sexta-feira, fevereiro 19, 2016

Falta vontade

Nestes últimos dias tem feito eco por todos os órgãos da comunicação social a ideia de trazer reformados da Europa para Cabo Verde para beneficiarem do bom clima, da boa convivência e dos prazeres do sol, das praias, montanhas e vales exóticos das diferentes ilhas. A ideia teria saltado para a comunicação social no acto de lançamento em Luxemburgo do fundo de investimento dirigido para empreendimentos turísticos em várias ilhas do Norte do país que contou com a presença do Primeiro-ministro José Maria Neves. Tomada como original e ter provavelmente maravilhado alguns pelo alcance e possível impacto, a ideia irá certamente correr o seu curso por vários circuitos e condimentar várias intervenções políticas. Aliás, já começou. Só se espera é que a “onda” não vá morrer na “praia” sem deixar marcas permanentes.
A ideia não é nem nova nem original. Este jornal, em vários editoriais e reportagens desde há mais de cinco anos, tem vindo a chamar a atenção para as vantagens de uma outra abordagem em relação ao turismo, associando imobiliária residencial e prestação de serviços de saúde virada para a terceira idade. No mesmo sentido tem-se pronunciado colunistas deste mesmo jornal em sucessivos artigos ao longo dos anos. Certamente muitos outros em outros fóruns também terão chamado a atenção para o obvio: Cabo Verde está a poucas horas da Europa e deveria poder oferecer a um continente rico com uma população a envelhecer e com custos crescentes de saúde uma alternativa de repouso, bem-estar e entretenimento em ambiente de segurança e de tranquila interacção cultural.
O problema com as ideias ou visões desta natureza é que em Cabo Verde não têm muito futuro. Podem até entusiasmar a princípio, aparecer em discursos de políticos ou em momentos de debate. Depois desaparecerem e não poucas vezes reaparecem, nem sempre recauchutados mas sempre com um ar de originalidade que só envaidece quem as proclama. Em vez do destino costumeiro que se dá a muitas ideias válidas, devia-se é explorá-las para ver até que ponto podem ser inovadoras, podem potenciar a criação de novos mercados e criar novos postos de trabalho. Os hábitos adquiridos com o modelo de desenvolvimento baseado na ajuda externa inibem outras posturas do Estado que não seja a de arrecador/distribuidor de recursos externos. Ideias e oportunidade passam sem que sejam agarradas por quem antes de acabar o último projecto já está a pensar no próximo e em quem vai sacar o financiamento necessário para isso. Não estranha que o país não avance significativamente mesmo com financiamento de muitos milhões ao longo dos anos. Muitos destes investimentos são exercícios fechados em si próprios sem resultados comensuráveis e sustentáveis e são concebidos normalmente sem grande preocupação com os resultados.
As pessoas não parecem preocupar-se realmente com facto de, depois de centenas de milhões de dólares gastas em infraestruturas, o desemprego continuar tão elevado. Nem tão pouco parecem estar desconfortáveis com o facto de, depois dos grandes investimentos públicos terem sido feitos o país caiu para níveis de crescimento demasiado baixos com um sector privado em colapso e um sector laboral frustrado com o desemprego existente. Ideias para sair desta situação pululam por aí mas não há acção consequente. Diz-se que se está a apostar no turismo mas não se vê a vontade forte para reinar sobre a insegurança, regular o mercado de oferta de serviços, resolver o problema da habitação, de saneamento básico e dos cuidados de saúde nem de formar trabalhadores e criar uma cultura de serviço a nível das exigências do mundo. Fala-se em clusters do ar e do mar e ainda em praças financeiras e não se descortina o esforço necessário para fazer de Cabo Verde um país realmente competitivo e com um bom ambiente de negócios. 
A atitude perante dois programas americanos distintos, o MCA e AGOA, deixa transparecer o que está por detrás desta aparente contradição entre o pensar e o fazer. O MCA é um programa de ajuda directa e é adorado pelas autoridades cabo-verdianas. AGOA é um programa de ajuda indirecta, “Aid for trade” pela via de acesso preferencial ao mercado americano; vem desde o ano 2000 e é basicamente ignorado. Mas no Lesotho até 2014 esteve na origem de mais de 35 mil novos postos de trabalho. O governo cabo-verdiano faz o discurso convencional de se comprometer com o programa de incentivar o sector privado e promover as exportações mas na prática parece preferir o modelo de ajuda que mais confortavelmente lhe assiste nos seus desígnios de poder.
Concluindo, pode-se afirmar que ideias e visões de desenvolvimento não faltam. Toda a gente sabe o que há a fazer. O que falta é a vontade de mudar as coisas.  
     Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 17 de Fevereiro de 2016

quarta-feira, fevereiro 17, 2016

Dissimulação e truculência

O governo representado pelo ministro com a tutela da comunicação social decidiu dar o nome de Corsino Fortes ao novo estúdio da Televisão Pública. Na placa descerrada vê-se que a homenagem não é dirigida ao poeta enquanto símbolo da liberdade criativa, da afirmação do indivíduo e de profunda identidade com Cabo Verde. É feita ao ex-Secretário de Estado da Comunicação Social entre 1983-1985, dos tempos da ditadura do partido único. A questão que se coloca é como conjugar a homenagem ao governante pela televisão que então se criou com os valores que hoje se exige à televisão pública. Nos anos idos da década de oitenta a televisão como a rádio pública e o jornal do Estado eram tidos como órgãos de propaganda do regime vigente. O secretário de estado da comunicação social conjuntamente com o ministro da educação, directores do Voz di Povo, da rádio nacional e da tvec fazia parte de um conselho nacional de informação que tinha por missão promover o reforço de divulgação da ideologia e da política do partido em todos os órgãos de informação.  Quanto aos jornalistas, o então presidente da república Aristides Pereira era peremptório em dizer que “na luta pela afirmação da personalidade nacional temos que agir com base no princípio de que não há especialistas em informaçãoHá, sim, militantes que coordenam em diversos escalões o trabalho de levar a cada cidadão por todos os meios possíveis o conhecimento de como se desenrola o processo em que é chamado a participar, de construção dos alicerces do país”. Essas referências são hoje completamente deslocadas. Agora exige-se dos jornalistas da televisão pública que sejam independentes do poder político, do poder  económico e do poder administrativo. O director da televisão só é nomeado ou demitido mediante parecer prévio e favorável da Autoridade Reguladora da Comunicação Social. A TCV já não é a única televisão permitida no país. Operadores privados de televisão podem conseguir licenças para emitir e produções independentes de conteúdos são estimuladas ao contrário do que aconteceu nos anos oitenta em que iniciativas de cidadãos como o Vídeo Clube do Mindelo foram suprimidas para que a TVEC reinasse sozinha. É evidente que a homenagem ao Secretário de Estado é de facto uma homenagem ao governo de outrora. Este governo do Paicv não perde oportunidade em branquear o regime do partido único e em contrapor as práticas do partido único aos princípios e valores da Constituição liberal e democrática. Provavelmente estará a alimentar velhas cumplicidades que ainda se mostram politicamente úteis nos tempos actuais.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 742 de 17 de Fevereiro de 2016.

