quinta-feira, dezembro 07, 2006

Etanol, será uma via?

Hoje um tema incontornável é a energia. A dependência do petróleo torna-se crítico, o ambiente está a ser afectado de forma imprevisível, o clima pode estar na iminência de mudanças profundas e o mundo mostra-se mais perigoso com a instabilidade dos países produtores do petróleo. Países pequenos como o nosso têm que ser mais eficientes no uso de energia. Sem isso, não se é competitivo no mercado internacional. Na busca de maior eficiência há uma via: encontrar um produto de substituição, renovável, e a um preço competitivo com os preços actuais e futuros dos derivados do petróleo. O etanol, o álcool etílico, tem vindo a afirmar-se como tal no Brasil e nos Estados Unidos. A indústria automobilística, desde de 1993, produz carros a gasolina que funcionam bem com blend de gasolina a 10% de etanol. A Califórnia lidera no processo de estender o etanol no blend até 45%. O álcool aumenta os níveis de oxidação do combustível, retirando maiores octanas e tornando os fumos menos tóxicos. Qual é interesse disso para nós? Cabo Verde tem uma cultura de cana, com séculos de existência, virada para a produção do mel e do grogue. A cana tem sido o cash crop, a cultura de rendimento do agricultor caboverdiano, particularmente em S.Antão. Também, é onde ele se refugia quando tudo o resto falha por falta de mercado ou perde-se sob o ataque das pragas. Hoje essa cultura de rendimento está em perigo grave devido à proliferação do grogue de açúcar. O interesse pela cana renova-se em todo o mundo, mas é para a produção do etanol. Leis, como a que entrou em vigor em Janeiro deste ano no Hawaii e que favorecem a venda da gasolina num blend com 10% de etanol, criam mercado para esse produto. Nos Estado Unidos um enorme mercado está emergir mas aí o etanol é tirado do milho e, segundo os experts, produzir etanol a partir da cana é cerca de oito vezes mais eficiente do que a partir do milho. Isso coloca o etanol da cana em melhor posição no mercado americano. Cabo Verde poderá ter aqui uma oportunidade de recuperar a sua cultura de cana. Cana para a produção de etanol para o consumo interno e para exportar. A água para irrigar os campos de cana poderá vir do aproveitamento das águas superficiais na linha da experiência da barragem do Poilão. Águas negras tratadas podem também servir. Grandes ganhos podem ser vislumbrados: ganho para os agricultores e para a população rural que finalmente teriam um cash crop; ganho para o país porque menos importações e mais exportações; ganho para o ambiente com um combustível menos poluente. Um outro ganho seria a possibilidade de utilizar AGOA para facilitar em termos competitivos a entrada no mercado americano. O Governo devia procurar explorar as possibilidades de exploração da cana para a produção do etanol e a viabilidade de uma lei obrigando a gasolina a ter 10% de etanol, com vista à criação de um mercado interno para esse produto.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Para quê quadro especial?

Ontem no Parlamento foi apresentada uma proposta de Lei que normaliza salários do quadro especial do PR, da A N e do Governo. O quadro especial diferencia-se do resto da Função Pública pela natureza eminentemente de confiança política dos cargos. O processo de contratação devia ter em conta as exigências específicas dos mesmos. A remuneração devia espelhar a precariedade intrínseca da actividade política conexa que automaticamente cessa com o fim do mandato do titular ou com a sua demissão. Por outro lado, a existência de um quadro de pessoal de livre escolha pelos políticos pressupõe que se queira o resto da Administração Pública livre de interferência política. A Constituição no art. 236º e seguintes obriga o pessoal da Administração Pública ao cumprimento de deveres, designadamente de justiça, isenção, imparcialidade e de não discriminação em virtude de opções partidárias. Diz, ainda, que os funcionários estão subordinados à Constituição e às Leis, que devem colocar-se ao serviço do interesse geral e que não podem ser instrumentos de actividade partidária do Governo. A realidade que se vive no País foge ao quadro de lisura, transparência, isenção e imparcialidade intentado pela Constituição. O quadro especial é, em geral, de competência duvidosa porque as nomeações regem-se por critérios de conveniência pessoal e política. É pouco efectivo porque não há um sistema compreensivo de desenvolvimento, execução e monitorização de políticas a trabalhar em articulação com estruturas do Estado. A Administração Pública, entretanto, é penetrada, a todos os níveis, por nomeações políticas. Com isso, desestruturam-se carreiras, perde-se a memória nas mudanças sucessivas, dificilmente se consegue manter um sistema de aprendizagem cumulativa, não se impõe o mérito como critério central de avaliação e não se desenvolve uma cultura de servidores públicos voltados para consecução do interesse geral. Há ainda um outro lado: interesses corporativos cristalizam-se e a capacidade de execução do governo diminui com a criação de pequenos feudos. O Governo do PAICV agravou a partidarização de uma Função Pública que, desde de 1975, sempre se viu como instrumento de quem está no Poder. Isso tem consequências: Investidores e outros operadores vêm notando a relutância em dar seguimento a decisões de ministros e em cumprir acordos com o Estado. O País perde em toda a linha: O Governo não tem pessoal e estrutura para implementar com competência as suas políticas, não obstante os elevados custos de funcionamento; os cidadãos perdem por não terem uma administração que sirva indistintamente os utentes e que seja um factor importante do desenvolvimento; os jovens quadros nadam num mar de frustrações, sem perspectivas de carreira e de uma participação gratificante ao nível pessoal e profissional.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Telecom, ANAC e as boutiques

