sexta-feira, agosto 26, 2011

Cidadania vence

Jorge Carlos Fonseca vence na 2ª volta as eleições presidenciais de 2011 com uma margem sobre o adversário de mais de 15 mil votos. A vitória de JCF contrariou sondagens sucessivas feitas nos últimos meses que previam que no caso de passar à segunda volta dificilmente conseguiria bater qualquer dos outros dois candidatos. A renovação do espírito de cidadania verificado nestas eleições certamente teve um papel na alteração do ambiente político inicial. E o inesperado aconteceu para júbilo e alívio de muitos.

O protagonismo excessivo do Governo e do Estado provocou um súbito despertar cívico. Os métodos utilizados em granjear influência política com o objectivo de atingir objectivos eleitorais fizeram soar os alarmes. Falou-se em compra de votos, em manipulação de consciências e em ameaças de perda de trabalho e de demissão de cargos. Viu-se por todo o lado a presença forte de membros do governo, de altos funcionários e de dirigentes de empresas e institutos públicos em campanha eleitoral a favor do candidato de preferência do partido no Governo. E o surpreendente colapso nas urnas da candidatura de Aristides Lima veio relembrar a eficácia dos métodos do Poder em fazer valer a sua vontade particularmente junto dos mais vulneráveis.

A reacção popular à visível arrogância do Governo sentiu-se na segunda volta. O número de votantes aumentou em quase 20 000 e tudo indica que massivamente escolheram JCF. Uma parcela importante dos outros candidatos também se juntou a JCF em protesto contra a utilização de recursos e da autoridade do Estado numa eleição suprapartidária.

O impulso recebido por esta vaga de cidadania reforça extraordinariamente o mandato de quem já tinha proclamado que o seu caderno de encargos é a Constituição. De facto, os cidadãos caboverdianos mostraram-se nestas eleições revoltados contra o uso abusivo do poder do Estado para forçar lealdades e punir adversários políticos. Mostraram-se também indignados contra a injustiça de obrigar as pessoas vulneráveis a dar votos e apoio político em troca do que recebem do Estado e de outras entidades subsidiadas por fundos públicos. Ao terceiro presidente da II República caberá velar para que Cabo Verde continue a ser uma “república de cidadãos livres” e não de cidadãos de segunda classe como nos regimes de partido-Estado.

A percepção geral dos vinte anos da II República é que o exercício do cargo do PR não tem sido pleno no sentido de fornecer checks and balances ao sistema, de contribuir para que todos os actores se revejam no regime constitucional vigente e de ser uma força motriz e orientadora do desenvolvimento e aprofundamento institucional necessário à consolidação da democracia. Há que dar um outro conteúdo à actuação do PR, mais conforme com as exigências constitucionais. Espera-se pois do presidente eleito um novo e mais activo protagonismo no equilíbrio do sistema democrático, no aprofundamento da institucionalização do país e no desenvolvimento de uma cultura de Constituição e de respeito pelas leis.

Editorial do jornal Expresso das ilhas de 24 de Agosto de 2011

sexta-feira, agosto 19, 2011

Evitar derrapagem nas instituições

Na sequência da primeira volta das eleições presidenciais ruiu o muro de silêncio à volta do processo eleitoral em Cabo Verde. Finalmente fizeram-se ouvir as vozes que denunciavam compra de votos, manipulação de consciências e uso indevido de recursos do Estado. Testemunhos de destacados militantes do partido no governo, constatações de observadores internacionais e a indignação de muitos cidadãos convergiram em apontar que algo vai mal no seio das instituições do Estado democrático.

Há muito que se vêm manifestando sinais de erosão das instituições. O governo ignorou manifestações de má governação enquanto procurava aproveitar-se politicamente da relativa boa imagem do país no estrangeiro. Tardou em reconhecer que a sistemática fuga dos dirigentes à responsabilidade, a partidarização da função pública e a negação da meritocracia acabaria por ter um efeito nocivo tanto na sociedade como no Estado.

A existência agora revelada de compra de votos ou de um “mercado de votos”mostra como a sociedade vem sendo roubada da sua autonomia e minada pela criação de redes de dependência. Em vez de sociedade civil autónoma, há uma sociedade onde pontificam grupos, associações e redes sociais alimentados por fundos do Estado. Precisamente o que Hillary Clinton denunciou em Julho de 2010 na Cracóvia: “democracias em que governantes esforçam-se por criar a sua sociedade civil, uma colecção de ONGs, associações comunitárias, organizações juvenis, etc., dependentes em recursos e instrumentos de uma agenda maior de controlo social”.

As transferências feitas a municípios e associações nas vésperas das eleições, confirmadas na semana passada por dirigentes do partido no Governo, indiciam métodos utilizados. Chegar às pessoas via câmaras nos municípios onde o poder é da mesma cor partidária do governo e via associações nas câmaras de oposição, em violação do princípio da imparcialidade e de isenção no tratamento dos cidadãos e de não favorecimento em virtude de opções político-partidárias. Com isso perde-se o sentido do interesse público, substituído pelo interesse do partido, e as instituições e a cidadania são enfraquecidas.

A fragilidade das instituições torna-se cada vez mais notória seja em lidar com situações novas seja ainda em potenciar o conhecimento, a energia e criatividade dos seus novos quadros. A administração pública não se torna mais competente, o fornecimento de bens públicos como água e electricidade não inspiram confiança, a Justiça é morosa, a polícia não é mais eficiente e a qualidade tarda a chegar às escolas e universidades. As próprias Forças Armadas dão sinais complicados. O ataque sem qualificação dirigido ao Major Adriano Pires pelo Gabinete do Chefe de Estado Maio das Forças Armadas no jornal “A Nação” é um exemplo disso.

Problemática também se revela a inacção e o silêncio dos órgãos da direcção do Estado. Ainda não há, por exemplo, reacção da parte da procuradoria-geral da república perante acusações de compra de votos. O governo não justifica transferências vultuosas de fundos para particulares nas vésperas de eleições, em violação do código eleitoral. E os órgãos de soberania não se pronunciam face ao insólito da resposta do comando das Forças Armadas às críticas de um cidadão.

No actual contexto as eleições presidências do próximo domingo dia 21 ganham uma outra importância e pertinência. Urge evitar derivas das instituições que as afastem da realização do interesse público. O presidente da república tem umpapel essencial em assegurar-se da conformidade do funcionamento das instituições com os princípios constitucionais para que as práticas de boa governança sejam adoptadas, para que não haja discriminação e para que todos os cidadãos se sintam livres na escolha dos governantes.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 17 de Agosto de 2011

quinta-feira, agosto 11, 2011

Exorcizar o MEDO para ganhar o futuro

Em mensagem dirigida à nação na véspera das eleições de 7 de Agosto o Presidente da República veio relembrar os caboverdianos que “a livre escolha do eleitor é o princípio básico para a expressão verdadeira da vontade popular”. O PR mostrava a sua preocupação com as denúncias públicas de compra de votos, compra de consciências e abusos de poder provenientes das diferentes candidaturas. A condenação pelo PR de “quaisquer formas de pressão ou condicionalismos extra-eleitorais” deixou campo livre para um confronto sem subterfúgio com essa doença da democracia caboverdiana que os observadores da CEDEAO chamaram de “manipulação de consciência”.

