quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Jogo às escondidas na República

Ontem dia 23 de Fevereiro, no noticiário das 13-14 da RCV, o deputado José Manuel Andrade, presidente da 1ª comissão, a Comissão de Assuntos Jurídicos e Constitucionais, confessou que o Grupo Parlamentar da PAICV desconhecia as razões do veto do Presidente da República aos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, aprovados pela unanimidade dos deputados em Dezembro último. No dia anterior também em declarações ao jornal Expresso das Ilhas e à RCV, o líder parlamentar do MpD confirmava que não tinha qualquer comunicação da Assembleia Nacional quanto ao veto do PR. A carta do PR que acompanhou a devolução dos diplomas só chegou aos grupos parlamentares ontem. Pelo documento na imagem ao lado vê-se que está datado de 4 de Fevereiro e que deu entrada no gabinete do presidente da A.N. no mesmo dia 4. O despacho do presidente para que cópias da carta fossem enviadas aos grupos parlamentares e ao presidente da 1ª comissão é do dia 9 de Fevereiro. Só quase duas semanas depois chegou às mãos das bancadas parlamentares. No entrementes, ninguém da presidência da A.N. respondia às solicitações de informações sobre a questão do veto. O “jogo às escondidas” só podia ter um propósito: retirar aos sujeitos parlamentares a possibilidade de, em tempo útil, tomar uma posição de confirmação ou não dos diplomas aprovados por unanimidade. Como pode o presidente da A N despachar “para consideração da Conferência de Representantes se depois não age para convocar esse órgão da assembleia? E não tem todo o tempo mundo nem mesmo os 120 dias contados a partir da data de recepção que a Constituição estabelece para o parlamento se pronunciar sobre os vetos políticos. A legislatura termina a 11 de Março e, por essa razão, a A N que aprovou os diplomas tem prazo até essa data para confirmá-los ou não. Ou seja com o fim da legislatura os diplomas caducam e todo o processo terá começar do início. Talvez seja o que alguns querem e no processo se tornam cúmplices de atropelos graves ao funcionamento das instituições da República. Importa por isso que os sujeitos parlamentares ajam com suficiente rapidez para a que a Assembleia Nacional, como representante de todos os caboverdianos no seu pluralismo e na diversisdade de seus interesses, se faça respeitar por todos os outros orgãos de soberania, pelos seus próprios titulares e pela sociedade. Há que reunir o Plenário antes do fim da legislatura para tomar uma posição sobre o veto do Presidente da República. Não há desculpa honrosa para que essa reunião plenária não aconteça.

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

O veto do Presidente

O Presidente da República, Pedro Pires, decidiu vetar os Estatutos dos Magistrados Judiciais e dos Magistrados do Ministério Público. Do chamado pacote de leis da justiça, o BO de 14 de Fevereiro só trouxe três das cinco leis votadas pela unanimidade dos deputados. As outras duas foram devolvidas ao Parlamento. O complicado é que a devolução fez-se aparentemente sem a mensagem fundamentada do PR como manda o artigo 137 nº 1 da Constituição da República. O mais estranho ainda é o facto da Assembleia Nacional ter-se fechado em copas e não fornecer informações pertinentes sobre a matéria às lideranças dos grupos parlamentares. O veto do PR pode ser ultrapassado por votação da A.N. que confirme uma outra vez os diplomas devolvidos. É de relembrar que o pacote de Justiça, apresentado em Outubro de 2008 pelo governo passou um processo complexo de consensualização das posições das duas bancadas. Foi necessário proceder-se a uma revisão constitucional em Fevereiro de 2010 para que se pudesse prosseguir para uma convergência de posições sobre o sector de justiça. O que veio a verificar-se em Novembro e Dezembro de 2010. O veto do presidente arrisca a deitar por terra todo esse trabalho. O fim da legislatura com a inauguração do novo parlamento a 11 de Março faz caducar todas as iniciativas legislativas. O tempo mostra-se escasso e a aparente sonegação de informação aos actuais sujeitos parlamentares ameaça inviabilizar uma tomada de posição do parlamento. Legítimo é de se perguntar o porquê disso. Será que alguém no parlamento quer fazer do veto do presidente, dado sem fundamentação devida,, um veto definitivo. O parlamento pode fazer isso por si próprio, negando votar os diplomas outra vez ou chumbando a lei que aprovou dois meses atrás. O que não se pode fazer é fingir que nada está acontecer e deixar que o fim da legislatura salve a face a todos os envolvidos. Isso é inadmissível num Estado de Direito em que todos os actos dos órgãos de soberania devem primar pela transparência. O funcionamento do sistema político implica que os diferentes órgãos de soberania exerçam os checks and balances que deles é exigido. Não há subordinação de um órgão ao outro. A cumplicidade que parece estar envolvido neste caso chama atenção para a importância da eleição presidencial próxima no restauro do equilíbrio e moderação que o sistema exige.