terça-feira, fevereiro 16, 2016

Reguladoras ricas

As agências de regulação são criadas na ideia de serem os baluartes do interesse público, protegendo os consumidores, preservando a concorrência e promovendo a inovação. Para isso devem garantir que a prestação do serviço público é feita com qualidade, segurança e cobrado um preço justo. Também que nenhum privado ou grupo consiga mover-se para uma posição de monopólio e determinar preços e que suficiente espaço deve existir para soluções ou iniciativas inovadoras favoráveis aos consumidores e à competitividade do país. Ninguém espera que se tornem abastadas ou dêem sinais de riqueza as entidades públicas envolvidas na prestação deste serviço. Por uma razão muito simples: se têm excedentes na gestão o mais provável é que estejam a tirá-los dos consumidores. Podem imputá-los aos operadores, mas certamente que estes os farão repercutir sobre os consumidores. O que acabam por cobrar não são taxas pagas por serviços prestados, mas sim uma espécie de imposto que sobrecarrega a todos e é ilegal e injustamente aplicado. O governo, perante situações de excedentes apreciáveis na gestão das agências reguladoras, devia proceder à revisão das taxas aplicadas não só para proteger os consumidores como também para evitar deformações em todo o processo de formação de preços. Não deve é cair na tentação de criar eventuais sacos azuis passíveis de serem utilizados em situações de transparência duvidosa.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 741 de 09 de Fevereiro de 2016.

domingo, fevereiro 14, 2016

Auto-complacência

A agência de rating Fitch põe a dívida pública de Cabo Verde em 2015 a 120% do PIB. A economia continua anémica e o mais provável é que não passe de uma taxa de crescimento de 1% no ano de 2015, abaixo da taxa de crescimento de Portugal e da zona euro com quem Cabo Verde tem um acordo cambial. O desemprego mantém-se acima dos 15% e é muito mais elevado entre os jovens e o rendimento per capita desde 2013 vem diminuindo. As consequências já se notam nas manchas de pobreza que se espalham pelo país. Apesar desses índices que em qualquer país teria toda a gente a pensar em medidas urgentes para reverter a situação o que se vê é um governo a regozijar-se com relatórios internacionais que mostram  Cabo Verde em aparente boa posição relativamente a países do continente africano. Tirando a dificuldade de se comparar realidades tão díspares, estar à frente em relação a certos países não devia servir de consolação. Mas aparentemente serve: o aluno suficiente, considerado bom em relação aos medíocres e maus na gestão da ajuda externa, é premiado com mais ajuda. O único problema com este modelo de negócios é que, de facto, adia-se o desenvolvimento mesmo que se vejam alguns sinais de progresso em painéis solares, estradas asfaltadas e terminais modernos de passageiros. De facto, a economia estagna. Cabo Verde passou de 2008 para 20015 de uma dívida pública de 51% para 120% do PIB, ou seja, mais do que a duplicou. Mesmo sendo  concessional terá  sempre que ser paga. Só será paga porém se o país crescer a níveis muito superiores aos que se têm verificado nos últimos 5 anos. E isso não tem acontecido porque desenvolver não pode resumir-se a aproveitar a ajuda externa em recursos financeiros tal qual é apresentada e aplicá-la de forma que melhor sirva a vontade de se manter no poder mesmo deixando passar de lado oportunidades de crescer a taxas muito mais elevadas. O esforço de propaganda para obscurecer a realidade é cada vez maior. Tudo se presta a isso: anteontem foi o índice de pobreza e ontem já foi o relatório de resiliência. Exemplo são as previsões do governo e os fornecidos ao FMI, designadamente de previsão de crescimento para 2015, que acabam por divergir bastante dos dados reais. Aconteceu nos anos anteriores e voltou a acontecer este ano. Um outro caso estranho também foi o relatório da missão do FMI que, segundo declaração pública de Março de 2015, devia ser revisto pelo conselho de administração do FMI em Maio e que acabou por não acontecer. Não há qualquer registo nos arquivos online do FMI de que se tenha reunido para apreciar o relatório. É de se perguntar se, com tantos desencontros e omissões, o próximo governo não terá a surpresa de ver chegar uma equipa do FMI assim que tomar posse para se inteirar da situação real do país para além da propaganda.

sábado, fevereiro 13, 2016



Todos anos por altura do debate sobre o estado da Justiça e também na abertura do ano judicial colocam-se problemas de morosidade, de produtividade, de eficácia e da qualidade da justiça. Para além do tratamento que essas questões têm em sede do contraditório na Assembleia Nacional e também nos pronunciamentos anuais do presidente da república e de outros representantes de entidades ligadas à justiça, no dia-a-dia, devem ser preocupação permanente do Conselho Superior de Magistratura, o órgão de gestão da magistratura judicial. Para isso é fundamental o serviço de Inspecção Judicial. Com esse serviço pode-se verificar o estado de todos os serviços do tribunal e obter informações sobre o desempenho e o mérito dos juízes. Como se pode imaginar, a gestão que o CSM faz do sistema de justiça depende muito grau de efectividade da inspecção judicial. Aparentemente, porém, esse tem sido um dos calcanhares de Aquiles do sistema. Pelo que foi relatado na última edição do jornal “ASemana” há críticas sérias sobre o actual serviço. Fala-se designadamente de subjectivismo e de critérios desiguais na avaliação dos juízes. Independentemente da validade ou não das críticas, é facto que ao longo dos anos tem sido difícil erigir um serviço de inspecção judicial à altura. A própria lei de inspecção judicial só foi aprovada em Fevereiro de 2015 quase cinco anos depois da revisão constitucional de 2010 ter ampliado extraordinariamente os poderes do CSM. Parte das dificuldades advém provavelmente da própria pequenez do meio e do número reduzido de magistrados. Inspecção ao trabalho dos tribunais e ao mérito dos magistrados compreende a avaliação por colegas de profissão que muitas vezes se vêem constrangidos pela proximidade, amizade e familiaridade. Não é por acaso que o serviço durante anos foi praticamente inexistente ou trabalhou com um mínimo de pessoal. Muitos recusaram o convite feito para o integrar. O facto porém é que o trabalho dos juízes exige competência técnica e precisa ser monotorizado e avaliado também com competência para que o sistema no seu conjunte melhore, para que a meritocracia prevaleça nos processos de selecção e de promoção e para que o país e os cidadãos beneficiem de uma justiça efectiva e célere. Onde encontrar os recursos humanos para isso é o busílis da questão considerando que não é só reunir competências como também nesta fase inicial do Estado de Direito e da democracia ultrapassar os constrangimentos da pequenez e da proximidade. Países novos como Timor têm recorrido a magistrados de outros países entre os quais vários magistrados cabo-verdianos para preencher as insuficiências do seu sistema judicial. Hoje no mundo global mesmo países como o Reino Unido recorrem a nacionais de outros países para o exercício de cargos de algum grau de exigência técnica no domínio de políticas públicas. É o caso do canadiano Mark Carney que é actualmente governador do Banco de Inglaterra ou de Stanley Fischer que de governador do Banco de Israel passou para vice-governador do Federal Reserve Bank dos Estados Unidos. Não parece pois descabida a possibilidade de se recorrer por algum a tempo a magistrados experientes de outros países para ajudar a construir um corpo de magistratura altamente competente e produtiva que, de facto, fizesse o sistema judicial cabo-verdiano servir com celeridade o desejo de justiça dos cidadãos e ser mais um factor de competitividade do país. Funcionando como até agora dificilmente deixaremos de ouvir as mesmas queixas repetidas todos os anos nos momentos rituais de avaliação do estado da Justiça.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 741 de 09 de Fevereiro de 2016.

