sexta-feira, março 25, 2016

Novos valores, novo modelo, nova largada

É consenso geral que com a vitória do MpD nas legislativas de 20 Março se fechou um ciclo político em Cabo Verde. A percepção de que se estava em fim do ciclo generalizou-se com uma rapidez estonteante nos últimos meses, em particular nas duas semanas de campanha eleitoral. As problemáticas do emprego, do baixo crescimento da economia e da insegurança dominaram os discursos dos políticos e queixas dos cidadãos.
A confiança no governo do PAICV deteriorou-se rapidamente com a vinda a público de casos de gestão deficiente da coisa pública. Chamaram particularmente a atenção a persistência na má-gestão da situação das pessoas deslocadas de Chã das Caldeiras e também da transportadora aérea nacional, a TACV. Apesar das queixas, denúncias e reclamações, os respectivos gestores continuavam de pedra e cal e os decisores políticos mostravam-se completamente impotentes, enquanto como no caso da TACV vinham a público revelações que punham a nu a situação quase catastrófica vivida na empresa. Também teve impacto na confiança o pronto desmentido da União Europeia noticiado por este jornal quanto ao financiamento do porto de águas profundas feito na campanha eleitoral do Paicv em S.Vicente. As pessoas podem muitas vezes deixar-se levar por euforias e promessas, mas reagem negativa e vigorosamente a falsidades comprovadas.
A vontade de mudança do povo pôde exprimir-se nas eleições de domingo passado com consequência, ou seja, resultando num governo de outro partido porque a sociedade soube produzir e manter ao longo de todos estes anos uma alternativa de governo não obstante as três maiorias absolutas desde de 2001. E quando insistem na alternância do poder não significa que queiram simplesmente entregar o poder a outras personalidades para fazer mais do mesmo. Vivemos em sociedades plurais e o pluralismo na sociedade  manifesta-se nos entendimentos diferentes dos problemas e prioridades do país, nas soluções e estratégias distintas para se atingir os objectivos preconizados e na atitude mais adequada aos desafios da sociedade e da modernidade. E foram com esses pressupostos que as eleições foram decididas. 
O eleitorado chegou no fim destas eleições com expectativas altas quanto à capacidade da nova liderança do país em resolver os problemas graves vividos por todos os cabo-verdianos particularmente os mais pobres. Infelizmente a consciência das dificuldades a ultrapassar já não é tão forte e profunda. Tensões terão que ser ultrapassadas e um esforço dirigido terá que ser feito para se mudar o paradigma de viver das transferências do estrangeiro, de emigrantes e da ajuda externa. O modelo já deu tudo o que tinha a  dar. Não é à toa que nos últimos anos, mesmo após milhões de contos de investimento público, o crescimento económico continua raso e não se criam suficientes postos de trabalho para debelar o desemprego.
Cabo Verde precisa ultrapassar o modelo de gestão de ajudas que tende a induzir comportamentos contrários aos necessários para o desenvolvimento. Quando se vive da renda, há sempre uns no topo da pirâmide que tomam mais, a cooperação entre as pessoas não tem ambiente para se desenvolver e frutificar, confiança entre as pessoas  custa a criar e a manter e a tendência é todos procurarem um lugar de conforto junto ao Estado. Mas a história dos processos de desenvolvimento mostra que as riquezas das nações não são criadas directamente pelos governos. Gera-se riqueza com trabalho, ambição e espírito empreendedor dos homens e mulheres quando encontram o ambiente próprio para darem vazas aos seus sonhos e lançarem-se na tarefa de construírem a prosperidade para si próprios e para as suas famílias.
O que se precisa é de um governo que crie o ambiente certo para se realizarem. Um governo que aposte em dar autonomia às pessoas, que promova a meritocracia na sociedade, ponha o estado ao serviço dos cidadãos e ajude a construir a confiança necessária para as pessoas se sentirem seguras e livres para construírem a sua felicidade. Depois de anos sob a batuta de um Estado visto como arrecador/distribuídor e cujos resultados são medíocres é tempo para liberdade, para empreender, para criar e viver com dignidade. Que o novo ciclo político seja de uma nova largada para Cabo Verde e para todos os caboverdianos.
        Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 23 de Março de 2016

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