terça-feira, dezembro 19, 2006

Vendas do Estado.Porquê e para quê?

O Governo anunciou na sexta-feira que vai vender 21% das acções do Estado na ENACOL. Dias atrás, notícias vieram ao público da venda de 51% das acções na Sociedade de Tabacos por 900 mil contos. O anúncio público de vendas não foi acompanhado das razões de política que justificariam o fim das participações do Estado nessas empresas. De facto privatizações não se prestam simplesmente a realizar um encaixe financeiro para o Estado. Privatizar significa, antes de mais, iniciar ou aprofundar um processo de descentralização das decisões económicas. Decisões, até o momento tomadas por órgãos centrais de planeamento, passam a ser actos de vontade de miríades de operadores, reagindo a uma realidade económica imediata, fluídica e complexa. De facto a economia moderna e globalizada, voltada para a satisfação de necessidades específicas de indivíduos e em que se exige bens e serviços de toda a espécie à medida do consumidor, customization, pressupõe um nível de descentralização e uma reorganização em redes funcionais, impensável poucos anos atrás. Privatizações também significam a possibilidade de direccionar a captação de poupanças nacionais e estrangeiras para o investimento no País ao mesmo tempo que diminui consideravelmente o risco orçamental, ou seja, o risco do Estado vir a acumular défices no futuro por ser, na prática, o avalista das dívidas de todas empresas públicas ou de capitais públicos. Um outro papel importante das privatizações é abrir o País para parcerias estratégicas, tanto no sentido da empresa nacional se associar para competir no mercado global como, no caso de pequenos países como o nosso, de não se ficar de fora da onda de modernização tecnológica, organizacional e de gestão, essencial a uma inserção dinâmica e frutuosa no mercado internacional. Uma coisa porém é certa. Ninguém privatiza para conseguir verbas para emprego público. O aditamento nesse sentido feito à lei das privatizações na lei do Orçamento de 2006 foi de facto uma aberração sem precedentes. Convém, porém, dar um propósito justo ao encaixe financeiro das privatizações. No passado, o resultado das vendas foi juntar-se a doações para perfazer os cem milhões de dólares do trust fund. Um fundo cujo proprietário é a República de Cabo Verde e que é gerido pelo Banco de Portugal e tem como beneficiário das aplicações financeiras o Estado caboverdiano. Hoje não se sabe onde são aplicadas essas verbas. Da mesma forma que “não se sabe” para onde vão as receitas de vendas de terrenos. Onde deviam estar, que é no investimento nas ilhas que vão receber a carga resultante do fluxo turístico, primam pela a ausência. O Governo deve ter em conta que os resultados dessas vendas constituem receitas extraordinárias e são, portanto, irrepetíveis. Ou são aplicadas em investimentos para o futuro ou são colocadas em trust funds para o benefício das actuais e futuras gerações. Nunca para enterrar no orçamento de funcionamento e tornar o Estado cada vez mais obeso, ineficiente e autista perante os desafios que o país enfrenta no momento. 

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Auto-estradas inter ilhas precisam-se

Linhas marítimas regulares, seguras e a custos razoáveis são realmente as auto-estradas que o arquipélago precisa. A palavra desencravar, muito presente nas promessas dos políticos e dos partidos, deve ganhar um significado maior que transcenda a simples preocupação de uma pequena povoação, algures numa das ilhas, em ter uma estrada. Deve significar, hoje, a possibilidade de qualquer operador económico de ter acesso efectivo a um mercado interno unificado e de se posicionar, a partir de qualquer ponto do território nacional, para tirar proveito dos fluxos de capitais e de pessoas que chegam a Cabo Verde. Para que a produção local de bens e serviços aceda a economias de escala, que tais fluxos possam gerar, é fundamental que exista um sistema de transportes compreensivo à altura das necessidades do mundo moderno. Segurança, qualidade, baixo custo, e conveniência são alguns dos atributos exigíveis a um tal sistema para poder servir o número crescente de nacionais e estrangeiros que viajam entre as ilhas. O Governo, como se viu na discussão da Lei do Orçamento, enrola-se no manto das iniciativas dos privados no sector, sugerindo que resultam de políticas suas. Políticas que não explicita. Quando se concretiza uma iniciativa com a do navio “Musteru” é que se vê que esse navio de 450 passageiros vai fazer a mesma rota do navio “Sal Rei”, operacional há um mês entre Praia, Fogo, Brava e Boavista. Quando empresários na Boavista reclamam a suspensão das viagens do Sal-Rei é que se nota que a ENAPOR, empresa pública, e, portanto, instrumento das políticas do Governo no sector portuário, ainda não respondeu com a adequação dos portos às particularidades dos navios roll-on/roll-off e às exigências do transporte de passageiros. Onde estará a política do governo? As ligações inter-ilhas são mercados a desenvolver. Será que os custos envolvidos deverão ser absorvidos pelo privado, ficando este sujeito a ver o resultado do seu investimento partilhado por outros operadores, free riders, que não suportaram os riscos associados a um mercado incipiente. Que em consequência o primeiro ou os primeiros vão sacrificar as suas operações para conter os custos excessivos de entrada. Sacrificar o quê e em quê? A segurança, a regularidade, o preço, a conveniência? Uma política do Estado para o sector devia lidar com as ligações entre ilhas de forma diferenciada. Há linhas a subsidiar: Fogo-Brava é um caso evidente. Há linhas que podiam ser concessionadas, particularmente no transporte de passageiros, ou por constituírem mercados incipientes, mas com grande potencial a médio prazo, ou pelo facto de ser do interesse do Estado assegurar-se que o país é servido por navios com terminadas especificações de segurança, de navegabilidade e de conforto. Navios com os quais se acordará horários convenientes para o público e tarifas sociais. A atitude liberal em todas as linhas, sabendo que muitas delas constituem mercados imperfeitos, poderá não ser vantajosa para o país. E quando se pensa que o grande impulso no crescimento do tráfico inter-ilhas deverá vir de passageiros estrangeiros, mais uma razão haverá para criar as condições para que operadores invistam em barcos seguros, rápidos e modernos e sejam capazes de, em ambiente de concorrência e em prazos razoáveis, ver o retorno ao seu capital. O que não se quer é que o País fique sempre à beira de cair umas dezenas anos na qualidade dos seus transportes internos porque os armadores, para conter os custos, suportar os riscos inerentes e ser competitivos, têm que comprar barcos velhos, operá-los a baixa velocidade, seguir horários de conveniência e aplicar tarifas caras. 