sexta-feira, fevereiro 12, 2016

JMN candidato

Depois de várias sugestões dadas ao longo da semana de que poderá vir a ser candidato presidencial, e de muitos tomarem isso como certo, o Dr. José Maria Neves vem dizer que só será candidato se puder passar a sua ideia de presidência. Alavancar e mobilizar a nação global e mobilizar os cabo-verdianos para a construção de um Cabo Verde mais forte são os objectivos que põe em mira da sua presidência. O problema com esta visão da presidência é que é, de facto, a visão de um primeiro-ministro, ou seja, de quem chefia o órgão de soberania que realmente governa. O Presidente representa a república, é o garante da unidade do Estado e zela pelo normal funcionamento das instituições. Obviamente que não tem programas para o horizonte de 2030 como parece desejar JMN. Nesta fase do embate para as legislativas, compreende-se que o PAICV, em pré-anunciando pela voz da sua presidente o seu apoio a uma eventual candidatura de JMN, queira consolidar a sua unidade interna e cicatrizar feridas recentes e antigas. Passado porém o momento das legislativas, JMN quer ter as mãos livres para decidir. As condições que já antecipa para se candidatar provavelmente só poderiam realizar-se num outro quadro constitucional que por sinal não é o que tem vindo a preconizar até há bem pouco tempo. Ser candidato numa perspectiva de um sistema de pendor mais presidencialista não estará a ir contra as posições recentes em que se mostrava mais adepto de um sistema de chanceler que em muitos aspectos caracteriza o que alguns podiam chamar de presidencialismo do primeiro-ministro? Será mais um caso para se dizer “Mudam os cargos, mudam as perspectivas”.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 741 de 09 de Fevereiro de 2016.

Capital estrangeiro precisa-se

O Primeiro-ministro José Maria Neves anunciou que vai a Luxemburgo nos próximos dias à procura de fundos para investir em vários projectos para as ilhas do Norte. Promete que depois no âmbito de um Afroverde 2 será a vez de projectos nas ilhas do Sul. Pena que esteja a organizar essas ofensivas de atracção de investimento estrangeiro para Cabo Verde no fim dos seus 15 anos de governação. Pena ainda que esteja a disponibilizar-se para isso quando já ficou evidente que está-se a inverter o sentido da movimentação de capitais ao nível mundial. No fim da semana passada o chamado banco central dos bancos centrais, o BIS, deixou entender que se iniciava um novo ciclo em que o volume de capitais vindos dos países emergentes em direcção aos países desenvolvidos era superior em muitos bilhões de dólares ao que se dirigia em sentido contrário.
Quando, em vésperas de eleições legislativas, Cabo Verde parece acordar para a necessidade de conseguir capitais estrangeiros para financiar a sua economia, é precisamente o momento em que o mundo dá a impressão de estar mais uma vez à beira de uma recessão. Vários acontecimentos como, por exemplo, a brusca travagem no crescimento da China, a queda dos preços de petróleo, as dificuldades crescentes dos países emergentes designadamente dos BRICS com excepção da Índia, o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos e as persistentes dificuldades da União Europeia com o euro e o problema das migrações não auguram nada de bom para a economia mundial. Economistas de renome falam de crises da dívida soberana em países que recentemente se endividaram no processo de investimento em infraestruturas e capacidade produtiva para responder à então demanda global e agora se vêem em dificuldades em servir a dívida numa conjuntura de alta do dólar e de diminuição brusca da procura de diferentes commodities.
Cabo Verde desperta agora para atrair capitais externos depois que de um sono em que se auto- induziu fazendo acreditar e acreditando desde a crise financeira de 2008 que o capital estrangeiro tinha desaparecido. A realidade é que só desapareceu o capital especulativo na imobiliária turística. Muito outro capital ficou disponível, mas naturalmente ou se dirigia para os países com matérias-primas e outros produtos em grande procura ao nível global ou então investia em países com uma excelente competitividade externa e com um bom ambiente de negócios. É evidente que Cabo verde pela sua pobreza em recursos naturais não pertence ao primeiro grupo. Mas também por não ser competitivo nem ter um bom ambiente de negócios dificilmente podia constituir um porto seguro e lucrativo para o investimento directo estrangeiro.
De qualquer forma o governo não estava para aí virado. Durante anos manteve a sua linha de governação conseguindo crédito e investindo em infraestruturas de valor e utilidade duvidosos e em que a relação custo/benefício não trazia qualquer conforto. Mesmo quando se tornou claro que a economia não arrancava apesar dos milhões investidos, o crowding in de investimento nacional e estrangeiro não acontecia e que o desemprego não caía como desejado e prometido continuou a insistir que a culpa estava na crise financeira internacional. Lá fora a liquidez dos mercados financeiros era enorme com as políticas dos banco centrais de injecção de dinheiro na  economia. Pouco ou nada chegava a Cabo verde porque nas condições existentes do país não se via onde e porquê investir cá.
Culpabilizar o outro pelo mal ou as dificuldades da vida é um jogo que já vem custando caro a Cabo Verde a todos os níveis. A perda de perspectiva da realidade é uma das suas principais consequências. Nas proximidades de mais um pleito eleitoral é crucial colocar na devida perspectivas as promessas eleitorais postas em cima da mesa. Há quem fale agora em priorizar o emprego numa perspectiva linear como se o desenvolvimento se fizesse em etapas pré-estabelecidas e tivessem momentos certos para acontecer. O desenvolvimento porém é muito concreto. As pessoas precisam ter um rendimento digno, ter possibilidade de escolha na organização da sua vida e encontrar o ambiente certo para dar vazas à sua imaginação, exercitar a sua iniciativa e saciar as suas ambições. 
Coarta-se tudo isso quando os agentes do Estado se colocam em posição de serem arrecadores/distribuidores de tudo e não de facilitadores/reguladores do progresso social e económico. A população é tornada submissa e passiva. Num ambiente desses ninguém vê necessidade para atrair capital estrangeiro. Exportações de bens e serviços não são vistas como prioridades. Confunde-se deliberadamente meios com produção, produção com vendas, produtos que não são transaccionáveis com os transaccionáveis. Enquanto durar a ajuda externa tem-se a ilusão do desenvolvimento. Quando a realidade muda, vêem-se as consequências: o rendimento decresce, aumentam os riscos macroeconómicos, a perspectiva de emprego perde-se  e cada vez fica mais difícil libertar-se da modorra que contamina a todos.
Uma outra atitude voltada para o mundo precisa-se. O país que escolhe um novo governo para os próximos cinco anos a 20 Março tem a oportunidade de se reconduzir para o caminho da realidade. Através do confronto democrático de ideias e projectos certamente vai encontrar o caminho para garantir liberdade, felicidade e progresso para todos.   
      Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 10 de Fevereiro de 2016

