O BCA comprou por 40 milhões a dívida de 70 milhões de euros da Electra para com a EDP/ADP. Esta notícia, que muita tinta faria correr noutras paragens, aqui, em Cabo Verde, foi parcamente referenciada na comunicação social. Os vários sectores de opinião, designadamente os especializados, ficaram mudos e quedos face à primeira operação financeira do género no País. A mensagem passada pelos mídias foi que a Electra viu a sua dívida reduzir-se em 30 milhões de euros, que a operação foi interessante para o BCA e que o Governo ganhou uma vez mais no imbróglio Electra/EDP/Estado de Cabo Verde. Os factos parecem ser outros. Dos dados vindos ao público depreende-se que o BCA, em parceria com a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e o BPI, foi de encontro ao desejo da EDP em ver-se livre da Electra no quadro da uma estratégia de saída do tipo cut and run. Resultados da operação: A EDP recebe 40 milhões fresquinhos, sem risco, em vez dos 70 milhões, mais risco, e em vinte anos; o BCA consegue uma autorização especial para dilatar a sua carteira de crédito, aumento de 25% segundo a imprensa nacional, e torna-se credora da Electra em 40 milhões, mais os juros a pagar no prazo acordado. A Electra em vez de um passivo de 70 milhões regista um de 40 milhões, mais o serviço de dívida anual, e em moeda nacional. O Estado em vez de avalizar a dívida de 70 milhões à EDP dá um aval anual correspondente ao serviço da dívida de 40 milhões ao BCA; o BCA emite obrigações no valor próximo de 50% da dívida e ganha outra vez liquidez para reinvestir; a Bolsa de Valores adquire uma outra dinâmica e o público pode colocar as suas poupanças em algo mais do que depósitos a prazo. Qual é o catch? Alguém tem que pagar pelos riscos do BCA e dos parceiros no estrangeiro que ajudaram a montar a operação. Os detentores das obrigações devem ser remunerados acima das taxas aplicadas a depósitos para se sentirem compensados. O BCA, no centro desta operação, tem que aplicar uma taxa de juros à Electra que pague todos os custos e riscos acrescidos e ainda resulte num lucro interessante. Por exemplo, se os juros forem a 9% a taxa mais baixa do BCA, a ELECTRA deverá pagar ao fim de 20 anos um valor global, principal mais juros, de cerca de 86 milhões. Para pagar, a ELECTRA terá que prestar serviço e, para isso, é indispensável fazer-se grandes investimentos. Segundo estimativas vindas a público a empresa depara-se com um atraso de 4 anos em investimentos urgentes. Realizados os investimentos necessários há a batalha do tarifário, uma matéria politicamente sensível. Entretanto, retorno dos investimentos feitos e capacidade para pagar dívidas passadas só serão possíveis com tarifas justas. Para garantir toda operação, em última instância, está o Estado que, todos os anos, avaliza o serviço da dívida. Isso significa que, se a ELECTRA falhar, o Estado, via o Orçamento, deverá encontrar os recursos para compensar o BCA. É o tipo de risco orçamental a que o FMI se referia no memorando da sua última missão a Cabo Verde. É um risco real considerando que foi à volta das tarifas de água e energia que se desenvolveu o conflito com a EDP e que resultou no posterior desengajamento do parceiro estratégico. Se a ELECTRA não cumprir haverá tensões orçamentais com potenciais perturbações na estabilidade macroeconómica do País. Afinal uma das razões porque se privatizou, e se continua a privatizar empresas públicas, é precisamente para evitar o impacto nefasto, ao nível macro, de situações do género.
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