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Democracia em Movimento

Na sexta-feira passada, dia 11 de Fevereiro, o mundo assistiu fascinado a queda de um déspota sob impacto de um movimento genuinamente popular. A cognominada Revolução de 25 de Janeiro no Egipto que terminou os 30 anos de Hosni Mubarak teve o suporte de jovens, mulheres, trabalhadores e simpatizantes das mais diferentes correntes de opinião nomeadamente do liberalismo, de esquerda e do nacionalismo árabe. Convergindo todos na praça de Tahrir que se tornou no símbolo da revolução, clamaram pela liberdade, pela justiça social, pelo respeito para com a oposição e por uma ideia inclusiva do Egipto.

Antes do início da revolução egipcía, na vizinha Tunísia a população em manifestações de rua já tinha provocado a fuga do presidente Ben Ali. O despoletar do movimento popular fora o acto imolação dum jovem desesperado por ver que mesmo com diploma universitário não conseguia emprego e a polícia não o deixava vender frutas e vegetais nas ruas para sobreviver. Muitos Milhares de jovens não só na Tunísia como em muitos outros países árabes como a Jordânia, a Argélia, Iemen e Marrocos reviram-se no drama desse jovem que tinha formação mas não era "empregável".

O efeito de contágio do movimento democrático iniciado na Tunísia e que ameaça quase todas as capitais árabes faz lembrar o grande movimento que,na sequência da queda do Muro de Berlim em 1989, fez cair em cadeia regimes totalitários e autoritários, em todos os continentes. Na época Cabo Verde foi um dos que se juntaram a esse movimento universal para a liberdade e democracia e pelo direito a uma vida melhor, posicionando-se a partir daí no caminho da modernidade e do progresso.

A situação de muitos desses países mostra que só vestir as roupagens da modernidade sem adquirir os instrumentos que permitem potenciar o capital de recursos humanos leva à estagnação traduzida em taxas de crescimento anémicos e em incapacidade de resposta ao problema grave de desemprego. Agrava as coisas a percepção da crescente desigualdade social evidenciada por uma pequena elite com casas e carros faustosos a par de uma população numa luta permanente para sobreviver com o pequeno salário que dispõe. O impacto do aumento dos preços desde do último trimestre do ano passado em produtos alimentares e combustíveis não deixou às pessoas uma outra escolha que não sair à rua para mudar o regime.

Por todo o mundo regimes autocratas seguem com muita atenção o que se passa. Os males que fizeram o povo insurgir-se estão todos lá: repressão, corrupção, baixa responsabilização dos governantes e crescente desigualdade social. Notam que as tentativas de repressão e de neutralização dos movimentos populares têm falhado. No Egipto chegou-se mesmo a provocar um "apagão" na internet para evitar que os revoltosos fizessem uso das redes sociais para se comunicarem e coordenaram o movimento. Nalguns países mais ricos subsídios de mais de 2 mil euros estão a ser oferecidos para acalmar as pessoas. Entretanto muitos estão a aprender que endurecer o regime não é solução.

