sábado, janeiro 30, 2016
Memória colectiva, memória histórica
Carlos Reis, administrador da Fundação Amílcar Cabral queixou-se no artigo referido do jornal Público que a figura de Amílcar Cabral é maltratada, “não se explica, não se desenvolve, não se aprofunda”. É uma afirmação que deixa qualquer pessoa perplexa, considerando o culto de Amílcar Cabral que cada vez mais se institucionaliza em Cabo Verde. Pelo número de vezes, e pela forma reverencial, que o primeiro-ministro se refere a Cabral nos seus pronunciamentos oficiais alguém mais desprevenido podia pensar que Cabo Verde é alguma espécie de teocracia. A acção que é feita junto de crianças e jovens nas escolas do país e na comunicação social lembra, nos seus métodos, regimes bem conhecidos na história de culto de personalidade. Já se tornou ritual oficial a deposição de flores junto à sua estátua no 5 de Julho e no feriado de 20 de Janeiro. Em certas repartições públicas e até tribunais ainda muito recentemente via-se a fotografia de Amílcar Cabral, prerrogativa que só deve ser dada ao Presidente da República, enquanto Chefe de Estado e representante da Nação. Curioso que não há nada na Constituição da República que autorize esse tipo de acções. O Estado é obrigado a reger-se pelos princípios e valores da Constituição e está impedido de impor ao sistema de ensino as suas escolhas de ideologias, preferências estéticas ou filosóficas. Os símbolos nacionais são os que constam do artigo 8º da Constituição e não outros. Parece porém que se anda a seguir ainda uma lei de 7 Julho de 1975 que reconheceu a Amílcar Cabral enquanto fundador e militante nº1 do PAIGC o título de Fundador da Nacionalidade, consagrou o 12 de Setembro como o dia da nacionalidade e instituiu a medalha Amílcar Cabral. Como conciliar isso com a democracia liberal e constitucional é de facto “um bico de obra”. Interessante notar que neste imbróglio a insatisfação maior vem do lado dos seus defensores que consideram que a Amílcar Cabral não está a receber o que lhe é devido. Também dá para perceber que nunca vão estar satisfeitos. Assim se mantém a cultura de crispação e da guerrilha política no país.
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