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Estado parasita ou Estado dinâmico?

A declaração de nulidade dos decretos-leis, que alteravam a baixa de incidência do IVA, lançou uma espécie de novela política. Viu-se governo omisso e aumento dos preços. Houve a novidade da moção de censura e o espectáculo do Governo a responsabilizar acórdão, oposição e comunicação social pelo stress vivido no país. Os preços subiram e as receitas do Estado aumentaram. O Governo recusou-se a um entendimento com a oposição por causa da gasolina. Em consequência, a expectativa de receitas para o ano 2007 melhorou em centenas de milhares de contos. O consumidor, em 2007, pelo contrário iria ver-se aflito para pagar 15% sobre o valor da factura na electricidade, na água, no gás e nos combustíveis em geral. No último instante, na lei do orçamento, chegou-se a uma solução, com o Governo a ceder na gasolina. 2007 já não será tão difícil. A novela porém trouxe à baila questões para reflexão, designadamente, a relação carga fiscal/riqueza nacional, o Estado face à economia, parasita ou dinamizador, e a subsistência de preconceitos ideológicos em substituição de políticas públicas. De facto, de um ponto de vista, as receitas fiscais são poupança forçada, são rendimento retirado ao consumo ou ao investimento de pessoas e empresas. Que têm razão de ser na medida em que, designadamente, possibilitem os serviços que só o Estado pode prestar (soberania, justiça, segurança), suportam a solidariedade nacional e regional e financiam investimentos públicos indispensáveis. Nessa perspectiva, o ideal é que a carga fiscal seja suficiente para financiar o Estado, um estado eficiente, mas que não entrave o desenvolvimento, absorvendo percentagens exageradas da riqueza nacional. A via para o aumento de receitas passa pela aposta no crescimento da economia e do emprego. O Estado não deve ser estático e parasitar a economia. O Estado, no mundo de contenção fiscal como condição para se ser competitivo no mundo globalizado, deve ser dinâmico, de incentivo ao crescimento económico e de busca activa de caminhos para diminuição da carga fiscal, a exemplo da Irlanda onde, hoje, essa carga se situa nos 12,5%. Não é a toa que cresce a 9% ano e tem o 2º maior PIB per capita da Europa. O Estado caboverdiano historicamente tem uma postura adversária à economia privada. É preciso dar combate a isso e adoptar uma nova cultura mais consentânea com as exigências dos tempos. Preconceitos ideológicos a determinar políticas é algo que, também, se deve combater. As negociações, por exemplo, sofreram com a ideia arreigada de quem usa a gasolina são os mais abastados. Isso contra toda a evidência. É só ver quem anda em Pardos, Tuaregs, Mercedes, BMW, todos diesel, e quem passa nos starlets a gasolina a caminho do trabalho. Políticas públicas devem suportar-se em algo mais sólido do que preconceitos datados, tentações de brincar a Robin dos Bosques e demagogia pura. Que aprendamos todos com os erros. 

quinta-feira, dezembro 14, 2006

E agora Sr. Presidente?

O Governo e a sua maioria recusaram-se a inscrever verbas no Orçamento do Estado para a instalação do Tribunal Constitucional. O Governo não tem razão: 1º - os recursos para o TC são despesas obrigatórias porque decorrem da Constituição, que o criou, e da Lei que determinou a sua orgânica e, portanto, têm de constar do Orçamento; 2º o Governo não tem a opção de adiar, congelar ou não disponibilizar recursos para o funcionamento de outros órgãos de soberania. Nem o Parlamento; 3º A urgência de instalação do TC é hoje óbvia. Com o Tribunal Constitucional a funcionar, os caboverdianos não passariam quase três anos a pagar impostos inconstitucionalmente criados. O facto de todos sofrerem, ainda neste mês de Natal, as consequências disso devia levar o Governo a ponderar e a não insistir na atitude de se impor a todos, sem a devida preocupação com os custos para as pessoas, para o sistema político e para o País. Minutos antes da recusa dos fundos para o TC era a evidente a satisfação perante o sucesso das negociações das taxas do IVA. No momento seguinte, satisfação cede lugar a teimosia e a capricho e volta-se à intransigência. E outra vez numa questão fundamental, a constitucionalidade de actos e procedimentos. É como se ninguém aprendesse com os erros. Por isso, é que o sistema político inclui um poder moderador de excessos. O Poder do Presidente da República. O País já sofreu e sofre com a inexplicável relutância do PR em ser moderador. O PR não pode recusar-se a cumprir as suas competências por eventual lealdade ao Governo. Lealdade institucional é outra coisa. Começa pelo respeito pelo princípio de separação e interdependência dos poderes. O PR é suprapartidário e todo o país espera que ele faça uso do poder de promulgação de leis da A N, de decretos-leis e decretos regulamentares do Governo para se assegurar da constitucionalidade dos processos e procedimentos, seguidos na feitura das leis. É uma responsabilidade a que não pode se escusar, sob pena de pôr em causa o sistema político e desacreditar a democracia caboverdiana. O País espera e observa.  

