para a sua vantagem eleitoral. Não é aceitável. Parece que o apego á crença de que o Partido antecede o Estado leva a que, nos momentos cruciais, o interesse do Partido se sobreponha aos interesses da colectividade nacional, mesmo quando são estes o objecto de juramento solene perante a República.

domingo, janeiro 02, 2011

Desafios do novo ciclo

Duas décadas de experiência democrática chegam ao seu término. Com as eleições marcadas para 6 de Fevereiro Cabo Verde irá entrar na quinta legislatura da II República com um parlamento relegitimado e um novo governo. Prossegue a aventura política transformadora, iniciada a 13 de Janeiro de 1991, mantendo vivo os sonhos de liberdade, de democracia e de prosperidade para todos.

Cabo Verde fica bem nas avaliações dos níveis de liberdade e democracia realizadas por organizações como Freedom House, Transparency International, Amnestia Internacional e, ultimamente, Economist Intelligence Unit. A posição conseguida nessas avaliações ao longo dos anos traduz os ganhos na luta, ainda a ser feita pelos indivíduos e pela sociedade civil, para definitivamente se ultrapassar todas as sequelas deixadas nas instituições e na cultura política por quinze anos de partido único. A Constituição de 1992 serve de guia para a realização plena dos objectivos da Nação ao garantir os direitos indivíduos, ao subordinar o exercício do poder do Estado à Lei e ao estabelecer as regras do jogo democrático.

O sonho de prosperidade para todos tem se revelado mais difícil de alcançar. Primeiro teve-se que reestruturar a economia e pôr fim aos quinze anos de estatização, de estrangulamento da iniciativa individual e de aversão ao investimento privado nacional estrangeiro. Na esteira das reformas feitas vieram a liberalização económica, a modernização de sectores chaves da economia e a inserção na economia mundial acompanhada de criação de capacidade exportadora diversificada. O Pais cresceu acima do seu potencial e demonstrou que o flagelo do desemprego poderia ser combatido com sucesso. Em 2000 atingiu a mais baixa taxa de sempre.

Os níveis actuais de desemprego ligados ao crescimento anémico da economia nacional deixam entender que percalços surgiram no percurso. Os dados de competitividade divulgados pelo Fórum Económico Mundial revelam que se ficou para trás na qualidade do ensino; que não houve determinação no combate a ineficiências custosas designadamente nos domínios dos transportes e da energia e do funcionamentos das instituições; e que não se soube focalizar a atenção e as energias da nação no aproveitamento de oportunidades com impacto nas exportações e na capacidade de prestação de serviços.

Cabo Verde compartilha com muitas outras nações a história recente de luta pela democracia e pela construção de economia de base privada e integrada na economia mundial. A queda do Muro de Berlim seguido do desmoronamento do império soviético abriu o caminho para a globalização e para a realização dos sonhos de prosperidade e maior qualidade de vida para muitos milhões de pessoas em todos os continentes. Mas não é uma história fácil. Muitos obstáculos espreitam. Vencer num mundo globalizado exige esforços extraordinário dos indivíduos, das empresas e da própria sociedade de cada país. Os governos têm que se armar de uma visão estratégica clara para potenciar os recursos nacionais, em particular os recursos humanos, e serem capazes de aproveitar no momento certo as oportunidades que se oferecem.

Um novo ciclo de governação vai-se iniciar a meio de uma crise que ainda ninguém consegue prever o fim e as alterações na ordem mundial que irá provocar. A dinâmica mundial já depende menos das grandes economias dos Estados Unidos e da Europa e cada mais do crescimento de países emergentes como a China , a Índia, e o Brasil. A par com a crise de dívida soberana na zona euro já surgem sinais outra vez no horizonte de pressão sobre os preços dos alimentos, dos combustíveis e dos minérios derivados da procura crescente dos BRICs.

Para um pequeno país como Cabo Verde a solução para o desenvolvimento terá ser a aposta decisiva na qualidade do capital humano, na qualidade das instituições e na eficiência a todos os níveis. Este é o grande desafio da década que se vai iniciar.

Votos de um Ano Novo de felicidade para todos.

