terça-feira, outubro 26, 2010
Justiça: ao sabor das conveniências
segunda-feira, outubro 25, 2010
MCA. Possível ultrapassar espírito de ajuda?
Com grande pompa e circunstância fez-se a inauguração do que se está a chamar de primeira fase das obras do porto da Praia. Inicialmente, fundos do MCA no valor de 53 milhões de dólares foram destinados a colocar o porto numa posição em que poderia manejar com maior eficiência não só os navios que o escalam como os contentores descarregados. Também estaria em melhor posição de servir os seus muitos utentes, porque as operações portuárias seriam garantidas por operadores privados. Bom, chegado ao fim do projecto MCA, a eficiência do porto no manejo de navios não se alterou porque não se construiu o quebra-mar previsto para conter os efeitos da calema e não se aumentou o cais nº1 como tinha ficado assente no acordo assinado com o MCC em Junho de 2005 (pgs. 70-71). Também a privatização nos últimos cinco anos não deu um passo significativo. Para o MCC essa era a condição sine qua non para o sucesso do projecto. Até estipulavam no acordo que não haveria desembolso sem passos visíveis nesse domínio. Inaugurou-se sem o quebra-mar e sem o cais estendido e com a velha ENAPOR na gestão do espaço. Não é à toa que muitos se mostram cépticos quanto aos ganhos reais de tudo isso. O próprio Daniel Yohannes teve que reafirmar no seu discurso que coloca a iniciativa privada no centro de uma estratégia de crescimento. Teve necessidade de fazer isso talvez porque é notório como o programa do MCA acabou por não diferenciar muito dos muitos programas de ajuda com que o Governo já lidou. Inicialmente, o acordo previa gastos directos no valor de 7 milhões de dólares para imprimir uma nova dinâmica ao sector privado nacional. A maior parte foi desviada para as estradas do Governo. Dos 7 milhões só 1,9 milhões foram colados no sector privado. Isto é, nas micro-finanças onde o Governo já sabe como fazer para desenvolver os seus projectos de estimação. Não é à toa também que a questão da privatização das operações portuárias tenha sido adiada sine die. O Governo sabe como contornar pretensões dos estrangeiros em tentar ir além da ajuda tradicional. Eles, por outro lado, contentam-se com algum sucesso em mudar atitudes. As suas expectativas são baixas mesmo nos países que reconhecem ter good governance, mas em África. Uns e outros ajustam-se nos respectivos propósitos. O país é que fica preso na ratoeira do espírito de ajuda e não desenvolve a atitude certa para pensar que pode ser próspero com dignidade e sem pedinchar ninguém.
sábado, outubro 23, 2010
Criminalizando a Oposição
Continua a ofensiva do PAICV em desqualificar, à partida, o MpD como candidato nas eleições de 2011 e a governo nos próximos cinco anos. Em conferência de imprensa ontem dia 22, o Secretário-geral desse partido denunciou nestes termos o que chamou gastos exagerados na pré-campanha:
“O MpD gasta rios de dinheiros e faz ostentações exageradas em tempo anterior à pré-campanha eleitoral”. São absurdos os “sinais exteriores” de um financiamento que não se explica, nem se compreende, em se tratando de um partido “com dívidas malparadas e crédito bancário condicionado”.
A imagem dos irmãos Metralha, que acompanha o texto no site do PAICV, mostra que esse partido não está a interrogar-se sobre nada. Está a acusar. Mas, como é da sua natureza, depois de acusar, esconde-se. Diz que a sua reacção deve-se ao facto de ser um “assunto que tem melindrado a opinião pública e tem dado azo a questionamentos na imprensa”. Quanto à imprensa, ninguém tem dúvidas sobre quem anda, há algumas semanas, a falar de dinheiros, de narcotráfico, de vendas de terrenos e até de sabotagem na Electra, sempre procurando envolver figuras e partidos da Oposição. Até parece que a conferência de imprensa do PAICV de sexta-feira foi planeada para coincidir com manchetes de jornal repisando isso tudo. Não interessam as negas da Administração da Electra quanto à sabotagem e as declarações do Procurador-Geral dizendo que “não recebeu qualquer pedido formal” do Governo ou da Electra para investigar. Interessa, sim, criminalizar a Oposição aos olhos da comunidade internacional e dos caboverdianos. É a democracia à moda do PAICV. À moda da uma cultura política que teima em não diferir muito das que ou internam em hospital psiquiátrico os críticos, dissidentes e adversários políticos ou os põe na cadeia por actividades criminosas.
