A sensação de insegurança piorou nas últimas semanas
na ilha de Santiago, em particular na cidade da Praia. Assaltos,
homicídios e o assassinato de um polícia em rápida sequência deixaram
toda a gente preocupada e intranquila e exacerbaram o sentimento de
insegurança que nunca tinha realmente diminuído apesar dos dados
oficiais apresentados que apontavam para a baixa da criminalidade. No
meio da confusão que se tem gerado, a tentação para se fazer o
aproveitamento político das ocorrências policiais à medida que são dadas
a conhecer só tem piorado a situação.
Paralelamente,
em surdina ou às claras, sucedem-se acusações dirigidas contra
entidades integrantes do sistema de segurança e de justiça amiúde
provenientes do seio do sistema e na lógica de “passar culpa”. De todo
esse exercício de stress público, procura de bodes expiatórios e
aproveitamento político já se sabe que vai acabar por resultar em
promessas de mais meios materiais e humanos em particular para a polícia
nacional. A exemplo do que se passou em situações similares no passado
recente (2014, 2010). O Governo já veio a público comprometer-se em os
facultar.
Se a experiência do passado serve como ensinamento, tudo leva a crer que a situação actual até pode vir a melhorar e o número de assaltos diminuir e os assassinatos tornarem-se mais raros, mas é uma questão de tempo até que aconteça a próxima crise. Aí repete-se o que já se viu antes e, como das outras vezes, volta-se a fechar o circuito com mais meios. Entretanto, os problemas ficam por ser identificados, não se desenvolvem estratégias efectivas para os enfrentar e não se fazem os ajustamentos necessários em termos organizacionais, operacionais e de adequação do próprio sistema de forças para os resolver. No fim do dia é de espantar que com isso não haja uma gradual viciação de partes integrantes do sistema porque deixados a si próprios, numa espécie de círculo em que picos de criminalidade são seguidos de mais meios, mais salário e de outras prerrogativas.
Torna pior a situação o posicionamento das forças políticas. Como se viu na semana passada e ao longo do debate sobre a situação da justiça no parlamento, a tentação é emprestar voz a reivindicações de órgãos integrantes do sistema na perspectiva de ter ganhos políticos imediatos. Em intervenções, mas também em decisões tomadas, não se tem o devido cuidado com as consequências em termos de custos directos para o Estado, da perda de uniformidade na estrutura de salários do sistema e no convite implícito a “greves de zelo” de parte de certos agentes. São acções que põem em causa a eficiência e a eficácia do sistema e se tornam num ponto de partida para um novo ciclo de reivindicações. Nos últimos anos viu-se o impacto orçamental das mudanças salariais e outros benefícios dos oficiais de justiça, das polícias, agentes prisionais, dos militares e os efeitos dinâmicos de arrastamento que essas medidas tomadas em tempos distintos tiveram subsequentemente nos próprios funcionários em forma de novas reivindicações e até desembocando em manifestações laborais diversas e em greves inéditas da polícia.
Pela voz de deputados na última reunião plenária da Assembleia Nacional a ler missivas de sindicatos já se sabe que se pode estar na iminência de um período de turbulência na magistratura judicial devido a reivindicações salariais com possibilidade de greve em cima do processo de apresentação de candidaturas para as eleições autárquicas. Tal eventualidade que a acontecer iria mexer com a integridade e a funcionalidade do sistema político e do próprio Estado que não devia deixar qualquer força política indiferente e muito menos numa posição activa de promover dinâmicas complicadas. Há que entender que certas decisões particularmente em sectores que são de soberania ou representativas da autoridade do Estado devem são tomadas de forma compreensiva e não deixaram perceber fragilidades que comprometam o todo. A questão revela-se ainda mais complicada se se tiver em consideração que, no quadro actual de contenção do défice orçamental, ser colocado em posição de deixar disparar as despesas com o pessoal implicará, para compensar, sacrificar o investimento público, actualmente segundo o Banco Mundial correspondente a 4,4% do PIB de um pico de 15% em 2010, com consequências adversas designadamente em serviços essenciais prestados ao público.
