No relatório da Política Monetária referente a Maio de 2015, publicado pelo Banco de Cabo Verde na passada semana, são evidentes as fragilidades da economia nacional. A dívida pública continua a aumentar e já está a 114% do PIB. O défice orçamental mesmo caindo para 7.3 % do PIB continua excessivo e pelas previsões do BCV o crescimento económico poderá situar-se em 2015 entre 2,5 e 3,5 % na melhor das hipóteses. Com tais indicadores dificilmente se consegue vislumbrar quando será o regresso aos parâmetros considerados fundamentais para a sustentabilidade do acordo cambial que impunha o limite de 3% ao défice orçamental e de 60% à dívida pública. Não estranha que os índices de confiança apresentados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) continuam a deteriorar-se meses e anos a fio situando os últimos dados no pior nível desde de 2009.
Pelo relatório, confirma-se que as medidas do BCV de facilitação do crédito não tiveram o efeito desejado de melhorar o financiamento bancário do sector privado. As incertezas na evolução da economia são muitas. Afectam os bancos que se tornam mais exigentes em dar seguimento a pedidos de crédito. Desincentivam eventuais potenciais investidores que não vêem um potencial de crescimento nos mercados interno ou externo para os seus bens e serviços. Desencorajam os consumidores que adiam o consumo afectando ainda mais a já fraca procura interna. Sintomático dessa poupança precaucional, como bem nota o BCV, é a tendência de aumento dos depósitos bancários sejam os à ordem sejam os a prazo. Segundo o Banco Centralas elevadas incertezas quanto às perspectivas económicas e financeiras do país terão continuado a influenciar o comportamento das famílias, que pouparam 13,6 por cento do seu rendimento disponível real em 2014.
Um dado preocupante avançado pelo BCV é de que “pela primeira vez desde 2009 as receitas brutas do turismo registaram um decréscimo”. Terão contribuído para isso a redução do número de turistas e a redução de preços para responder à concorrência de outros destinos particularmente de países do Norte de África que procuram recuperar-se das perdas resultantes da instabilidade provocada pela Primavera Árabe. A confirmar-se a tendência, vem dar razão a todos aqueles, empresários, sociedade civil e forças políticas de oposição, que têm clamado ao longo dos anos para que a atitude do governo fosse outra em relação ao turismo. Uma atitude mais proactiva, mais consequente e com maior sentido de urgência na resolução dos problemas.
Infelizmente é a postura rentista que prevalece. Ao longo da história tem sido essa a postura adoptada pelas autoridades. Razão porque alguns classificam Cabo Verde como a terra das oportunidades perdidas. Sempre que surge uma oportunidade assume-se logo que é para durar e a tentação é sugar o máximo em termos de receitas para o Estado sem se preocupar em saber como e porquê surgiu e por quanto tempo poderá manter-se. Muito menos dá-se ao trabalho de emprestar à procura externa daí emergente outras valências que a podem aumentar, diversificar e qualificar. Não estranha que com o tempo desapareçam as condições atractivas iniciais e o negócio simplesmente se esvazie e depois procure relocalizar-se em paragens mais convidativas.
O que muito separa Cabo Verde das Ilhas Canárias, como nota a reportagem das páginas 8 e 9, é atitude diferente num caso e noutro das autoridades em relação ao turismo, ao desenvolvimento do sector privado e à necessidade de mobilizar uma procura externa diversificada para os seus bens e serviços. Por isso as Canárias já vão a 13 milhões de turistas, os seus empresários e empresas procuram agressivamente internacionalizar-se e a sua oferta de bens e produtos é diversificado e em processo de contínua sofisticação. Pelo contrário, em Cabo Verde os turistas não chegam a um milhão e o tecido empresarial é formado essencialmente, segundo o BCV e citando o recenseamento de 2012, por micro e pequenas empresas sem contabilidade organizada e com capacidade organizativa e de negócios limitada. As exportações de bens são em boa parte de pescado e dependem de uma única empresa e de um mercado externo específico.
O que se vê em Cabo Verde são fragilidades induzidas e reproduzidas porque não há visão, ninguém segue estratégias e planos de acção previamente definidos e falta sentido do timingcerto para agir. Não estranha pois que o relatório do BCV caracterize a conjuntura actual como sendo “de crescimento económico comedido que persiste desde 2011, de contínua deterioração do balanço das empresas e famílias bastantes endividadas, de incessante aumento do crédito malparado e de agravamento da percepção dos riscos de investimento no país”.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 10 de Junho de 2015