Aberta a caixa de Pandora, candidatos, líderes políticos, cidadãos comuns apressaram-se a revelar casos suspeitos de pressão sobre os eleitores. O próprio Primeiro-ministro teve que se render ao engrossar das denúncias e a referir-se explicitamente à necessidade de intervenção de “autoridades judiciais” para se apurar a verdade dos factos. Pela primeira vez a Nação enfrentava a questão da compra de votos, várias vezes levantada em outros pleitos eleitorais, sem que tal fosse desconsiderada como manifestação de “dor de cotovelo” de perdedores.

No processo constatou-se que há medo na sociedade caboverdiana: medo de perder o ganha-pão, medo de ser preterido no trabalho e medo de ver passar ao lado possibilidades de carreira e de nomeação para cargos. A atitude de Aristides Lima em levar à frente a candidatura presidencial não obstante as preferências do seu partido inspirou outros a se libertarem do medo e em denunciar práticas de violação de direitos por razões políticas e eleitorais.

Quis-se saber se um militante de partido é ou não livre de se candidatar para um cargo suprapartidário, de apoiar quem candidate e mesmo de votar no candidato da sua escolha. A partir daí estava lançada a busca de outras amarras que condicionam a capacidade de escolha do eleitor caboverdiano. Pergunta-se se a dependência de serviços sociais, relações de trabalho e mesmo dívidas de gratidão estarão a ser utilizadas para fazer o cidadão dobrar-se e legitimar com seu voto o poder de alguns.

O medo amplifica a sensação de precariedade de existência. Faz as pessoas receosas do futuro e presas fáceis de anúncios demagógicos de grandes perigos em caso de mudança. As eleições caboverdianas têm sido marcadas por factos bombásticos especialmente fabricados para explorar o medo do amanhã. Na última campanha viu-se como se trouxe à baila suspeições sobre a morte de Cabral. Já quase no fim ergueu-se o espectro de uma conjura de personalidades de várias proveniências políticas e partidárias para, pela via uma eleição suprapartidária, derrubar um governo maioritário. Noutras ocasiões usaram-se tácticas similares como acusações de ligação a narcotraficantes, sabotagem na Electra e perda de credibilidade externa para pressionar o voto num determinado sentido.

Mantém-se o clima de medo partidarizando tudo, até mesmo eleições suprapartidárias, e concentrando o essencial do discurso político sobre disputas do passado. Todos ficam apanhados e em consequência, o futuro passa ao lado. Já dizia Churchillque não devemos deixar as nossas discussões sobre o passado dominar o presente porque assim perdemos o futuro”.

É tempo de acabar com esse estado de coisas. A 2ª volta das presidenciais é uma oportunidade única dos cidadãos fazerem o medo dissolver no ar. Basta ir às urnas sem as grilhetas da filiação partidária e condicionalismos outros e escolher quem pelo seu carácter, percurso e fidelidade aos princípios e valores constitucionais melhor se posiciona para defender direitos e regras do jogo democrático. Basta dar o voto livre a quem mais confiança poderá transmitir à nação nas duras lutas de adaptação às incontornáveis mudanças que se verificam no mundo. Cabo Verde precisa que os seus filhos não receiem o futuro e ponham toda a sua energia e criatividade em construir, na Liberdade, a prosperidade para todos.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 10 de Agosto de 2011

sexta-feira, agosto 05, 2011

Travões precisam-se

Diz o Lord Acton que o Poder corrompe e que o Poder absoluto corrompe absolutamente. Governos por longos períodos e pela mesma força política tendem a tornar-se cada vez mais arrogantes e mais autistas. Os 5 meses do 3º mandato do PAICV confirmam a tendência. Especialmente revelador de futuros excessos tem sido a forma como a liderança do partido no governo trata colegas do partido apoiantes de uma alternativa da mesma família política nas presidenciais.

A dureza de tratamento é sintomático do quão importante se tornou ter um presidente da república “em sintonia com a liderança do partido”. Nunca antes no Cabo Verde democrático o líder partidário no governo foi tão ostensivo em impor o seu candidato a presidente da república. Até parece que há um novo entendimento do exercício do cargo. Quer-se provavelmente cooperação e sintonia com objectivos partidários, quando o que a Constituição estabelece é que o Presidente não governa e seja árbitro e moderador do sistema.

Usar os recursos e autoridade do Estado para fazer prevalecer uma visão contrária do Presidente da República prejudica o candidato e quase que o desqualifica aos olhos dos eleitores, porque o faz refém de interesses que em consciência não pode satisfazer enquanto PR. Com tais actos perde-se mais em perturbar o sistema político do que presumivelmente podia-se ganhar em estabilidade governativa. Estabilidade, quem de facto a garante é a maioria no parlamento. O PR só tem margem para interferências nos casos em que o suporte parlamentar já foi comprometido e há impasse nas instituições.

Ter-se um PR algo diminuído no seu papel de guardião da Constituição fragiliza a democracia particularmente quando é notório o enfraquecimento da Assembleia Nacional enquanto centro do contraditório e viveiro de propostas alternativas para o país. No último debate sobre o Estado da Nação, o Primeiro Ministro apresentou a sua verdade como sendo nem “rosa nem negra”. Eventuais críticas só podiam vir de detractores brandindo as suas análises negras da realidade do país. Com o debate ferido de morte, ninguém se surpreendeu quando no discurso do fecho disse que das ideias da Oposição, umas deviam-lhe direitos de autor e outras simplesmente não serviam.

A Nação entretanto não ficou esclarecida. A questão do fornecimento de energia e água que todos os dias prejudica as pessoas e atrasa o país ficou por responder. O governo não transmitiu confiança que irá lidar resolutamente com os problemas que enfermam a polícia e diminuem a sua capacidade de confrontar os desafios actuais e futuros de segurança. Ficou-se por saber como foi o ano escolar e qual o retorno em aproveitamento, qualidade e empregabilidade dos extraordinários investimentos e sacrifícios que indivíduos, famílias e o Estado fazem no sistema de ensino. O regozijo algo deslocado pela “performance” do país em tempo de crise não deixou espaço para inventariar opções e preparar a Nação, agora país de rendimento médio, para o mundo pós-crise.