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Esquizofrenia na República

As Forças Armadas de Cabo Verde preparam-se para comemorar o 40º aniversário no dia 15 de Janeiro. Esta notícia parece inócua até se começar a ver as incongruências. O Estado de Cabo Verde tem 31 anos de existência. As Forças Armadas, enquanto força ao serviço da Nação e força apartidária e politicamente neutra, foram criadas pela Constituição de 1992 e pela Lei 62/92. A instituição que anteriormente existia, as Forças Armadas Revolucionárias do Povo, FARP, nem tinha assento na Constituição de 1980.A única referência constitucional estava na proclamação do Presidente da República como Comandante Supremo das FARP. A razão para isso residia na natureza das FARP como bem clarificou o então PR, em 1985: As FARP são integradas não por militares mas por militantes armados. São o braço armado do Partido. E é por isso que, em 1988, o Governo instituiu o 15 de Janeiro como dia das FARP, uma data com significado exclusivo para os caboverdianos no PAIGC. Uma data para a auto- glorificação dos comandantes, na lógica de Poder do regime. Tem sido de uma enorme irresponsabilidade deixar as FA, ao longo de todos estes anos, persistir na linha de comemoração dessa data. Uma data com valor simbólico profundo no quadro do regime anterior mas contrário ao entendimento que se tem hoje das forças armadas. As FA não constituem uma milícia de um partido. São uma instituição nacional estritamente subordinada às autoridades civis democraticamente legitimadas. De facto, não podemos ter forças armadas que assumem uma existência antes da Constituição, antes do Estado. Noutras paragens e noutros tempos assunções do género justificaram tutelas de democracias, posturas de guardiães de conquistas passadas e interferências múltiplas. A subordinação das Forças Armadas à autoridade civil é um elemento chave da estabilidade das democracias. As tradições, os rituais e as comemorações nas FA devem servir para reforçar isso e também a sua condição nacional e a sua neutralidade política. Uma coisa parece certa: não é aceitável termos comandantes por aí a passar visões particulares de história às nossas tropas. Se uns e outros querem comemorar actos ou momentos que justamente consideram de glorioso que o façam mas sem envolver instituições como as FA que tem a missão nobre de defesa da soberania e da ordem constitucional.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Etanol, será uma via?

Hoje um tema incontornável é a energia. A dependência do petróleo torna-se crítico, o ambiente está a ser afectado de forma imprevisível, o clima pode estar na iminência de mudanças profundas e o mundo mostra-se mais perigoso com a instabilidade dos países produtores do petróleo. Países pequenos como o nosso têm que ser mais eficientes no uso de energia. Sem isso, não se é competitivo no mercado internacional. Na busca de maior eficiência há uma via: encontrar um produto de substituição, renovável, e a um preço competitivo com os preços actuais e futuros dos derivados do petróleo. O etanol, o álcool etílico, tem vindo a afirmar-se como tal no Brasil e nos Estados Unidos. A indústria automobilística, desde de 1993, produz carros a gasolina que funcionam bem com blend de gasolina a 10% de etanol. A Califórnia lidera no processo de estender o etanol no blend até 45%. O álcool aumenta os níveis de oxidação do combustível, retirando maiores octanas e tornando os fumos menos tóxicos. Qual é interesse disso para nós? Cabo Verde tem uma cultura de cana, com séculos de existência, virada para a produção do mel e do grogue. A cana tem sido o cash crop, a cultura de rendimento do agricultor caboverdiano, particularmente em S.Antão. Também, é onde ele se refugia quando tudo o resto falha por falta de mercado ou perde-se sob o ataque das pragas. Hoje essa cultura de rendimento está em perigo grave devido à proliferação do grogue de açúcar. O interesse pela cana renova-se em todo o mundo, mas é para a produção do etanol. Leis, como a que entrou em vigor em Janeiro deste ano no Hawaii e que favorecem a venda da gasolina num blend com 10% de etanol, criam mercado para esse produto. Nos Estado Unidos um enorme mercado está emergir mas aí o etanol é tirado do milho e, segundo os experts, produzir etanol a partir da cana é cerca de oito vezes mais eficiente do que a partir do milho. Isso coloca o etanol da cana em melhor posição no mercado americano. Cabo Verde poderá ter aqui uma oportunidade de recuperar a sua cultura de cana. Cana para a produção de etanol para o consumo interno e para exportar. A água para irrigar os campos de cana poderá vir do aproveitamento das águas superficiais na linha da experiência da barragem do Poilão. Águas negras tratadas podem também servir. Grandes ganhos podem ser vislumbrados: ganho para os agricultores e para a população rural que finalmente teriam um cash crop; ganho para o país porque menos importações e mais exportações; ganho para o ambiente com um combustível menos poluente. Um outro ganho seria a possibilidade de utilizar AGOA para facilitar em termos competitivos a entrada no mercado americano. O Governo devia procurar explorar as possibilidades de exploração da cana para a produção do etanol e a viabilidade de uma lei obrigando a gasolina a ter 10% de etanol, com vista à criação de um mercado interno para esse produto.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Para quê quadro especial?

Ontem no Parlamento foi apresentada uma proposta de Lei que normaliza salários do quadro especial do PR, da A N e do Governo. O quadro especial diferencia-se do resto da Função Pública pela natureza eminentemente de confiança política dos cargos. O processo de contratação devia ter em conta as exigências específicas dos mesmos. A remuneração devia espelhar a precariedade intrínseca da actividade política conexa que automaticamente cessa com o fim do mandato do titular ou com a sua demissão. Por outro lado, a existência de um quadro de pessoal de livre escolha pelos políticos pressupõe que se queira o resto da Administração Pública livre de interferência política. A Constituição no art. 236º e seguintes obriga o pessoal da Administração Pública ao cumprimento de deveres, designadamente de justiça, isenção, imparcialidade e de não discriminação em virtude de opções partidárias. Diz, ainda, que os funcionários estão subordinados à Constituição e às Leis, que devem colocar-se ao serviço do interesse geral e que não podem ser instrumentos de actividade partidária do Governo. A realidade que se vive no País foge ao quadro de lisura, transparência, isenção e imparcialidade intentado pela Constituição. O quadro especial é, em geral, de competência duvidosa porque as nomeações regem-se por critérios de conveniência pessoal e política. É pouco efectivo porque não há um sistema compreensivo de desenvolvimento, execução e monitorização de políticas a trabalhar em articulação com estruturas do Estado. A Administração Pública, entretanto, é penetrada, a todos os níveis, por nomeações políticas. Com isso, desestruturam-se carreiras, perde-se a memória nas mudanças sucessivas, dificilmente se consegue manter um sistema de aprendizagem cumulativa, não se impõe o mérito como critério central de avaliação e não se desenvolve uma cultura de servidores públicos voltados para consecução do interesse geral. Há ainda um outro lado: interesses corporativos cristalizam-se e a capacidade de execução do governo diminui com a criação de pequenos feudos. O Governo do PAICV agravou a partidarização de uma Função Pública que, desde de 1975, sempre se viu como instrumento de quem está no Poder. Isso tem consequências: Investidores e outros operadores vêm notando a relutância em dar seguimento a decisões de ministros e em cumprir acordos com o Estado. O País perde em toda a linha: O Governo não tem pessoal e estrutura para implementar com competência as suas políticas, não obstante os elevados custos de funcionamento; os cidadãos perdem por não terem uma administração que sirva indistintamente os utentes e que seja um factor importante do desenvolvimento; os jovens quadros nadam num mar de frustrações, sem perspectivas de carreira e de uma participação gratificante ao nível pessoal e profissional.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Telecom, ANAC e as boutiques

