As últimas previsões de crescimento económico mundial do FMI para 2023 melhoraram, mas continuam aquém do que seria o normal desejável. O ano continua nebuloso com várias incertezas designadamente quanto ao impacto da guerra na Ucrânia, ao comportamento da inflação e aos efeitos da pandemia da covid-19 na China. O fim da política da covid zero na China, o inverno menos rigoroso na Europa com impacto nos preços de energia e os estímulos à economia verde nos Estados Unidos terão contribuído para a melhoria registada acima do previsto em Outubro. Não obstante, os especialistas não excluem a possibilidade de uma recessão mundial provocada pelo recrudescimento e alastramento da guerra na Europa ou então induzida pelas tentativas dos bancos centrais de controlar a inflação com altas na taxa de juro ou mesmo resultando de mais um surto epidémico.
Para Cabo Verde, entretanto, a previsão que a Europa poderá evitar a recessão já é boa notícia no que pode sinalizar do aumento do fluxo turístico e das exportações de bens e serviços. No mesmo sentido irá a baixa de inflação esperada, considerando que no país a inflação é essencialmente importada e naturalmente dependente da taxa que prevalece no seu principal parceiro económico que é a União Europeia. O FMI no relatório sobre Cabo Verde publicado a 24 de Janeiro prevê crescimento de 10.9% para 2022 e 4,4% para 2023. É provável que com os novos dados de actividade mais vigorosa na Europa se venha a ter melhores resultados.
O país sofreu uma forte contracção da sua economia em 2020 e, segundo o FMI no relatório referido, só era expectável que atingisse o PIB de 2019 nos finais de 2022 e que ultrapassasse as receitas do turismo do mesmo ano em 2025. As taxas elevadas do PIB (7% em 2021, 10,5% em 2022) sob estímulo da procura turística devem-se, como bem apontou o Governador do BCV, na entrevista a este jornal, ao facto de o país estar em fase de recuperação da profunda recessão de 2020 e de só agora estar a aproximar-se do seu potencial de crescimento. A baixa na taxa de crescimento que se vai seguir nos próximos anos só pode ser combatida por esforços conjugados para aumentar o potencial com investimentos, designadamente em capital humano e reformas que diminuam os custos de contexto em particular os de factores (electricidade e água).
A compreensão deste facto é fundamental para se evitar que se fique simplesmente pelo “foguetório” das taxas do PIB mais altas de sempre que tem a sua contraparte na reivindicação de aumento geral de salários cuja consequência poderia ser de piorar a situação, abrindo caminho para uma espiral inflacionária com impacto maior nas pessoas com menos rendimentos e nas mais vulneráveis. De facto, o país tem que procurar recuperar os anos perdidos com a pandemia, seja em termos de produção de riqueza, seja na forma de dívida pública e privada acumulada que terá que pagar. Isso não poderá ser feita se não houver uma consciência global da necessidade de solidariedade, da importância de poupar e investir com qualidade e de agir com competência, responsabilidade e transparência para mitigar as dificuldades existentes derivadas da pandemia e das outras que vão surgindo com as crises sucessivas.
Infelizmente não é o que sobressai dos confrontos no espaço público. Aí na maioria dos casos assiste-se ao enumerar de coisas feitas sem que se perceba uma grande preocupação com a demonstração dos resultados que depois são contrapostas por críticas e reivindicações que também não têm em devida conta os recursos existentes e as implicações futuras para o país e para as populações. Sobressai o efeito de espectáculo, a oportunidade para protagonismo e a resistência ao diálogo construtivo e até racional. Disso tudo depois sobram os problemas concretos, por exemplo, de decidir como ajudar efectivamente as pessoas face aos aumentos de alimentos básicos, como incentivar as estruturas públicas e privadas a fazer a transição energética para diminuir os custos da electricidade e água e como mobilizar a sociedade para o esforço urgente e imperativo de elevar o nível do capital humano.
A actual policrise pelas urgências que cria deveria levar a uma outra forma de enfrentar os problemas do país. Como diz a economista Mariana Mazzucato, em artigo recente publicado no Project Syndicate, na governação não se deve ficar só pelo fornecimento de bens públicos, mas ir mais além para a ideia do bem comum que requer o estabelecimento juntos do objectivo e o alinhar dos riscos e ganhos. Na nova abordagem ao “o que fazer” deve-se adicionar “como fazer” e cada passo do processo deve ser quase tão importante como o resultado final. O Papa Francisco na sua encíclica Laudato Si: uma Casa comum aconselha que se vá no mesmo sentido quando se refere à necessidade de partilhar objectivos e de trabalhar em conjunto para os realizar.
De outra forma, pode-se acabar por ficar com um país em que, perante a constatação de que recursos são escassos e há muitas incertezas pelo meio, todos se empurram para chegar à frente e chegando lá apoderar-se do que conseguirem arrebatar. Daí que proliferem acusações de corrupção, nepotismo e clientelismo de vários tipos. Publicação de relatórios internacionais com indicadores de corrupção, transparência e nível de governança são momentos de grande disputa e pretexto para cada uma das partes provar o que tem denunciado do outro. Com todos esses exercícios mina-se a confiança cívica e nas instituições e descredibiliza-se a política. Com uma maior consciência da Casa Comum é possível inflectir a actual tendência.
Ainda que bem mesmo com todas essas deficiências a democracia em Cabo Verde tem dado provas de resiliência em situações de crise pandémica, económica e social como ficou provado no último ciclo eleitoral de 2020-21. Três eleições foram organizadas, os resultados aceites e a transferência de poder realizou-se impecavelmente. E isso acaba por calibrar as coisas quanto à percepção que se tem do país. Sem deixar de apontar problemas vários no funcionamento do sistema político, a maioria dos rankings internacionais da democracia dão conta desse nível de realização da democracia cabo-verdiana que coloca o país entre os países mais livres.
O que faz falta é potenciar esse ambiente democrático, que a maioria da população em inquéritos sucessivos de opinião diz preferir, para conseguir desenvolver o nível de diálogo e de partilha de objectivos que efectivamente faça do país a casa comum que todos no fundo reconhecem e em que ninguém será excluído e todos terão a oportunidade de se realizarem e prosperar.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1105 de 1 de Fevereiro de 2023.