O Primeiro-ministro José Maria Neves, em declarações à rádio nacional, na segunda-feira, reagiu à notícia do jornal Expresso das Ilhas de que o acordo de privatizações dos portos com a Bolloré prejudica Cabo Verde. A afirmação citada pelo jornal é do presidente do Conselho de Administração da Enapor, a empresa que em representação do Estado de Cabo Verde deveria assinar a subconcessão dos portos com a empresa francesa. O PM na sua resposta preferiu ignorar as razões apresentadas pelo PCA na carta dirigida precisamente a ele na qualidade de ministro das Infra-estruturas e Economia Marítima que actualmente acumula e, muito no estilo a que habituou este país nos últimos quinze anos, lançou-se logo numa ofensiva para ofuscar a opinião pública: primeiro, fez uma incursão na década de noventa para se auto-congratular com a ética do seu governo supostamente superior à dos outros; depois, ignorou todas as questões levantadas. Nada disse sobre os malefícios do monopólio privado dos portos num país insular, da ainda deficiente regulação, dos efeitos nefastos da falta de concorrência, da possível atrofia do Porto Grande de S.Vicente enquanto investimentos são feitos no Porto da Praia e se espera anos para rentabilizá-los e das perdas em competitividade. Simplesmente garantiu que o acordo serve perfeitamente o país. Por fim, quis atingir pessoalmente o PCA da Enapor, insinuando que ele provavelmente não conhece bem as questões porque assumiu o cargo em Junho do ano passado. Foi uma resposta típica do que se convencionou chamar de política em Cabo Verde: mostra-se falta de rigor em relação aos factos, ignoram-se as questões a favor de fabricações que se vão fazendo conforme as circunstâncias e deixa-se sempre em aberto a possibilidade de ataque ad homines a quem contesta ou simplesmente opina de forma não conveniente. Só a não preocupação com os factos é que pode levar o PM a esquecer-se de que foi precisamente nas vésperas (dia 20) das eleições de 22 Janeiro de 2006 que foi assinado o contrato com a Sociedade Lusa de Negócios, caracterizado meses depois como um contrato leonino pela ministra Cristina Duarte e que posteriormente levaria à saída do governo do então ministro João Pereira Silva. Imaginem-se, parafraseando a coladeira do Bana, os pontos acrescentados aos contos dos anos noventa sempre que por lá vão buscar justificações pelas suas falhas e omissões quando mesmo do passado recente têm uma memória tão convenientemente selectiva. Por outro lado, a falta de preocupação em encarar as questões apresentadas pelo PCA da Enapor apoiadas por pareceres técnicos de consultores e especialistas no exercício da actividade portuária e mesmo por técnicos do próprio ministério (MIEM) mostra como no processo de decisão do governo por demasiadas vezes a vontade de se segurar no poder facilmente se sobrepõe ao interesse público. Espantoso é que nem a possibilidade de atrofia do Porto Grande trazida à baila por Carlitos Fortes, servindo-se da analogia da transferência dos voos da TAP de Lisboa para o Porto na lógica de rentabilização financeira das operações, parece ter despertado o Sr. Primeiro-ministro para a necessidade de se rever um modelo em que nenhum dos especialistas contactados pela ENAPOR vislumbrou vantagens para Cabo Verde. Surpreendido pelas revelações vindas a público, simplesmente “chutou” o problema para o governo que sairá das eleições de 20 de Março.
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