Para Cabo Verde, com desemprego elevado particularmente entre os jovens e a aumentar precisamente na camada com liceu completo e com licenciatura, a situação socialmente explosiva desses países deve constituir um aviso sério. Ignorar a seriedade da questão ou procurar contorna-la pela via de prosperidade ilusória proporcionada por recursos externos seja na forma de ajuda, ou pior na forma de dívida só adia o problema sem o resolver. Espera-se que o novo governo retire as devidas ilações dos anos passados de perda de oportunidades e invista de forma séria na qualidade do ensino para que os jovens tenham a formação que os pode fazer globalmente competitivos e não caírem no desespero.


Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 16 de Fevereiro de 2011

domingo, fevereiro 20, 2011

Intimidação continua

O Primeiro Ministro "reeleito", em grande entrevista na primeira semana pós vitória eleitoral, diz que vai desencadear “uma grande circulação de pessoas ao nível do governo, da administração pública e das empresas”. Que queira mudar os membros do governo é normal e esperado. Mas sem ainda ter constituído o novo governo e já anunciar que vai mudar pessoas na administração e nas empresas não é normal. O partido usou como slogan da campanha o “mesti manti” querendo dizer que continua com o essencial das políticas anteriores. Não há, portanto, qualquer pressa em afastar pessoas ou em promover grande circulação de pessoas. Só se os objectivos são outros. Pelos jornais sabe-se já que na empresa TACV a interpretação que se fez das palavras do PM é que a “estação de caça” está aberta para afastar os trabalhadores ligados ao MPD que fizeram campanha ou foram candidatos. De facto, só uma preocupação em mandar uma mensagem de conformação de comportamento, para todos os que vivem ligados ao Estado e aos seus apêndices nas empresas, justifica uma afirmação dessas. Não é de estranhar que as direcções da administação pública e das empresas a interpretam como uma chamada à acção contra os que ousaram publicamente discordar das políticas do Governo. E tais manobras de intimidação funcionam porque todos sabem que o Paicv preza-se em projectar a imagem de ser sistemático na protecção dos seus e implacável com quem é diferente ou o desafia.

sábado, fevereiro 19, 2011

Ética? Um Peso duas medidas

Em entrevista ao jornal asemana o Dr. José Maria Neves considerou que seria uma grande falha ética do Dr Carlos Veiga para com o povo de cabo Verde se agora no pós eleições legislativas decidisse candidatar para o cargo de presidente da república. JMN finge não saber que só haveria eventualmente fraude ao eleitorado se logo depois de eleito primeiro-ministro o Dr. Carlos Veiga deixasse o cargo a uma outra pessoa e candidatasse ao cargo de PR. O caso nem se põe visto que o MpD perdeu as eleições. E tendo falhado os objectivos nas legislativas fica em aberto a possibilidade dos seus dirigentes se candidatarem a outras posições que o funcionamento normal da república requer. È um direito que não pode ser restringido por supostas considerações de natureza ética. Aliás numa circunstância desta evocar a ética está-se, verdadeiramente, a esconder outras razões designadamente a de deixar um adversário de peso fora da corrida. Por exemplo, na resposta à pergunta seguinte do jornalista JMN tranquilamente fala dos chamados pré-candidatos ao cargo de PR Aristides Lima, David Hoffer Almada e Manuel Inocêncio. Nunca antes considerou a questão ética colocada pelo facto desses senhores não se suspenderem dos cargos políticos que ocupavam depois do anúncio público da candidatura como manda a Lei Eleitoral. Nem o facto de ostensivamente terem feito uso das prerrogativas do cargo para fazer avançar a sua candidatura. Também a participação directa nas eleições legislativas, que são por natureza partidárias, quando são publicamente candidatos a um cargo suprapartidário, não causa qualquer choque ao Dr. JMN. È interessante recordar que o Dr. Carlos Veiga cumpriu a lei eleitoral em 2000 quando era primeiro-ministro e anunciou publicamente a sua candidatura a PR. Não se aproveitou do cargo e não fez campanha nas legislativas. Em matéria de ética na política dificilmente se pode questionar o homem que aceitou os resultados das eleições presidenciais de Fevereiro de 2001 que davam vitória ao seu adversário por apenas doze votos. O seu sentido de honra e o espírito de democrata prevaleceu mesmo sabendo, como todos sabiam, que votos fraudulentos tinham sido introduzidos nas urnas num acto comprovado pelos tribunais judiciais que decretaram prisão para os perpetradores da fraude. Nada impede pois Carlos Veiga de, querendo, se candidatar a Presidente da República. Não havendo engano deliberado do eleitorado, declarações políticas feitas num momento ou conjuntura política não constituem per se compromissos de honra inultrapassáveis. Cabo Verde não pode pode ficar limitado nas suas escolhas para cargos cimeiros da repúblicas por razões dessa natureza. O argumento da ética tem as marcas de conveniência que acompanham o essencial do discurso político do Paicv.