quinta-feira, outubro 21, 2010
Dose reforçada de hipocrisia
O PAICV, no noticiário 13-14 da RCV de hoje, veio com uma dose mais reforçada da hipocrisia que costuma lidar com os caboverdianos. Estava a responder à critica de muitos, designadamente deste blogue, pela forma como o Governo se cola na cooperação internacional e nos seus representantes para efeitos eleitorais e extrair dividendos na luta política. Algo que é feito aos olhos de todos e passado todos os dias na televisão pública. Muita hipocrisia permite ao PAICV vir, na cara de todos, dizer que não é assim. E é com cinismo que recua nas suas responsabilidades quando sabe que é o Governo quem, muitas vezes, coloca representantes diplomáticos em situações embaraçosas. Mas a intervenção é também toda ela parte da guerra sem quartel que move contra os adversários políticos. A acusação de serem contra as parcerias é para demonstrar à comunidade internacional que a Oposição não é credível e não merece governar. Conseguida a simpatia dos membros dessa comunidade, é usá-la para provar ao povo de Cabo Verde que só eles são aceites pelos países e instituições estrangeiras. O problema é que todos vêem o que se passa. E tudo não pode ser reduzido a tricas políticas. Há questões de decência, de verdade e de honestidade nas relações políticas que não devem ser ultrapassadas. Um testemunho insuspeito do que se passa nesta matéria é dado pela jornalista Margarida Fontes no seu blog, num “post” de 19 de Outubro de 2010:
Perdas de representatividade e diversidade
Com a publicação, no dia 13 de Outubro, dos dados definitivos do recenseamento eleitoral ficou oficial: S. Antão e Fogo perderam dois e um deputado respectivamente. Sal e Santiago-Sul ganharam respectivamente 1 e dois deputados. A perda de representividade de algumas ilhas a favor de regiões e outras ilhas têm subjacente uma realidade mais dura de perda de população que não se confina ao caso citado. S. Nicolau é o caso mais flagrante de migrações que já ameaçam colocar a ilha num espiral acelerado descendente. Por falta de massa crítica, os transportes começam a rarear-se, lojas fecham-se, jovens saem à procura de oportunidades, a agricultura estrangula-se com falta de mão-de-obra, a população envelhece, etc. No sentido oposto a cidade da Praia denota um crescimento exponencial que atrai cada vez mais pessoas, negócios e aventureiros. Um crescimento que põe pressão excessiva sobre os recursos da Ilha e sobrecarrega sistemas como o eléctrico, água e saneamento. Para não falar na situação habitacional crónica que cria nas cintura urbana bairros degradados onde a pobreza coexiste com o crime, a insegurança, a insalubridade e o desemprego. Tudo isto vem passando há vários anos sem que o Governo arrede um passo na sua política centralizadora. Uma política que despovoa ilhas, rouba o país a sua diversidade e nega às ilhas a energia dinamizadora e criativa da parte da sua juventude forçada a deixar a sua ilha e a relocalizar-se na Praia por falta de oportunidades. A crise veio mostrar o quanto é que se falhou em garantir ao país harmonia e equilíbrio. A máquina centralizadora do espaço e o espírito controlador do Governo bloqueou projectos noutras ilhas que podiam ter reequilibrado o país. Quando as oportunidades esfumaram-se o único ponto do território nacional que ficou com alguma dinâmica foi a cidade da Praia. A presença do Estado, com toda a grande fatia de consumo que comanda e arrasta, garante dinâmica em vários sectores. Só que os custos são terríveis mas muito desadequadamente assumidos pelo Governo. A primeira tentação é passar a culpa aos outros. Depois, faz investimentos futuristas como a circular da Praia para contornar os problemas criados. Não funcionam mas mesmo assim insiste em localizar tudo na capital, acelerando ainda mais o seu crescimento. É um círculo vicioso alimentado pela ausência de estratégia de desenvolvimento, mas que responde às necessidades de uma cultura política controleira e centralizadora que cada vez mais vem retirando ao país a vitalidade e a criatividade que advém da diversidade. Diversidade que só é possível com economias funcionais e prósperas em todas as ilhas.