Editorial do jornal "Expresso das Ilhas" de 29 de Dezembro de 2010

segunda-feira, dezembro 27, 2010

Preparar para o ano 2011

Aproxima-se o fim 2010. Normalmente, no Natal e nas festas de S. Silvestre renovam-se as esperanças de um ano novo mais promissor. Neste ano, o segundo da crise internacional, a euforia própria da época festiva não consegue diminuir a preocupação geral com o futuro próximo. Desemprego, perda de rendimentos e insegurança em relação ao futuro afligem milhões de pessoas em todo o mundo. Para uma parte significativa delas, em vários países cujos governos insistem em fazer “mais do mesmo”, não se vislumbra uma saída a curto prazo.

A respeitada revista Economist no seu último editorial, datado de 16 de Dezembro, antecipou já que o ano 2011 vai ser o ano da crise da dívida soberana. É uma opinião também compartilhada por muitos comentaristas e experts que observam com cada vez mais apreensão a evolução da situação na Irlanda, em Portugal e na Espanha. Os juros crescentes pedidos na compra dos títulos de dívida desses países são reveladores da falta de confiança de que gozam junto dos mercados financeiros.

A União Europeia e particularmente a Alemanha quer submetê-los a uma espécie de terapia de choque para os reconduzir à estabilidade macroeconómica e eventualmente ao caminho do crescimento sustentável. Consolidação fiscal, aumento dos impostos, cortes nas despesas e reformas estruturais profundas designadamente no domínio laboral, para ganhar competitividade externa, são alguns dos remédios preconizados. O problema é que com tais receitas os “doentes” arriscam-se a ficar mais debilitados particularmente porque não será nada fácil gerir politicamente anos de crescimento económico baixo e de privações múltiplas nos sectores mais vulneráveis da população. Daí a preocupação com a dívida soberana, as hipóteses levantadas de declaração de falência acompanhadas de reestruturação da dívida e mesmo de cenários de abandono do euro por um ou mais países.

Em qualquer cenário parece hoje claro que os países europeus vão ter anos de crescimento anémico. São tempos difíceis a que Cabo Verde não conseguirá ficar alheio nem muito menos blindar-se. Vem da Europa grande parte das remessas dos emigrantes que contam bastante para o rendimento de muitas famílias. A ajuda externa predominantemente tem aí a sua origem. É o maior mercado para os produtos de exportação caboverdianos e é também o principal mercado emissor para o turismo nas ilhas.

Com o défice orçamental a aproximar-se dos 15% e a dívida pública a quase atingir os 100%, Cabo Verde não está em melhor situação de amortecer os efeitos negativos na sua economia provocados pela crise nos seus principais parceiros europeus. Uma outra atitude do Governo e uma outra consciência das dificuldades a enfrentar na actual conjuntura internacional teriam evitado certas opções que já estão se revelando caras, sem garantia de retorno adequado.

O alerta do Banco Central finalmente chegou, as eleições legislativas foram apressadas para o dia 6 de Fevereiro e o FMI já adianta que, para o ano 2011, espera contenção orçamental e travagem no processo de endividamento. Para os caboverdianos que já não viram muitos empregos criados com as linhas de crédito utilizadas na infraestruturação o próximo ano de menos investimento público será certamente mais difícil.

Há que encontrar outras vias que conduzam à retoma do investimento privado nacional e estrangeiro, que abram outras possibilidades para a exportação de bens e serviços e que potenciem os recursos humanos do país. Crescimento com criação de empregos e combate efectivo da pobreza dependem do sucesso que se obtiver nesse empreendimento.

Editorial do jornal "Expresso das Ilhas" de 22 de Dezembro de 2010

sexta-feira, dezembro 24, 2010

Concorrência na banda larga

Ainda sobre as notícias sobre a criação de uma rede de banda larga do Estado com base no WiMax, algumas reflexões:

"Urge de facto baixar os custos de comunicação em Cabo Verde. Mas o processo terá que ser o mais transparente e acompanhado de uma discussão aberta particularmente no que configura ser a entrada de um operador estatal no sector das telecomunicações. E não é só para incentivar o acesso a utilizadores internos. Fundamentalmente uma quebra nos custos deve ser um componente essencial de competitividade externa de possíveis serviços a exportar, usando mão-de-obra a partir de qualquer ponto do território nacional.

Os avanços de Cabo Verde do 107º lugar para 102º no índice 2010 da ITU, União Internacional das Telecomunicações, verificam-se essencialmente no acesso e na diminuição de preços. Quanto ao uso mantém-se baixo, contribuindo para isso a falta de concorrência na banda larga, com um único provedor a prestar serviço de ADSL a partir da linha do telefone fixo. Certamente que o aparecimento de outros operadores, utilizando redes wireless, WiMax ou LTE, deverá baixar os custos e aumentar o acesso.