sexta-feira, fevereiro 18, 2011

MpD - o partido indispensável

Um terceiro mandato do PAICV constitui um desafio enorme para a democracia caboverdiana. A cultura política de exploração de dependência e vulnerabilidades das populações, a vontade explícita de se confundir com o Estado e tudo controlar e a dificuldade notória em lidar com o pluralismo podem fazer o País, nos próximos cinco anos, atrasar-se ainda mais na consolidação da democracia. Um obstáculo de peso dificulta esse caminho: o MpD. Vencido nas eleições de 6 de Fevereiro, o MpD com mais de 94 mil votos dos eleitores caboverdianos e com 32 deputados em 72 deputados é uma força poderosa de oposição do Governo e de fiscalização da actividade governativa. Sabendo isso, compreende-se porque na sequência da vitória eleitoral o Paicv ainda continua na ofensiva para o enfraquecer e eventualmente tornar a sua oposição um exercício de somenos importância ou quase inócuo. Cabe ao MpD reagir e pôr-se em posição de, a todo o momento, ser capaz de mostrar aos caboverdianos que há um caminho outro, diferente e mais profícuo, que o apresentado pelo partido no Governo. O MpD nasceu num momento histórico grandioso que viu regimes inimigos da liberdade cair como dominós sob o impacto da pressão do povo que queria respirar liberdade e ter esperança numa vida melhor. O MpD foi o instrumento desse movimento universal em Cabo Verde. Cumpriu o seu papel histórico de dotar o país de uma Constituição moderna e de introduzir as reformas essências para reinserção da economia nacional no mundo, preparando-o para beneficiar de investimentos estrangeiros, da dinâmica do comércio internacional e dos frutos da iniciativa e criatividade individual e privada dos seus fillhos. Na linha do seu passado grandioso tem um papel central em insistir que o país caminhe com os próprios pés e se liberte da cultura de dependência que, a olhos de todos, está a limitar a liberdade dos caboverdianos e diminuir as suas opções. Naturalmente que a ausência de poder por mais os cinco anos, que vêm adicionar aos dez anos anteriores, serão duros, mas ultrapassáveis. Recentemente o partido conservador britânico regressou ao poder após quinze anos na oposição. Na década de noventa o partido trabalhista tinha realizado a mesma façanha. Por conseguinte não é estranho na democracia que isso aconteça e que nos anos fora de poder várias lideranças tenham dirigido o partido sem os sucessos desejados ao nível nacional. O importante é que o partido se mantenha essencialmente intacto, seguro nos seus princípios e efectivo na actuação como oposição. A adequação aos desafios sempre renovados da governação pode chegar a um ponto em que se verifique uma espécie de mudança geracional do tipo que aconteceu com Tony Blair nos anos noventa e com David Cameron no ano passado. A acontecer no decurso dos próximos cinco anos no MpD, provavelmente será vantajoso que o processo seja conduzido com a presença de Carlos Veiga, o líder histórico, na direcção do partido. O MpD tem em seis meses que se preparar para as eleições presidenciais que são fundamentais para imprimir equilíbrio e moderação ao sistema político. As eleições municipais a realizarem-se em um ano e três meses são também importantes para se garantir o quadro autárquico plural capaz de resistir ás investidas da centralização do Poder e imprimir uma nova orientação e vigor ao Poder Local. Por tudo isso, é de maior importância que o Dr. Carlos Veiga se mantenha a frente do MpD até à próxima convenção nacional desse partido.