Os consumidores das telecomunicações contam agora com novas tarifas. A chamada local aumentou 30%, a Internet de 22,5% e a taxa de assinatura 56%. A interurbana continuou cara na mesma e a baixa nas internacionais só marginalmente afecta a maioria porque grande parte dessas chamadas são iniciadas no estrangeiro. A imprensa local deixou passar as justificações da Telecom e da ANAC, a agência reguladora. A Telecom diz que vai perder dinheiro e apresenta a perda como contribuição para o desenvolvimento do País. A ANAC lembra que as antigas tarifas vinham de há 18 anos atrás e que se impunha um ajustamento aos custos reais. Parece esquecer que preços das telecomunicações caíram em todo o mundo. Para sectores de opinião mais partidarizados é mais uma vez a perda do monopólio da Telecom, é outra vez o Governo no resgate. O sentido das alterações revela que o centro da preocupação da Telecom são as chamadas internacionais. Porquê?! Porque ali tem concorrência: as boutiques para o povão e a Skype ou outros serviços com base no VOIP para as empresas. Por isso baixa o preço das internacionais e torna a Internet mais cara sob o duplo efeito do aumento da chamada local e do acesso à Net. Na briga com as boutiques todos pagam. Os consumidores perdem dinheiro, a economia sofre com os custos elevados e a as esperanças postas nas tecnologias de informação e comunicação ficam suspensas. Investimentos como a ZAP não são completamente explorados porque imagine-se o que as boutiques fariam de uma ligação em banda larga de 8 megabits/segundo. Compreende-se que a Telecom esteja a proteger o seu negócio do fixo com preços e taxas de assinaturas mais elevados e com incentivos ao crescimento do tráfico fixo-móvel. No processo é bem possível que comprometa o aparecimento de um significativo volume de tráfico, induzido por uma nova economia, que seria benéfico a todos. Quanto à ANAC fica-se sem saber que políticas norteiam a sua actuação. Aparentemente não são as de baixar custos para favorecer a inter-conectividade de tudo e de todos; não são as de favorecer o despontar de uma economia de prestação de serviços no modelo, por exemplo, das BPO; não são as de favorecer a concorrência leal no sector, eliminando as operações provadas ilegais e levando a Telecom a clarificar-se, quanto aos custos, no papel de gestor da rede pública, tanto em relação a si próprio, enquanto operador, como em relação a outros prestadores de serviços; não são as conducentes a levar a banda larga a todos. E o Governo, por onde pára?! 

quinta-feira, novembro 30, 2006

Jobs, Jobs, Jobs

 Mais de duas mil jovens mulheres, muitas com filhos, perdem o emprego nas fábricas de S.Vicente nos últimos cinco anos e ninguém nota. Atrasos nos salários de funcionários em 2000 precipitam a queda de popularidade de um Governo e subsequente perda de eleições. A aparente disparidade de reacções nos dois casos revela a importância do emprego do Estado na psique nacional. Outros empregos podem ser bem vindos. A referência, porém, é a função pública. A postura do Governo na discussão do Orçamento do Estado revela essa dissonância. O emprego não está no centro da atenção, não obstante os quase 30% de desemprego. Fala-se de estabilidade, de credibilidade, de reservas externas, da inflação e do PIB. O emprego é um tema marginal. É visto na área social, redistributiva e na perspectiva de luta contra a pobreza. O resultado é que o Governo nunca se vê pressionado para avaliar a eficácia das suas políticas no número de empregos que a economia cria. Não dá suficiente atenção aos problemas que as empresas se deparam na procura e desenvolvimento de mercados, em ultrapassar as dificuldades de ausência de regulação, em enfrentar a concorrência desleal de sectores informais e nos custos excessivos de contexto, particularmente os derivados da relação com os serviços públicos. O mercado de trabalho com os seus problemas, designadamente, de falta de estruturação, da pouca articulação com centros de formação, de falta de flexibilidade, de dificuldades na mobilidade inter-ilhas e de absorção de trabalhadores imigrantes, não tem o nível de intervenção desejado para responder às necessidades de investidores e operadores em geral. O Governo focaliza-se nas infraestruturas, muitas vezes, pelos ganhos políticos imediatos derivados da maior visibilidade das obras. Devia, porém, garantir que o interesse turístico por Cabo Verde, traduzido no aumento do investimento directo estrangeiro, tivesse real impacto na economia nacional. Milhares de postos de trabalho poderão ser criados pelo efeito de arrastamento do turismo na produção nacional de bens e serviços. Uma autêntica indústria de cultura poderá desenvolver-se para entreter os milhares que planeiam nos visitar. Assim efectivamente se combaterá a pobreza. Mas para isso, é preciso que a consciência nacional se desloque para a luta, que milhares travam todos os dias por um rendimento digno, e liberte-se da procura ilusória de segurança para todos na função pública.

