Também
não se deixou de interrogar o quão extraordinário seria se fosse
possível explorá-los. A realidade que os dados estatísticos teimam em
demonstrar é que não se consegue ultrapassar as 15 mil toneladas de um
potencial de 40 mil. As consequências da subexploração são diversas
sendo uma delas a pobreza persistente entre os pescadores e as suas
famílias, particularmente nas ilhas onde não podem complementar a pesca
com outra actividade. Apesar do estado em que globalmente se encontra o
sector, não é de minimizar a sua importância. Ocupa 5.000 pescadores e
3.000 peixeiras e são os produtos da pesca que perfazem mais de 80% das
exportações do país, empregando cerca de 2.000 pessoas. O problema que
se vem arrastando praticamente desde sempre é como dinamizar o sector
para criar riqueza e ser fonte de rendimento crescente para as
populações.
Um estudo do Banco Mundial (BM) datado de 2005 já deixava perceber que a gestão do sector das pescas sempre pecou pelo peso excessivo do Estado. O modelo estatizado, adoptado logo após a independência servindo-se da ajuda externa, procurou focar-se na construção de infraestruturas, na aquisição de embarcações e na criação de instituições de apoio, mas os resultados ficaram aquém dos perspectivados. Segundo o BM mais de 200 milhões de dólares da ajuda externa foram investidos de 1978 a 2004 e o que se verificou é que não se conseguiu crescimento no sector. Pelo contrário, caiu a captura relativamente ao que se verificava nos princípios dos anos 80. Paralelamente os rendimentos da população ligada à pesca estagnaram e em muitos casos diminuíram. A governação também falhou em não acautelar uma fiscalização adequada da zona económica exclusiva que pelo menos pudesse conter a delapidação dos recursos marinhos por entidades não autorizadas. A opção foi ter forças militares em terra e não equipar uma guarda costeira que efectivamente policiasse os mares.
O que se passou com as pescas, uma fonte potencial de criação riqueza em Cabo Verde, é a repetição do que se passa em outros sectores. O país tem poucos recursos naturais e periodicamente sofre calamidades naturais que diminuem ainda mais os existentes. Paradoxalmente por razões várias, mas em particular de liderança, não se chegou nunca a erigir como seu desígnio nacional a construção de uma base produtiva capaz de criar riqueza, de manter o país a crescer de forma sustentável e de propiciar emprego e rendimento para a sua população. Diz-se que é isso que se pretende, mas os meios escolhidos, os objectivos traçados e as prioridades seleccionadas demostram que, de facto, não é assim. A forma como o país foi conduzido ao longo dos anos alimentando-se da ajuda externa levou-o a acomodar-se na posição de dependência. Nesse sentido as instituições orientaram-se para maximizar o fluxo da ajuda externa. A cultura administrativa ligada à redistribuição dessa ajuda paulatinamente se sobrepôs e abafou outras possíveis culturas, sejam elas de produção ou de prestação de serviço. A nível individual das pessoas os incentivos existentes convidam à concorrência feroz pelos recursos disponibilizados, servindo-se de diversas vias entre as quais a partidária.
Em tal ambiente é muito difícil desenvolver a atitude indispensável para construir o presente e conquistar o futuro que se revela no espírito de cooperação, na necessária confiança e na vontade a nível individual e colectivo em cumprir leis e seguir regras. Não estranha pois que os referidos 200 milhões de ajuda externa investidos à razão de 7,5 milhões de dólares anuais durante 26 anos não deram os resultados pretendidos, nem tão pouco que outros muitos milhões que entraram no país pela via de doações e de empréstimos concessionais tenham ficado muito aquém dos objectivos propalados. É verdade que o país cresceu, que hoje é muito diferente do que foi há décadas passadas e que o rendimento global das pessoas aumentou. Porém, comparado com outros países em condições similares, os ganhos são menores, as vulnerabilidades são mais persistentes e o potencial para continuar a crescer, findo o grande período das ajudas, não é o mesmo. Acrescenta-se a isso o facto de, à sombra das ajudas globalmente dirigidas ao país, crescer uma elite abastada, uma espécie de classe média ligada ao Estado que as administrava e redistribuía, enquanto a população, por exemplo, ligada à pesca ficava em geral mais pobre. Repetia-se o que invariavelmente se vê em países que vivem de renda, seja ela recursos como petróleo e os minérios ricos, ou ajuda externa. A prosperidade de alguns tem um preço pago colectivamente na alta taxa de desemprego e na persistente vulnerabilidade de largas camadas da população.