O uso pelas pessoas, empresas e organuzações só dará um salto gigante se os custos de interligação com outros pontos do globo caírem significativamente. Nisso Cabo Verde estrategicamente deverá aplicar-se para que, em particular, toda uma actividade empresarial de importância para a economia nacional ganhe ímpeto. Mesmo actividades como a imobiliária turística e residencial poderão beneficiar da possibilidade de potenciais compradores se decidirem pela compra, cientes que facilidades e baixo de custo de comunicações com a Europa e o resto do Mundo lhes permite, de forma permanente ou temporária, trabalhar a partir de Cabo Verde" (jornal asemana de 9/4/2010).

quarta-feira, dezembro 22, 2010

Wikileaks precisam-se?

Notícias postas a circular dão conta da construção de 20 torres em todo o território nacional para assegurar uma solução de banda larga sem fios (wireless) que segundo o site do NOSI será segura interóperável cobrindo todas as ilhas com enfoque nas áreas de educação, saúde e governação electrónica. Para contextualizar essas notícias pode ser de boa ajuda passagens dum artigo meu publicado no jornal asemana de 9 de Abril de 2010: "A disponibilidade do Banco EXIM, export-import, da China de financiar em 17 milhões de dólares o sector das tecnologias de informação e comunicação (TIC) já abriu um caminho que pode levar ao aparecimento de um novo operador de telecomunicações. A empresa chinesa Huawei vai dotar o Estado de um sistema de comunicações wireless com a tecnologia WiMax, que irá cobrir todo o território nacional. O sistema em princípio é para servir a rede do Estado. Resta saber se irá além disso, para também entrar no mercado de oferta de serviços em banda larga, valendo-se da “muleta” dos computadores do Mundo Novo. O concurso lançado pela ANAC, a agência de regulação, em Dezembro último para operadores de 4G, WiMax e LTE, não deverá ser completamente alheio a todo esse desenvolvimento. (...) Mas o processo terá que ser o mais transparente e acompanhado de uma discussão aberta particularmente no que configura ser a entrada de um operador estatal no sector das telecomunicações".

terça-feira, dezembro 21, 2010

Auto-glorificação

Segundo um despacho da Inforpress de 20 de Dezembro a "Presidência da República organizou hoje, no Mindelo, uma conversa em torno do Acordo de Lisboa, assinado entre o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e o governo português de 19 de Dezembro de 1974, com vista à Independência de Cabo Verde. O embaixador Luís Fonseca dissertou sobre o “marco inapagável” da história do país, considerando o ano de 1974 como um dos mais marcantes de Cabo Verde". Iniciativa de auto-glorificação e não dirigido para servir a verdade histórica. Muito menos para validar as grandes conquistas do povo de Cabo Verde no domínio dos direitos fundamentais, do constitucionalismo e de construção do Estado de Direito democrático. Serve só para consolidar a versão histórica do PAIGC/PAICV com vista a justificar e legitimar os quinze anos de regime de partido único.

De facto, a assinatura do Acordo de Independência de Cabo Verde a 19 de Dezembro de 1974 culminou acontecimentos, verificados no arquipélago poucos meses antes, que serviram essencialmente para entregar os destinos do país nas mãos de um único partido, o PAIGC. Uma cumplicidade tinha-se desenvolvido entre a cúpula desse partido e elementos chaves do Movimento das Forças Armadas (MFA), próximas do partido comunista português. Na sequência da denúncia de uma intentona contra os dirigentes do PAIGC, nunca provada, desencadeou-se, com a ajuda da tropa portuguesa, um movimento de supressão da oposição, da liberdade de expressão e do pluralismo. As forças políticas, UPICV (União dos Povos das Ilhas de Cabo Verde) e UDC (União Democrática Caboverdeana) foram perseguidas e os seus dirigentes presos, enviados para o Campo de Tarrafal e posteriormente levados para o exílio em Portugal. As rádios calaram-se com a tomada da Rádio Barlavento em S.Vicente a 9 de Dezembro (ver imagem), passando a partir daí a transmitir a única voz do PAIGC. Para o Dr Almeida Santos, o negociador –mor da descolonização portuguesa e um dos signatários do Acordo, em entrevista concedida ao jornal Público de 11 de Abril de 2004, tudo se passou da seguinte forma:(…) os militares fizeram pressão para que houvesse descolonização rápida. Também houve um ultimato de lá para cá, a dar cinco ou oito dias para o Governo português entregar o poder ao PAIGC, sob pena de entregarem eles lá. (…) Chamei o Pedro Pires. Pedi-lhe que aceitasse uma consulta popular. Vocês ganham a consulta popular por 90 por cento e nós salvamos a face. Ganham a legitimação democrática do novo poder. Nunca mais será discutido. Se você o recebe da mão de militares, toda a vida será discutido. (…) Assinámos o acordo e ficou descolonizado Cabo Verde. Fiz uma lei eleitoral. Houve uma grande participação da população. Eles ganharam por 92 por cento. Elaboraram uma Constituição. Acabou. Salvámos a face". Com o Acordo consagrou-se o desvio dos caminhos da democratização iniciado pelo 25 de Abril. Enquanto Portugal ganhou uma Constituição liberal e democrática em 1976, Cabo Verde ficou com um regime contrário ao exercício das liberdades e pouco eficaz em potenciar oportunidades e recursos disponibilizados para o desenvolvimento. O regime só viria a cair a 13 de Janeiro de 1991.