terça-feira, outubro 19, 2010
Going native
A visibilidade dos membros do corpo diplomático em Cabo Verde parece às vezes excessiva. Atinge o limiar do aceitável no caso da intromissão da embaixadora de Portugal na política local, da forma como foi apresentada por um semanário da praça. Segundo o jornal, a embaixadora entende que o seu país e governo estão a ser vítimas de uma campanha despropositada e insidiosa. Por quem? Segundo ainda o mesmo jornal, por sectores políticos e empresariais próximos da oposição. O confronto aí esboçado é no mínimo insólito. A oposição nas democracias não culpa países estrangeiros pelos acordos assinados pelo governo. Podem criticar o timing das decisões, questionar estratégias negociais e discordar dos termos do acordo. As autoridades estrangeiras não reagem à crítica porque sabem que negoceiam com o governo legítimo da república. A chamada à responsabilidade feita pela oposição é uma questão interna. Não há crise aí. Por isso é estranho que representantes diplomáticos deixem-se envolver, desafiando “quem quer que seja a desmenti-la”. Os excessos de visibilidade e protagonismo a raiar o exagero eram acidentes à espera de acontecer, como está-se a verificar neste caso. E as razões são claras. A importância que a rádio e, particularmente, a televisão dão à entrega de doações e aos actos de colagem do Governo à cooperação internacional acabam por imprimir forte protagonismo aos embaixadores. A dependência da ajuda externa faz da interacção estreita com os sectores diplomáticos de países doadores um aspecto central da governação. A proximidade não tem só aspectos positivos de facilitar relações. Pode e dá azo a vícios diversos. Aliás a regra na generalidade das chancelarias é que o diplomata só se mantém no posto por dois ou três anos. Isso para se evitar que o diplomata se torne nativo, ou seja, se confunda de tal forma com os locais que deixe de ser um observador e analista com algum distanciamento das políticas nacionais. Esse perigo revela-se maior em Cabo Verde talvez porque o meio é pequeno e acolhedor. Diplomatas mais facilmente ficam enredadas na malha de relações pessoais e sociais e susceptíveis a lobbies político-partidários. A insistência do governo em se reclamar como único credível para dirigir o país tem consequências perversas: por um lado esforça-se por demonstrar que é o preferido doutros países e dos organismos internacionais. Daí a forte colagem aos seus representantes. Por outro, não se inibe de desacreditar os adversários políticos e de fazer crer à população de que a cooperação internacional não os vê com bom olhos. Em todo este processo lisonjeia, dá protagonismo e cria oportunidades de grande visibilidade aos representantes diplomáticos. Um dia havia que surgir alguém que, em plena campanha pré-eleitoral, tomasse partido no confronto entre a oposição e o Governo sobre questões centrais da vida nacional: a dívida pública, o défice orçamental, a política empresarial, as prioridades na infra-estruturação do país, etc. E aconteceu.
sexta-feira, outubro 15, 2010
Gaffes de fim de percurso
Quem simula não muda
Comités contra Ministro
quinta-feira, outubro 14, 2010
Transparência não rima com propaganda
terça-feira, outubro 12, 2010
Tácticas obscuras
sábado, outubro 09, 2010
Estória, estória
sexta-feira, outubro 08, 2010
Banco para créditos subprime?
quinta-feira, outubro 07, 2010
FMI:World Economic Outlook. Projecção para Cabo Verde
quarta-feira, outubro 06, 2010
Não há pudor?
