Indivíduos e grupos vêm colocando seriamente em causa um dos atributos fundamentais do estado que é o deter o monopólio de violência. Hoje estão ao alcance de pessoas e pequenas organizações armas sofisticadas, meios de comunicação modernos e conhecimentos especializados de guerra que outrora só se encontravam na posse de certas instituições do estado. Experiências de guerra são compartilhados via internet por combatentes informais em diferentes paragens tornando-os em ameaças formidáveis para as forças de segurança nacional. O resultado é qualquer estado ficar desnorteado perante a fúria destruidora que de repente lhe pode cair em cima.
Na semana passada um duplo ataque terrorista na Noruega perpetrado aparentemente por um indivíduo deixou mais de 90 mortes e uma nação subjugada pela dor do desaparecimento súbito de quase uma centena dos seus jovens. Também aqui em Cabo Verde o ataque contra o Juiz do 3º Juízo Crime da Praia causou consternação geral. O choque sentido não derivou somente da tentativa de assassínio de uma pessoa em plena luz de dia. Todos viram-no também como um acto de terror, um autêntico atentado ao pilar do Estado de Direito que são os tribunais e os seus titulares, os juízes. Anos atrás um procurador da república, a mulher e filho foram alvejados e feridos à porta da casa. E ao longo dos anos ameaças dirigidas a magistrados vem-se tornando frequentes.
Nenhum estado consegue ficar completamento isento de ameaças semelhantes. Mas o nível de exposição a perigos diversos depende muito da adequação das políticas e estratégias de segurança à sua realidade específica e também da qualidade e probidade das suas instituições policiais. Para os enfrentar conta muita a capacidade de analisar, identificar e mesmo antecipar problemas e o uso de tácticas adaptadas ao contexto sócio-cultural.
A abordagem do Governo destaca-se, por um lado, por demasiada condescendência para com interesses corporativistas nas forças de defesa e de segurança. E, por outro, por ceder a tentações securitárias, que tem desembocado em excessos de violência policial e consequente erosão dos direitos dos cidadãos. Nessa qualidade revela-se um impedimento a um controlo social, político e legal mais apertado da actividade policial. A agravar a situação juntam-se dificuldades sérias no controlo efectivo de fronteiras nacionais, tornada porosa por tratados regionais de livre circulação, e a falta de vontade política em legislar em matéria de uso, venda e porte de arma. Neste particular é próprio Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, em entrevista a um jornal da praça, que aponta para casos de civis na posse de armas, condição, segundo ele, que existe desde da independência nacional e da proliferação de milícias populares por todo o território nacional.
Segundo relatos da imprensa o alegado atirador contra o juiz teria sido um efectivo da Legião Estrangeira Francesa, ou seja um especialista de armas. Isso chama a atenção para a situação cada vez mais frequente de muitos estados enfrentarem indivíduos sofisticados no manuseamento de armas treinados por eles nas suas forças especiais. O problema já existe cá entre nós. Vários soldados a quem foi dado treino especializado enveredaram-se por actividades criminosas com uma sofisticação inesperada. Não se fez um plano para, por exemplo, os enquadrar na polícia ou em empresas de segurança e ficaram sem ocupação mas bem treinados em tácticas perigosas para a vida e bens dos cidadãos. O resultado vê-se.
Crimes acontecem, perigos graves podem sempre surgir mas o sentimento de insegurança só se apodera das pessoas quando a confiança deixa de existir ou é abalada profundamente. Sem confiança nas instituições, nas palavras dos governantes e nos actos concretos do dia-a-dia dos agentes da ordem pública, dificilmente se estabelece a relação adequada entre a comunidade e a polícia que viabiliza no essencial todo o plano de segurança. No mundo de hoje, onde as ameaças navegam indistinguíveis pelo meio da população, a efectividade da polícia depende da cooperação que souber granjear junto da comunidade para as puder identificar em tempo útil. Para isso é imprescindível o respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, a defesa das instituições do estado de direito e o cultivo do orgulho e do espírito do bem servir entre todos os elementos da polícia.
Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 27 de Julho de 2011