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Dia da vergonha

O 13 de Janeiro é feriado nacional para relembrar da importância central de eleições livres e plurais para a nossa dignidade como indivíduos, para a nossa liberdade como cidadãos e para satisfação do nosso desejo de paz e justiça como nação. Em todos os momentos em que se repete o ritual democrático de ir às urnas e depositar o voto, seja nas eleições legislativas, seja nas presidências ou nas autárquicas, espera-se que estejam garantidos os fundamentos desse acto de soberania do povo: a liberdade e o pluralismo. A realidade eleitoral porém tem sido uma outra, muito distante do que se espera numa democracia consolidada. O regime democrático caboverdiano, novo ainda com vinte anos, apresenta falhas graves que se tornam particularmente notórias no dia do voto. É um dia que devia ser de tranquilidade e de alegria. Depois de toda a euforia, de todos os argumentos e contra argumentos e de todas as paixões exacerbadas da campanha o cidadão espera sentir-se completamente livre para escolher os seus governantes e decidir o rumo do país. Para que assim seja a lei eleitoral estipula o fim de todas as actividades de campanha 24 horas antes precisamente para que serenidade volte a reinar e ninguém se sinta coagido. Não é porem o que acontece. O dia do voto é dia um triste e é um dia de vergonha. As pessoas saem de casa para ir votar e deparam-se com viaturas cruzando as ruas em todas as direcções pejados de pessoas com rosto fechado. Chegado ao local do voto há muitos poucos sorrisos e os cumprimentos entre pessoas conhecidas são muito pouco efusivos. A volta do local de voto há sujeitos hiperactivos a questionar eleitores se sabem onde vão votar e a oferecerem-se para ajudar. A agressividade no ar de tempos em tempos aumenta de intensidade com a chegada de outros tantos que entram pelos locais de voto, interpelam quem está ali na fila à espera de votar ou enfrentam outros que lá chegaram primeiro. Bilhetes de identidade são disputados aos donos ou por quem se oferece para os ajudar a encontrar o local certo do voto com o intuito de sugerir um sentido do voto ou então por aqueles que se prestam a comprar votos. O ambiente criado repele eleitores, intimida e condiciona. O que é feito à luz do dia durante a votação vem no seguimento do que nos sábados de reflexão e na noite antes de votação se constata por todos os cantos do país: uma pressão despudorada opressiva e chantagista dirigida à população social e economicamente vulnerável. Não se sabe se os efeitos no eleitorado dessas operações são decisivos na determinação dos resultados. Os métodos e procedimentos utilizados lembram organizações militares preparadas para infundir terror. E facto é que envenenam o ambiente. É só ver o número de incidentes que se verificam no chamado dia de reflexão e no próprio dia de votação. A tensão criada subsiste mesmo depois dos resultados publicados e de se conhecer o vencedor. As várias mortes violentas verificadas em vários pontos do país nos dias que seguiram às últimas eleições ilustram isso. Já antes um clima de violência latente tinha se instalado no país durante o período eleitoral. Vários factores contribuíram para isso designadamente as disputas dos outdoors, a tensão com as câmaras à volta da colocação de material de propaganda do partido no governo e, mais grave ainda, as denúncias de sabotagem na Electra por membros do Governo. A colocação de elementos das forças armadas na Electra serviu para tornou real uma ameaça imaginária e quase lançou multidões em manifestações à procura de sabotadores na central eléctrica da Praia. O linchamento público da imagem de dois técnicos da Electra sem inquérito algum tivesse sito feito das condições específicas de um particular apagão mostra o quão perigosamente longe se foi no esforço de manipular os caboverdianos. Os partidos da oposição aceitaram os resultados das eleições mas isso não significa que a democracia caboverdiana está de boa saúde. O abuso dos recursos do estado, a disponibilidade em dar golpes da mão e em intimidar e a explorar escandalosamente os mais vulneráveis da sociedade não vaticina nada de bom. Não obstante todo o verniz de respeitabilidade que a elite actualmente no poder cobre as suas operações e a sua governação é visível o traço profundamente anti-democrático da sua actuação e cultura política. Os ideais do 13 de Janeiro ainda estão por se realizar.