domingo, dezembro 19, 2010

Formação: a panaceia

Não deixa de ser estranho o sentido de prioridade do actual Governo! De­pois de dez anos a proclamar o Turismo como motor da economia nacional é, no fim de mandato, que resolve lançar um programa de educação para o Turismo. Segundo a Inforpress, o programa a iniciar em 2011, será dirigido às escolas, aos operadores e às comunidades e visa sensibilizá-los para o desenvolvimento do turismo, para a qualidade na pres­tação de serviço e para a valorização do destino Cabo Verde. Semanas atrás, também com esse mesmo “fino” sentido de prioridades, pré-inaugurou a Escola de Hotelaria e Turismo, na Praia. A pressa e as iniciativas deslocadas são simplesmente actos de um governo que se vê em apuros pela falta de resultados com efeitos na vida das pessoas e pro­cura ganhar tempo e um novo mandato gerindo expectativas. Com a Escola de Hotelaria e Turismo, perdeu tempo a procurar localizá-la na Praia, supor­tando-se no argumento da população e descurando questões mais importantes para escolas vocacionais como o meio, a proximidade das actividades que irá ser­vir e a disponibilidades de profissionais e técnicos do sector como professores e formadores. Quanto à necessidade de criar uma cultura de serviço, num país que gritantemente a desconhece, optou por a ignorar. Deixou que a cultura ad­ministrativa e centralizadora ganhasse mais terreno em detrimento da cultura de prestação de serviços. Não admira que turistas e nacionais se queixem da qualidade dos serviços. Muito pouco se fez, ao nível institu­cional e de regulação, para motivar os indivíduos e a sociedade a exigirem mais, quando solicitam ou compram serviços, enquanto utentes ou clientes. Não se promoveu o civismo, seja nas relações interpessoais, seja na relação com a comunidade. E ficou por fazer a exaltação do que poderia ser a van­tagem dos cabo-verdianos: lidar com todos com a descontracção de quem não vê cor (color blind), não albergar preconceitos, nem alimentar sentimentos de inferioridade. Ainda, em relação ao Turismo, o Governo não foi ágil nem compreensivo em articulá-lo com a actividade económica nacional, provo­cando reacções negativas da população e de operadores económicos que fica­ram a ver “a banda passar”. E não é pela via da formação que se vai resolver o problema. Atitudes positivas emergem quando, por exemplo, as pessoas vêem oportunidades de investimento ou de negócios a surgir com o turismo e as empresas expandem o seu mercado de colocação de bens e serviços, criando mais emprego no processo. Mas isso, já se sabe, são matérias que o Governo do PAICV tem dificuldades em lidar. As seis equipas ministeriais em dez anos de governação são prova do desnorte no juntar das peças do puzzle económico. E sem visão, estratégia e sentido de oportunidade não há como convencer as pessoas dos benefícios do Turismo. Não descortinando como agir, mais uma vez o Governo agarra-se à ideia de dar formação para esconder que não tem outras para pôr a economia nacional a funcionar para as pessoas.