Os consumidores das telecomunicações contam agora com novas tarifas. A chamada local aumentou 30%, a Internet de 22,5% e a taxa de assinatura 56%. A interurbana continuou cara na mesma e a baixa nas internacionais só marginalmente afecta a maioria porque grande parte dessas chamadas são iniciadas no estrangeiro. A imprensa local deixou passar as justificações da Telecom e da ANAC, a agência reguladora. A Telecom diz que vai perder dinheiro e apresenta a perda como contribuição para o desenvolvimento do País. A ANAC lembra que as antigas tarifas vinham de há 18 anos atrás e que se impunha um ajustamento aos custos reais. Parece esquecer que preços das telecomunicações caíram em todo o mundo. Para sectores de opinião mais partidarizados é mais uma vez a perda do monopólio da Telecom, é outra vez o Governo no resgate. O sentido das alterações revela que o centro da preocupação da Telecom são as chamadas internacionais. Porquê?! Porque ali tem concorrência: as boutiques para o povão e a Skype ou outros serviços com base no VOIP para as empresas. Por isso baixa o preço das internacionais e torna a Internet mais cara sob o duplo efeito do aumento da chamada local e do acesso à Net. Na briga com as boutiques todos pagam. Os consumidores perdem dinheiro, a economia sofre com os custos elevados e a as esperanças postas nas tecnologias de informação e comunicação ficam suspensas. Investimentos como a ZAP não são completamente explorados porque imagine-se o que as boutiques fariam de uma ligação em banda larga de 8 megabits/segundo. Compreende-se que a Telecom esteja a proteger o seu negócio do fixo com preços e taxas de assinaturas mais elevados e com incentivos ao crescimento do tráfico fixo-móvel. No processo é bem possível que comprometa o aparecimento de um significativo volume de tráfico, induzido por uma nova economia, que seria benéfico a todos. Quanto à ANAC fica-se sem saber que políticas norteiam a sua actuação. Aparentemente não são as de baixar custos para favorecer a inter-conectividade de tudo e de todos; não são as de favorecer o despontar de uma economia de prestação de serviços no modelo, por exemplo, das BPO; não são as de favorecer a concorrência leal no sector, eliminando as operações provadas ilegais e levando a Telecom a clarificar-se, quanto aos custos, no papel de gestor da rede pública, tanto em relação a si próprio, enquanto operador, como em relação a outros prestadores de serviços; não são as conducentes a levar a banda larga a todos. E o Governo, por onde pára?! 

quinta-feira, novembro 30, 2006

Jobs, Jobs, Jobs

 Mais de duas mil jovens mulheres, muitas com filhos, perdem o emprego nas fábricas de S.Vicente nos últimos cinco anos e ninguém nota. Atrasos nos salários de funcionários em 2000 precipitam a queda de popularidade de um Governo e subsequente perda de eleições. A aparente disparidade de reacções nos dois casos revela a importância do emprego do Estado na psique nacional. Outros empregos podem ser bem vindos. A referência, porém, é a função pública. A postura do Governo na discussão do Orçamento do Estado revela essa dissonância. O emprego não está no centro da atenção, não obstante os quase 30% de desemprego. Fala-se de estabilidade, de credibilidade, de reservas externas, da inflação e do PIB. O emprego é um tema marginal. É visto na área social, redistributiva e na perspectiva de luta contra a pobreza. O resultado é que o Governo nunca se vê pressionado para avaliar a eficácia das suas políticas no número de empregos que a economia cria. Não dá suficiente atenção aos problemas que as empresas se deparam na procura e desenvolvimento de mercados, em ultrapassar as dificuldades de ausência de regulação, em enfrentar a concorrência desleal de sectores informais e nos custos excessivos de contexto, particularmente os derivados da relação com os serviços públicos. O mercado de trabalho com os seus problemas, designadamente, de falta de estruturação, da pouca articulação com centros de formação, de falta de flexibilidade, de dificuldades na mobilidade inter-ilhas e de absorção de trabalhadores imigrantes, não tem o nível de intervenção desejado para responder às necessidades de investidores e operadores em geral. O Governo focaliza-se nas infraestruturas, muitas vezes, pelos ganhos políticos imediatos derivados da maior visibilidade das obras. Devia, porém, garantir que o interesse turístico por Cabo Verde, traduzido no aumento do investimento directo estrangeiro, tivesse real impacto na economia nacional. Milhares de postos de trabalho poderão ser criados pelo efeito de arrastamento do turismo na produção nacional de bens e serviços. Uma autêntica indústria de cultura poderá desenvolver-se para entreter os milhares que planeiam nos visitar. Assim efectivamente se combaterá a pobreza. Mas para isso, é preciso que a consciência nacional se desloque para a luta, que milhares travam todos os dias por um rendimento digno, e liberte-se da procura ilusória de segurança para todos na função pública.