É essencial acabar com o sentimento de insegurança que teima em apoderar-se das pessoas. Cabo Verde deve ser a terra segura tranquila que todos os seus filhos sonham e cuja imagem pretende-se projectar para fora de modo a fazer aumentar o turismo e atrair investimentos para o país. Garantir a segurança é a missão primordial de qualquer Estado e para o caso de Cabo Verde é o pilar indispensável para o sucesso de qualquer estratégia de desenvolvimento. A consecução de políticas com foco na segurança implicaria a reavaliação e a adequação do sistema de forças no país como aparentemente ficou estabelecido no programa de governo. O problema é que na prática isso até agora não se verificou.
Optou-se por deixar as forças de segurança como estavam e só se procurou resolver os problemas criados na adopção pelo governo anterior da actual configuração de forças e colmatar as deficiências de meios encontrados. Se antes não tinha dado resultados que perdurassem no tempo a ponto de diminuir o sentimento de insegurança da população dificilmente fazendo o mesmo teria resultados diferentes e sustentáveis. As coisas complicam-se se começa a ficar manifesta a incapacidade dos políticos em fazer as mudanças necessárias para uma nova abordagem dos problemas de segurança. Uma incapacidade que a manter-se se traduziria numa erosão de autoridade com as consequências que se pode antever.
A estabilidade das democracias depende em muito da clara subordinação das forças armadas e segurança às autoridades civis legitmamente estabelecidas. Democracias sob tutela ou sob chantagem dessas forças ficam num estado de fragilidade que não lhes permite consolidar as suas instituições nem criar as condições para se desenvolver e prosperar. Guiné-Bissau é um caso paradigmático do tipo de erosão institucional que pode acontecer quando tais relações não são claras. Em Cabo Verde, fruto de histórias passadas, resistências a reformas de fundo tendem a subsistir em instituições que às vezes se veem quase como um estado dentro do estado. Mesmo em Portugal, 45 anos depois do 25 de Abril, há resquícios disso como ficou patente no caso do roubo de armas em Tancos, manifestando as autoridades civis uma fragilidade que o colunista Vasco Pulido Valente caracterizou de “desmaiar perante uma farda”. Em Cabo Verde parece acontecer algo similar e não há a autoridade necessária para fazer as reformas fundamentais. Há que mudar isso e sendo algo vital deveria merecer um consenso das forças políticas. O que está em jogo é conseguir que o sentimento de insegurança da população diminua de forma permanente para a tranquilidade de todos e um futuro melhor para o país.
Se a experiência do passado serve como ensinamento, tudo leva a crer que a situação actual até pode vir a melhorar e o número de assaltos diminuir e os assassinatos tornarem-se mais raros, mas é uma questão de tempo até que aconteça a próxima crise. Aí repete-se o que já se viu antes e, como das outras vezes, volta-se a fechar o circuito com mais meios. Entretanto, os problemas ficam por ser identificados, não se desenvolvem estratégias efectivas para os enfrentar e não se fazem os ajustamentos necessários em termos organizacionais, operacionais e de adequação do próprio sistema de forças para os resolver. No fim do dia é de espantar que com isso não haja uma gradual viciação de partes integrantes do sistema porque deixados a si próprios, numa espécie de círculo em que picos de criminalidade são seguidos de mais meios, mais salário e de outras prerrogativas.
Torna pior a situação o posicionamento das forças políticas. Como se viu na semana passada e ao longo do debate sobre a situação da justiça no parlamento, a tentação é emprestar voz a reivindicações de órgãos integrantes do sistema na perspectiva de ter ganhos políticos imediatos. Em intervenções, mas também em decisões tomadas, não se tem o devido cuidado com as consequências em termos de custos directos para o Estado, da perda de uniformidade na estrutura de salários do sistema e no convite implícito a “greves de zelo” de parte de certos agentes. São acções que põem em causa a eficiência e a eficácia do sistema e se tornam num ponto de partida para um novo ciclo de reivindicações. Nos últimos anos viu-se o impacto orçamental das mudanças salariais e outros benefícios dos oficiais de justiça, das polícias, agentes prisionais, dos militares e os efeitos dinâmicos de arrastamento que essas medidas tomadas em tempos distintos tiveram subsequentemente nos próprios funcionários em forma de novas reivindicações e até desembocando em manifestações laborais diversas e em greves inéditas da polícia.