Governar em democracia passa por criar uma vontade política colectiva que se revê em princípios, ideias e objectivos. Isso constrói-se com verdade, honestidade e transparência na acção. Não com máquinas de propaganda e procurando enredar as pessoas, particularmente as vulneráveis, em relações de dependência que diminuem a sua condição de cidadão. Particularmente preocupantes nos últimos dias têm sido as denúncias vindas de todos os quadrantes políticos do inquinamento do processo eleitoral através de compra de consciências, compra de votos, medo de perda de emprego e ameaças de demissão de cargos públicos.

Por tudo isso, a eleição do Presidente da República no próximo domingo, dia 7 de Agosto, tem uma importância acrescida. É também uma forma de pôr um STOP à corrida desenfreada para a concentração do Poder num grupo partidário cujos excessos são hoje evidentes para todos. O acto desnecessário de acabar com o programa Visão Global é ilustrativo do que acontece quando se cai na tentação do poder absoluto. Travões precisam-se.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 3 de Agosto de 2011

quarta-feira, julho 27, 2011

Ameaças ao Estado de Direito

Indivíduos e grupos vêm colocando seriamente em causa um dos atributos fundamentais do estado que é o deter o monopólio de violência. Hoje estão ao alcance de pessoas e pequenas organizações armas sofisticadas, meios de comunicação modernos e conhecimentos especializados de guerra que outrora só se encontravam na posse de certas instituições do estado. Experiências de guerra são compartilhados via internet por combatentes informais em diferentes paragens tornando-os em ameaças formidáveis para as forças de segurança nacional. O resultado é qualquer estado ficar desnorteado perante a fúria destruidora que de repente lhe pode cair em cima.

Na semana passada um duplo ataque terrorista na Noruega perpetrado aparentemente por um indivíduo deixou mais de 90 mortes e uma nação subjugada pela dor do desaparecimento súbito de quase uma centena dos seus jovens. Também aqui em Cabo Verde o ataque contra o Juiz do 3º Juízo Crime da Praia causou consternação geral. O choque sentido não derivou somente da tentativa de assassínio de uma pessoa em plena luz de dia. Todos viram-no também como um acto de terror, um autêntico atentado ao pilar do Estado de Direito que são os tribunais e os seus titulares, os juízes. Anos atrás um procurador da república, a mulher e filho foram alvejados e feridos à porta da casa. E ao longo dos anos ameaças dirigidas a magistrados vem-se tornando frequentes.

Nenhum estado consegue ficar completamento isento de ameaças semelhantes. Mas o nível de exposição a perigos diversos depende muito da adequação das políticas e estratégias de segurança à sua realidade específica e também da qualidade e probidade das suas instituições policiais. Para os enfrentar conta muita a capacidade de analisar, identificar e mesmo antecipar problemas e o uso de tácticas adaptadas ao contexto sócio-cultural.

A abordagem do Governo destaca-se, por um lado, por demasiada condescendência para com interesses corporativistas nas forças de defesa e de segurança. E, por outro, por ceder a tentações securitárias, que tem desembocado em excessos de violência policial e consequente erosão dos direitos dos cidadãos. Nessa qualidade revela-se um impedimento a um controlo social, político e legal mais apertado da actividade policial. A agravar a situação juntam-se dificuldades sérias no controlo efectivo de fronteiras nacionais, tornada porosa por tratados regionais de livre circulação, e a falta de vontade política em legislar em matéria de uso, venda e porte de arma. Neste particular é próprio Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, em entrevista a um jornal da praça, que aponta para casos de civis na posse de armas, condição, segundo ele, que existe desde da independência nacional e da proliferação de milícias populares por todo o território nacional.

Segundo relatos da imprensa o alegado atirador contra o juiz teria sido um efectivo da Legião Estrangeira Francesa, ou seja um especialista de armas. Isso chama a atenção para a situação cada vez mais frequente de muitos estados enfrentarem indivíduos sofisticados no manuseamento de armas treinados por eles nas suas forças especiais. O problema já existe cá entre nós. Vários soldados a quem foi dado treino especializado enveredaram-se por actividades criminosas com uma sofisticação inesperada. Não se fez um plano para, por exemplo, os enquadrar na polícia ou em empresas de segurança e ficaram sem ocupação mas bem treinados em tácticas perigosas para a vida e bens dos cidadãos. O resultado vê-se.

Crimes acontecem, perigos graves podem sempre surgir mas o sentimento de insegurança só se apodera das pessoas quando a confiança deixa de existir ou é abalada profundamente. Sem confiança nas instituições, nas palavras dos governantes e nos actos concretos do dia-a-dia dos agentes da ordem pública, dificilmente se estabelece a relação adequada entre a comunidade e a polícia que viabiliza no essencial todo o plano de segurança. No mundo de hoje, onde as ameaças navegam indistinguíveis pelo meio da população, a efectividade da polícia depende da cooperação que souber granjear junto da comunidade para as puder identificar em tempo útil. Para isso é imprescindível o respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, a defesa das instituições do estado de direito e o cultivo do orgulho e do espírito do bem servir entre todos os elementos da polícia.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 27 de Julho de 2011

quarta-feira, julho 20, 2011

Eleição presidencial crucial

No dia 7 de Agosto o povo vai às urnas para eleger o presidente da república. Com as eleições presidenciais fecha-se o ciclo eleitoral dos órgãos da direcção política do Estado. Já em Fevereiro último tinha sido eleita a Assembleia Nacional, enquanto órgão representativo do pluralismo e da diversidade de interesses dos cidadãos. O Governo foi então atribuído ao PAICV que conseguiu uma maioria de 38 deputados contra os 32 do MpD e os 2 da UCID. Chegou agora o momento de eleger o presidente da república que melhor encarne a nação unida nos princípios e valores que ela própria, soberanamente, consagrou na Constituição.

A eleição do presidente da república distingue-se das eleições dos outros órgãos de poder político. Os proponentes são simples cidadãos diferentemente do que acontece com o parlamento onde só partidos políticos apresentam de listas de deputados e também do que acontece nos órgãos autárquicos onde candidaturas podem vir de partidos políticos e de grupos de cidadãos. Compreende-se que assim seja, considerando que as causas do presidente visam fortalecer a unidade da nação e não a polarizá-la ou a oferecê-la opções alternativas de acção. O presidente da república não governa. É o guardião da Constituição, o árbitro e o moderador do sistema político.

A governação do país envolve execução de políticas cujo processo de definição e confirmação implica o exercício do contraditório ao longo de toda a sua extensão. São garantes desse exercício fundamental em democracia a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, a existência de partidos políticos, os direitos das minorias e a independência dos tribunais. A existência de dissenso é fundamental para a dinâmica, a criatividade e a renovação do sistema. Mas só cumpre o seu papel na tranquilidade e de forma livre e solidária se for preservado o consenso quanto ao essencial que une a Nação.