terça-feira, novembro 28, 2006

Auto-Censura em Cabo Verde

Ontem no Parlamento o Sr. Primeiro-Ministro desferiu ataques directos ao jornal electrónico Liberal e ao Expresso das Ilhas. Pouco antes, o PM tinha-se insurgido contra o que considerou de excesso de conferências de imprensa da oposição. As acusações e os comentários severos do PM não podem ser vistos de ânimo leve. Organizações internacionais que monitorizam o nível da liberdade de imprensa chamam a atenção para a auto-censura em Cabo Verde. A auto-censura emerge quando formas mais ou menos subtis de intimidação coexistem com a possibilidade de ganhos pessoais, em caso de complacência ou cumplicidade de jornalistas. Apesar do n.5 do art. 59 da Constituição garantir a isenção dos órgãos e a independência dos jornalistas no sector público da comunicação perante o Governo, a Administração e demais poderes públicos, o Conselho de Administração, nomeado pelo Governo, interfere pesadamente na prestação do serviço público. Os directores, que deviam ser nomeados só após um parecer do Conselho de Comunicação Social e que, portanto, deviam ter larga autonomia, estão completamente a seu mercê. Na Televisão já se perdeu a conta do número de directores demitidos. Cá fora o quadro não é menos negro. Sectores de opinião, próximos do actual Poder, são aparentemente favorecidos pela a publicidade comprada de principais empresas e instituições do País. Revistas institucionais constituem uma fonte adicional de biscates para os escolhidos porque não é aplicada a proibição de exercício de jornalismo em simultâneo com actividades de publicidade e de relações públicas, prevista na alínea f) do art. 8º do Estatuto do Jornalista. Outras incompatibilidades notórias como as de jornalista/assessor do Governo são ignoradas. O resultado é que há pouco incentivo para se fazer jornalismo a sério. A liberdade de imprensa é, de facto, o que alguns chamam de liberdade-resistência aos poderes públicos. Se as autoridades por via directa ou indirecta e até por invectivas de primeiros-ministros condicionam a liberdade dos jornalistas, não é de estranhar que o País ainda não tenha a comunicação social essencial ao funcionamento pleno do sistema democrático. Uma comunicação social que fomente um diálogo livre, aberto e plural, que dê voz à sociedade civil e que forçe os poderes públicos a cumprir as regras e a respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos. Uma comunicação social que, particularmente, seja ciosa da sua própria liberdade. Jornalistas e orgãos de comunicação que neste ambiente lutam por fazer o seu trabalho, com todo o profissionalismo, merecem a consideração de todos. 

segunda-feira, novembro 27, 2006

Expandir o porto da Praia ou construir em Sta.Cruz?

Tudo indica que o Governo vai avançar com o projecto da fábrica de cimento em Santa Cruz. 55 milhões de dólares é o investimento previsto. Para além da fábrica de cimento, um porto terá que ser construído e certamente outras infraestruturas, incluindo estradas adequadas para levar a produção da fábrica ao mercado. Independentemente de se saber se é a opção mais sensata investir numa fábrica de cimento com custos de transporte de matéria-prima de uma ilha para outra e virada para um mercado minúsculo como é o mercado caboverdiano, uma questão se põe: se é imprescindível construir um porto em Santa Cruz, porque não juntar esse projecto ao de expansão do Porto da Praia, que vai custar 59 milhões dólares dos fundos do MCA, numa única infraestrutura portuária que poderá servir globalmente a Ilha de Santiago? O custo extraordinário da expansão do porto da Praia deve-se, segundo os entendidos, às exigências de protecção desse porto que obriga a obras caras em zonas profundas. Isso, aparentemente, sem garantias de que o porto ficará livre da acção do mar que limita a sua operacionalidade em certas épocas do ano. Por outro lado, a expansão do Porto da Praia força ainda mais a concentração da actividade económica na capital com todas as consequências já conhecidas. Um porto em Santa Cruz, servido por uma via rápida, que seria a primeira etapa da via rápida para o Tarrafal, teria um efeito extraordinário na dinamização económica de outras partes da ilha, desconcentrando a Capital e abrindo oportunidades novas, designadamente na imobiliária e no turismo.  

domingo, novembro 26, 2006

O Governo merece a Moção de Censura

A moção de censura ao Governo espelha a indignação geral em relação à atitude do Governo face ao acórdão do Tribunal Constitucional. O Governo falhou no respeito devido ao TC com as patéticas e repetidas referências aos seus experts e com a divulgação da contestação após o caso julgado. Não demonstrou lealdade institucional ao se omitir intencionalmente perante o vazio legal, potencialmente prejudicial aos cidadãos, que resultou do acórdão. O Poder Judicial não tem competência legislativa. O TC simplesmente fez o que estava ao seu alcance: limitou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no que respeita ao ressarcimento dos impostos pagos à mais. Caberia ao governo e ao parlamento impedir outros efeitos. O Governo, ainda, faltou ao seu dever de garante do bem estar das populações e de responsável pela condução sem sobressaltos da economia. Por tudo isso merece ser censurado. Não estão próximas as eleições para que o povo mostre a sua indignação nas urnas. Os Tribunais não podem nem têm como reagir à deslealdade de outros órgãos de soberania. O Parlamento é que é o lugar certo para se escrutinar o comportamento do governo, para o obrigar a se explicar e, se for necessário, para o censurar. Os argumentos avançados pela Porta-Voz do Governo não colhem. O País em termos económicos podia estar na melhor das situações. Não é o caso, como se pode ver pelo nível de desemprego e pelo persistente declínio de Cabo Verde nos níveis de Desenvolvimento Humano. Mesmo que assim fosse, justificar-se-ia a Moção de Censura pela forma como o governo pôs em causa o primado da Lei e a separação de poderes, princípios centrais do Estado de Direito democrático, e pela não assunção pelos governantes da postura de responsabilidade e de maturidade que estão obrigados a demonstrar na condução dos assuntos do Estado 