terça-feira, outubro 05, 2010
Falhar na escola, penhorar o futuro
Quanto à qualidade de ensino, Cabo Verde, no relatório de competitividade do Fórum económico Mundial Cabo Verde, aparece atrás de 10 países da África subsaariana: Quénia, Gâmbia, Benin, Zimbabwe, Botswana, Malawi, Maurícias, Zâmbia, Ruanda, e Nigéria. Na matemática e nas ciências o atraso de Cabo Verde é mais evidente. Tem á sua frente o Benin, Quénia, Ruanda, Maurícias, Senegal, Zimbabwe, Zâmbia, Botswana, Costa de Marfim, Camarões, Madagáscar, Gâmbia, Burkina Faso, Suazilândia e Etiópia. É evidente que o país não está a fazer o suficiente em matéria de qualificação dos seus recursos humanos. Esta constatação, que é de todos, parece não ter sido absorvida pelo Governo. Como é seu hábito, quando se torna impossível esconder uma falha da governação, reage em dois registos: insiste em contrariar os factos com declarações extravagantes como “as nossas universidades, mesmo com menos de cinco anos de existência, comparam-se em qualidade com as universidades lá fora”. Num outro registo coloca-se na posição de defender a classe profissional envolvida na actividade. Como se a exigência de qualidade pelos utentes do serviço público significasse pôr em causa a dignidade dos funcionários que o devem prestar. É o clássico reflexo de quem procura se desresponsabilizar das suas acções, não aceita críticas e faz política explorando sentimentos de vitimização e de exclusão. Em S.Vicente, no discurso do início do ano lectivo, o Primeiro Ministro reafirmou confiança na qualidade de ensino em cabo verde, quando todos vêem por que caminhos ela anda, e defendeu a qualidade dos professores como se alguém os estivesse a atacar ou a culpar pela má qualidade de ensino no país. No discurso, para se justificar, o PM falou em tudo, kits escolares, cantinas, alfabetização, objectivos de milénio, reforma de currículo a realizar-se no fim do último ano do seu mandato. Peneira para tentar esconder o Sol da realidade de que se falhou em qualificar os jovens para responder às necessidades do mercado. De que não se conseguiu fazer do capital humano do país um factor de atracção do investimento privado nacional e estrangeiro. E de que não se soube criar bases de conhecimento potenciadores da produtividade nacional e da inovação. O grande nível de desemprego dos jovens com 12º ano é prova disso como também o é o crescente desemprego entre jovens com licenciaturas. Cabo Verde não tem recursos naturais. Mesmo se os tivesse todos sabem os limites do crescimento baseado na venda de minérios e petróleo. Mais de qualquer outro país, o desenvolvimento dos seus recursos humanos tem que ser visto como crucial. Os dados de comparação com outros países demonstram que é inquestionável que Governo fracassou em propiciar ao País os instrumentos fundamentais da sua prosperidade presente e futura. Isso é indisculpável. Não é responsabilidade repassável para os outros nem objecto de artes ilusionistas que só escondem os problemas e adiam soluções.
sábado, outubro 02, 2010
Provocações
Várias foram as provocações feitas no colóquio do PAICV pelo Dr José Maria Neves: “Cabo Verde teve um percurso constitucional notável desde 1975”. “MpD expulsou a oposição do processo de revisão constitucional”. “Há uma nova Constituição em 2010”. Com a primeira afirmação, o Primeiro Ministro varre ganhos de civilização condensados no art. 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (DDHC) de há 300 anos: “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”. E para quê? Para justificar um regime do passado que se situou nos antípodas da democracia e do Estado de Direito. O artigo 16º da DDHC deixa claro que a a LOPE, a Constituição de 1980 e mesmo a constituição revista de 1990 não preenchiam os requisitos básicos de uma Constituição. Mas o PM não ficou por aí. Relembrou ainda a “generosidade” do partido único que impôs a ditadura, como “forma a congregar todas as vontades e as competências nacionais, visando a salvação nacional de Cabo Verde enquanto Nação”. Na segunda afirmação, acusa o o MpD de não ter transformado o parlamento eleito numa assembleia constituinte. Quer que se esqueça que o PAICV, durantre o processo de transição, rejeitou sempre a ideia de eleição de uma Assembleia Constituinte. O PAICV justificou-se, então, com a revisão da Constituição que unilateralmente fez a 29 de Setembro de 1990. Disse que era o suficiente. Os caboverdianos, porém, não concordaram e no dia 13 de Janeiro deram ao MpD dois terços dos votos para completar a mudança do regime com uma nova Constituição. Agarrado à ideia de legitimar o seu passado, o Paicv não podia concordar com uma nova Constituição. Queria continuidade e não ruptura. Por isso, não precisava que ninguém o expulsasse do processo. Ele próprio se excluiria, assim como fez, abandonando a sessão plenária da Assembleia Nacional. Na terceira afirmação vê-se como o PAICV não acredita no constitucionalismo e arranja formas de sempre o pôr em causa. Houve uma revisão da Constituição mas quer falar de uma nova constituição. Provavelmente até advoga uma nova república. Para que, parodiando a célebre frase de Lavoisier, se veja que "nada se consolida, nada é certo e nada se institucionaliza. Tudo se transforma em matéria de arremesso político-partidário". Portugal já vai na sétima revisão constitucional desde 1976. Será que se devia falar na décima república portuguesa? O ridículo que com essas tiradas se atrai para o processo democrático é deliberado. Assim como é deliberado o acto de impedir o Estado de se juntar à comunidade nacional na celebração das datas que, invocando liberdade e pluralismo, renovam a unidade de todos num objectivo comum. Garante-se com isso que os caboverdianos ficarão divididos e à mercê dos que já demonstraram saber como jogar na divisão para manter o Poder.
quinta-feira, setembro 30, 2010
Salário mínimo: desvio do essencial?