O Presidente da República tem um papel central na conservação desse consenso indispensável ao progresso na Liberdade. Velar pelos direitos dos cidadãos e assegurar que todos os órgãos de soberania e as instituições funcionem plenamente no âmbito das suas competências e no respeito pela Lei é o que se exige dele. A sua contribuição para estabilidade da governação provem não de uma suposta colaboração com o governo mas sim de certificar-se do cumprimento das regras do jogo democrático e de que os cidadãos não sofrem abuso de Poder e não lhes é negada Justiça.

A democracia caboverdiana com vinte anos é muito jovem. As instituições mostram as marcas da luta renhida que ainda são travadas para se imporem num ambiente ainda com vestígios de culturas políticas iliberais e avessas ao estado constitucional. E notam-se na presidência da república. O exercício do cargo tem ficado aquém do esperado e do que o sistema político exige. Razões são várias, entre elas destacam-se as lealdades partidárias que se manifestam em acções e omissões na relação com o governo. Uma oportunidade se abre com as próximas eleições para se eleger um PR em paz com a Constituição e acima de tentações de colaboração ou de oposição ao governo para satisfazer antigos correligionários do partido.

Com a crise que assola o mundo e em particular os nossos parceiros na União Europeia urge que se adopte a atitude certa na mobilização da energia da nação para enfrentar os desafios do futuro. É cada mais evidente que isso não tem sido feito: Permite-se que se arraste por mais de dez anos o problema crucial do fornecimento de água e energia. A insegurança persiste, não obstante os enormes gastos públicos, e há sinais preocupantes que as próprias forças policiais deixam-se corroer. Também constata-se que, apesar dos níveis elevados de frequência, os jovens terminam os estudos sem as competências que lhes podia garantir emprego e ser um factor de competitividade do país.

O jogo democrático não tem feito valer todas as suas virtualidades. Tem faltado a confiança que o cumprimento das regras e a clara assunção das responsabilidades dentro do sistema político podia ter criado. Em vez de cooperação, inclusão e solidariedade vem-se insistindo num jogo de soma zero que aumenta a desigualdade e promove a ineficiência no uso de recursos e a incompetência na execução. Do novo presidente da república a ser eleito no dia 7 de Junho espera-se um novo comprometimento e engajamento no reforço do que nos distingue como nação e que seja garante da nossa caminhada na Liberdade e no Pluralismo, rumo à prosperidade.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 20 de Julho de 2011

quarta-feira, julho 13, 2011

Cidade administrativa e centralização

O Primeiro-ministro José Maria Neves confirmou a intenção do governo em construir uma cidade administrativa na cidade da Praia no valor de 220 milhões de dólares. A ideia de um centro administrativo na capital reunindo vários ministérios, institutos serviços e outras entidade do estado tinha sido aflorado a quando da visita do presidente Lula da Silva há um ano atrás. Imediatamente anunciado pelo governo, que então se encontrava em pré-campanha para as legislativas, o projecto da cidade administrativa ganhou um outro fôlego nas últimas semanas. Curiosamente isso aconteceu a meio de umas outras eleições, as presidenciais.

A ideia de construção de raiz das cidades administrativas relembra os grandes projectos estratégicos de países como Estados Unidos da América, o Brasil e a Nigéria na edificação das suas respectivas capitais em Washington, Brasília e Abuja. Foram projectos considerados megalómanos mas que eventualmente se justificaram com a necessidade de dar ao Estado Federal um símbolo, um locus, onde a nação na sua globalidade podia rever-se. Nas declarações dos governantes caboverdianos não se vislumbra que tenha sido essa a razão de ser para o projecto. Aliás está projectada para ser mais um espaço estatal na cidade-capital.

Pergunta-se então qual é estratégia por detrás da decisão do governo. O Primeiro-ministro explica em declarações à imprensa que é um “passo importante” para garantir a transformação na Administração Pública, que se quer “mais célere e mais eficaz”. No mesmo sentido o Secretário de Estado da Administração Pública diz acreditar que “será um empreendimento fabuloso tanto para os privados, quanto para os utentes que estarão mais próximos de todos os serviços”. Ou seja investe-se 220 milhões porque de alguma forma espera-se que os serviços da administração caboverdiana tornar-se-ão mais eficientes com a proximidade uns dos outros. O governo ainda encontra razões para o projecto fazendo contas nas rendas que deixaria de pagar mudando as repartições para a cidade administrativa.

Nos cálculos da construção de uma cidade administrativa no Estado das Minas Gerais no Brasil entrou a projecção no crescimento em 12% do PIB que o projecto iria induzir. Não só pelo efeito de arrastamento que teria na economia do Estado afectando a construção civil, indústrias e serviços locais como também no que iria servir de atractivo para os investimentos privados. Nos cálculos dos governantes caboverdianos tais externalidades dos investimentos públicos parecem não contar. Fica-se com a sensação que o que importa é tomar o crédito estrangeiro, nem que no essencial os trabalhos fiquem à conta de empresas estrangeiras, e depois mostrar obra feita. Depois das inaugurações é rezar para que não sejam elefantes brancos.

No caso do projecto da cidade administrativa a insensibilidade do governo para com a problemática urgente de combater o desemprego e reforçar o tecido empresarial é reforçada pelo que é aparentemente o desconhecimento dos efeitos centralizadores da do próprio projecto. Ou seja no momento em que toda a classe política fala de necessidade de um reforço de descentralização do Estado e de regionalização, o Governo envida esforços para na prática acelerar-se o processo de centralização. Depois de construídas estruturas próprias dos serviços estatais muito dificilmente serão deslocalizados para outras ilhas e pontos do território nacional.

A cidade administrativa na Praia irá acelerar a centralização do país. Aumentará os desequilíbrios na ilha de Santiago e será factor de crescimento de migrações internas em direcção á Capital prejudicando a retoma das dinâmicas económica social e cultural das outras ilhas. Em consequência diminuirá a diversidade da nação tornando todos mais pobres. Por outro lado, o crescimento rápido da Praia vai tornar ainda mais intratáveis os problemas de urbanismo, saneamento, de energia e de criminalidade. É evidente que perante este cenário negro cujos contornos já se notam com o actual nível de centralização, é fundamental que qualquer passo em frente para implementar projecto de tal envergadura seja submetido escrutínio sério e aprofundado de todos os caboverdianos.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 13 de Julho de 2011

quarta-feira, julho 06, 2011

Nobreza no combate pela Liberdade

Proclamação da Independência é um grito de liberdade e uma manifestação básica de dignidade. Afirma com veemência o direito de não sofrer opressão dos outros e tem como pressuposto essencial o princípio que todos os homens são iguais. Por tudo isso não deixa espaço para alguns ditarem o que é a liberdade, que formas pode assumir e que etapas é obrigada a respeitar. A Independência é sequestrada e desviada da sua razão última sempre que é invocada para legitimar tiranias, justificar a opressão e desresponsabilizar insistindo numa pseudo ética de intenções.