quarta-feira, fevereiro 10, 2016

Mercados



É interessante notar nos discursos políticos, nos debates e em simples conversas a preocupação central com os meios, as infraestruturas e mais recentemente com a produção. De fora da cogitação continuam ainda a ficar os mercados para venda dos bens e serviços. É como se todos reproduzissem o que em certas entidades públicas que contratam empresas, consultores e jornalistas para fazer uma revista institucional. Depois de editada e impressa a dita cuja fica nos caixotes e simplesmente não é distribuída para além dos poucos exemplares oferecidos na cerimónia de apresentação. A diferença é que, enquanto a revista já é paga à partida, no caso de o agricultor ou empresário não vender uma safra ou o primeiro contingente de produtos pode ser o início de um caminho doloroso para a ruína. Sem vendas não há retorno. Esta simples verdade parece não entrar com facilidade no discurso dos que se dizem preocupados com o desenvolvimento, o emprego e o rendimento das pessoas. Quando à questão dos mercados vem à baila os seus contornos são muitas vezes pouco claros. É o que se vê quando alguns falam de aceder ao mercado dos 300 milhões habitantes da CEDEAO. Não se vislumbra o que se vai comprar e o que se pode vender e como tudo irá se processar para na região se ir além dos actuais 3% do comércio global do país. Da mesma forma fala-se do potencial de dezenas de milhões de euros nos mercados turísticos da ilha do Sal e da Boa Vista. Não se mete imediatamente na equação, por um lado, o sistema de transportes praticamente inexistente, os fretes caríssimos e os vários custos na carga e descarga nos portos. Por outro lado, esquece-se da relação estrita que os donos destes e de muitos hotéis semelhantes por todo o mundo têm com os seus fornecedores. Também se esquece que os mesmos fornecedores com acesso directo aos portos das ilhas turísticas têm custos de transporte claramente inferiores ao produtor nacional de Santo Antão, Santiago ou Fogo. Dificilmente se pode ser competitivo nestas circunstâncias. Fazer da agricultura em Cabo Verde um negócio rentável teria que passar necessariamente por seleccionar produtos com grande valor acrescentado, introduzir padrões de qualidade comparáveis aos da União Europeia, desenvolver canais de distribuição adequados e garantir um sistema de transporte fiável e a baixo custo. Sem acesso aos mercados, o investimento, o esforço e a esperança das pessoas simplesmente se perdem.  

terça-feira, fevereiro 09, 2016

ANAC e o financiamento da TDT

Pelo Boletim Oficial de 28 de Janeiro de 2016 ficamos a saber que o governo autorizou a ANAC a financiar no valor de 1 milhão e 670 mil contos a instalação da Televisão Digital Terrestre (TDT). Na Resolução do Governo aí publicada estabelece-se que “o investimento necessário ao processo de transição e às infraestruturas de difusão é financiado pela ANAC com recurso às receitas do espectro radioeléctrico e o somatório dos saldos transitados nos últimos anos e subsequentes”. A primeira grande novidade desta resolução é que uma agência reguladora consegue acumular receitas de mais de 16 milhões de dólares. Uma outra novidade é que parece que a ANAC tem ficado isenta de remeter ao tesouro o excedente, ou lucro, resultante da sua actividade. Em princípio a receita do espectro radioeléctrico que é parte do domínio público devia ser entregue às Finanças numa base anual para depois encontrar um destino no quadro do Orçamento do Estado. O mesmo destino devia ter tido o excedente na gestão da ANAC. O governo preferiu diferente e então tem-se uma agência reguladora independente a financiar a instalação de uma nova plataforma de comunicação e a criação de uma nova empresa pública de transporte e difusão de sinais a partir de uma autorização dada por uma resolução do governo e, supõe-se, fora do quadro do Orçamento do Estado. O papel da ANAC ainda vai mais longe quando através da mesma resolução o governo autoriza-a a proceder à aquisição de todos os bens e serviços e a celebrar todos os respectivos contractos. Depois disto é de se perguntar em que tipo de entidade se converteu a ANAC?