Pela voz de deputados na última reunião plenária da Assembleia Nacional a ler missivas de sindicatos já se sabe que se pode estar na iminência de um período de turbulência na magistratura judicial devido a reivindicações salariais com possibilidade de greve em cima do processo de apresentação de candidaturas para as eleições autárquicas. Tal eventualidade que a acontecer iria mexer com a integridade e a funcionalidade do sistema político e do próprio Estado que não devia deixar qualquer força política indiferente e muito menos numa posição activa de promover dinâmicas complicadas. Há que entender que certas decisões particularmente em sectores que são de soberania ou representativas da autoridade do Estado devem são tomadas de forma compreensiva e não deixaram perceber fragilidades que comprometam o todo. A questão revela-se ainda mais complicada se se tiver em consideração que, no quadro actual de contenção do défice orçamental, ser colocado em posição de deixar disparar as despesas com o pessoal implicará, para compensar, sacrificar o investimento público, actualmente segundo o Banco Mundial correspondente a 4,4% do PIB de um pico de 15% em 2010, com consequências adversas designadamente em serviços essenciais prestados ao público.
É essencial acabar com o sentimento de insegurança que teima em apoderar-se das pessoas. Cabo Verde deve ser a terra segura tranquila que todos os seus filhos sonham e cuja imagem pretende-se projectar para fora de modo a fazer aumentar o turismo e atrair investimentos para o país. Garantir a segurança é a missão primordial de qualquer Estado e para o caso de Cabo Verde é o pilar indispensável para o sucesso de qualquer estratégia de desenvolvimento. A consecução de políticas com foco na segurança implicaria a reavaliação e a adequação do sistema de forças no país como aparentemente ficou estabelecido no programa de governo. O problema é que na prática isso até agora não se verificou.
Optou-se por deixar as forças de segurança como estavam e só se procurou resolver os problemas criados na adopção pelo governo anterior da actual configuração de forças e colmatar as deficiências de meios encontrados. Se antes não tinha dado resultados que perdurassem no tempo a ponto de diminuir o sentimento de insegurança da população dificilmente fazendo o mesmo teria resultados diferentes e sustentáveis. As coisas complicam-se se começa a ficar manifesta a incapacidade dos políticos em fazer as mudanças necessárias para uma nova abordagem dos problemas de segurança. Uma incapacidade que a manter-se se traduziria numa erosão de autoridade com as consequências que se pode antever.
A estabilidade das democracias depende em muito da clara subordinação das forças armadas e segurança às autoridades civis legitmamente estabelecidas. Democracias sob tutela ou sob chantagem dessas forças ficam num estado de fragilidade que não lhes permite consolidar as suas instituições nem criar as condições para se desenvolver e prosperar. Guiné-Bissau é um caso paradigmático do tipo de erosão institucional que pode acontecer quando tais relações não são claras. Em Cabo Verde, fruto de histórias passadas, resistências a reformas de fundo tendem a subsistir em instituições que às vezes se veem quase como um estado dentro do estado. Mesmo em Portugal, 45 anos depois do 25 de Abril, há resquícios disso como ficou patente no caso do roubo de armas em Tancos, manifestando as autoridades civis uma fragilidade que o colunista Vasco Pulido Valente caracterizou de “desmaiar perante uma farda”. Em Cabo Verde parece acontecer algo similar e não há a autoridade necessária para fazer as reformas fundamentais. Há que mudar isso e sendo algo vital deveria merecer um consenso das forças políticas. O que está em jogo é conseguir que o sentimento de insegurança da população diminua de forma permanente para a tranquilidade de todos e um futuro melhor para o país.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 936 de 06 de Novembro de 2019.