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Desafios

As eleições legislativas de 6 de Fevereiro deram uma terceira maioria absoluta ao PAICV. Como acontece nas democracias já consolidadas, o líder do maior partido da oposição reconheceu a derrota eleitoral quando se tornaram evidentes os resultados que para aí apontavam. Seguiu-se o discurso da vitória do líder do PAICV. A imprensa nacional e estrangeira e outros observadores saudaram o que aparentemente foi um processo eleitoral exemplar.

A realidade porém não é assim tão rósea. Vários incidentes antes e durante o período eleitoral indiciam problemas graves na democracia caboverdina.

Primeiro, foi a propaganda governamental que dominou o serviço público da rádio e televisão durante os meses que antecederam às eleições Depois, assistiu-se a vários momentos de confronto de autoridades públicas e do partido no governo com a lei eleitoral obrigando a intervenções repetidas da Comissão Nacional de Eleições. O Governo envolveu-se numa história rocambolesca de sabotadores na Electra que um inquérito a entregar até 31 de Janeiro ficou por esclarecer. Elementos das Forças Armadas foram posicionadas nas principais centrais eléctricas do Pais. Partidos em comícios, por todas as ilhas, dedicaram tempo precioso das suas mensagens a denúncias de compra de votos e de sequestro de bilhetes de identidade de votantes.

A democracia em Cabo Verde ainda não passou pelo teste da “segunda alternância de Poder”. Samuel Huntington, renomado cientista político americano, no seu livro Terceira Vaga: democratização no final do século XX , considerou como democracia consolidada só aquela em que “o partido que ganhou as eleições no período de transição, ao perder em eleição subsequente, transfere Poder para um outro partido e este, por sua vez, quando derrotado posteriormente também cede a governação pacificamente”. Segundo Huntington é essa segunda troca de partidos no governo que demonstra que as elites políticas no país estão suficientemente comprometidas com a democracia e com o processo de passagem de poder após as eleições. E que tanto elas como o público estão cientes de que se alguma coisa correr mal “mudam-se os governantes, não se muda de regime”.

É bom que se saiba o que vai mal para que no novo ciclo de governação a democracia seja aprofundada e consolidada. Para isso é essencial a contribuição de todos os actores políticos e fundamentalmente de uma sociedade civil autónoma e participativa e o suporte de uma comunicação social atenta, interveniente e defensora das regras do jogo democrático.

O espectáculo de milhares de jovens ontem nas ruas de Tunis, hoje nas de Cairo mas amanhã, provavelmente, nas de Amã e de outras cidades por esse mundo fora lembra os grandes desafios com que Estados e sociedades estão a ser confrontados. A baixa qualidade de ensino e a desadequação da formação profissional não contribuem para a competitividade e não são factores de empregabilidade. O resultado é o número crescente de jovens com estudos liceais e universitários completos sem possibilidade de um emprego decente e compensador. E isso num ambiente em que as famílias já sofrem com o aumento dos preços dos alimentos e de combustíveis que a saída ainda tímida da crise já provoca.