terça-feira, novembro 28, 2006

Auto-Censura em Cabo Verde

Ontem no Parlamento o Sr. Primeiro-Ministro desferiu ataques directos ao jornal electrónico Liberal e ao Expresso das Ilhas. Pouco antes, o PM tinha-se insurgido contra o que considerou de excesso de conferências de imprensa da oposição. As acusações e os comentários severos do PM não podem ser vistos de ânimo leve. Organizações internacionais que monitorizam o nível da liberdade de imprensa chamam a atenção para a auto-censura em Cabo Verde. A auto-censura emerge quando formas mais ou menos subtis de intimidação coexistem com a possibilidade de ganhos pessoais, em caso de complacência ou cumplicidade de jornalistas. Apesar do n.5 do art. 59 da Constituição garantir a isenção dos órgãos e a independência dos jornalistas no sector público da comunicação perante o Governo, a Administração e demais poderes públicos, o Conselho de Administração, nomeado pelo Governo, interfere pesadamente na prestação do serviço público. Os directores, que deviam ser nomeados só após um parecer do Conselho de Comunicação Social e que, portanto, deviam ter larga autonomia, estão completamente a seu mercê. Na Televisão já se perdeu a conta do número de directores demitidos. Cá fora o quadro não é menos negro. Sectores de opinião, próximos do actual Poder, são aparentemente favorecidos pela a publicidade comprada de principais empresas e instituições do País. Revistas institucionais constituem uma fonte adicional de biscates para os escolhidos porque não é aplicada a proibição de exercício de jornalismo em simultâneo com actividades de publicidade e de relações públicas, prevista na alínea f) do art. 8º do Estatuto do Jornalista. Outras incompatibilidades notórias como as de jornalista/assessor do Governo são ignoradas. O resultado é que há pouco incentivo para se fazer jornalismo a sério. A liberdade de imprensa é, de facto, o que alguns chamam de liberdade-resistência aos poderes públicos. Se as autoridades por via directa ou indirecta e até por invectivas de primeiros-ministros condicionam a liberdade dos jornalistas, não é de estranhar que o País ainda não tenha a comunicação social essencial ao funcionamento pleno do sistema democrático. Uma comunicação social que fomente um diálogo livre, aberto e plural, que dê voz à sociedade civil e que forçe os poderes públicos a cumprir as regras e a respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos. Uma comunicação social que, particularmente, seja ciosa da sua própria liberdade. Jornalistas e orgãos de comunicação que neste ambiente lutam por fazer o seu trabalho, com todo o profissionalismo, merecem a consideração de todos. 

segunda-feira, novembro 27, 2006

Expandir o porto da Praia ou construir em Sta.Cruz?

Tudo indica que o Governo vai avançar com o projecto da fábrica de cimento em Santa Cruz. 55 milhões de dólares é o investimento previsto. Para além da fábrica de cimento, um porto terá que ser construído e certamente outras infraestruturas, incluindo estradas adequadas para levar a produção da fábrica ao mercado. Independentemente de se saber se é a opção mais sensata investir numa fábrica de cimento com custos de transporte de matéria-prima de uma ilha para outra e virada para um mercado minúsculo como é o mercado caboverdiano, uma questão se põe: se é imprescindível construir um porto em Santa Cruz, porque não juntar esse projecto ao de expansão do Porto da Praia, que vai custar 59 milhões dólares dos fundos do MCA, numa única infraestrutura portuária que poderá servir globalmente a Ilha de Santiago? O custo extraordinário da expansão do porto da Praia deve-se, segundo os entendidos, às exigências de protecção desse porto que obriga a obras caras em zonas profundas. Isso, aparentemente, sem garantias de que o porto ficará livre da acção do mar que limita a sua operacionalidade em certas épocas do ano. Por outro lado, a expansão do Porto da Praia força ainda mais a concentração da actividade económica na capital com todas as consequências já conhecidas. Um porto em Santa Cruz, servido por uma via rápida, que seria a primeira etapa da via rápida para o Tarrafal, teria um efeito extraordinário na dinamização económica de outras partes da ilha, desconcentrando a Capital e abrindo oportunidades novas, designadamente na imobiliária e no turismo.  

domingo, novembro 26, 2006

O Governo merece a Moção de Censura

A moção de censura ao Governo espelha a indignação geral em relação à atitude do Governo face ao acórdão do Tribunal Constitucional. O Governo falhou no respeito devido ao TC com as patéticas e repetidas referências aos seus experts e com a divulgação da contestação após o caso julgado. Não demonstrou lealdade institucional ao se omitir intencionalmente perante o vazio legal, potencialmente prejudicial aos cidadãos, que resultou do acórdão. O Poder Judicial não tem competência legislativa. O TC simplesmente fez o que estava ao seu alcance: limitou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no que respeita ao ressarcimento dos impostos pagos à mais. Caberia ao governo e ao parlamento impedir outros efeitos. O Governo, ainda, faltou ao seu dever de garante do bem estar das populações e de responsável pela condução sem sobressaltos da economia. Por tudo isso merece ser censurado. Não estão próximas as eleições para que o povo mostre a sua indignação nas urnas. Os Tribunais não podem nem têm como reagir à deslealdade de outros órgãos de soberania. O Parlamento é que é o lugar certo para se escrutinar o comportamento do governo, para o obrigar a se explicar e, se for necessário, para o censurar. Os argumentos avançados pela Porta-Voz do Governo não colhem. O País em termos económicos podia estar na melhor das situações. Não é o caso, como se pode ver pelo nível de desemprego e pelo persistente declínio de Cabo Verde nos níveis de Desenvolvimento Humano. Mesmo que assim fosse, justificar-se-ia a Moção de Censura pela forma como o governo pôs em causa o primado da Lei e a separação de poderes, princípios centrais do Estado de Direito democrático, e pela não assunção pelos governantes da postura de responsabilidade e de maturidade que estão obrigados a demonstrar na condução dos assuntos do Estado 