sexta-feira, dezembro 17, 2010

A corrida mundial pela qualidade de ensino

Pelo quadro da performance de alunos de vários países (click na imagem) nos domínios da ciência, língua e matemática nota-se como é renhida a disputa entre pequenos e grandes países para o topo da lista. Salta à vista particularmente o esforço da Singapura, Hong Kong, Finlândia, Estónia e Macau. Todos vêem na qualidade de ensino a condição sine qua non para o desenvolvimento sustentável. Crescimento económico, empregos de qualidade e competitividade externa só são possíveis com a valorização permanente do capital humano. Nesses países, o Estado, a sociedade, os professores e os pais estão todos engajados em fazer com as novas gerações ganhem a batalha do conhecimento. Mas em Cabo Verde a questão da qualidade de ensino ainda é colocada num segundo plano. O Governo dá sinais de não saber o que fazer nesta matéria e passa sinais contraditórios como se o resto do mundo estivesse à nossa espera. O Primeiro-Ministro reage contra questionamentos feitos à qualidade do ensino incitando os professores a mostrarem-se ofendidos com os críticos. Na ânsia de contornar dados que apontam para níveis baixos da formação nas escolas, faz comparações despropositadas. A realidade do ensino nos níveis básico, secundário e terciário tem ser confrontada com realismo e honestidade para que o país augure ter um futuro próspero. Quem ganhar a batalha da qualidade na educação das suas crianças e jovens, vence a luta pelo desenvolvimento.

quinta-feira, dezembro 16, 2010

Imagem e fantasia

O Dr. José Maria Neves engana-se. Não é um Cabo Verde ambicioso, mo­derno e competitivo que o Governo do PAICV deixa de herança. Pelo contrário, lega-nos um Cabo Verde resignado a vi­ver de ajudas, com a política sequestrada pela justificação do passado e incapaz de ganhar subsistência própria no mercado internacional. Tudo porque a noção do Poder do PAICV não liberta as pessoas, não liberta a criatividade e não liberta a economia. Diferentemente do PAICV, por exemplo, é o partido Comunista da China (PCC) que, não obstante o passado histórico da Longa Marcha, do Grande Salto em Frente e da Revolução Cultural, fez a China, a partir de 1979, atravessar os portões da modernidade e em três décadas atingir a condição de segunda economia mundial. O PCC conseguiu isso, porque acredita que só se legitima aos olhos do povo chinês enquanto for capaz de proporcionar aumentos cres­centes da riqueza nacional, do emprego e da qualidade de vida da população. E procede em consequência: atrai investi­mentos externos, promove exportações, acarinha empresas locais, investe na educação de forma a pôr as suas crianças no topo do mundo, promove competên­cia linguística particularmente em inglês e torna popular o aforismo do dirigente Deng Xiao Ping de que “ser rico é glorio­so”. Coisas que o PAICV só finge fazer e só ilude os outros em acreditar que faz. O jogo de poder do PAICV é ter as pessoas na mão com favores, acessos especiais e dádivas. A autonomia indi­vidual e de grupos sociais que natural­mente viria de uma dinâmica económica menos dependente dos impulsos do Estado, causa-lhe desconforto. Por isso, vive um dilema permanente: controlar ou deixar crescer. Muitas oportunidades perderam-se enquanto se debatia com esse dilema. Um dilema que governos democráticos normalmente não têm e que mesmo partidos comunistas no poder, com excepção da Coreia do Norte e de Cuba, não se vêem confrontados. Na China ganha-se controlo, aceitação e legitimação do partido com o fomento do desenvolvimento. Os governantes preocupam-se quando as exportações diminuem, a inflação aumenta ou há quebra no ritmo de criação de novos empregos. Em Cabo Verde, a imagem parece ser tudo. As “performances” do Primeiro-Ministro vão nesse sentido. O resultado é que: perde-se em substância do que se pode fazer pelo país o que se ganha em fantasias de governantes em “modo” de gestão de expectativas. Per­de-se em realismo quanto aos desafios com que o país se confronta o que se ganha em lirismo nos discursos do PM a disfarçar que não atingiu os resultados prometidos. E perde-se em confiança nos governantes o que se ganha em declarações de amor despropositadas e proclamações mais do que duvidosas de que todos são estrelas.

quarta-feira, dezembro 15, 2010

É de abuso!!!

