sexta-feira, janeiro 29, 2016
Rota dos escravos
Não deixa de espantar o empenho do Governo do PAICV em trazer para a actualidade a memória da escravatura e em fazer lembrar aos cabo-verdianos que um dia foram escravos na sua própria terra. O ministro António Correia e Silva foi explícito a esse respeito. Na ocasião da posse do comité para rota de escravos disse “o nosso objectivo é recolocar toda a questão da memória dos quatro séculos da vivência da escravatura em Cabo Verde no nosso presente, mas também para enriquecer o nosso futuro, e o sector do turismo”. Que se queira aproveitar a Cidade Velha, já certificada como património da humanidade pela Unesco, como mais um factor de atracção turística é aceitável. Coisa muito diferente é celebrar a memória do comércio de escravos e lutar através de acções nas escolas e na comunicação social para que a suposta memória histórica não seja alterada, como parece sugerir o presidente desse mesmo comité. Ele ainda enquadra esse esforço numa luta dinâmica contra o racismo. Provavelmente não leu o que disse o ministro Correia e Silva ao jornal Público: Cabo Verde é “das poucas sociedades de passado colonial, de passado escravocrata, que conseguiu desmontar, desconflituar a questão racial. Ninguém tem mais ou menos chances de ascensão social ou profissional ou política por ter a pele mais clara ou mais escura”. Se assim é então porque insistir em doutrinar as pessoas no sentido contrário. E o facto é que estão a ter sucesso: nunca se falou tanto de escravos e de escravatura. Mas é em contramão do que foi o processo da emergência da identidade cabo-verdiana, muito antes da independência. A literatura e música popular que marcaram e definiram esse período não têm praticamente qualquer referência a isso. Cabo Verde, segundo o próprio Correia e Silva no artigo do Público deixou de ser um centro atlântico de distribuição comercial a partir do século XVII, antes de realmente do comércio de escravos ganhar a dinâmica que levaria milhões de pessoas da Africa para as américas. Os dados apontam para somente 3% do global do tráfico de escravos ter tido lugar no período em a cidade de Ribeira Grande esteve activa. Por ai compreende-se porque a memória dessa época é longínquo ou quase inexistente. O esforço que actualmente se faz para reviver essa memória é mais parte de promoção de uma cultura de vitimização do que de reposição histórica dos factos. A vitimização convém: Mobiliza fundos, mesmo que tenha consequências graves, como as já visíveis, na crise de identidade porque está a passar o cabo-verdiano, como ficou patente no artigo do Público.
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