A diferença entre os resultados de desenvolvimento obtidos por Cabo Verde comparativamente aos de países como Maurícias e Seicheles reside essencialmente no facto que em tempo próprio esses países souberam atrair investimento directo estrangeiro (IDE), investiram com seriedade numa educação de qualidade e adoptaram uma atitude favorável à construção de uma base produtiva geradora de riqueza. Em Cabo Verde, pelo contrário, a relação com o IDE tem sido mais passivo do que proactivo. Massificou-se a educação, mas não se apostou com seriedade na qualidade. E a atitude não mudou significativamente apesar dos evidentes ganhos do IDE, designadamente nas indústrias ligados ao pescado, que se traduziram no ano de 2018 em mais de 80% das exportações de bens e em cerca de 5.000 postos de trabalho directos e indirectos, e no sector do turismo que tem sido o motor do crescimento da economia nacional e gerador de milhares de empregos. Postos de trabalho esses designadamente nas conserveiras que poderão ficar em perigo se medidas atempadas na relação com a União Europeia não forem tomadas.
país e as suas instituições acomodaram-se por demasiado tempo ao maná que vem do exterior. Mesmo perante a evidência do preço pago, isso custa mudar. Com as resistências instaladas, ano após ano vê-se que fica difícil melhorar a competitividade e a produtividade. Depois de décadas de investimentos na educação, o país ainda não acordou completamente para as consequências da deficiente qualidade do ensino. A hostilidade latente contra o investimento externo torna difícil amortecer atempadamente o seu impacto nas comunidades (Sal e Boa Vista) e melhor aproveitar as oportunidades criadas. A insistência na vitimização que justifica e até torna respeitável às pessoas viver na dependência dos outros constitui um travão ao desenvolvimento da atitude certa para o desenvolvimento. A atitude que promove a confiança, o civismo e o cosmopolitismo essenciais para enfrentar e lidar com o mundo de forma proveitosa. A atitude que por trazer crescimento sustentável fará os pescadores e seus familiares mais felizes em futuras celebrações do Dia do Pescador.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 898 de 13 de Fevereiro de 2019.
Um estudo do Banco Mundial (BM) datado de 2005 já deixava perceber que a gestão do sector das pescas sempre pecou pelo peso excessivo do Estado. O modelo estatizado, adoptado logo após a independência servindo-se da ajuda externa, procurou focar-se na construção de infraestruturas, na aquisição de embarcações e na criação de instituições de apoio, mas os resultados ficaram aquém dos perspectivados. Segundo o BM mais de 200 milhões de dólares da ajuda externa foram investidos de 1978 a 2004 e o que se verificou é que não se conseguiu crescimento no sector. Pelo contrário, caiu a captura relativamente ao que se verificava nos princípios dos anos 80. Paralelamente os rendimentos da população ligada à pesca estagnaram e em muitos casos diminuíram. A governação também falhou em não acautelar uma fiscalização adequada da zona económica exclusiva que pelo menos pudesse conter a delapidação dos recursos marinhos por entidades não autorizadas. A opção foi ter forças militares em terra e não equipar uma guarda costeira que efectivamente policiasse os mares.
O que se passou com as pescas, uma fonte potencial de criação riqueza em Cabo Verde, é a repetição do que se passa em outros sectores. O país tem poucos recursos naturais e periodicamente sofre calamidades naturais que diminuem ainda mais os existentes. Paradoxalmente por razões várias, mas em particular de liderança, não se chegou nunca a erigir como seu desígnio nacional a construção de uma base produtiva capaz de criar riqueza, de manter o país a crescer de forma sustentável e de propiciar emprego e rendimento para a sua população. Diz-se que é isso que se pretende, mas os meios escolhidos, os objectivos traçados e as prioridades seleccionadas demostram que, de facto, não é assim. A forma como o país foi conduzido ao longo dos anos alimentando-se da ajuda externa levou-o a acomodar-se na posição de dependência. Nesse sentido as instituições orientaram-se para maximizar o fluxo da ajuda externa. A cultura administrativa ligada à redistribuição dessa ajuda paulatinamente se sobrepôs e abafou outras possíveis culturas, sejam elas de produção ou de prestação de serviço. A nível individual das pessoas os incentivos existentes convidam à concorrência feroz pelos recursos disponibilizados, servindo-se de diversas vias entre as quais a partidária.