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 741 de 09 de Fevereiro de 2016.

segunda-feira, fevereiro 08, 2016

Conversão de cabo-verdianos ao islamismo

O conselheiro de Segurança Nacional em entrevista ao jornal asemana disse que temos que encarar como natural o fenómeno do aumento da população muçulmana em Cabo Verde resultar do crescimento da conversão de cabo-verdianos a essa religião. De facto a conversão ao islamismo seria natural e seria visto como uma decisão pessoal em matéria de fé religiosa se não houvesse outros interesses. Em muitos países designadamente no Senegal e noutros países vizinhos da costa ocidental detecta-se uma acção deliberada de islamização alimentada por dinheiro da Arábia Saudita. Aproveitando-se da situação de pobreza, constroem-se redes sociais de suporte às pessoas que depois são islamizadas dentro de uma doutrina ultra -conservadora chamada wahhabismo. Para muitos analistas internacionais esta ofensiva do islamismo conservador está ligada ao desenvolvimento de movimentos jihadistas que nas condições certas podem tornar-se em viveiros de terroristas. Assim como muitos governos não tomam de ânimo leve certas movimentações dentro das suas fronteiras, particularmente depois de terem assistido à radicalização de gente insuspeita, também Cabo Verde deve cuidar para que as dificuldades vividas pela sua gente não sejam aproveitadas para propósitos obscuros. Infelizmente o hábito de receber ajuda em troca de favores políticos está bem implantado no país o que torna mais difícil conseguir o repúdio das comunidades contra tais práticas quando aparecem de outras fontes. E não é certamente pelo esforço de integração da comunidade muçulmana no país que se vai eliminar eventuais ameaças. Países como a França e o Reino Unido, com diferentes estratégias de integração, não conseguiram evitar que processos de radicalização contaminassem um número significativo de jovens. Mesmo países africanos com vasta população muçulmana como o Senegal estão a ter problemas similares como provam os últimos acontecimentos. Não podemos pensar que estamos isentos disso e que os potenciais radicais são facilmente identificáveis porque “são pessoas sem laços”. 

domingo, fevereiro 07, 2016

Terrorismo

A ameaça terrorista na África Ocidental é cada vez mais real e está a aproximar-se da costa. Durante algum tempo quase que confinada ao Mali, surgiu há semanas atrás no Ouagadougou, Burkina Faso, matando mais de uma centena de pessoas e já dá sinais de presença em Dakar e Abidjan. A polícia senegalesa, na semana passada, prendeu mais de 900 pessoas entre as quais pregadores do islamismo radical e tomou medidas de segurança apertadas nos hotéis, pontos turísticos e lugares de entretenimento. Em Abidjan também a polícia aumentou o seu nível de alerta em antecipação de ataques. Em Cabo Verde, a sensação que se tem é que estamos basicamente “nas mãos de Deus”. O Chefe de Estado Maior das Forças Armadas , em declarações à imprensa, disse que depois da visita à ilha do Sal ficou a sensação de que os hotéis são pouco protegidos. Acrescentou ainda que Cabo Verde tem “fronteiras permissivas” e que “há baías e muitas ilhas onde se pode fazer desembarques”. O problema é que há muito que se conhecem essas vulnerabilidades, mas não se vê acção consequente. Conta-se muito com a cooperação internacional mas sem uma adequada estruturação das forças de defesa e segurança e sem ultrapassar os constrangimentos que limitam a coordenação entre elas não se consegue fazer o melhor uso da ajuda externa e responder efectivamente às ameaças que se colocam ao país. Atitudes similares de falta de consequência numa área por sinal conexa, que é a de busca e salvamento, deixaram o país completamente exposto no caso do afundamento do navio Vicente, que aliás era um desastre que há muito se vinha anunciando nos acidentes que o antecederam. Medidas sérias e urgentes têm que ser tomadas para que se continue a vender o país como um paraíso tropical no meio do Atlântico. Nas ilhas não se espera encontrar o que no continente é muitas vezes inevitável. Ilhas podem ser defendidas de forma mais efectiva de doenças, epidemias, crimes e terrorismo. Há que agir decisivamente para que assim seja. O bem-estar e a prosperidade das nossas gentes dependem disso. 

sábado, fevereiro 06, 2016

Oportunidades e Sistema de Preferências

A União Europeia renovou mais uma vez a possibilidade de Cabo Verde exportar para o seu mercado com tarifas mais baixas, no quadro do Sistema de Preferências Generalizadas Mais. O objectivo é de, fazendo os produtos de exportação de Cabo Verde pagar menos, torná-los competitivos com produtos similares de outros países. Porque se tem de renovar, vê-se que não é eterno. No entrementes, quem ajuda espera que o país assim ajudado aproveite a oportunidade para arrumar a casa, ou seja para criar capacidade, aumentar a produtividade, melhorar a qualidade. As exportações de produtos de pesca têm beneficiado grandemente deste sistema de preferências. Mas, porque se tem ficado muito aquém do desejado em termos de capacidade de captura do pescado, a União Europeia tem garantido a Cabo Verde uma derrogação quanto à origem do peixe que depois é processado nas fábricas e enviado para a União Europeia. Também não é algo que irá eternizar-se. Impõe-se portanto que o governo vá além do regozijo com essas renovações e aja estrategicamente para que Cabo Verde se torne realmente competitivo, desenvolva a sua capacidade de captura e não fique dependente da competitividade preferencial que é sempre conjuntural. O sistema de preferências, que isenta tudo menos armas, existe desde 1971. Muitos países, entre os quais as Maurícias, desenvolveram as suas indústrias e fizeram o seu povo prosperar explorando o sistema. Infelizmente,  enquanto isso acontecia, Cabo Verde com as fábricas de Morabeza e Socal, entre outras, estava apanhado nas políticas de substituição de importações do regime de partido único e deixou perder todas as oportunidades que então se ofereciam. Nos anos noventa fez-se um esforço de industrialização para exportação e várias fábricas surgiram em particular em S. Vicente com a criação de milhares de postos de trabalho mas o ímpeto inicial morreu rapidamente nos primeiros anos do governo do PAICV pós 2001. Mais uma vez razões ideológicas. Para que não se repita o mesmo há que pressionar para que Cabo Verde deixe de ser o país das oportunidades perdidas. 

Caminhos para África. Equívocos

No dia 26 de Janeiro passado, Ulisses Correia e Silva recebeu elementos da direcção da Associação dos Combatentes. Coincidência ou não, a notícia do dia foi que o reforço da relação com a África teria sido um dos temas abordados entre o MpD e essa associação. A perspectiva apresentada é que a economia cabo-verdiana pode crescer com a aproximação ao continente. Para tal, segundo UCS, é preciso conhecer “os trâmites administrativos, os interlocutores e a sociedade civil”. Subentende-se de tudo isso que a Associação de Combatentes será de grande ajuda na criação dos canais necessários. Não se sabe é porquê. Primeiro, porque a maior parte dos membros dessa associação não tem uma experiência ou conhecimento de África que significativamente os distinga dos outros cabo-verdianos. Segundo, nada garante que para além dos laços ideológicos que os liga à África das lutas de libertação e ao pan-africanismo queiram desenvolver outros de natureza mais comercial, social ou mesmo cultural. De facto, os poucos de entre eles que vieram de Conakri e da Guiné Bissau, e que governaram Cabo Verde durante quinze anos após a independência sem qualquer entrave, são os únicos que poderiam reivindicar alguma vivência e conhecimento da região. Mas não se viu qualquer aproximação comercial durável e sustentável com os países da costa ocidental. Nem mesmo com a Guiné Bissau nos primeiros 5 anos, no quadro da Unidade Guiné-Cabo Verde, apesar de iniciativas como a Naguicave. Por isso é que uma grande “inventona” dizer que o comércio com a África ainda não chega aos 3% do PIB devido aos anos noventa da governação do MpD. Desresponsabiliza-se quem se auto-denomina “partido africano” e governou durante 30 anos dos seus 40 anos de independência. Deste aparente paradoxo, ou se conclui que até agora não se mostraram as vantagens comparativas mútuas de Cabo Verde e os vizinhos para desenvolverem relações comerciais, ou, de facto, quem governou Cabo Verde nesses anos todos prefere que as relações sejam puramente ideológicas. Porquê? Ninguém sabe. Talvez agora com o pedido da ajuda à Associação de Combatentes finalmente o país fique a saber.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 740 de 03 de Fevereiro de 2015.

