Na semana passada no âmbito de um seminário sobre “operações especiais de prevenção criminal” a Polícia Nacional veio confirmar a percepção de insegurança sentida no país e em particular na Cidade da Praia no ano de 2021. Segundos os dados apresentados pela PN, a criminalidade aumentou em cerca de 33% em relação ao ano 2020.
As razões, de acordo com o ministro da Administração Interna, têm a ver com “a retoma da vida social e económica e o aumento da conflitualidade social”. Entretanto, não se explicita que mecanismos, ambientes ou lugares são os mais propícios ao crime e como combatê-lo para evitar que o regresso a uma certa normalidade não se traduza logo no aumento da criminalidade.
Na comunicação feita ao público, as autoridades trouxeram à baila, talvez pela primeira vez, o papel das armas em circulação no país como um dos factores facilitadores do crime. O Procurador-Geral da República na sua intervenção considerou que o número de ocorrências criminais com armas de fogo é preocupante pela dimensão destas cidades e pelas dimensões do país. Dias antes, a 27 de Março, dois polícias tinham sido baleados quando responderam a uma ocorrência num dos bairros da capital. Na população há muito que existe a percepção do risco acrescido representado pelo uso de armas de fogo nos assaltos e em outros crimes. Não se viu ao longo dos anos o que deviam ser acções efectivas das autoridades em retirar armas da circulação. Menos ainda foi visto um esforço legislativo, regulamentar e operacional para desarmar a população a exemplo do que outros países fizeram quando confrontados com ondas de criminalidade violenta.
É notório o desencontro entre os dados oficiais da criminalidade e a percepção de insegurança pelos cidadãos. As pessoas sentem que há mais assaltos com armas de fogo, mas dos dados apresentados fica-se a saber que “no ano findo a PN apreendeu menos 81 armas artesanais do que em 2020, menos 69 armas convencionais e menos 5.660 munições”. Diz-se que os actuais dados da criminalidade, como que a contramão, interromperam o “ciclo de cinco anos (2016 a 2021), em que consecutivamente se registou diminuição acentuada das ocorrências criminais no país”. A realidade é que a percepção de insegurança persistiu ao longo dos anos com picos, por exemplo, em 2019 que levaram o então Presidente da República a chamar a atenção das autoridades no Dia de Defesa Nacional e na mensagem de Ano Novo para a necessidade de restaurar a tranquilidade e obrigou a embaixada americana a alertar os cidadãos americanos para o aumento de assaltos na Cidade da Praia.
Perante mais um aumento da criminalidade no país não se pode ficar pelo simples aprimoramento das abordagens anteriores que até agora não conseguiram diminuir a sensação de insegurança das pessoas. Segundo o ministro da Administração Interna, pretende-se pôr um foco nas operações especiais de prevenção criminal no quadro de uma estratégia de “frente e inovadora”, visando, sobretudo, a questão que tem que ver com as armas. Para o bem de todos é de desejar que desta vez tenham boa sorte em pôr em prática a estratégia. Um bom começo foi o encontro organizado para discutir essas operações especiais de prevenção do crime em que participaram magistrados do ministério público e magistrados judiciais. Espera-se que depois a responsabilidade pela insegurança não fique diluída nas justificações do tipo a polícia prendeu, mas o tribunal pôs em liberdade. Cabo Verde é um Estado de Direito democrático e todos querem ter a garantia que a polícia actua de acordo com a lei e no estrito respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos e que os tribunais são independentes na administração da justiça.
A verdade é que ambientes facilitadores de crimes são por natureza complexos e nem sempre susceptíveis de serem tratados com certas abordagens policiais que fazem lembrar tácticas militares e provocam reacções negativas das comunidades. Em muitos casos depois de megas operações policiais não se vêem apreensões de armas ou de outros produtos ilegais e não se fazem prisões que justifiquem o aparato. A repetição dessas operações agrava a situação porque como não há colaboração das pessoas, não há trabalho prévio de inteligência e os eventuais infractores conseguem escapar, enquanto outras pessoas inocentes são apanhadas na rede e ficam ressentidas com buscas e inquirições que consideram despropositadas.
Constatações similares foram feitas noutras paragens a partir da implementação das políticas de tolerância zero ou da teoria de “broken-window” que levaram a situações de abusos de pessoas e hostilidade das comunidades visadas. Hoje, procura-se fazer uma intervenção mais compreensiva que não fica pela acção policial, envolvendo outras entidades, designadamente o poder local, a sociedade civil e também a própria comunidade. É entendimento de muitos que indo por essa via a acção policial na prevenção do crime ganharia muito em eficiência e eficácia. Os recursos são limitados e nem o uso da tecnologia via sistemas de videovigilância sofisticados pode compensar por deficiências de organização, de estratégia e de colaboração voluntária da comunidade e de outras entidades.
A segurança é um bem necessário e um activo estratégico para o desenvolvimento. Depende essencialmente da vontade do país para ser garantido. Recursos substanciais têm sido investidos no sector sem que haja diminuição da percepção de insegurança da população em particular nos centros urbanos. Com as incertezas do mundo actual o futuro vai depender muito da capacidade de se conseguir realizar o sonho de ter um país de paz e morabeza e aberto ao mundo. Para isso impõe-se uma maior atenção em relação à qualidade dos investimentos e à escolha dos objectivos e prioridades para o sector.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1062 de 6 de Abril de 2022.