A Comissão Nacional das Eleições num comunicado de 9 de Dezembro chamou a atenção das autoridades para a neutralidade e imparcialidade das entidades públicas exigida pela lei eleito­ral. O comunicado da CNE vem precisa­mente no momento em que estava a ficar claro para toda a gente que o Governo se recusa a tirar cartazes de propaganda política que tem espalhado pelo país. E mais. Entidades públicas como a IFH já aparecem com cartazes com a mesma temática propagandística do Governo num esforço de contorno da lei vigente. A Oposição cumpriu a lei e retirou logo os outdoors no prazo estabelecido. O parti­do que suporta o Governo, desmontou os directamente assinados por ele e deixou os assumidos pelo Governo. Aliás, antes nem havia cartazes do PAICV. Durante meses a fio os outdoors do Governo pon­tificaram sozinhos até entrar em cena os do MpD. Só mais tarde é que apareceram outdoors do PAICV para contrariar os que o acusavam de fazer uso indevido de bens do Estado na campanha pré-eleito­ral. Agora “espertamente” desaparecem e ficam os do Governo e de entidades públicas. É evidente que a trapaça não passa. E o PAICV sabe disso. Pergunta-se porque insiste nessa aparente teimosia. A resposta vai directo à cultura política de sempre desse partido. Não acredita completamente no primado ou império da Lei. A sua herança revolucionária está sempre a dizer-lhe que as leis são instrumentais e servem de acordo com as conveniências. Também tem dificuldades em aceitar que a democracia é o regime do governo limitado. Limitado em absolu­to pelo respeito pela dignidade humana, limitado pelos direitos dos indivíduos, limitado pela Constituição e pelas leis da república. Com esses assaltos repetidos à ordem estabelecida, o PAICV mantém vivo certos medos e não deixa que as pessoas fiquem tranquilas e se sintam confiantes que as regras do jogo serão sempre cumpridas. Ou seja, ninguém está seguro. Manobras do género, em pleno período eleitoral, têm claramente objectivos intimidatórios. Da Comissão Nacional das Eleições e do Ministério Público espera-se que ajam em conse­quência para que as eleições aconteçam na Liberdade e num ambiente de igual­dade de todas as candidaturas.

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Macaronésia

Nos dias 11 e 12 de Dezembro estarão reunidos em Mindelo representantes dos arquipélagos dos Açores, da Madeira e das Canárias para a criação da Macaronésia. O encontro constitui um marco, porque, para além das diferenças entre os arquipélagos, reconhece-se que todos são originariamente produtos da expansão europeia a partir do século XV. A presença de representantes de Portugal e da Espanha, os dois países pioneiros dessa expansão, é já, em si próprio, o reconhecimento de responsabilidades para com as suas criações. Responsabilidade essa que é óbvia para os casos dos Açores e da Madeira e das Canárias porque integram respectivamente a República Portuguesa e o Reino da Espanha. Mas que já não parece tão óbvia para Cabo Verde porque, entre outras razões, é um país independente desde 1975. A realidade, porém, é que as pequenas ilhas ou arquipélagos, por razões de escala, de distância dos mercados e de escassez de recursos naturais muito dificilmente conseguem suportar-se e construir uma economia sustentável sem o apoio das economias continentais. Donativos, acessos especiais e subsídios diversos constituem os vários mecanismos que os europeus encontram para suportar as suas criações insulares. Assim é nos arquipélagos do Atlântico referidos e nas muitas das ilhas das Caraíbas que têm arranjos especiais com a Holanda, França e Inglaterra. Recentemente Aruba e Curaçau seguiram caminhos diferentes nas suas relações com a Holanda mas conservando sempre ligações vitais que minimizam a vulnerabilidade da condição de ilhas tanto no domínio económico como no de circulação e de defesa. Cabo Verde, por circunstancialismos históricos, viu-se envolvido após a independência num projecto de unidade com a Guiné-Bissau, um país continental. Um projecto falhado à partida entre muitas outras razões pelo facto desse país ser menos desenvolvido, mas que serviu para lançar Cabo Verde numa deriva para longe da relação que desde origem teve com a Europa. Só a partir de 2004 é que sectores próximos do PAICV relutantemente se reconciliaram com a ideia de aproximação à Europa. Na imprensa, deixaram de aparecer brincadeiras do género de apelidar de “atlânticos” os dirigentes do MpD versus os "africanos" do PAICV. O caminho para uma parceria futura com a Europa passou a gozar de um consenso generalizado e hoje até a ideia de Cabo Verde na Macaronésia explicitada por António Jorge Delgado parece estar em vias de se concretizar. Equívocos vários, porém, continuam. Traduzem-se, por um lado, numa postura mais reactiva às políticas da Europa, designadamente na Parceria para a Mobilidade e menos proactiva num quadro estratégico de uma parceria real e não só de intenções. Por outro lado, revelam passividade na relação com os países do continente africano – o que tem permitido uma imigração sem qualificação e analfabeta, ao mesmo tempo não se mostra pró-activa em consolidar laços para além dos oficiais que incluíssem relações de negócios e uma maior interacção dos vários sectores da sociedade civil. Ficando no meio-termo, sem uma estratégia clara, muitas são as oportunidades perdidas mesmo que alguns ganhos alimentem a ilusão de sucesso. É só ver o conteúdo das já existentes parcerias com a Europa para se avaliar do quanto se pode ainda alcançar se houver uma estratégia coerente e se equívocos de outras épocas forem deixados para trás.

