Linhas marítimas regulares, seguras e a custos razoáveis são realmente as auto-estradas que o arquipélago precisa. A palavra desencravar, muito presente nas promessas dos políticos e dos partidos, deve ganhar um significado maior que transcenda a simples preocupação de uma pequena povoação, algures numa das ilhas, em ter uma estrada. Deve significar, hoje, a possibilidade de qualquer operador económico de ter acesso efectivo a um mercado interno unificado e de se posicionar, a partir de qualquer ponto do território nacional, para tirar proveito dos fluxos de capitais e de pessoas que chegam a Cabo Verde. Para que a produção local de bens e serviços aceda a economias de escala, que tais fluxos possam gerar, é fundamental que exista um sistema de transportes compreensivo à altura das necessidades do mundo moderno. Segurança, qualidade, baixo custo, e conveniência são alguns dos atributos exigíveis a um tal sistema para poder servir o número crescente de nacionais e estrangeiros que viajam entre as ilhas. O Governo, como se viu na discussão da Lei do Orçamento, enrola-se no manto das iniciativas dos privados no sector, sugerindo que resultam de políticas suas. Políticas que não explicita. Quando se concretiza uma iniciativa com a do navio “Musteru” é que se vê que esse navio de 450 passageiros vai fazer a mesma rota do navio “Sal Rei”, operacional há um mês entre Praia, Fogo, Brava e Boavista. Quando empresários na Boavista reclamam a suspensão das viagens do Sal-Rei é que se nota que a ENAPOR, empresa pública, e, portanto, instrumento das políticas do Governo no sector portuário, ainda não respondeu com a adequação dos portos às particularidades dos navios roll-on/roll-off e às exigências do transporte de passageiros. Onde estará a política do governo? As ligações inter-ilhas são mercados a desenvolver. Será que os custos envolvidos deverão ser absorvidos pelo privado, ficando este sujeito a ver o resultado do seu investimento partilhado por outros operadores, free riders, que não suportaram os riscos associados a um mercado incipiente. Que em consequência o primeiro ou os primeiros vão sacrificar as suas operações para conter os custos excessivos de entrada. Sacrificar o quê e em quê? A segurança, a regularidade, o preço, a conveniência? Uma política do Estado para o sector devia lidar com as ligações entre ilhas de forma diferenciada. Há linhas a subsidiar: Fogo-Brava é um caso evidente. Há linhas que podiam ser concessionadas, particularmente no transporte de passageiros, ou por constituírem mercados incipientes, mas com grande potencial a médio prazo, ou pelo facto de ser do interesse do Estado assegurar-se que o país é servido por navios com terminadas especificações de segurança, de navegabilidade e de conforto. Navios com os quais se acordará horários convenientes para o público e tarifas sociais. A atitude liberal em todas as linhas, sabendo que muitas delas constituem mercados imperfeitos, poderá não ser vantajosa para o país. E quando se pensa que o grande impulso no crescimento do tráfico inter-ilhas deverá vir de passageiros estrangeiros, mais uma razão haverá para criar as condições para que operadores invistam em barcos seguros, rápidos e modernos e sejam capazes de, em ambiente de concorrência e em prazos razoáveis, ver o retorno ao seu capital. O que não se quer é que o País fique sempre à beira de cair umas dezenas anos na qualidade dos seus transportes internos porque os armadores, para conter os custos, suportar os riscos inerentes e ser competitivos, têm que comprar barcos velhos, operá-los a baixa velocidade, seguir horários de conveniência e aplicar tarifas caras.
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