Na declaração de Independência dos EUA há 235 anos o escopo do que então se proclamava ficou bem claro: falava-se da existência de direitos inalienáveis do indivíduo a começar pelo direito á vida, à liberdade e á procura de felicidade que nenhum poder legitimamente devia atropelar. Também se referia ai ao direito dos povos em ter governos por eles escolhidos e não impostos por forças exteriores. E ainda ao direito de revolta contra governos que manifestassem ser destrutivos para o povo e para a nação na sua ânsia de se perpetuarem no poder.

A promessa de liberdade na proclamação de independência cria uma dinâmica e uma tensão construtiva que não consegue alívio até que se concretize na garantia de exercício dos direitos fundamentais dos indivíduos, no respeito pelos direitos das minorias e na instituição plena da democracia. Nos Estados Unidos da América o conflito entre as promessas da Declaração da Independência e a realidade da escravatura teve que ser resolvida. E foi, pela via de uma guerra civil violenta, sangrenta e que custou muitas centenas de milhares de vidas. O presidente Lincoln, para forjar uma União mais perfeita da Nação americana tornou inseparáveis o respeito pelos direitos do homem e a existência de um governo do povo, pelo povo e para o povo. Ainda hoje é relembrado por isso.

Muitos poucos dos que posteriormente se juntaram às lutas pela independência podem reivindicar o mesmo. Em muitos países, a promessa da liberdade no momento de independência foi esvaziada primeiramente pelos que a protagonizaram. Na sua esteira sucederam-se ditaduras, opressão de minorias, guerras civis cruéis e assaltos indescritíveis à liberdade do cidadão comum. É evidente que por muito que façam para exaltar os seus feitos perante o mundo não se encontram no mesmo panteão onde estão os verdadeiros Combatentes da Liberdade.

Como podem ser lembrados se anos a fio esqueceram por completo que a independência antes de mais clama pelo reconhecimento “das opiniões, dos direitos e do patriotismo essencial dos outros”. Querendo poder acima de tudo afirmaram-se como os “sages” detentores da verdade absoluta. Arvoraram-se em pais da nação e protectores do povo. Não deixaram quaisquer dúvidas quem eram os únicos patriotas. Com tais pressupostos tudo se permitiram em nome da sua condição de força, luz e guia do povo.

Hoje povos em todos os continentes conhecem a verdade. Sabem que a promessa de liberdade demasiadas vezes é morta logo no dia da independência. Cabo Verde teve de esperar mais de 15 anos para a ver cumprida. Por isso, quem a História regista como combatentes da liberdade são líderes como o Nelson Mandela. Em nome da dignidade abriu o caminho para ao reconhecimento da igualdade de todos na Africa de Sul do apartheid e promoveu a reconciliação nacional. Chegado ao Poder lançou as bases da construção de instituições sólidas que garantem para a posteridade o exercício das liberdades, a protecção das minorias e uma governação com respeito estrito pela Constituição e as leis da república.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 6 de Julho de 2011

quarta-feira, junho 29, 2011

Cansaço já nos cem dias?

No dia 30 de Junho completam os primeiros 100 dias do terceiro governo do Dr. José Maria Neves. O balanço não é positivo. Em vez de um governo enérgico, imaginativo e confiante depara-se com um quadro que lembra governos em fim de mandato: Líder contestado, população descrente na capacidade do governo em resolver problemas básicos de emprego, segurança e energia e água; promessas como o do 13º mês simplesmente abandonadas.

Nas democracias o período inicial do mandato é escrutinado para análise. Procuram-se indícios das políticas que vão marcar a legislatura. Pressentem-se o comprometimento e a energia que as grandes questões irão merecer. Avalia-se a destreza, segurança e lucidez na arte de reunir vontades para concretizar os objectivos e metas escolhidos. A própria Oposição e a comunicação social dão um tempo de graça para se ver o que novo governo é capaz.

Findos os cem dias do governo do PAICV notam-se sinais de fadiga e desalento. A continuidade de políticas, de estruturas e de personalidades no executivo não dá confiança que alterações significativas verificar-se-ão no emprego, na diminuição de desigualdade social e na contenção da centralização do país. Por outro lado, a crise internacional não parece ter despertado a liderança para os novos desafios da economia global. Insiste-se com o “Estado Providencial” mantem-se a rotina de acusar os adversários de deslealdade e de tentar destruir esse mesmo estado. Quando confrontado com os riscos de recorrer a empréstimos externos para impulsionar o crescimento o governo é ainda incapaz de apontar os investimentos privados que vão substituir os investimentos públicos e suportar as taxas altas de crescimento necessárias ao pagamento da dívida e à elevação do nível de vida.

A crise de água que atingiu a Praia durante semanas e em menor escala várias outras ilhas, acompanhada das exasperantes cortes de energia, abalou consideravelmente a confiança das pessoas no governo. O capital político recebido das eleições foi bastante delapidado. Ninguém tem a certeza que a curto/médio prazo se irá encontrar solução duradoira para a questão energética. As proclamações sucessivas à volta das energias renováveis não satisfazem. Todos têm alguma noção que tais alternativas pela sua natureza variável e intermitente dificilmente constituem a “mãe de todas as soluções” para a Electra.

Muito capital político perdeu-se na forma como o partido no governo lidou com a questão presidencial. Os ataques virulentos desferidos contra o candidato Aristides Lima, do mesmo quadrante político do PAICV mas não apoiado pela cúpula, tiveram o efeito de desmobilizar pessoas que antes provavelmente se sentiram tentadas a um maior engajamento no pós-eleições. A gestão inepta, arrogante e facciosa de algo que podia ser um facto normal da vida dos partidos democráticos deixou muita gente estupefacta e revoltada.

A discussão do Orçamento do Estado na Assembleia Nacional veio confirmar que, de facto, com o terceiro mandato pouca coisa mudou. Mesmo em momento de vitória eleitoral clara a retórica usada contra a Oposição visa excluí-la do debate político, tornar ilegítima as ideias e questionar as suas razões. O país fica suspenso, parado no tempo, sem puder discutir as opções do presente e futuro porque o Governo está ocupado em fustigar a oposição com supostos erros cometidos na década de noventa.