sexta-feira, novembro 24, 2006

As Leituras do Sr. Primeiro Ministro

Na quarta-feira oGoverno deu posse com muita pompa e circunstância ao 1º Reitor da Universidade de Cabo Verde. Mais uma oportunidade para o Sr. Prmeiro Ministro e o Governo se banharem na luz de mais uma realização, mesmo que seja algo ainda por construir, não obstante os dois anos de trabalho da Comissão Instaladora. Do discurso do Sr. Primeiro Ministro o País ficou a conhecer as suas últimas leituras. Todos esperam que ele digira bem os trabalhos dos autores que citou, Amartya Sen, Francis Fukuyama, Fareed Zakaria e Thomas Friedmnan , apesar de eles se situarem nos antípodas das crenças e das práticas do PAICV. O PM deveria dar especial atenção ao livro de Zakaria para evitar as práticas iliberais que o seu governo é useiro e vezeiro. Vê-se que não assimilou bem “O Futuro da Liberdade” do Zakaria quando na sua leitura da história de Cabo Verde exalta o 5 de Julho que trouxe a Independência mas não trouxe a Liberdade, refere-se à constituição de 1980 que não é realmente uma Constituição mas o texto legitimador de uma tirania, e esquece a Constituição de 1992 que define a II República. O PM não fez qualquer menção à Constituição que estabelece as bases da democracia liberal em que vivemos, que erige o respeito pela dignidade humana como princípio fundamental e que estipula que o Poder só é legitimo se resulta da vontade livremente expressa do povo e se é exercido nos termos da Constituição e das Leis. De facto a inércia da cultura política iliberal do PAICV é demasiado forte. Contamina o pensamento, distorce os discursos e induz a práticas governativas como as verificadas nas últimas semanas.
P.S. O País continua ainda à espera que o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo deixem de confundir governação com governança. Que façam propaganda das realizações do Governo mas sem cair no ridículo de estarem a apresentar-se como o melhor governo da África e quiçá do Mundo.  

terça-feira, novembro 21, 2006

Governo pune os caboverdianos

O Boletim Oficial trouxe ontem a público o acórdão do Tribunal Constitucional e os novos preços estipulados pela Agência Reguladora, ARE. O aumento de preços previsto pelo Sr. Primeiro-Ministro aconteceu. O Governo cumpriu a sua promessa de punir os caboverdianos. Antes e ao longo da semana passada o Governo e o PAICV, em declarações diversas, vinham desafiando a decisão do TC. No seu modo de funcionamento já previsível, descartaram-se das suas responsabilidades, acusaram o MpD de prejudicar o país e constestaram, mais ou menos veladamente, o acórdão do Tribunal. Chegaram ao ponto de publicar a resposta, que deram ao TC enquanto apreciava o pedido de fiscalização, num sinal de discordância da posição desse tribunal superior, de não acatamento real da sua decisão e de desrespeito pelo seu papel em fixar a jurisprudência constitucional. A omissão do Governo também revela a sua atitude de desafio em relação ao Poder Judicial, ao País e à sua população. O TC simplesmente disse que o Governo não tinha competência para legislar em matéria de impostos. Não disse que os diplomas em termos materiais estavam feridos de inconstitucionalidade. Quer dizer, que, conduzidos ao órgão próprio, o Parlamento, podiam passar a ser lei outra vez, evitando perturbações na vida das pessoas e na economia. O Governo foi notificado da decisão do TC na sexta-feira, dia 10 de Novembro. Tinha tempo suficiente para apresentar na segunda-feira, dia 13, uma proposta de lei que restabelecesse a situação vigente no país em termos de preços. O Parlamento está em sessão desde de 1 de Outubro. O Regimento da A N estabelece que propostas de lei apresentadas em regime de urgência podem ser discutidas 48 horas depois. Isso significa que uma Reunião Plenária do Parlamento na quinta-feira poderia ter aprovado a proposta de lei do Governo e que no Boletim Oficial da segunda feira, teríamos o acórdão do TC e os novos preços, mas sem os aumentos que hoje o país tem que suportar. Se isso não aconteceu foi claramente por vontade expressa do Governo. Talvez para daqui a uma semana aparecer como Salvador e repor os preços anteriores. Um exercício infantil. Por falhar gravemente nas suas responsabilidades e por demonstrar arrogância e imaturidade na condução dos assuntos do Estado, o Governo do Dr. José Maria Neves merecia ser censurado em Sede própria.

sexta-feira, novembro 17, 2006

EDP, estratégia de saída "cut and run"

