Se,
de facto, não é bom para o país que seja a TACV a ser o único
instrumento de política dos transportes aéreos do país, com as
consequências que se conhecem da derrapagem económico-financeira da
empresa, também não é de aceitar que o Estado e o governo se omitem em
matéria de ligações inter-ilhas e internacionais. Em última instância
serão sempre decisões políticas e administrativas do governo em matéria
de conectividade do país, de atracção do investimento externo, de
promoção das exportações e do turismo que irão determinar se haverá
aumento suficiente de passageiros e de carga para viabilização comercial
de eventuais rotas. Ou seja, a bola estará sempre do lado do governo.
Tem é que mostrar vontade e foco para a pôr em movimento.
Em situações de falha de mercado ou de mercados imperfeitos como acontece em particular nas realidades insulares o governo não pode abster-se de uma intervenção qualificada e estratégica ficando à espera que o mercado funcione. Algo similar aconteceu com o transporte marítimo inter-ilhas e as consequências são conhecidas. As autoridades durante demasiados anos deixaram o sector praticamente ao sabor do que o mercado oferecia sem a regulação que se impunha, sem uma política de facilitação da ligação inter-ilhas e de diminuição dos custos inerentes em taxas e outras barreiras burocráticas e sem o apoio consistente e estratégico à iniciativa privada nacional no sector. Veja-se agora a situação dos armadores e o custo dos transportes que penaliza todos e desencoraja operadores económicos. Recorde-se as perdas em vidas humanas e em bens materiais de alguns anos atrás.
São visíveis na história do país as consequências dos voluntarismos e omissões dos sucessivos governos ditados às vezes por questões ideológicas, outras vezes pelos constrangimentos impostos pela ajuda externa e outras vezes ainda por falta de visão estratégica. Em vários sectores, inconsistências várias têm impedido que se potencie os investimentos feitos, que se aproveite devidamente as oportunidades e que mesmo os ganhos conseguidos se acumulem e se conjuguem para um maior impacto a todos os níveis e, em particular, para maior dinâmica de crescimento e de criação de emprego. Por isso sabe-se hoje que o país juntou dívida pública crescente com crescimento baixo, que o sistema educativo ficou desajustado para as necessidades do mercado de trabalho e que o turismo comparativamente não traz os benefícios para o resto da economia expectáveis noutras economias insulares similares a Cabo Verde.
Todas as ilhas perderam com políticas desajustadas e incoerentes, mas em S. Vicente a perda provavelmente é maior. É verdade que ao longo dos anos fizeram-se muitos investimentos públicos que se juntaram ao legado acumulado de experiência, de cultura e cosmopolitismo. Mas, sem uma estratégia consistente, o retorno de todo esse potencial tem ficado muito aquém do esperado com prejuízos para a economia do país e para a manutenção de equilíbrios demográficos, socioeconómicos e culturais que convém perservar num país arquipelágico. Um indicador crucial que mostra essa falha de políticas e de estratégia para a ilha e para o país é a percentagem de investimento directo estrangeiro (IDE) que chega a São Vicente. O relatório de UNTACD sobre o IDE apresentado em Génova no dia 4 de Dezembro coloca-a no período entre 2000-20016 em 3%, muito abaixo do que é recebido na Ilha do Sal (50%), na ilha de Santiago (33%) e na Boa Vista (8%). Sem o capital, o know-how, a tecnologia e os mercados que vêm com o IDE, compreende-se que a economia de S. Vicente tenha praticamente estagnado com consequências graves para todo o país.
O padrão de distribuição do IDE pelas ilhas não resultou das acções de promoção e atracção do investimento externo. Segundo o relatório da UNCTAD a posição do país às manifestações de interesse em investir tem sido simplesmente reactiva. Ou seja, não houve um esforço dirigido e estratégico para levar o investimento onde fosse mais proveitoso para o país e ficou-se por onde mais interessava aos investidores. Não estranha que a escolha recaísse sobre o que o país tem de mais valioso em termos de sol, praia e mar, o que implicou custos extraordinários designadamente em migrações internas e em investimentos públicos em estradas, energia, água, saneamento e habitação. A falta de capacidade negocial e também de visão das autoridades não permitiu que, por um lado, se procurasse potenciar o que já estava investido e, por outro, que aceitando investimentos nas ilhas menos povoadas e mais desprovidas de infraestruturas que se insistisse na co-participação dos investidores em remediar a situação particularmente em relação à habitação para os futuros empregados, na maioria vinda de outras ilhas. Nos bairros da Ilha do Sal e da Boa Vista vêem-se os sacrifícios que as pessoas foram forçadas a fazer porque não se soube negociar. Já em São Vicente depara-se com excessivo desemprego porque o governo não se empenhou em levar o IDE para onde o retorno podia ser maior e com menos investimento público e menos sacrifícios para as pessoas.
A TACV foi reestruturada em Maio de 2017 acabando com o serviço doméstico de voos e criando a Cabo Verde Airlines com um modelo de negócios reduzido a um hub situado na Ilha do Sal que procuraria interligar passageiros dos diferentes continentes com possível stopover na ilha. No novo esquema aparentemente ficaram de fora os voos para Lisboa a partir da Praia e de S.Vicente e os voos para Senegal. Não se deu talvez a devida atenção ao facto que a ligação directa com Lisboa a partir de vários pontos do território nacional era vital para a dinâmica económica de várias ilhas e para a conexão com o mundo assim como também o era a ligação com Dakar. Decisões políticas do governo foram entretanto tomadas com consequências directas para as perspectivas de desenvolvimento das ilhas afectadas e em particular para S. Vicente, que tem grande parte da sua economia dependente do nível da sua conectividade com o mundo. Quando há uma inflexão na política de transportes e a TACV retoma os voos para Senegal e para Lisboa a partir da Praia, o governo não pode pura e simplesmente omitir-se. Legitimamente tanto a população como os operadores económicos devem poder exigir que o governo reavalie a situação e tome a medida certa que melhor potencie o desenvolvimento da ilha e do país.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 889 de 12 de Dezembro de 2018.