Ter um governo num terceiro mandato intolerante perante dissensões internas, intransigente com os adversários políticos e refractário à real autonomia de centros de saber como as universidades não pressagia nada de bom para o país. A realidade mundial complexa e perigosa particularmente para pequenas economias como Cabo Verde exige da liderança nacional muita imaginação, flexibilidade e capacidade de aprender com os outros. Os 100 dias do Governo do dr José Maria Neves deixam antever sinais do que de pior quanto á arrogância, o autoritarismo e a intolerância terceiros mandatos podem brindar aos governados. Oxalá não seja assim. Para bem de todos e da república.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 29 de Junho de 2011

quarta-feira, junho 22, 2011

Insegurança aprofunda-se

Tráfico de armas parece que já é uma realidade em Cabo Verde. Informações vindas a público nas últimas semanas deram conta da existência de um comércio activo de compra e venda de armas de guerra envolvendo nacionais e estrangeiros. Duas constatações feitas nas operações de recuperação das armas emprestaram especial gravidade à questão: Ficou-se a saber que parte das armas no tráfico resultam de roubos feitos nos paióis da Forças Armadas. E que o Governo estava praticamente às escuras quanto à dimensão do problema.

Segundo a Inforpress as Forças Armadas conseguiram recuperar “70 pistolas makarov de calibre 9 mm, 17 metralhadoras AKM de calibre 7,62 mm, mais de duas mil munições reais, munições de pistolas Makarov, carregadores de AKM e cordão detonador utilizado para accionar explosivos”. Fontes militares confirmaram que “ainda falta muito material por recuperar”. Nas operações foram apreendidas armas diversas entre as quais 15 espingardas automáticas AKM que não constavam do arsenal das FA.

De todo este imbróglio várias questões se colocam. Uma é se o governo garante que as forças armadas têm os recursos materiais, humanos e institucionais para não só cumprir a sua missão de defesa nacional como também para impedir que as suas armas munições e explosivos caem nas mãos erradas alimentando o tráfico e fazendo escalar o nível de violência no país. Outra questão é em que medida a insistência em manter demasiado porosa a fronteira nacional tem inexoravelmente trazido para as ilhas os problemas graves de tráfico de droga, de armas e de pessoas que assolam os países da costa africana, a mais de 500km distante. Uma outra questão ainda é se os meios utilizados na investigação dos desvios de armas, no combate ao tráfico e na recuperação das armas trazem mais segurança para o país e para os cidadãos.

Notícias vindas a público revelam que as operações de recuperação das armas foram realizadas pelas forças armadas. Autoridades militares convidadas a fazer declarações para imprensa declinaram dizendo que as operações eram “secretas”. Informações citadas por órgãos de comunicação social dão conta que as FA teriam cercado bairros e feito buscas

domiciliárias. Em todos os relatos sobre a matéria não houve referência à presença da polícia nacional e nem se falou da polícia judiciária envolvida na investigação dos crimes. Da procuradoria-geral da república também não se ouviu nada, mesmo quando surgiram indícios que medidas coerção (sevícias e torturas) estariam a ser utilizadas nas investigações. Tudo isso é muito estranho e foge ao que se espera do normal funcionamento da república

O Governo tende a contornar a responsabilidade central do Estado em matéria de segurança sempre que é confrontado com as exigências dos cidadãos perante a violência urbana e outros crimes. Insiste na ideia “segurança partilhada”. E isso tem tido consequências. Diminui o nível de alerta das instituições de segurança perante as ameaças emergentes. Expõe as forças policiais a perigos inesperados como o de confrontar-se com elementos criminais munidos de armas de guerra. Sobrecarrega o tesouro público com pedidos de mais meios de armamento ou de unidades policiais especiais para fazer face a situações que só se tornaram graves porque não identificadas a tempo e inteligentemente confrontadas. E acaba por provocar a erosão dos direitos fundamentais dos cidadãos porque com a escalada de violência aumentam as possibilidades de abuso policial como aliás tem sido denunciado por entidades nacionais e internacionais.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 22 de Junho de 2011

quarta-feira, junho 08, 2011

Desresponsabilizar não rima com governar

É uma pergunta que devem colocar á administração da Electra e não ao Primeiro-ministro”. Foi assim que o PM respondeu ao jornalista que lhe colocou o problema angustiante de energia e água que os caboverdianos enfrentam no seu quotidiano e que para os praienses nas duas últimas semanas se tornou num verdadeiro pesadelo. A atitude displicente do PM em simplesmente “passar a bola” deixou o país perplexo. Todos intuem a dimensão e complexidade da questão e sabem que ultrapassá-la exige uma intervenção qualificada do Governo.

O Governo deixou arrastar por demasiados anos a situação de precariedade no sector. As consequências sentem-se designadamente na qualidade de vida das pessoas e na competitividade da economia. O diálogo descrito entre o PM e o jornalista ilustra muito bem o que tem sido a resposta do governo sempre que confrontado. Adia a questão ao mesmo tempo que procura desviar a atenção do público com novos anúncios, novos eventos e novas realizações. Mas os problemas não se esvaem simplesmente no ar. Permanecem e um dia há que os enfrentar.

A lição que chega de fora é que países e governos não podem esconder para sempre os desafios que a realidade mundial coloca às respectivas sociedades. Não podem impunemente iludir-se e iludir a nação que as dificuldades vividas ou emergentes acabarão por resolver-se por si. Um dia “alguém” vai acabar por aparecer, a bater a porta e a pedir contas ou como emissário do mercado de capitais ou do FMI. E aí não há escape possível e então há que confrontar as deficiências antes ignoradas, há que fazer as reformas que gritavam por ser feitas e há que mudar a atitude que todos complacentemente aceitam como natural e até “cultural”. Nas eleições de domingo passado Portugal finalmente aceitou mudar de rumo, como antes fizeram a Grécia e a Irlanda.

A história da Electra de há uns anos para cá tem sido uma história de equívocos e inverdades. A interferência do Governo na gestão da empresa seguiu interesses políticos de curto prazo com resultados desastrosos para o sector de energia e água, para a reputação da empresa e para competitividade da economia nacional. O que hoje se vive resulta de vários factores. Em particular dos persistentes défices tarifários que descapitalizaram a empresa, dos investimentos essenciais que não foram feitos no tempo próprio e da ausência de política energética que deixou a empresa sem norte. Mas de tudo isso o Governo vem se desresponsabilizando.

Passando a bola aos outros, culpando a oposição e mesmo inventando sabotadores pode-se segurar no Poder e mesmo ganhar eleições. Mas nem por isso os problemas desaparecem. Portugal teve de repetir eleições em menos de dois anos para finalmente estar em posição de se confrontar com a realidade das suas dificuldades.