A central sindical UNTC-CS fez o seu Congresso no último fim-de-semana sob o signo “Salário Mínimo Digno”. Pelo tema constata-se que os sindicatos de Cabo Verde continuam focalizados nos direitos dos trabalhadores já empregados. Parece-lhes interessar muito pouco a problemática do emprego em Cabo Verde. O facto do crescimento durante esta década não ter sido suficiente para pôr as taxas de desemprego a um nível mais baixo do que em 2000 não os interpela. Da mesma forma, não parece que se preocupem com a falta de competitividade do País derivada em boa parte da rigidez do mercado de trabalho. Cabo Verde situa-se no lugar 122º num grupo de 139 países quanto à eficiência do mercado laboral. A esse nível de competitividade não é razoável esperar investimentos privados nacionais e estrangeiros que eventualmente poderiam combater efectivamente o desemprego, o subemprego e o problema dos jovens que entram no mercado à procura do primeiro emprego. O Governo recentemente abraçou a questão do salário mínimo como forma de desviar a atenção da problemática geral do emprego em Cabo Verde, do falhanço das políticas de emprego e do incumprimento de promessas feitas. Põe foco na redistribuição de rendimentos para mobilizar paixões e gerir expectativas de curto prazo. Deixa para um plano secundário a questão da criação de riqueza e da produtividade que é essencial para se ter aumento de rendimentos dos trabalhadores e se combater, efectiva e sustentadamente, a pobreza. Ao deixar-se seduzir por essa estratégia, a UNTC-CS perde a oportunidade de exigir uma política de emprego e de ir além de reivindicações salariais para os trabalhadores já empregados. E ao propô-la, o Governo deixa de lado a possibilidade de congregar todos, patronato, sindicatos e Estado num pacto colectivo para o emprego e maior eficiência do mercado de trabalho. Cabo Verde não pode tornar-se mais competitivo pela via da desvalorização da sua moeda. O escudo tem um câmbio fixo com o euro. A exemplo de vários países na zona euro, hoje em dificuldades como Portugal e Espanha, tem que flexibilizar e manter a preços competitivos o custo unitário do trabalho. Países como Alemanha e Holanda conseguiram, em vários momentos, ter taxas de crescimento elevados e níveis mais baixos de desemprego porque souberam, desde cedo construir, esse pacto colectivo de sindicatos, patronato e Estado. Nesses países, os sindicatos interessam-se pela sustentabilidade do processo de criação de riqueza. Não ficam somente pela reivindicação de salários e defesa de direitos adquiridos. É esse o caminho que se deve seguir para que uma pequena economia como Cabo Verde se torne competitiva e seja bem sucedida no mercado global.
Anúncio da "III República"?
No dia 24 de Setembro, o Dr. David Hopffer Almada fez o lançamento do seu livro a “Revisão Constitucional de 2010 e o advento da Nova República”. A tese do deputado é que com a alteração nos poderes do presidente e mudanças introduzidas no sistema de Justiça o país adoptou novos paradigmas na organização do poder do Estado. Razão suficiente para se anunciar uma nova república. Certamente para substituir a II República, fundada com a Constituição de 1992. De facto com a revisão da Constituição o presidente deixou de estar vinculado a um parecer favorável do Conselho da República antes de poder dissolver a Assembleia Nacional. Já não nomeia um juiz para o Supremo mas continua a nomear o juiz presidente do Supremo Tribunal de Justiça de entre os juízes escolhidos com base em concurso publico. E porque o presidente do STJ deixou de acumular o cargo de presidente do Conselho Superior de Magistratura, a revisão atribui ao PR o poder de o nomear directamente. Dificilmente alterações dessa natureza justificariam em qualquer lado anúncios de novas repúblicas. Em Portugal a revisão de 1982 acabou com o Conselho da Revolução e todos os mecanismos de tutela militar da democracia. Alguém falou em IV República? Depois disso fizeram mais seis revisões. Outras tantas repúblicas? Situações de crise profunda como a da França em 1958 justificaram o fim da IV República e o nascimento da V República Francesa, mas após um plebiscito. Ninguém, por exemplo, fala de uma nova república na Turquia porque se referendou há dias alguns artigos da constituição, diminuindo a tutela dos militares e aumentando a independência dos tribunais. Só em Cabo Verde essas aparentes "extravagâncias" aparecem. Mas não é atoa. Demonstram a contínua hostilidade do PAICV e dos seus dirigentes a todo o processo de derrube do regime em 1991 e a emergência do Estado de Direito democrático com a Constituição de 1992. Hostilidade visível em diferentes intervenções na conferência do PAICV realizada no dia 27 com o tema "Percurso Constitucional de Cabo Verde desde 1975". Mas em 1975 com a LOPE e a partir de 1980 com o art 4º da Constituição o que se tinha era o princípio fundador do Estado de que o PAIGC/PAICV é a força dirigente da sociedade e do Estado. Claramente que tal princípio não podia ser o ponto de partida para o constitucionalismo caboverdiano. Seria interessante saber se, por exemplo, os juristas russos também pensam que o Estado constitucional russo tem as suas origens no Estado soviético? É que o nosso artigo 4º era precisamente igual ao artigo 6º da Constituição da União Soviética.