sexta-feira, fevereiro 05, 2016

Guerra aos mosquitos

Há mais de uma semana o Centro de Controlo de Doenças (CDC) dos Estados Unidos pôs Cabo Verde na lista dos países com surto do vírus Zika. Em vários países, designadamente países da América latina como o Brasil, a Colômbia, Guatemala já se vive autênticas epidemias de Zika. As preocupações com o vírus têm aumentado à medida que se vem confirmando a suspeita da sua relação com a microcefalia em crianças cujas mães foram infectadas durante a gestação. Notícias provenientes dos Estados Unidos dão conta de uma outra complicação que é a possibilidade da sua transmissão via relações sexuais.  
O Brasil praticamente já declarou guerra ao mosquito aedis egyptis, o vector de distribuição tanto do zika como do dengue, com a mobilização de mais 220 mil soldados. Em vários outros países esforços extraordinários estão a ser feitos para conter a doença e destruir os mosquitos. As mudanças climáticas, e particularmente a actividade nos últimos tempos do El Nino, têm propiciado o aparecimento e a proliferação do mosquito em zonas onde até recentemente era desconhecido. Hoje é visível como já se espalhou por todos os continentes, constituindo actualmente uma ameaça grave para as populações desencadeando epidemias graves de dengue e agora de zika.
O anúncio do CDC americano, seguido de alertas de outros países em relação a viagens para Cabo Verde devido ao Zika, teve consequências imediatas. Operadores turísticos foram obrigados a desviar passageiros para outros destinos ou a devolver passagens já compradas. A reacção da Ministra de Turismo é que tudo isso tinha sido excessivo, considerando que não houve casos significativos nas ilhas turísticas. O problema é que ninguém espera que um potencial turista vai dar-se ao trabalho de ponderar o risco que poderá incorrer indo para uma ilha onde ainda não houve surto do vírus, mas que tem também o mosquito transmissor da doença. Compreende-se que se recuse a vir ou estando cá queira regressar. Cabo Verde é que tudo deve fazer para não estar nestas situações.
Em 2009 o dengue apanhou o país desprevenido e algumas mortes provavelmente resultaram disso. Fez-se um trabalho meritório no combate aos mosquitos, a epidemia de dengue acabou por ceder e a doença quase deixou de existir. Casos de malária têm aparecido em várias ilhas para além de Santiago, designadamente Boavista onde estão grandes hotéis. Agora é o mesmo mosquito aedes aegypti, que normalmente o transmite, que aparece a espalhar o Zika. Há que o combater de forma sistemática e permanente. E ninguém deve ficar descansado até à sua erradicação total destas ilhas.
Foi possível no passado erradicar completamente o paludismo da ilha de Santiago. Deve-se voltar a fazer isso. O combate ao mosquito aedes aegypti deve ser total. O mosquito além do dengue e da zika também transmite a febre-amarela. Cabo Verde não pode dar-se ao luxo de ver o seu futuro turístico comprometido com situações incontroláveis em matéria de saúde. O país é formado por ilhas e deve aproveitar-se dessa condição que para, com a ajuda activa da população e das organizações sociais, comunitárias e municipais, erradicar esses males. O governo deve poder liderar de forma decisiva uma acção desta natureza. Cooperação com o Brasil nesta matéria faria todo o sentido considerando que também está engajado na luta para se ver livre definitivamente desse mosquito.  
Segurança a todos os níveis é fundamental para o desenvolvimento de Cabo Verde. No mundo de hoje, de fácil comunicação, viagens frequentes e movimentos migratórios significativos, os riscos aumentam naturalmente e não há como contorná-los. Pior, porém, do que os riscos reais são muitas vezes as percepções de risco presente e futuro. Por isso, em matéria de segurança nacional, deve-se trabalhar na antecipação e prevenir para que as ameaças latentes ou em progressão não se concretizem. A luta para erradicação dos mosquitos transmissores de doenças podia ser uma boa causa capaz de galvanizar a vontade nacional num objectivo claro  e preciso para todos.  
      Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 3 d Fevereiro de 2016

quarta-feira, fevereiro 03, 2016

Conversão de cabo-verdianos

O conselheiro de Segurança Nacional em entrevista ao jornal asemana disse que temos que encarar como natural o fenómeno do aumento da população muçulmana em Cabo Verde resultar do crescimento da conversão de cabo-verdianos a essa religião. De facto a conversão ao islamismo seria natural e seria visto como uma decisão pessoal em matéria de fé religiosa se não houvesse outros interesses. Em muitos países designadamente no Senegal e noutros países vizinhos da costa ocidental detecta-se uma acção deliberada de islamização alimentada por dinheiro da Arábia Saudita. Aproveitando-se da situação de pobreza, constroem-se redes sociais de suporte às pessoas que depois são islamizadas dentro de uma doutrina ultra -conservadora chamada wahhabismo. Para muitos analistas internacionais esta ofensiva do islamismo conservador está ligada ao desenvolvimento de movimentos jihadistas que nas condições certas podem tornar-se em viveiros de terroristas. Assim como muitos governos não tomam de ânimo leve certas movimentações dentro das suas fronteiras, particularmente depois de terem assistido à radicalização de gente insuspeita, também Cabo Verde deve cuidar para que as dificuldades vividas pela sua gente não sejam aproveitadas para propósitos obscuros. Infelizmente o hábito de receber ajuda em troca de favores políticos está bem implantado no país o que torna mais difícil conseguir o repúdio das comunidades contra tais práticas quando aparecem de outras fontes. E não é certamente pelo esforço de integração da comunidade muçulmana no país que se vai eliminar eventuais ameaças. Países como a França e o Reino Unido, com diferentes estratégias de integração, não conseguiram evitar que processos de radicalização contaminassem um número significativo de jovens. Mesmo países africanos com vasta população muçulmana como o Senegal estão a ter problemas similares como provam os últimos acontecimentos. Não podemos pensar que estamos isentos disso e que os potenciais radicais são facilmente identificáveis porque “são pessoas sem laços”.  