sexta-feira, novembro 24, 2006

As Leituras do Sr. Primeiro Ministro

Na quarta-feira oGoverno deu posse com muita pompa e circunstância ao 1º Reitor da Universidade de Cabo Verde. Mais uma oportunidade para o Sr. Prmeiro Ministro e o Governo se banharem na luz de mais uma realização, mesmo que seja algo ainda por construir, não obstante os dois anos de trabalho da Comissão Instaladora. Do discurso do Sr. Primeiro Ministro o País ficou a conhecer as suas últimas leituras. Todos esperam que ele digira bem os trabalhos dos autores que citou, Amartya Sen, Francis Fukuyama, Fareed Zakaria e Thomas Friedmnan , apesar de eles se situarem nos antípodas das crenças e das práticas do PAICV. O PM deveria dar especial atenção ao livro de Zakaria para evitar as práticas iliberais que o seu governo é useiro e vezeiro. Vê-se que não assimilou bem “O Futuro da Liberdade” do Zakaria quando na sua leitura da história de Cabo Verde exalta o 5 de Julho que trouxe a Independência mas não trouxe a Liberdade, refere-se à constituição de 1980 que não é realmente uma Constituição mas o texto legitimador de uma tirania, e esquece a Constituição de 1992 que define a II República. O PM não fez qualquer menção à Constituição que estabelece as bases da democracia liberal em que vivemos, que erige o respeito pela dignidade humana como princípio fundamental e que estipula que o Poder só é legitimo se resulta da vontade livremente expressa do povo e se é exercido nos termos da Constituição e das Leis. De facto a inércia da cultura política iliberal do PAICV é demasiado forte. Contamina o pensamento, distorce os discursos e induz a práticas governativas como as verificadas nas últimas semanas.
P.S. O País continua ainda à espera que o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo deixem de confundir governação com governança. Que façam propaganda das realizações do Governo mas sem cair no ridículo de estarem a apresentar-se como o melhor governo da África e quiçá do Mundo.  

terça-feira, novembro 21, 2006

Governo pune os caboverdianos

O Boletim Oficial trouxe ontem a público o acórdão do Tribunal Constitucional e os novos preços estipulados pela Agência Reguladora, ARE. O aumento de preços previsto pelo Sr. Primeiro-Ministro aconteceu. O Governo cumpriu a sua promessa de punir os caboverdianos. Antes e ao longo da semana passada o Governo e o PAICV, em declarações diversas, vinham desafiando a decisão do TC. No seu modo de funcionamento já previsível, descartaram-se das suas responsabilidades, acusaram o MpD de prejudicar o país e constestaram, mais ou menos veladamente, o acórdão do Tribunal. Chegaram ao ponto de publicar a resposta, que deram ao TC enquanto apreciava o pedido de fiscalização, num sinal de discordância da posição desse tribunal superior, de não acatamento real da sua decisão e de desrespeito pelo seu papel em fixar a jurisprudência constitucional. A omissão do Governo também revela a sua atitude de desafio em relação ao Poder Judicial, ao País e à sua população. O TC simplesmente disse que o Governo não tinha competência para legislar em matéria de impostos. Não disse que os diplomas em termos materiais estavam feridos de inconstitucionalidade. Quer dizer, que, conduzidos ao órgão próprio, o Parlamento, podiam passar a ser lei outra vez, evitando perturbações na vida das pessoas e na economia. O Governo foi notificado da decisão do TC na sexta-feira, dia 10 de Novembro. Tinha tempo suficiente para apresentar na segunda-feira, dia 13, uma proposta de lei que restabelecesse a situação vigente no país em termos de preços. O Parlamento está em sessão desde de 1 de Outubro. O Regimento da A N estabelece que propostas de lei apresentadas em regime de urgência podem ser discutidas 48 horas depois. Isso significa que uma Reunião Plenária do Parlamento na quinta-feira poderia ter aprovado a proposta de lei do Governo e que no Boletim Oficial da segunda feira, teríamos o acórdão do TC e os novos preços, mas sem os aumentos que hoje o país tem que suportar. Se isso não aconteceu foi claramente por vontade expressa do Governo. Talvez para daqui a uma semana aparecer como Salvador e repor os preços anteriores. Um exercício infantil. Por falhar gravemente nas suas responsabilidades e por demonstrar arrogância e imaturidade na condução dos assuntos do Estado, o Governo do Dr. José Maria Neves merecia ser censurado em Sede própria.

sexta-feira, novembro 17, 2006

EDP, estratégia de saída "cut and run"

 Pôr fim ao prejuízo e sair a correr parece ter sido a estratégia da EDP para deixar a sua posição como parceiro de Cabo Verde nos sectores de energia e água. O Primeiro Ministro de Portugal quando passou pelo Sal em Julho último disse que lamentava que "as empresas portuguesas tivessem feito uma negociação, talvez um pouco descuidada", que conduziu à situação então vivida de blackouts na Praia . Tudo indica que a falta de cuidado referida tinha a ver com a promessa da EDP em garantir o investimento de 250 milhões de dólares em 15 anos no domínio da energia e água. A falta de confiança no relacionamento posterior com as autoridades caboverdianas, a quebra nas perspectivas de crescimento do País e a percepção de que barreiras políticas dificilmente permitiriam um tarifário que compensasse os investimentos a serem feitos teriam levado EDP a procurar uma estratégia de saída. A oportunidade para a desencadear foi lhe oferecida pelo Dr. José Maria Neves. O nosso PM tinha um problema na segunda semana de Julho: A população da Praia já não ia na conversa que o culpado pelos blackouts era o MpD. No jogo entre o Governo e a Electra de deitar as culpas um ao outro, o governo estava em vias perder. Com um golpe de cintura, o PM redefiniu a questão e o problema passou a ser entre portugueses da EDP na Electra a prejudicar caboverdianos. A introdução deste factor levou a que Sócrates mandasse um seu ministro a Cabo Verde para, num meio-dia de trabalho, resgatar a empresa portuguesa. E assim aconteceu. Um acordo foi assinado, a EDP ficou livre da promessa de investimento de 180 milhões de dólares e, do já realizado no valor de 70 milhões, levou a garantia de pagamento em vinte anos, na base de mais de mil contos por dia. São esses 70 milhões que agora vende por 40 milhões ao BCA. Preterindo 30 milhões dólares por 40 milhões fresco na mão a EDP estará, provavelmente, a considerar 1- que já é bom que consiga agora 40 milhões por algo que poucos meses atrás dava como potencial perda, 2 – e que, libertando-se da posição de credor da ELECTRA, elimina um possível foco de atrito futuro com a empresa e com o Estado. Para o BCA os ganhos são evidentes: compra por 40 milhões e cobra 70 milhões. Para além disso reforça a sua posição como principal credor do Estado. Cabo Verde é que agora tem que viver com as incertezas, derivadas da falta de garantia de investimento suficiente e atempado na energia e água, com o abalo na confiança que poderá inspirar a qualquer parceiro estratégico e com um risco orçamental acrescido .