 Pôr fim ao prejuízo e sair a correr parece ter sido a estratégia da EDP para deixar a sua posição como parceiro de Cabo Verde nos sectores de energia e água. O Primeiro Ministro de Portugal quando passou pelo Sal em Julho último disse que lamentava que "as empresas portuguesas tivessem feito uma negociação, talvez um pouco descuidada", que conduziu à situação então vivida de blackouts na Praia . Tudo indica que a falta de cuidado referida tinha a ver com a promessa da EDP em garantir o investimento de 250 milhões de dólares em 15 anos no domínio da energia e água. A falta de confiança no relacionamento posterior com as autoridades caboverdianas, a quebra nas perspectivas de crescimento do País e a percepção de que barreiras políticas dificilmente permitiriam um tarifário que compensasse os investimentos a serem feitos teriam levado EDP a procurar uma estratégia de saída. A oportunidade para a desencadear foi lhe oferecida pelo Dr. José Maria Neves. O nosso PM tinha um problema na segunda semana de Julho: A população da Praia já não ia na conversa que o culpado pelos blackouts era o MpD. No jogo entre o Governo e a Electra de deitar as culpas um ao outro, o governo estava em vias perder. Com um golpe de cintura, o PM redefiniu a questão e o problema passou a ser entre portugueses da EDP na Electra a prejudicar caboverdianos. A introdução deste factor levou a que Sócrates mandasse um seu ministro a Cabo Verde para, num meio-dia de trabalho, resgatar a empresa portuguesa. E assim aconteceu. Um acordo foi assinado, a EDP ficou livre da promessa de investimento de 180 milhões de dólares e, do já realizado no valor de 70 milhões, levou a garantia de pagamento em vinte anos, na base de mais de mil contos por dia. São esses 70 milhões que agora vende por 40 milhões ao BCA. Preterindo 30 milhões dólares por 40 milhões fresco na mão a EDP estará, provavelmente, a considerar 1- que já é bom que consiga agora 40 milhões por algo que poucos meses atrás dava como potencial perda, 2 – e que, libertando-se da posição de credor da ELECTRA, elimina um possível foco de atrito futuro com a empresa e com o Estado. Para o BCA os ganhos são evidentes: compra por 40 milhões e cobra 70 milhões. Para além disso reforça a sua posição como principal credor do Estado. Cabo Verde é que agora tem que viver com as incertezas, derivadas da falta de garantia de investimento suficiente e atempado na energia e água, com o abalo na confiança que poderá inspirar a qualquer parceiro estratégico e com um risco orçamental acrescido .

quinta-feira, novembro 16, 2006

PAICV e os seus pontos cegos

 Observando o PAICV e o Governo a lidar com a crise política instalada com o acórdão do Supremo Tribunal enquanto Tribunal Constitucional, fica patente os pontos cegos (blind spots) da sua cultura política. Pergunta-se: Porque é que o PAICV insiste em entrar em colisão directa com a Constituição? E em matérias tão óbvias como as que suscitaram os pedidos de fiscalização sucessiva abstracta em 2001, caso de interpretação da alínea q do artigo 175º, e agora de normas constantes do artigo 93º? Como é que depois de perder sucessivamente em dois STJ (2202, 2006) com diferente composição de juízes, mostra-se sempre relutante em aceitar a jurisprudência constitucional fixada pelo tribunal? Porque é que tudo faz para governar sozinho, não obstante a retórica de consensos, mas, quando se vê em dificuldades, culpa outros pelo acontecido ou, então, arrogantemente, desculpa-se dizendo que, se utilizou meios errados, foi para atingir fins nobres? A proposta de Lei do IVA é do Governo, assim como é a proposta de Lei que Regulamenta o IVA. Se normas no regulamento permitiam antecipar situações em que a entrada em vigor do IVA iria pôr em causa a estabilidade dos preços e prejudicar os mais pobres na sociedade, o remédio passaria por negociações entre os grupos parlamentares, como aconteceu para o caso da indústria nacional. O Governo optou por legislar sozinho, pela via de decreto, ignorando o acórdão nº 5/2006 relativo à competência para legislar sobre impostos. Em decretos-leis subsequentes (3/2005 e 63/2005) acabou por violar o princípio da não retroactividade das lei fiscais e o princípio da anualidade. Porquê?! O Sr. Primeiro-Ministro vê-nos dizer que o país vai sofrer! Em vez de, humildemente, mostrar ao país que procura uma solução e, nesse sentido, está a envidar esforços junto à oposição para se encontrar um entendimento sobre a matéria, beligerantemente responde assim: congela a publicação do acórdão, abalando com isso a confiança na Justiça; ataca a oposição por ter colocado o problema; e, de forma surda, contesta a decisão dos tribunais, referindo-se teimosamente aos estudos feitos por experts, nacionais estrangeiros e do FMI. É evidente que o PAICV tem dificuldades em funcionar com regras. Parece que as viola para demonstrar que não se sente amarrado por nenhuma. O PAICV tem um problema com o Poder Judicial. Ë um poder que não consegue combater pela via usual de contestar a motivação dos titulares, ou de acusá-los de representar interesses outros que não os do país ou ainda de lhes atirar as culpas pelo que ainda não se fez ou que pelo que foi feito. Finalmente, para o PAICV o poder absoluto é uma tentação demasiado forte. Por isso a oposição é sempre um estorvo e o País deve-lhe confiança cega porque o seu casamento com os mais profundos interesses do povo, particularmente dos mais pobres, é absolutamente sem mácula. É fundamental para Cabo Verde que o PAICV faça a sua paz com o País, aceite plenamente a Constituição e reconheça as virtualidades do pluralismo na consecução do interesse geral.

terça-feira, novembro 14, 2006

Será que Cabo Verde é uma república de bananas?