Em Cabo Verde vive-se quotidianamente com as consequências da incompetência e desresponsabilização na gestão do sector de energia e água. Aos governantes caboverdianos recentemente eleitos para um novo mandato fica o ónus de provar que não estão a seguir a via do logro, das inverdades por razões de Poder. Têm que demonstrar que reconhecem os problemas e que são capazes de os resolver da forma a que o sector potencie a economia nacional e deixe de ser um travão para o investimento.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 8 de Junho de 2011

quarta-feira, junho 01, 2011

Por onde pára a autonomia universitária?

O Governo resolveu mexer com os estatutos da Universidade pública de Cabo Verde. No preâmbulo do decreto lei 23/2011 justifica a intervenção com a realização das eleições legislativas e com os compromissos assumidos com os caboverdianos no âmbito dessas eleições. As alterações nos estatutos publicadas no BO de 24 de Maio fazem equivaler a Uni-CV a uma Entidade Para Empresarial (EPE), enquadram o Reitor como gestor público e prevêem assinatura de contratos programas. Nesses contratos ficarão inscritas a política do governo e as regras de gestão e prestação de contas.

A mudança dos estatutos aconteceu num momento muito peculiar. O período transitório na Uni-CV, originalmente previsto de dois anos e renovável uma só vez, estava a terminar. Devia seguir-se a eleição do reitor e de outros órgãos da universidade. E uma nova era de mais autonomia, de mais auto governo e mais liberdade para a comunidade académica nos domínios da criação intelectual e do ensino despontaria.

As cartas baralharam-se porém na sequência de eventos em que a UNIV-CV viu o seu reitor integrado nas listas partidárias para as legislativas e, depois das eleições, convidado para ministro do ensino superior. Em vez de garantir maior autonomia, o governo optou por reforçar a superintendência através dos decreto-leis 23 e 24/2011 de 24 de Maio. Uma nova alínea f no artigo 9º concede ao ministro poderes para aprovar alterações aos estatutos por diploma próprio. Expectativas de autonomia estatutária caíram por terra e a eleição do reitor ficou outra vez adiada.

A tentação de controlar politicamente a Uni-cv não tem servido os propósitos da universidade pública nem do ensino superior em Cabo Verde. As controvérsias que desde do início rodearam a nomeação dos órgãos da universidade têm sido de pouca ajuda na construção de um edifício institucional com credenciais académicos sólidas. O espírito centralizador prevalecente descarrilou percursos institucionais autónomos como os do instituto superior de educação (ISE) e do ISECMAR sem que sejam perceptíveis os ganhos. Bem pelo contrário.

A inversão de marcha que a publicação dos decreto-leis de 24 de Maio configura não contribui para a afirmação da universidade pública e não a coloca em posição de dar o impulso esperado para o desenvolvimento do país. Dias atrás Francis Fukuyama, em conversa com o Martin Wolf do jornal Financial Times, disse de forma peremptória que foi com a invenção do método científico e a sua institucionalização nas universidades que Europa conseguiu sobrepor-se ao resto do mundo a partir do século 17 e 18. Segundo ele a intersecção das ideias e das instituições sociais verificada foi essencial. O ambiente de tolerância, de troca de ideias e de não subordinação a autoridade absoluta do Estado ou da religião concorreu para isso e aprofundou-se por sua vez com a dinâmica gerada.

De facto o crescimento rápido que todos pretendem está intimamente ligado com a capacidade de inovar em produtos e processos. Mas isso só acontece com liberdade de criação, com autonomia das universidades em relação ao poder político e com uma sociedade civil vibrante que não se deixa limitar nas suas opções pela estreiteza e conveniência de quem no momento manda.

Editorial do jornal “Expresso das Ilhas” de 1 de Junho de 2011

quinta-feira, maio 26, 2011

Quem tem razão?''

As sondagens da Afrosondagem a colocar no mesmo nível de intenção de voto os dois candidatos provenientes do PAICV indiciam uma divisão clara do eleitorado do Paicv. O facto do candidato escolhido estar em pé de igualdade com o candidato rejeitado abre um caminho para se determinar a posteriori quem realmente tinha razão: se era a maioria do Conselho Nacional do Paicv e o seu presidente Dr. José Maria Neves ou os são apoiantes do Dr. Aristides Lima.

A muito provável 1ª volta das eleições presidenciais já se configura como arena para se saber quem aos olhos do “povo” do paicv e do seu eleitorado goza de mais apoio. Os resultados das eleições vão ter consequências mais profundas do que as previsíveis á partida. Quem ganhar, além de provar-se certo nas suas opções vai arcar com a tarefa de reunir os militantes e simpatizantes para se fazer eleger na segunda volta. E isso todo esse recrudescer de actividade politica não deixará de se repercutir não só nas próximas eleições autárquicas como também na eleição da nova liderança no próximo congresso em 2013.

A vitória do candidato do presidente do partido reforçará o peso político do Primeiro Ministro e a sua capacidade em decidir candidaturas para as eleições autárquicas. Uma derrota não teria provavelmente consequências somente na governação. O anúncio de fim de carreira como PM pelo próprio, por muitos considerado prematuro, introduziu um factor “complicante”. Líderes que se põem a prazo ficam sujeitos a quebras catastróficas de confiança que podem deixá-los sem qualquer espaço para continuar.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 25 de Maio de 2011

quarta-feira, maio 25, 2011

Cai o Pano

A renúncia de mandato da Dra. Isaura Gomes, Presidente da Câmara de S. Vicente, acabou por acontecer. Um desfecho de há muito esperado por adversários políticos. Repetidas suspeições, frequentes revelações bombásticas na imprensa e entrega a conta a gota de alegadas provas de corrupção acabaram por ter o seu efeito. Precipitaram um final após quebras prolongadas de saúde e ausências na liderança da câmara municipal.

As acções de desgaste tinham visivelmente mais natureza pessoal do que político. Para isso contribuiu a justiça sempre morosa em reunir os factos e em seguir o processo legal para encontrar culpados e ilibar inocentes. E em de vez de justiça assistiu-se a julgamentos na praça pública na sequência de operações policiais como o do cerco à câmara de S.Vicente e as muito publicitadas chamadas à PJ e ao Ministério Público para interrogatórios.

Na democracia espera-se que do confronto político e no jogo do contraditório alguns percam a confiança dos eleitores e espaço de manobra enquanto outros ganham capital político. A esfera pessoal dos que são chamados a servir nos cargos políticos não devia ser o alvo principal das investidas de adversários. Infelizmente, demasiadas vezes o é.