quinta-feira, novembro 16, 2006

PAICV e os seus pontos cegos

 Observando o PAICV e o Governo a lidar com a crise política instalada com o acórdão do Supremo Tribunal enquanto Tribunal Constitucional, fica patente os pontos cegos (blind spots) da sua cultura política. Pergunta-se: Porque é que o PAICV insiste em entrar em colisão directa com a Constituição? E em matérias tão óbvias como as que suscitaram os pedidos de fiscalização sucessiva abstracta em 2001, caso de interpretação da alínea q do artigo 175º, e agora de normas constantes do artigo 93º? Como é que depois de perder sucessivamente em dois STJ (2202, 2006) com diferente composição de juízes, mostra-se sempre relutante em aceitar a jurisprudência constitucional fixada pelo tribunal? Porque é que tudo faz para governar sozinho, não obstante a retórica de consensos, mas, quando se vê em dificuldades, culpa outros pelo acontecido ou, então, arrogantemente, desculpa-se dizendo que, se utilizou meios errados, foi para atingir fins nobres? A proposta de Lei do IVA é do Governo, assim como é a proposta de Lei que Regulamenta o IVA. Se normas no regulamento permitiam antecipar situações em que a entrada em vigor do IVA iria pôr em causa a estabilidade dos preços e prejudicar os mais pobres na sociedade, o remédio passaria por negociações entre os grupos parlamentares, como aconteceu para o caso da indústria nacional. O Governo optou por legislar sozinho, pela via de decreto, ignorando o acórdão nº 5/2006 relativo à competência para legislar sobre impostos. Em decretos-leis subsequentes (3/2005 e 63/2005) acabou por violar o princípio da não retroactividade das lei fiscais e o princípio da anualidade. Porquê?! O Sr. Primeiro-Ministro vê-nos dizer que o país vai sofrer! Em vez de, humildemente, mostrar ao país que procura uma solução e, nesse sentido, está a envidar esforços junto à oposição para se encontrar um entendimento sobre a matéria, beligerantemente responde assim: congela a publicação do acórdão, abalando com isso a confiança na Justiça; ataca a oposição por ter colocado o problema; e, de forma surda, contesta a decisão dos tribunais, referindo-se teimosamente aos estudos feitos por experts, nacionais estrangeiros e do FMI. É evidente que o PAICV tem dificuldades em funcionar com regras. Parece que as viola para demonstrar que não se sente amarrado por nenhuma. O PAICV tem um problema com o Poder Judicial. Ë um poder que não consegue combater pela via usual de contestar a motivação dos titulares, ou de acusá-los de representar interesses outros que não os do país ou ainda de lhes atirar as culpas pelo que ainda não se fez ou que pelo que foi feito. Finalmente, para o PAICV o poder absoluto é uma tentação demasiado forte. Por isso a oposição é sempre um estorvo e o País deve-lhe confiança cega porque o seu casamento com os mais profundos interesses do povo, particularmente dos mais pobres, é absolutamente sem mácula. É fundamental para Cabo Verde que o PAICV faça a sua paz com o País, aceite plenamente a Constituição e reconheça as virtualidades do pluralismo na consecução do interesse geral.

terça-feira, novembro 14, 2006

Será que Cabo Verde é uma república de bananas?

A televisão acabou de passar imagens da inauguração de uma nova unidade da Ceris. A placa comemorativa trazia a inscrição que o acto seria presidido pelo Comandante de Brigada Pedro Verona Pires. O Sr. Presidente da República lá fez o descerrar da placa. A questão que imediatamente se põe a todos os caboverdianos é esta : será que temos um militar ou um ex-militar, ostentando patentes militares, a presidir a nossa república democrática? Normalmente, só em repúblicas de bananas, em regimes autoritários sul-americanos, em regimes megalómanos em Africa e em regimes comunistas anacrónicos como Cuba que se vê essa exibição indecorosa de galardões militares na Chefia do Estado. Portugal deu um passo decisivo na sua democracia quando, em 1982, fez a revisão constitucional que acabou com a tutela dos militares no Conselho da Revolução e com a situação anómala do Presidente da República também ser o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas. O Presidente da República general Ramalho Eanes, passou a ser Presidente Ramalho Eanes. A democracia portuguesa tinha entrado na idade adulta. De facto ninguém fala de Presidente da França general De Gaulle, nem do Presidente dos Estados Unidos general Eisenhower ou do Presidente da Nigéria, general Obasanjo. A subordinação dos militares à autoridade civil é uma questão chave das democracias, tanto pela necessidade de manter o prestígio das Forças Armadas e a confiança na sua missão de defensores, em última instância, da ordem constitucional como, também, de garantir que o monopólio de violência que detém em nome do Estado não se transforme em factor de instabilidade e de caos social. Por isso é que todas as constituições democráticas, incluindo a caboverdiana, proíbem os militares no activo de concorrerem a cargos políticos. Se estão na reserva ou na reforma não faz sentido o uso de patentes militares. Na democracia não há maior honra para um cidadão do que ser Presidente da República. O Sr. Pedro Pires não precisa de outros títulos ou de patentes duvidosos. Em respeito pela Constituição que jurou cumprir e fazer cumprir, não deve permitir que, ao Presidente da República de Cabo Verde, se coloque epítetos manifestamente inconstitucionais.