Em tal ambiente é muito difícil desenvolver a atitude indispensável para construir o presente e conquistar o futuro que se revela no espírito de cooperação, na necessária confiança e na vontade a nível individual e colectivo em cumprir leis e seguir regras. Não estranha pois que os referidos 200 milhões de ajuda externa investidos à razão de 7,5 milhões de dólares anuais durante 26 anos não deram os resultados pretendidos, nem tão pouco que outros muitos milhões que entraram no país pela via de doações e de empréstimos concessionais tenham ficado muito aquém dos objectivos propalados. É verdade que o país cresceu, que hoje é muito diferente do que foi há décadas passadas e que o rendimento global das pessoas aumentou. Porém, comparado com outros países em condições similares, os ganhos são menores, as vulnerabilidades são mais persistentes e o potencial para continuar a crescer, findo o grande período das ajudas, não é o mesmo. Acrescenta-se a isso o facto de, à sombra das ajudas globalmente dirigidas ao país, crescer uma elite abastada, uma espécie de classe média ligada ao Estado que as administrava e redistribuía, enquanto a população, por exemplo, ligada à pesca ficava em geral mais pobre. Repetia-se o que invariavelmente se vê em países que vivem de renda, seja ela recursos como petróleo e os minérios ricos, ou ajuda externa. A prosperidade de alguns tem um preço pago colectivamente na alta taxa de desemprego e na persistente vulnerabilidade de largas camadas da população.
A diferença entre os resultados de desenvolvimento obtidos por Cabo Verde comparativamente aos de países como Maurícias e Seicheles reside essencialmente no facto que em tempo próprio esses países souberam atrair investimento directo estrangeiro (IDE), investiram com seriedade numa educação de qualidade e adoptaram uma atitude favorável à construção de uma base produtiva geradora de riqueza. Em Cabo Verde, pelo contrário, a relação com o IDE tem sido mais passivo do que proactivo. Massificou-se a educação, mas não se apostou com seriedade na qualidade. E a atitude não mudou significativamente apesar dos evidentes ganhos do IDE, designadamente nas indústrias ligados ao pescado, que se traduziram no ano de 2018 em mais de 80% das exportações de bens e em cerca de 5.000 postos de trabalho directos e indirectos, e no sector do turismo que tem sido o motor do crescimento da economia nacional e gerador de milhares de empregos. Postos de trabalho esses designadamente nas conserveiras que poderão ficar em perigo se medidas atempadas na relação com a União Europeia não forem tomadas.
país e as suas instituições acomodaram-se por demasiado tempo ao maná que vem do exterior. Mesmo perante a evidência do preço pago, isso custa mudar. Com as resistências instaladas, ano após ano vê-se que fica difícil melhorar a competitividade e a produtividade. Depois de décadas de investimentos na educação, o país ainda não acordou completamente para as consequências da deficiente qualidade do ensino. A hostilidade latente contra o investimento externo torna difícil amortecer atempadamente o seu impacto nas comunidades (Sal e Boa Vista) e melhor aproveitar as oportunidades criadas. A insistência na vitimização que justifica e até torna respeitável às pessoas viver na dependência dos outros constitui um travão ao desenvolvimento da atitude certa para o desenvolvimento. A atitude que promove a confiança, o civismo e o cosmopolitismo essenciais para enfrentar e lidar com o mundo de forma proveitosa. A atitude que por trazer crescimento sustentável fará os pescadores e seus familiares mais felizes em futuras celebrações do Dia do Pescador.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 898 de 13 de Fevereiro de 2019.