Unicidade e Centralismo

A forma como foi demitida a direcção do ISECMAR mostrou a verdadeira face do espírito centralizador que domina a Universidade Pública de Cabo Verde. Aliás, já nem se trata do ISECMAR. O Instituto Superior de Engenharia e Ciências do Mar já há algum tempo que desapareceu para dar lugar a um departamento de Engenharia e Ciências do Mar da UNI-CV, criada por decreto legislativo em 2006. É uma história de mais de vinte anos de uma instituição de ensino superior, nascida como Centro de Formação Naútica, com cursos certificados pela International Maritime Organization (IMO) e formadora de centenas de profissionais distintos e reconhecidos em vários sectores da marinha mercante, das pescas, da gestão portuária, das telecomunicações e da engenharia mecânica, que foi praticamente anulada. Em contrapartida, dá-se-lhe o estatuto de “departamento” na universidade recém-nascida. E determina-se que tudo passa a ser ditado da Reitoria sediada na Capital, incluindo o recrutamento dos professores. Universidades em todo o mundo são bastiões do conhecimento, de ensino superior e de investigação. Para realizarem a sua missão nesses domínios têm que gozar da mais ampla liberdade intelectual e liberdade de expressão. Autonomia administrativa e financeira e independência do poder político são condições indispensáveis para isso. A eleição dos seus vários órgãos a começar pelo reitor e directores das faculdades, dos institutos e das escolas, mas também dos órgãos colegiais de direcção pedagógica, científica e de investigação garante que a instituição não se deixa esclerosar pelo espírito de centralização e gestão autoritária de quem no momento dirige. Muito menos se deixe apanhar pelos interesses partidários de quem governa o País. A forma como foi criada a universidade pública de Cabo Verde determinou que muito do se esperava de uma instituição de ensino superior fosse sacrificado. As opções do Governo sobrepuseram-se a tudo e a instituição ficou marcada por isso. Em vez de se ter uma universidade organizada em Faculdades, Institutos e Escolas, todas dotadas de personalidade jurídica pública e de autonomia administrativa e financeira optou-se por departamentos subordinados à reitoria. O resultado é o que aconteceu com o ISECMAR e outros institutos de ensino superior. Foram engolidas pela nova entidade num processo em que provavelmente perderam muita da experiência, da cultura institucional e dos laços com a comunidade que as marcaram como instituição. Estranho é que depois se venha pedir que o resta delas faça parte de “clusters” do Mar e outros “clusters”que as fantasias dos governantes vão criando. Esquece-se que o papel de criação, investigação e de inovação que é esperado de estruturas de ensino superior nos clusters não é compatível com negação de liberdade intelectual, ausência de autonomia e percepção de humilhação derivada de insensibilidade para com a história, as realizações e o papel da instituição na ilha ou na região. Mas não só as instituições públicas que sentem a pressão centralizadora e monopolista da universidade pública. Também as instituições privadas de ensino superior queixam-se da arrogância e da cultura de unicidade de que normalmente são imbuídas as instituições públicas em Cabo Verde. E os danos não ficam por aí. A própria diversidade do País é frontalmente posta em causa, quando se impede que nas diferentes ilhas, escolas públicas de ensino superior tenham autonomia. Nega-se também a diversidade quando se inibe o desenvolvimento de uma elite intelectual e científica com obstáculos à assunção plena da instituição por pessoas representativas do seu envolvimento com a comunidade seja no ensino, na investigação, na consultadoria e no suporte de actividades económicas da região. A luta por uma universidade pública realmente nacional passa pelo exercício da liberdade intelectual, pela autonomia da universidade e das suas unidades orgânicas, pelo respeito da diversidade e pela afirmação do princípio de excelência.