A televisão acabou de passar imagens da inauguração de uma nova unidade da Ceris. A placa comemorativa trazia a inscrição que o acto seria presidido pelo Comandante de Brigada Pedro Verona Pires. O Sr. Presidente da República lá fez o descerrar da placa. A questão que imediatamente se põe a todos os caboverdianos é esta : será que temos um militar ou um ex-militar, ostentando patentes militares, a presidir a nossa república democrática? Normalmente, só em repúblicas de bananas, em regimes autoritários sul-americanos, em regimes megalómanos em Africa e em regimes comunistas anacrónicos como Cuba que se vê essa exibição indecorosa de galardões militares na Chefia do Estado. Portugal deu um passo decisivo na sua democracia quando, em 1982, fez a revisão constitucional que acabou com a tutela dos militares no Conselho da Revolução e com a situação anómala do Presidente da República também ser o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas. O Presidente da República general Ramalho Eanes, passou a ser Presidente Ramalho Eanes. A democracia portuguesa tinha entrado na idade adulta. De facto ninguém fala de Presidente da França general De Gaulle, nem do Presidente dos Estados Unidos general Eisenhower ou do Presidente da Nigéria, general Obasanjo. A subordinação dos militares à autoridade civil é uma questão chave das democracias, tanto pela necessidade de manter o prestígio das Forças Armadas e a confiança na sua missão de defensores, em última instância, da ordem constitucional como, também, de garantir que o monopólio de violência que detém em nome do Estado não se transforme em factor de instabilidade e de caos social. Por isso é que todas as constituições democráticas, incluindo a caboverdiana, proíbem os militares no activo de concorrerem a cargos políticos. Se estão na reserva ou na reforma não faz sentido o uso de patentes militares. Na democracia não há maior honra para um cidadão do que ser Presidente da República. O Sr. Pedro Pires não precisa de outros títulos ou de patentes duvidosos. Em respeito pela Constituição que jurou cumprir e fazer cumprir, não deve permitir que, ao Presidente da República de Cabo Verde, se coloque epítetos manifestamente inconstitucionais.

Políticos, Oposição e o interesse geral

 O acórdão do Tribunal Constitucional de 9/11 declarando a nulidade de decretos-leis do Governo pôs fim a uma verdadeira extorsão fiscal. O Estado tem arrecadado receitas, calcula-se em mais de 427 mil contos por ano, através de impostos ilegitimamente lançados. Este é o custo directo, porque, indirectamente, as pessoas viram-se subtraídas de valores muito superiores, devido ao impacto dos preços de combustíveis, comunicações, água e electricidade sobre os preços de outros produtos. O acórdão resulta de um pedido de fiscalização sucessiva abstracta da constitucionalidade  de Setembro de 2005. O desenlace actual, que acabou com uma situação de injustiça e de prejuízo para todos, foi possível porque a Oposição exerceu o seu papel que é, essencialmente, de limitar o Poder do governo. O Poder na democracia deve ser sempre um Poder limitado. Assim, só é legitimo se se subordinar à Constituição. Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos devem ser barreiras incontornáveis. A separação de poderes (executivo, legislativo e judicial) impede a emergência de um poder unitário, próprio de regimes totalitários. Neste particular, a Oposição nas democracias parlamentares é o garante da separação de poderes entre o legislativo e o executivo. Uma Oposição activa desencoraja tentações tirânicas da maioria. A compreensão desta dinâmica é fundamental para o desenvolvimento de uma cultura democrática. Tiradas contra os políticos em geral, mas particularmente contra deputados, reflectem muitas vezes a dificuldade em ver a importância do pluralismo na construção do interesse geral. O exercício do contraditório parece ser um desperdício de tempo e de recursos. Provavelmente terá o seu nível de ineficiência. Mas não é nada comparável com a ineficiência de um sistema de poder absoluto ou tirânico. Imaginem quanto custaria a todos se não houvesse um poder judicial independente e uma Constituição democrática para declarar nulos esses três decretos-leis do Governo.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Os vencimentos da classe política

É certo e sabido que falar de salários de políticos traz à superfície o que de pior, em termos de falta de razoabilidade, de hipocrisia e de inveja mal disfarçada, existe na sociedade. A posição social dos mais ofendidos nota-se logo pelo argumento preferido para desmerecer qualquer actualização de rendimentos para os titulares de órgãos de soberania. Escudam-se na pobreza existente e atacam acenando com os  problemas dos coitados. Não é possível esconder, porém, a inveja subjacente a esses ataques. A inveja que envenena as relações sociais, que não deixa o mérito ser reconhecido e que bloqueia o espírito de cooperação indispensável para o contínuo enriquecimento material, moral e cultural de uma sociedade. Em Cabo Verde já se convencionou que a vida é um jogo de soma zero. Há um bolo a repartir e se alguém está a servir-se isso significa que diminuiu a parte dos outros. É consequência de uma existência à base de ajuda externa e reforçada no dia-a-dia pela relação perversa entre doadores e recipientes que caracteriza as relações de Poder no País. Normalmente, disfarça-se a inveja mas, quando se trata de políticos, salta logo a matar. O espectáculo de ontem no programa “Noite Ilustrada”é elucidativo a esse respeito. Titulares de órgãos de soberania, políticos e juízes, e titulares de outros órgãos de poder político, presidentes de câmara e vereadores não viram durante nove anos (desde 1997) os seus rendimentos serem actualizados. Porquê? Porque os partidos políticos não chegam a acordo quanto ao mecanismo de actualização dos vencimentos. É forte a tentação de explorar essa questão de forma demagógica e populista. Resultado: a Democracia perde de várias formas, designadamente: 1- No nível de transparência da actividade do Estado. Ninguém acredita que os senhores ministros e presidentes conseguem sustentar-se nos rigores e exigências dos cargos, ano após ano, sem actualização de rendimentos. A falta de actualização é suprida por outras vias: subsídios, ajudas de custo, despesas de representação etc. 2- No enfraquecimento da oposição. Quem está em oposição sofre mais porque não tem os outros expedientes para minorar a persistente perda de poder de compra. Isso torna os membros da oposição vulneráveis a tácticas mais agressivas de quem está no poder com consequentes perdas para a democracia. 3- Na perda de coerência da política de salários na Administração Pública. Altos funcionários têm vencimento superior aos titulares de órgãos de soberania a quem estão subordinados. É o que já está a acontecer, devido ás actualizações anuais no funcionalismo e ao congelamento dos vencimentos de políticos e de magistrados judiciais.