Em situações de falha de mercado ou de mercados imperfeitos como acontece em particular nas realidades insulares o governo não pode abster-se de uma intervenção qualificada e estratégica ficando à espera que o mercado funcione. Algo similar aconteceu com o transporte marítimo inter-ilhas e as consequências são conhecidas. As autoridades durante demasiados anos deixaram o sector praticamente ao sabor do que o mercado oferecia sem a regulação que se impunha, sem uma política de facilitação da ligação inter-ilhas e de diminuição dos custos inerentes em taxas e outras barreiras burocráticas e sem o apoio consistente e estratégico à iniciativa privada nacional no sector. Veja-se agora a situação dos armadores e o custo dos transportes que penaliza todos e desencoraja operadores económicos. Recorde-se as perdas em vidas humanas e em bens materiais de alguns anos atrás.
São visíveis na história do país as consequências dos voluntarismos e omissões dos sucessivos governos ditados às vezes por questões ideológicas, outras vezes pelos constrangimentos impostos pela ajuda externa e outras vezes ainda por falta de visão estratégica. Em vários sectores, inconsistências várias têm impedido que se potencie os investimentos feitos, que se aproveite devidamente as oportunidades e que mesmo os ganhos conseguidos se acumulem e se conjuguem para um maior impacto a todos os níveis e, em particular, para maior dinâmica de crescimento e de criação de emprego. Por isso sabe-se hoje que o país juntou dívida pública crescente com crescimento baixo, que o sistema educativo ficou desajustado para as necessidades do mercado de trabalho e que o turismo comparativamente não traz os benefícios para o resto da economia expectáveis noutras economias insulares similares a Cabo Verde.
Todas as ilhas perderam com políticas desajustadas e incoerentes, mas em S. Vicente a perda provavelmente é maior. É verdade que ao longo dos anos fizeram-se muitos investimentos públicos que se juntaram ao legado acumulado de experiência, de cultura e cosmopolitismo. Mas, sem uma estratégia consistente, o retorno de todo esse potencial tem ficado muito aquém do esperado com prejuízos para a economia do país e para a manutenção de equilíbrios demográficos, socioeconómicos e culturais que convém perservar num país arquipelágico. Um indicador crucial que mostra essa falha de políticas e de estratégia para a ilha e para o país é a percentagem de investimento directo estrangeiro (IDE) que chega a São Vicente. O relatório de UNTACD sobre o IDE apresentado em Génova no dia 4 de Dezembro coloca-a no período entre 2000-20016 em 3%, muito abaixo do que é recebido na Ilha do Sal (50%), na ilha de Santiago (33%) e na Boa Vista (8%). Sem o capital, o know-how, a tecnologia e os mercados que vêm com o IDE, compreende-se que a economia de S. Vicente tenha praticamente estagnado com consequências graves para todo o país.
O padrão de distribuição do IDE pelas ilhas não resultou das acções de promoção e atracção do investimento externo. Segundo o relatório da UNCTAD a posição do país às manifestações de interesse em investir tem sido simplesmente reactiva. Ou seja, não houve um esforço dirigido e estratégico para levar o investimento onde fosse mais proveitoso para o país e ficou-se por onde mais interessava aos investidores. Não estranha que a escolha recaísse sobre o que o país tem de mais valioso em termos de sol, praia e mar, o que implicou custos extraordinários designadamente em migrações internas e em investimentos públicos em estradas, energia, água, saneamento e habitação. A falta de capacidade negocial e também de visão das autoridades não permitiu que, por um lado, se procurasse potenciar o que já estava investido e, por outro, que aceitando investimentos nas ilhas menos povoadas e mais desprovidas de infraestruturas que se insistisse na co-participação dos investidores em remediar a situação particularmente em relação à habitação para os futuros empregados, na maioria vinda de outras ilhas. Nos bairros da Ilha do Sal e da Boa Vista vêem-se os sacrifícios que as pessoas foram forçadas a fazer porque não se soube negociar. Já em São Vicente depara-se com excessivo desemprego porque o governo não se empenhou em levar o IDE para onde o retorno podia ser maior e com menos investimento público e menos sacrifícios para as pessoas.
A TACV foi reestruturada em Maio de 2017 acabando com o serviço doméstico de voos e criando a Cabo Verde Airlines com um modelo de negócios reduzido a um hub situado na Ilha do Sal que procuraria interligar passageiros dos diferentes continentes com possível stopover na ilha. No novo esquema aparentemente ficaram de fora os voos para Lisboa a partir da Praia e de S.Vicente e os voos para Senegal. Não se deu talvez a devida atenção ao facto que a ligação directa com Lisboa a partir de vários pontos do território nacional era vital para a dinâmica económica de várias ilhas e para a conexão com o mundo assim como também o era a ligação com Dakar. Decisões políticas do governo foram entretanto tomadas com consequências directas para as perspectivas de desenvolvimento das ilhas afectadas e em particular para S. Vicente, que tem grande parte da sua economia dependente do nível da sua conectividade com o mundo. Quando há uma inflexão na política de transportes e a TACV retoma os voos para Senegal e para Lisboa a partir da Praia, o governo não pode pura e simplesmente omitir-se. Legitimamente tanto a população como os operadores económicos devem poder exigir que o governo reavalie a situação e tome a medida certa que melhor potencie o desenvolvimento da ilha e do país.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 889 de 12 de Dezembro de 2018.