Jorge Carlos Fonseca vence na 2ª volta as eleições presidenciais de 2011 com uma margem sobre o adversário de mais de 15 mil votos. A vitória de JCF contrariou sondagens sucessivas feitas nos últimos meses que previam que no caso de passar à segunda volta dificilmente conseguiria bater qualquer dos outros dois candidatos. A renovação do espírito de cidadania verificado nestas eleições certamente teve um papel na alteração do ambiente político inicial. E o inesperado aconteceu para júbilo e alívio de muitos.
O protagonismo excessivo do Governo e do Estado provocou um súbito despertar cívico. Os métodos utilizados em granjear influência política com o objectivo de atingir objectivos eleitorais fizeram soar os alarmes. Falou-se em compra de votos, em manipulação de consciências e em ameaças de perda de trabalho e de demissão de cargos. Viu-se por todo o lado a presença forte de membros do governo, de altos funcionários e de dirigentes de empresas e institutos públicos em campanha eleitoral a favor do candidato de preferência do partido no Governo. E o surpreendente colapso nas urnas da candidatura de Aristides Lima veio relembrar a eficácia dos métodos do Poder em fazer valer a sua vontade particularmente junto dos mais vulneráveis.
A reacção popular à visível arrogância do Governo sentiu-se na segunda volta. O número de votantes aumentou em quase 20 000 e tudo indica que massivamente escolheram JCF. Uma parcela importante dos outros candidatos também se juntou a JCF em protesto contra a utilização de recursos e da autoridade do Estado numa eleição suprapartidária.
O impulso recebido por esta vaga de cidadania reforça extraordinariamente o mandato de quem já tinha proclamado que o seu caderno de encargos é a Constituição. De facto, os cidadãos caboverdianos mostraram-se nestas eleições revoltados contra o uso abusivo do poder do Estado para forçar lealdades e punir adversários políticos. Mostraram-se também indignados contra a injustiça de obrigar as pessoas vulneráveis a dar votos e apoio político em troca do que recebem do Estado e de outras entidades subsidiadas por fundos públicos. Ao terceiro presidente da II República caberá velar para que Cabo Verde continue a ser uma “república de cidadãos livres” e não de cidadãos de segunda classe como nos regimes de partido-Estado.
A percepção geral dos vinte anos da II República é que o exercício do cargo do PR não tem sido pleno no sentido de fornecer checks and balances ao sistema, de contribuir para que todos os actores se revejam no regime constitucional vigente e de ser uma força motriz e orientadora do desenvolvimento e aprofundamento institucional necessário à consolidação da democracia. Há que dar um outro conteúdo à actuação do PR, mais conforme com as exigências constitucionais. Espera-se pois do presidente eleito um novo e mais activo protagonismo no equilíbrio do sistema democrático, no aprofundamento da institucionalização do país e no desenvolvimento de uma cultura de Constituição e de respeito pelas leis.
Editorial do jornal Expresso das ilhas de 24 de Agosto de 2011