O ano 2011 vai de ser de apertar do cinto com já se anunciara. Os aumentos de combustíveis ontem divulgados são o prelúdio de dificuldades que virão. Espera-se que o governo que sairá das eleições de 6 de Fevereiro venha com uma outra energia e atitude em relação à construção de uma estrutura económica nacional com maior sustentabilidade e capacidade de expansão. Uma tarefa só realizável se for abandonada a cultura prevalecente de dependência que rouba as pessoas da sua liberdade e autonomia, aumenta a centralização e atrofia a criatividade e a iniciativa.

Editorial do jornal "Expresso das Ilhas" de 9 de Fevereiro de 2011

sábado, fevereiro 05, 2011

Mudar

Já nos últimos dias antes das eleições percebe-se que a campanha falhou em ser o esperado palco do grande debate sobre políticas alternativas para os próximos cinco anos. O discurso de campanha derivou demasiado para os ataques à credibilidade de uns e outros. A preocupação em comparar décadas passadas de governação não deixou muito espaço para se interrogar sobre o futuro.

As eleições legislativas acontecem num momento crítico da economia global. Dois anos após a Grande Recessão ainda não são claros os contornos do que será o mundo pós crise. Para um pequeno país como Cabo Verde saber orientar-se para melhor situar-se no quadro das relações económicas emergentes é vital. E isso só pode ser feito através de políticas inteligentes para cuja discussão pública e triagem as campanhas eleitorais deveriam contribuir.

Actualmente, nas democracias com eleições à porta, a questão central e urgente é como adequar-se aos novos tempos com sucesso. Nos países com regimes autoritários essa urgência também existe e na falta de um escape democrático manifesta-se da forma como está a fazer na Tunísia e no Egipto. Só em Cabo Verde é que aparentemente a classe política não se sente obrigada pela sociedade civil em expor e debater aprofundadamente o que tem para oferecer ao país nestes tempos difíceis.

O comportamento típico do Governo de responder acusando, sempre que confrontado com falta de resultados e omissões de política, viciou o diálogo democrático entre situação e oposição, entre governantes e cidadãos e entre o Estado e a sociedade. Dez anos depois, ainda o Governo culpa a governação anterior pelas dificuldades do presente. Procura bodes expiatórios para o que vai mal e duvida das motivações e intenções dos críticos.

Na campanha em curso quer-se comparar momentos históricos irrepetíveis e contextos político-económico internacionais diferentes. Procura-se abater o mensageiro para que a atenção não se fixe na mensagem. Centra-se na questão de credibilidade de pessoas e partidos para fugir à responsabilidade pelos resultados presentes e à discussão aprofundada das propostas de governação para o futuro. Mas, como bem disse o Primeiro Ministro da Palestina, Salam Fayyad, a propósito da insurreição no Egipto contra Mubarak "hoje a legitimidade do Poder está baseada nos resultados produzidos para as pessoas. Terminaram os tempos em que simplesmente se podia dizer: Lidem comigo porque com os outros será muito pior".

O perigo de se descambar para a violência está associado à insistência em mobilizar paixões de multidões e em estigmatizar o outro para atingir fins eleitoralistas. Os incidentes repetidos que se vêm verificando nos últimos dias, com cenas de teatro como apontar o dedo a "sabotadores" na Electra e entregar a guarda das centrais eléctricas às forças militares, são ilustrativos.

É de extrema hipocrisia fazer-se apelo à não-violência nas eleições e depois forçar o embate eleitoral num caminho que inevitavelmente leva a insultos, a atentados graves à imagem dos candidatos e a acções intimidatórias dos eleitores. É evidente que há que mudar este estado de coisas para que o país ganhe com todas as virtualidades do jogo democrático.

Editorial do Jornal "Expresso das Ilhas" de 2 de Fevereiro de 2011