terça-feira, fevereiro 02, 2016

Cabo Verde Investimentos: Improvisos

O Governo, em fim de mandato e após quinze anos de governação contínua, acordou para o facto de que “tanto a promoção do turismo como a promoção do investimento externo demandam do Governo intervenção urgente”. No BO de 3 de Dezembro 2015 constata que tem havido um deficiente aproveitamento do potencial nacional com impacto no emprego, no PIB, nas exportações, na inovação tecnológica e na internacionalização da economia. Também nota que o investimento externo no turismo vem registando taxas de crescimento pouco expressivas. Conclui que é necessário a adopção de estratégias de promoção mais eficazes e eficientes. Para isso resolveu mexer mais uma vez na estrutura da Cabo Verde Investimento. Aparentemente, para o governo, o problema do país na atracção do investimento externo não está no mau ambiente de negócios ou na fraca competitividade do País, revelados nos sucessivos relatórios do Doing Business e do Fórum Económico Mundial. Não está na insensibilidade da administração pública. Ou nos elevados custos de factores, como a energia e água. Ou na fragilidade dos sistemas de transportes aéreos e marítimos. O problema, como é colocado, está numa instituição que ora o governo põe sob tutela do primeiro-ministro, ora fica com o ministro de economia, sem se decidir, de facto, ser a janela única na relação com os investidores. Neste fim de mandato parece que cada vez mais impera o princípio de “mudar para que as coisas fiquem na mesma”. Resolve inovar e criar três centros regionais do CI, no que mais parece uma piscadela do olho à sensibilidades regionalistas do que a procura de eficácia. De facto, a descentralização da CI não serve de muito se as decisões da administração pública, importantes para os investidores, continuarem centralizadas. O improviso continua agora com uma comissão instaladora de uma instituição que iniciou a sua existência como PROMEX em 1991. Devia ser uma nova direcção, mas o governo, algo tardiamente, descobriu que a lei o proibia de nomear dirigentes depois de serem marcadas as eleições. Então enveredou-se pela via de nomeação de uma comissão instaladora, através de uma portaria do ministro da tutela de duvidosa legalidade. A dois meses do fim de mandato qual é a pressa? De qualquer forma, ao objectivo fundamental de atrair investimento directo estrangeiro, para financiamento da economia nacional, nunca foi dada a atenção que devia merecer se o PAICV e o seu governo tivessem uma outra visão do desenvolvimento do país e uma outra compreensão do exercício do poder, mais facilitador e menos controlador.

segunda-feira, fevereiro 01, 2016

Segurança, SIR e Estado de Direito

Coisa rara no país, o Conselheiro de Segurança Nacional, o Dr. Carlos Reis, deu uma longa entrevista ao jornal asemana em que se debruçou sobre os vários componentes do sistema de segurança, referiu-se às ameaças e até propôs formas de financiamento para o sistema. Pena que não aproveitou a oportunidade para responder às preocupações à volta do Serviço de Informação da República (SIR) ventiladas no parlamento e na comunicação social em Fevereiro, Março de 2015. O SIR é fiscalizado por duas comissões, uma de magistrados do ministério público e outra de deputados da assembleia nacional. Nenhuma dessas comissões estava a funcionar adequadamente. Quando inquirido sobre a apresentação dos relatórios obrigatórios da parte do SIR, a comissão parlamentar lavou as suas mãos, negando-se a prestar qualquer informação para a positiva ou para a negativa. A comissão dos magistrados do ministério público, que controla a legalidade do acesso aos dados dos cidadãos, foi clara em dizer que não exerceu “de forma cabal as suas atribuições devido a obstáculos criados pelo SIR”. Na entrevista, quando questionado sobre se “os SIR obedecem à legislação cabo-verdiana referente à protecção de dados” respondeu “julgo que não. Mas o próprio serviço rege-se por normas”. Não se ficou a saber é se o SIR já deixou de pôr obstáculos ao trabalho da comissão de dados. A questão de fundo é a protecção dos direitos dos cidadãos. E neste aspecto os cabo-verdianos comportam-se como gato escaldado. Já viram por muitos anos o que significa ter um Estado e os seus agentes a atropelarem os direitos dos cidadãos, tanto no regime de Salazar/Caetano como no do partido único do PAIGC/PAICV. Não é por acaso que a Constituição traça um perfil de governo limitado no seu exercício de poder pelos direitos fundamentais dos cidadãos, pela lei e pelos tribunais. Os cabo-verdianos sabem que um Estado sem fiscalização pode ser a principal ameaça e um verdadeiro algoz para os seus cidadãos, contrariamente ao que pensa o Dr. Carlos Reis.

sábado, janeiro 30, 2016

Memória colectiva, memória histórica

Carlos Reis, administrador da Fundação Amílcar Cabral queixou-se no artigo referido do jornal Público que a figura de Amílcar Cabral é maltratada, “não se explica, não se desenvolve, não se aprofunda”. É uma afirmação que deixa qualquer pessoa perplexa, considerando o culto de Amílcar Cabral que cada vez mais se institucionaliza em Cabo Verde. Pelo número de vezes, e pela forma reverencial, que o primeiro-ministro se refere a Cabral nos seus pronunciamentos oficiais alguém mais desprevenido podia pensar que Cabo Verde é alguma espécie de teocracia. A acção que é feita junto de crianças e jovens nas escolas do país e na comunicação social lembra, nos seus métodos, regimes bem conhecidos na história de culto de personalidade. Já se tornou ritual oficial a deposição de flores junto à sua estátua no 5 de Julho e no feriado de 20 de Janeiro. Em certas repartições públicas e até tribunais ainda muito recentemente via-se a fotografia de Amílcar Cabral, prerrogativa que só deve ser dada ao Presidente da República, enquanto Chefe de Estado e representante da Nação. Curioso que não há nada na Constituição da República que autorize esse tipo de acções. O Estado é obrigado a reger-se pelos princípios e valores da Constituição e está impedido de impor ao sistema de ensino as suas escolhas de ideologias, preferências estéticas ou filosóficas. Os símbolos nacionais são os que constam do artigo 8º da Constituição e não outros. Parece porém que se anda a seguir ainda uma lei de 7 Julho de 1975 que reconheceu a Amílcar Cabral enquanto fundador e militante nº1 do PAIGC o título de Fundador da Nacionalidade, consagrou o 12 de Setembro como o dia da nacionalidade e instituiu a medalha Amílcar Cabral. Como conciliar isso com a democracia liberal e constitucional é de facto “um bico de obra”. Interessante notar que neste imbróglio a insatisfação maior vem do lado dos seus defensores que consideram que a Amílcar Cabral não está a receber o que lhe é devido. Também dá para perceber que nunca vão estar satisfeitos. Assim se mantém a cultura de crispação e da guerrilha política no país.