Políticos, Oposição e o interesse geral

 O acórdão do Tribunal Constitucional de 9/11 declarando a nulidade de decretos-leis do Governo pôs fim a uma verdadeira extorsão fiscal. O Estado tem arrecadado receitas, calcula-se em mais de 427 mil contos por ano, através de impostos ilegitimamente lançados. Este é o custo directo, porque, indirectamente, as pessoas viram-se subtraídas de valores muito superiores, devido ao impacto dos preços de combustíveis, comunicações, água e electricidade sobre os preços de outros produtos. O acórdão resulta de um pedido de fiscalização sucessiva abstracta da constitucionalidade  de Setembro de 2005. O desenlace actual, que acabou com uma situação de injustiça e de prejuízo para todos, foi possível porque a Oposição exerceu o seu papel que é, essencialmente, de limitar o Poder do governo. O Poder na democracia deve ser sempre um Poder limitado. Assim, só é legitimo se se subordinar à Constituição. Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos devem ser barreiras incontornáveis. A separação de poderes (executivo, legislativo e judicial) impede a emergência de um poder unitário, próprio de regimes totalitários. Neste particular, a Oposição nas democracias parlamentares é o garante da separação de poderes entre o legislativo e o executivo. Uma Oposição activa desencoraja tentações tirânicas da maioria. A compreensão desta dinâmica é fundamental para o desenvolvimento de uma cultura democrática. Tiradas contra os políticos em geral, mas particularmente contra deputados, reflectem muitas vezes a dificuldade em ver a importância do pluralismo na construção do interesse geral. O exercício do contraditório parece ser um desperdício de tempo e de recursos. Provavelmente terá o seu nível de ineficiência. Mas não é nada comparável com a ineficiência de um sistema de poder absoluto ou tirânico. Imaginem quanto custaria a todos se não houvesse um poder judicial independente e uma Constituição democrática para declarar nulos esses três decretos-leis do Governo.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Os vencimentos da classe política

É certo e sabido que falar de salários de políticos traz à superfície o que de pior, em termos de falta de razoabilidade, de hipocrisia e de inveja mal disfarçada, existe na sociedade. A posição social dos mais ofendidos nota-se logo pelo argumento preferido para desmerecer qualquer actualização de rendimentos para os titulares de órgãos de soberania. Escudam-se na pobreza existente e atacam acenando com os  problemas dos coitados. Não é possível esconder, porém, a inveja subjacente a esses ataques. A inveja que envenena as relações sociais, que não deixa o mérito ser reconhecido e que bloqueia o espírito de cooperação indispensável para o contínuo enriquecimento material, moral e cultural de uma sociedade. Em Cabo Verde já se convencionou que a vida é um jogo de soma zero. Há um bolo a repartir e se alguém está a servir-se isso significa que diminuiu a parte dos outros. É consequência de uma existência à base de ajuda externa e reforçada no dia-a-dia pela relação perversa entre doadores e recipientes que caracteriza as relações de Poder no País. Normalmente, disfarça-se a inveja mas, quando se trata de políticos, salta logo a matar. O espectáculo de ontem no programa “Noite Ilustrada”é elucidativo a esse respeito. Titulares de órgãos de soberania, políticos e juízes, e titulares de outros órgãos de poder político, presidentes de câmara e vereadores não viram durante nove anos (desde 1997) os seus rendimentos serem actualizados. Porquê? Porque os partidos políticos não chegam a acordo quanto ao mecanismo de actualização dos vencimentos. É forte a tentação de explorar essa questão de forma demagógica e populista. Resultado: a Democracia perde de várias formas, designadamente: 1- No nível de transparência da actividade do Estado. Ninguém acredita que os senhores ministros e presidentes conseguem sustentar-se nos rigores e exigências dos cargos, ano após ano, sem actualização de rendimentos. A falta de actualização é suprida por outras vias: subsídios, ajudas de custo, despesas de representação etc. 2- No enfraquecimento da oposição. Quem está em oposição sofre mais porque não tem os outros expedientes para minorar a persistente perda de poder de compra. Isso torna os membros da oposição vulneráveis a tácticas mais agressivas de quem está no poder com consequentes perdas para a democracia. 3- Na perda de coerência da política de salários na Administração Pública. Altos funcionários têm vencimento superior aos titulares de órgãos de soberania a quem estão subordinados. É o que já está a acontecer, devido ás actualizações anuais no funcionalismo e ao congelamento dos vencimentos de políticos e de magistrados judiciais.

domingo, novembro 12, 2006

NOSI atrás da Microsoft enquanto todos fogem

O apego do NOSI à Microsoft faz confusão. A Microsoft é uma empresa bilionária que vive essencialmente dos direitos resultantes de utilização de Windows, o sistema de operativo de mais ou menos 90% dos computadores no mundo. A Microsoft quando vem a Cabo verde é primeiramente para regularizar a situação do uso do seu software. Assegurar o pagamento de direitos por cada cópia de Windows e do Office em cada computador em Cabo Verde, particularmente nos do Estado. Neste particular, seria interessante saber quanto é que o Estado passou a pagar essa empresa pelos direitos proprietários de uso do software. Calcula-se que seja à volta de 20% o custo dos direitos em cada computador. Isso naturalmente encarece qualquer política de levar um computador a cada família. Por isso é que muitos países, entre os quais Brasil, fogem da Microsoft e promovem vigorosamente softwares livres de direitos. Linux, um sistema operativo mais estável e mais versátil que o Windows, é um exemplo desses softwares livres. No dia de visita a NOSI o Primeiro-Ministro disse que se vai criar todas as condições para que os cidadãos possam ter acesso ao computador, à informação, para que não haja info-exclusão”. Boas intenções. O problema é que o Governo parece não saber como. Por um lado deixa que o NOSI se constitua em obstáculo ao desenvolvimento de um sector privado no domínio das tecnologias de informação e comunicação. Por outro, permite que o NOSI, por si próprio, prossiga caminhos como a construção da plataforma tecnológica da rede do Estado em colaboração com a Microsoft, pondo de parte alternativas tecnologicamente mais sólidas, mais baratas e potencialmente mais enriquecedoras para o País.