terça-feira, dezembro 26, 2006

O desfear da nobreza no dar

Ao longo da semana do Natal a comunicação social pública e, particularmente a televisão, tem sido militante em trazer a público todos actos de caridade e solidariedade, não interessando a origem das iniciativas e as motivações subjacentes. Assim assistimos a cenas, designadamente de associações, ministros e JPAI a fazerem ofertas de Natal. Cenas de uns a oferecer, em boa verdade, dádivas de outrem, e outros, estimulados pelos mídias, a mostrarem-se gratos pelos presentes. O propósito das imagens e das reportagens até pode ser nobre. Diz-se que é preciso incentivar o espírito de solidariedade. O problema é quando o acto de dar se transforma numa forma de ostentação de personalidades e organizações à procura de mais valias, muitas vezes mais valias políticas. Em todo o mundo, gestos de caridade e de solidariedade são, em grande parte, anónimos ou intermediados por organizações idóneas e acima de desse tipo de motivações. E isso por uma razão simples: para não ofender as pessoas que recebem. Solidariza-se sem ferir o sentido de dignidade do indivíduo. Porque o objectivo não é extrair agradecimentos, mas sim disponibilizar meios para a pessoa ver-se em posição de retomar completamente o controlo da sua vida, encontrar a motivação para conseguir para si e a sua família meios autónomos de subsistência e construir vias próprias de prosperidade futura. Alheio a isso, naturalmente, devem estar espectáculos armados para reforçar a dependência, reproduzir esquemas de controlo de populações e incentivar intermediários pouco escrupulosos com objectivos políticos indisfarçáveis. Indisfarçáveis até porque, muitas vezes, são agentes políticos, a começar por ministros, que, pelo modo de envolvimento na relação de doação, uma relação institucional de solidariedade da comunidade nacional com os mais desfavorecidos através do Estado, abusam da sua posição e causam a sua transformação numa relação pessoal e partidária. Outros interesses, agora comerciais e de imagem, movem outros protagonistas nesses espectáculos. A Televisão, particularmente, parece não notar a publicidade gratuita nas reportagens de dádivas. Grande parece ser a sua ânsia de reproduzir a cultura de indigência no País, a coberto de demonstrações de solidariedade. 

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