domingo, novembro 12, 2006

NOSI atrás da Microsoft enquanto todos fogem

O apego do NOSI à Microsoft faz confusão. A Microsoft é uma empresa bilionária que vive essencialmente dos direitos resultantes de utilização de Windows, o sistema de operativo de mais ou menos 90% dos computadores no mundo. A Microsoft quando vem a Cabo verde é primeiramente para regularizar a situação do uso do seu software. Assegurar o pagamento de direitos por cada cópia de Windows e do Office em cada computador em Cabo Verde, particularmente nos do Estado. Neste particular, seria interessante saber quanto é que o Estado passou a pagar essa empresa pelos direitos proprietários de uso do software. Calcula-se que seja à volta de 20% o custo dos direitos em cada computador. Isso naturalmente encarece qualquer política de levar um computador a cada família. Por isso é que muitos países, entre os quais Brasil, fogem da Microsoft e promovem vigorosamente softwares livres de direitos. Linux, um sistema operativo mais estável e mais versátil que o Windows, é um exemplo desses softwares livres. No dia de visita a NOSI o Primeiro-Ministro disse que se vai criar todas as condições para que os cidadãos possam ter acesso ao computador, à informação, para que não haja info-exclusão”. Boas intenções. O problema é que o Governo parece não saber como. Por um lado deixa que o NOSI se constitua em obstáculo ao desenvolvimento de um sector privado no domínio das tecnologias de informação e comunicação. Por outro, permite que o NOSI, por si próprio, prossiga caminhos como a construção da plataforma tecnológica da rede do Estado em colaboração com a Microsoft, pondo de parte alternativas tecnologicamente mais sólidas, mais baratas e potencialmente mais enriquecedoras para o País.

NOSI, o darling do Governo?

O NOSI tem sido notícia nos últimos tempos. Em Outubro, durante a visita do Primeiro Ministro o seu presidente lançou o grito de Ipiranga contra o serviço da Cabo Verde Telecom. Declara que já está a ensaiar ligações de Internet via satélite e que o objectivo é banalizar cada vez mais a comunicação e facultá-la a preços baixos e com maior largura de banda. Naturalmente que essa declaração suscita várias questões: Será que o NOSI agora pretende estabelecer-se como provedor dos serviços de Internet? Será que empresas e indivíduos também têm a opção de procurar serviços de provedores estrangeiros via satélite como forma de contornar a Cabo Verde Telecom? Será que essa é a via encontrada pelo Governo – via revolucionária ou de combate – para finalmente pôr de pé as condições para um mercado de telecomunicações mais aberto, mais concorrencial? Até agora ninguém se prestou a responder a essas questões. A confusão persiste porque não se sabe se o NOSI fala e age de motto próprio ou em nome do Governo nessas matérias. Sabe-se é que o NOSI está em tudo e faz tudo. Desde da página de Internet de uma escola secundária no ilha do Sal até assinar protocolos com a Microsoft, passando pela criação, desenvolvimento e gestão de todas as redes de organismos públicos, sejam eles da administração directa, indirecta ou autónoma do Estado, incluindo as autarquias. Muito pouco sobra para os privados. E é uma pena porque muitos países já demonstraram que há um futuro prometedor para um sector privado forte, criativo e inovador no domínio de prestação de serviços da TIC para o exterior, os chamados BPO (business processing operations). Índia, mas também, Gana, nos seus contextos respectivos, são exemplos paradigmáticos da importância que os BPO podem ter na economia e na criação de empregos, principalmente para os mais jovens.

Onde está o moderador do sistema? Onde está o PR?

  Ausente nos dois episódios, em que o Governo fere a Constituição, com consequências gravosas nos rendimentos das famílias e das empresas, tem estado o Sr. Presidente da República. O PR não governa mas tem um papel moderador do sistema político porque antes de mais é o guardião da Constituição. A promulgação de actos legislativos, sejam os decretos- leis do Governo ou as leis da Assembleia Nacional, constitui o momento para o Presidente da República verificar a conformidade constitucional de todo o processo legiferante. Para isso a Constituição dá-lhe vários poderes designadamente de veto, de devolução de diplomas para reapreciação, de enviar mensagens ao parlamento e de pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade de qualquer norma. O PR não é um corta-fitas nem um aplicador de assinaturas. Tem poderes reais. Tem que os exercer para o sistema funcione com equilíbrio, para que exista confiança nas instituições democráticas e para que o Estado seja visto por todos, nacionais e estrangeiros, como pessoa de bem.