sexta-feira, janeiro 29, 2016

Desenvolvimento sutentável

A última sessão plenária da assembleia nacional desta legislatura arrancou com um debate sobre os objectivos do desenvolvimento sustentável (ODS) no horizonte de 2030. O debate foi pedido pelo governo, mas acabou por não acontecer na realidade. O discurso inicial do PM, que foi o seu último enquanto primeiro-ministro, foi de facto um discurso de balanço. Incidiu essencialmente sobre o trabalho feito por seu governo no que ele chamou de agenda de transformação. Previsivelmente, a oposição reagiu mal, mostrando as insuficiências do país a todos os níveis, designadamente ao nível económico em que o país se arrasta com um crescimento à volta de 1%. A discussão dos ODS ficou adiada para a próxima legislatura como seria normal de esperar se alguém não se lembrasse de se servir dela como mais um estratagema no combate pré-eleitoral.
Os ODS suportam-se em três pilares, crescimento económico, ambiente sustentável e inclusão social. Os dezassete objectivos definidos em Setembro de 2015 irão permitir conjugar esforços, coordenar políticas e recursos ao nível nacional e internacional e ter elementos de avaliação do progresso na sua realização. O sucesso que representou a iniciativa dos Objectivos do Milénio no horizonte 2015 mostrou a força de se focalizar em objectivos e metas claramente estabelecidas e a partir daí traçar planos, mobilizar recursos e formar vontades para as realizar. Já dizia John Kennedy: “definir o nosso objectivo mais claramente faz com que pareça mais realizável e menos longínquo, ajuda a todos vê-lo, a ganharesperanças com ele e a avançar irresistivelmente na sua direcção”.
Fala-se em mais de 2,5 triliões de dólares que devem ser mobilizados e canalizados para que haja um bom nível de sucesso na consecução desses objectivos. A ajuda é bem-vinda mas não se deve ficar por aí. Muito menos constranger a acção, ou subordinar prioridades ao acesso ao fundo disponível. A ajuda externa pode lançar alguém para níveis de rendimento ou qualidade de vida e acesso a bens especiais sem que a nova situação se torne sustentável a prazo. Importa que todo o processo de chegar às pessoas, e realmente fazer a diferença, seja um processo libertador e não um processo que as amarre e as ponha na dependência do estado. 
Deve-se contar com a solidariedade internacional, mas ter sempre presente que expectativas de realização efectiva de ajuda externa, pelo menos nos volumes prometidos, nem sempre se concretizam. Veja-se o que se passa na actual conjuntura económica internacional. A dinâmica que se esperava ter para o ano 2016 já foi revista em baixa. A economia mundial perdeu o ímpeto com as dificuldades actuais da China, os problemas na Europa, a crise nos BRICS e mais recentemente a grande quebra no preço do petróleo. Certamente que não se pode contar com a ajuda nos termos e volume de há um ano. O que estiver disponível deve ser utilizado, em boa medida, nas pessoas como forma de as ajudar a galgar os obstáculos que no seu dia-a-dia as impedem de cair numa espécie de círculo de pobreza.
Com o rendimento per capita de Cabo Verde a cair desde de 2013 preocupa extraordinariamente o que pode vir a acontecer nos próximos anos. A economia terá que ser revitalizada, os mercados desenvolvidos e uma nova atitude para com o comércio internacional e o turismo terá que ser adoptada. Cabo Verde precisa de uma discussão séria sobre o seu futuro. Não aconteceu desta vez, espera-se que no início da nova legislatura se faça. Na diferença e no contraditório se forja a vontade em colocar este país no caminho do desenvolvimento com inclusão social e um ambiente saudável.

     Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 26 de Janeiro de 2016

Rota dos escravos

Não deixa de espantar o empenho do Governo do PAICV em trazer para a actualidade a memória da escravatura e em fazer lembrar aos cabo-verdianos que um dia foram escravos na sua própria terra. O ministro António Correia e Silva foi explícito a esse respeito. Na ocasião da posse do comité para rota de escravos disse “o nosso objectivo é recolocar toda a questão da memória dos quatro séculos da vivência da escravatura em Cabo Verde no nosso presente, mas também para enriquecer o nosso futuro, e o sector do turismo”. Que se queira aproveitar a Cidade Velha, já certificada como património da humanidade pela Unesco, como mais um factor de atracção turística é aceitável. Coisa muito diferente é celebrar a memória do comércio de escravos e lutar através de acções nas escolas e na comunicação social para que a suposta memória histórica não seja alterada, como parece sugerir o presidente desse mesmo comité. Ele ainda enquadra esse esforço numa luta dinâmica contra o racismo. Provavelmente não leu o que disse o ministro Correia e Silva ao jornal Público: Cabo Verde é “das poucas sociedades de passado colonial, de passado escravocrata, que conseguiu desmontar, desconflituar a questão racial. Ninguém tem mais ou menos chances de ascensão social ou profissional ou política por ter a pele mais clara ou mais escura”. Se assim é então porque insistir em doutrinar as pessoas no sentido contrário. E o facto é que estão a ter sucesso: nunca se falou tanto de escravos e de escravatura. Mas é em contramão do que foi o processo da emergência da identidade cabo-verdiana, muito antes da independência. A literatura e música popular que marcaram e definiram esse período não têm praticamente qualquer referência a isso. Cabo Verde, segundo o próprio Correia e Silva no artigo do Público deixou de ser um centro atlântico de distribuição comercial a partir do século XVII, antes de realmente do comércio de escravos ganhar a dinâmica que levaria milhões de pessoas da Africa para as américas. Os dados apontam para somente 3% do global do tráfico de escravos ter tido lugar no período em a cidade de Ribeira Grande esteve activa. Por ai compreende-se porque a memória dessa época é longínquo ou quase inexistente. O esforço que actualmente se faz para reviver essa memória é mais parte de promoção de uma cultura de vitimização do que de reposição histórica dos factos. A vitimização convém: Mobiliza fundos, mesmo que tenha consequências graves, como as já visíveis, na crise de identidade porque está a passar o cabo-verdiano, como ficou patente no artigo do Público.