Para muitas mulheres essa é uma das razões para uma não participação política mais activa e mais competitiva. Mas o exemplo da dra. Isaura Gomes deve-se ver pela positiva. Sempre ousou. Por isso, o seu espírito combativo perdura na mente das pessoas e é um estímulo às jovens e menos jovens que procuram realizar-se em todas as esferas da vida pública e profissional.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 25 de Maio de 2011

quarta-feira, maio 18, 2011

Eleições presidenciais em tempo d´azágua

O presidente da república marcou as eleições presidenciais para o 7 de Agosto. A renovação do mandato dos titulares dos órgãos de soberania para actual quinquénio, iniciada com as eleições legislativas de 6 de Fevereiro ficará completa. O intervalo de 180 dias entre as duas eleições resulta da revisão constitucional de 2010. Com a separação entre as legislativas e as presidenciais pretendeu-se evitar o contágio entre uma eleição partidária e outra suprapartidária.

A entrada em vigor do novo texto constitucional em Maio de 2010 veio alterar o que até ao momento eram as expectativas quanto às datas para os certames eleitorais. Desde de 1991 que as eleições legislativas e presidenciais com a mesma periodicidade de cinco anos se verificam geralmente em Janeiro e Fevereiro respectivamente. A alteração das regras eleitorais por via da revisão constitucional, a menos dos dez meses previstos na Constituição de garantia de estabilidade da lei eleitoral, não foi completamente passiva. Para muitos a norma que separa temporalmente as duas eleições só deveria ser considerada nas eleições seguintes.

Entendeu-se diferente e a consequência imediata foi o prolongamento do mandato do presidente cessante. Prorrogação de mandatos de cargos políticos não é matéria tomada com ligeireza A legitimidade do exercício do poder em democracia implica a realização de eleições livres e plurais para cargos políticos cujos mandatos devem ser por “períodos certos, antecipadamente conhecidos”. Tentativas indevidas de prolongamentos de mandatos são condenadas, como alias já aconteceu em alguns países africanos e sul-americanos. Daí um certo desconforto em relação ao actual prolongamento. Não estava inicialmente previsto e parece demasiado longo. É o dobro do tempo que em regra a Constituição estipula para a realização de eleições em caso de vacatura e dissolução de órgãos políticos.

Os partidos políticos chamados pelo presidente da república para consulta manifestaram a preocupação com os constrangimentos que muitos eleitores no país e na diáspora poderão ter no seu exercício do direito do voto nos meses de Agosto e Setembro. Para os partidos o mês ideal seria Outubro. Findo o período de férias, potencialmente mais votantes iriam às urnas. Adiar para Outubro, porém, traria um custo suplementar em um prolongamento maior do mandato do presidente da república que poderia ir a quase oito meses.

Nas condições excepcionais para a realização das eleições criadas pela revisão de 2010 uma ponderação adequada teria que ser feita. Havia que conciliar a preocupação em criar todas condições para o exercício do direito voto com o princípio de mandato de tempo fixo. O presidente da república já no fim de dois termos e, provavelmente no fim de uma carreira política de várias décadas, não estará interessado em criar controvérsias de legitimidade com alongamento do mandato para além do prazo estabelecido.

A escolha que fez, 7 de de Agosto, parece ser a mais indicada para salvaguardar os direitos e princípios muitas vezes concorrentes que enformam a constituição da república. Em sede de revisão constitucional não se devia ter ignorado que ao estabelecer o período de separação de 180 dias as eleições presidenciais iriam necessariamente acontecer nos meses das águas, das férias e dos festivais de praia.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 18 de Maio de 2011

quarta-feira, maio 11, 2011

Hipocrisia na política

A interferência dos partidos nas eleições presidenciais suprapartidárias torna-se cada vez maior. A alteração constitucional que separou em seis meses as eleições legislativas e presidencias não teve o efeito esperado de evitar o contágio que a proximidade dos dois momentos eleitorais propiciava. Pelo contrário o intervalo criado, talvez por ser longo, tem servido por um novo protagonismo partidário: Acossar outros candidatos que não receberam o beneplácito do respectivo partido.

No MpD a pressa levou à impugnação e à posição dúbia do Conselho de Jurisdição. No Paicv os ataques ao candidato Aristides Lima ganham um outro vigor. Para atingir o candidato chegou-se ao ponto de abrir a discussão sobre nº2 do artigo 383 do código eleitoral.

Enquanto o alvo era o Carlos Veiga negou-se que essa norma ditava a suspensão automática de funções para os titulares de órgãos de soberana que anunciam publicamente a sua candidatura presidencial. Então dizia-se que o momento para a suspensão era o da apresentação formal da candidatura ao STJ, após a marcação das eleições pelo Presidente da República. Agora, mudam-se os argumentos. Fustiga-se Aristides Lopes por não fazer o que antes se condenara Carlos Veiga por ter feito. Conveniência reina, e a hipocrisia não menos.

Curioso neste reabrir da discussão é a disponibilidades de vários juristas em nela participar. Ao longo de anos e até há poucos dias atrás perseguiu-se o Dr. Carlos Veiga com acusações de abandono do Governo. Foi matéria forte dos debates de campanha eleitoral apesar desde de 2000 existir jurisprudência constitucional a clarificar a questão. Nunca se ouviram outras vozes autorizadas a pronunciarem ou para se mudar a lei ou a para a confirmar, pondo fim ao seu uso como arma de arremesso político.

O rompimento do silêncio porque se mostrou conveniente atacar Aristides Lima deixa perceber aspectos preocupantes. Primeiro: persiste a cultura política de que a lei pode ser instrumentalizada. E segundo, que o debate não é livre e cumplicidades se constroem, com a ajuda da comunicação social, para omitir ou favorecer certas matérias seguindo certas agendas políticas. Em consequência, há tensão permanente entre o princípio do primado da lei e os resquícios de cultura revolucionária existentes. Outrossim nota-se que ainda é forte a tentação de se manipular memórias, de se rescrever permanentemente a história e de se retirar objectividade aos factos e trata-los como partes de uma narrativa construída segundo as conveniências do momento.

Vários estudiosos chamam a atenção pela tensão permanente que existe entre os valores da república e os valores da democracia. Se a vontade da maioria for deixada livre para se exprimir sem se sentir obrigada pelas leis e contornando as instituições pode constituir-se em ameaça grave para os indivíduos e para as próprias instituições. As eleições presidenciais em cabo Verde estão a ser desvirtuadas precisamente porque maiorias dentro dos partidos não olham a meios no seu esforço de partidarizar um cargo cuja natureza suprapartidária é fundamental para os “checks and balances” das instituições da república.

Os ataques de hoje acontecem porque ontem muitos se calaram quando manifestações sem controlo de maiorias atropelaram direitos e instituições. Estar presente como protagonistas principais nos primórdios da construção da república e das instituições democrática é um privilégio histórico que traz com ele uma grande responsabilidade. O legado que se deixa às gerações seguintes depende muito da atitude, convicções e postura adoptado em todos os momentos. Deixar-se guiar pela conveniência e sacrificar valores não é certamente o caminho a seguir. O que se semeia hoje, colhe-se amanhã.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 11 de Maio de 2011