Os fins não justificam os meios

O primeiro juiz-presidente do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, John Marshall, o pai do judicial review escreveu num acórdão a propósito dos limites do poder de legislar: “Presumindo que os fins pretendidos são legítimos e situam-se dentro do escopo da Constituição, os meios para os atingir são constitucionais se forem os apropriados, os plenamente adaptados aos fins e os que não forem proibidos mas estão em conformidade com a letra e o espírito da Constituição”. Na expressão de John Marshall os fins não podem ser uns quaisquer e fora da Constituição e os meios utilizados devem estar alinhados com os fins numa dialéctica que garante que todo o processo para a consecução dos objectivos definidos é constitucional. Isto vem a propósito de um dos argumentos avançados no acórdão para justificar a limitação dos efeitos da declaração de nulidade dos referidos decretos-leis do Governo. O acórdão refere-se à impraticabilidade da devolução do dinheiro que as famílias e os consumidores entregaram a mais desde de 2003. Fica-se, porém, com a impressão de que vê o efeito da perda das famílias atenuado pelos fins dados às receitas quando diz que “as receitas percebidas ao abrigo dessas normas foram cobradas e certamente empregues em algumas áreas de relevância social”. Isso parece duvidoso. Ninguém pode estar certamente seguro de que as receitas indevidas foram devolvidas à comunidade em serviços e não engolidos nos buracos negros de ineficiência da máquina estatal. 

sábado, novembro 11, 2006

Três pecados contra a Constituição

Ontem o Supremo Tribunal de Justiça enquanto Tribunal Constitucional declarou inconstitucional os decretos leis nº 63/2003, 3/2005 e 63/2003. Considerou de efeito nulo as normas que alteraram a base de incidência do IVA sobre os combustíveis. De facto, a seu bel prazer o Governo vinha alterando, no caso do gasóleo, a base de aplicação dos 15% do IVA de 70% para 100% e, em Outubro de 2005, para 120% do valor das vendas. No caso da gasolina, a variação da base de aplicação do IVA foi de 100% para 320% e finalmente para 420%. Imagine-se o que pessoas e empresas pagaram a mais nestes anos, desde de 2003. É a segunda vez que o Tribunal Constitucional força o Governo a parar o que se pode qualificar de autêntica extorsão em matéria de impostos. A primeira vez foi em 2002 com o acórdão que fixou a jurisprudência constitucional quanto à interpretação da alínea q do artigo 175 da Constituição da República. Neste segundo acórdão o Tribunal Constitucional reafirma a maioria qualificada que pode aprovar alterações de impostos, designadamente a sua base de incidência, e ainda revela as duas outras infracções à Constituição contidas nos decretos leis do Governo: a proibição da retroactividade da lei fiscal e o carácter anual dos impostos. A gravidade disto não pode ser subestimada. O governo não pode continuar a dar aos cidadãos e aos operadores económicos a ideia que é pouco escrupuloso na procura de vias para ter mais receitas. O elemento de confiança entre o Estado, cidadãos e empresas é vital para que o sistema fiscal funcione adequadamente. Sem essa confiança, há o perigo do ambiente no País se degenerar a ponto dos cidadãos se socorrerem do n.3 do artigo 93º da Constituição que diz que "ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição", para não cumprirem os seus deveres fiscais. O nível de governança num país baixa quando governos fogem às normas, aos processos e aos procedimentos próprios do Estado de Direito e insistem na crença de que os fins justificam os meios.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Com que direito fotos de Amílcar Cabral nas repartições do Estado?

Anteontem no Último Jornal da televisão nacional apresentaram imagens de uma entrevista do Sr. Presidente do Instituto das Comunidades. Na parede via-se um grande poster do Amílcar Cabral, no sítio onde, em gabinetes do Estado, normalmente se encontra a fotografia do Presidente da República. Logo de seguida a televisão passou a conferência de imprensa do deputado e vice-presidente do PAICV, Rui Semedo. Também ele estava enquadrado por uma representação artística do Amílcar Cabral. É evidente que o PAICV tem todo o direito de mostrar-se embebido no Amílcar. É uma declaração política, aliás reiterada no Congresso de Outubro onde reivindicou como seu o legado de Amílcar Cabral, ou seja, a sua herança político-ideológica. Com o Instituto das Comunidades o problema é outro. O IC é um instituto público e faz parte integrante da Administração Pública. Os únicos símbolos permitidos nos serviços da administração pública são os representativos da República. E os símbolos da República são os determinados pelo artigo 8º da Constituição: a Bandeira, o Hino e as Armas. O Presidente da República de acordo com o nº 2 do artigo 124º da Constituição representa interna e externamente a República de Cabo Verde. Tem portanto toda a razão de ser as fotografias do PR em tudo o que é Estado. A ética republicana exige que se criem as condições para que a Administração Pública cumpra com o comando constitucional que lhe manda prosseguir o interesse público com imparcialidade. Também a Lei e a Ética exigem respeito para com os funcionários públicos que, por imposição constitucional, devem servir com isenção e imparcialidade todos os utentes, sem qualquer sinal de discriminação partidária. Para todo o País ficou claro no congresso de Outubro que o  PAICV, o partido no Governo, quer manter partidarizada a figura de Amílcar Cabral. Muito bem. A coerência, a ética e o respeito pela Constituição impõem que o Governo, enquanto órgão superior da Administração Pública, mande retirar as fotografias de Amílcar Cabral de todas as repartições e gabinetes de organismos do Estado, tanto no País como nas Missões no estrangeiro.