quarta-feira, setembro 29, 2010
Avisos subtis
terça-feira, setembro 28, 2010
O Estado: o grande ausente das comemorações do 18º Aniversário da Constituição
segunda-feira, setembro 27, 2010
Reféns da defesa do passado
Todas as oportunidades parecem boas para confundir a memória colectiva e reescrever a história. O PAICV e os seus dirigentes não perdem "uma" na sua incessante defesa do passado do regime de partido único e de justificação dos actos da governação actual. O Presidente da Assembleia Nacional, na Mesa Redonda sob o tema “Os factores de sucesso da Administração Autárquica”, realizada no dia 10 de Setembro, disse a dado passo da sua intervenção: “Cabo Verde tem feito um grande percurso de descentralização do poder notável. No tempo colonial havia um grande distanciamento entre o poder local e os cidadãos e estes realmente não podiam escolher universalmente a sua câmara municipal devido ao sufrágio restrito e não livre. Com a Independência houve um processo em que o povo aproximou-se mais do poder não obstante, não se terem durante quinze anos realizados eleições competitivas mas apenas consultas populares prévias às nomeações posteriores pelo governo dos principais órgãos autárquicos”. Sobressai imediatamente dessas palavras a perspectiva linear da história que o PAICV acarinha. “No início eram as trevas, a época colonial, mas depois surgiu o Partido que pôs a nação num movimento. O regime de partido único foi uma etapa necessária e incontornável para se chegar ao ponto onde o Pais se encontra hoje”. O Dr. Aristides Lima escolhe reduzir a história autárquica de séculos em Cabo Verde, registada em vários documentos e fonte bibliográfica valiosa de estudos, ensaios e livros, à questão da representação popular nas câmaras municipais, nos quarenta anos do regime de Salazar/Caetano. Não se refere à cultura cívica e institucional desenvolvida durante os séculos de experiência autárquica e esquece-se de realçar que, apesar de tudo, ninguém chegou ao ponto de suprimir as câmaras municipais. Isso só viria acontecer precisamente nos 15 anos de regime de partido único que ele chama de “aproximação de poder pelo povo”. As câmaras só viriam a reaparecer em Cabo Verde em 92. E, a partir daí, procuraram reconstruir o que em termos de civismo e de cultura institucional foi destruído, ao mesmo tempo que geriam no dia a dia a situação urbana caótica que lhes foi deixada pelos “secretariados administrativos” e delegados do governo do regime de partido único. Em simultâneo com o pesado lastro que herdaram as câmaras tiveram que confrontar os efeitos da cultura centralizadora, predominante no país. Cultura essa que sobrevivieu aos primeiros anos de democracia e de instalação dos municípios e ganhou um novo ímpeto com o actual governo. Os dez anos de mandato têm sido de hostilidade geral ao Poder local. Na sua intervenção o Dr Aristides Lima uma vez mais não tem razão quando coloca a questão das tensões entre o Poder Central e Local da seguinte forma: “o poder local deve conquistar o seu espaço, que não deve passar pela confrontação com o poder central”. Pois, “o poder local como instrumento para fazer oposição ao poder central é uma ideia perversa e não favorecerá a descentralização, nem a boa gestão”. De facto, considerando que reina uma cultura centralizadora no país é mais lógico que, em existindo tensão, ela resulte da pressão do Governo e da administração central no sentido de diminuição das atribuições e competências das autarquias, e não o contrário. Aliás as câmaras não têm como fazer oposição ao governo. A desproporção de meios é demasiado grande. Mas já o contrário é perfeitamente verosímil como vários factos podem testemunhar.