quarta-feira, outubro 06, 2010

Não há pudor?

O governo atingiu um outro patamar de falta de ética na sua acção junto dos funcionários públicos. Já não basta a acção político-partidária. Na edição especial do mês de Setembro do Jornal Comunicar, propôs-se deliberadamente explorar os sentimentos religiosos dos servidores públicos. Mais de metade do jornal foram imagens de encontros do PM com o Papa e outros dignitários da Igreja Católica. Claramente que a intenção não é informar sobre assuntos de Estado tratados entre Cabo Verde e Vaticano. Pretende-se realmente explorar para fins partidários a maior abertura e simpatia que uma população maioritariamente católica naturalmente manifesta na sequência de um encontro dos seus governantes com o Santo Padre. O jornal Comunicar foi supostamente criado para formação, informação e motivação, visando mostrar e valorizar a importância do serviço dos funcionários e dos colaboradores da Administração Pública para o Estado. Essa é a linha editorial do jornal assinada pela Ministra Janira Hopffer Almada. A realidade, porém, é que esse jornal cujo proprietário é o Gabinete de Comunicações e Imagem do Governo serve outros propósitos: distribuir propaganda oficial do governo em todas as repartições e instituições do Estado. Como o bem prova essa edição especial.

terça-feira, outubro 05, 2010

Falhar na escola, penhorar o futuro

Quanto à qualidade de ensino, Cabo Verde, no relatório de competitividade do Fórum económico Mundial Cabo Verde, aparece atrás de 10 países da África subsaariana: Quénia, Gâmbia, Benin, Zimbabwe, Botswana, Malawi, Maurícias, Zâmbia, Ruanda, e Nigéria. Na matemática e nas ciências o atraso de Cabo Verde é mais evidente. Tem á sua frente o Benin, Quénia, Ruanda, Maurícias, Senegal, Zimbabwe, Zâmbia, Botswana, Costa de Marfim, Camarões, Madagáscar, Gâmbia, Burkina Faso, Suazilândia e Etiópia. É evidente que o país não está a fazer o suficiente em matéria de qualificação dos seus recursos humanos. Esta constatação, que é de todos, parece não ter sido absorvida pelo Governo. Como é seu hábito, quando se torna impossível esconder uma falha da governação, reage em dois registos: insiste em contrariar os factos com declarações extravagantes como “as nossas universidades, mesmo com menos de cinco anos de existência, comparam-se em qualidade com as universidades lá fora”. Num outro registo coloca-se na posição de defender a classe profissional envolvida na actividade. Como se a exigência de qualidade pelos utentes do serviço público significasse pôr em causa a dignidade dos funcionários que o devem prestar. É o clássico reflexo de quem procura se desresponsabilizar das suas acções, não aceita críticas e faz política explorando sentimentos de vitimização e de exclusão. Em S.Vicente, no discurso do início do ano lectivo, o Primeiro Ministro reafirmou confiança na qualidade de ensino em cabo verde, quando todos vêem por que caminhos ela anda, e defendeu a qualidade dos professores como se alguém os estivesse a atacar ou a culpar pela má qualidade de ensino no país. No discurso, para se justificar, o PM falou em tudo, kits escolares, cantinas, alfabetização, objectivos de milénio, reforma de currículo a realizar-se no fim do último ano do seu mandato. Peneira para tentar esconder o Sol da realidade de que se falhou em qualificar os jovens para responder às necessidades do mercado. De que não se conseguiu fazer do capital humano do país um factor de atracção do investimento privado nacional e estrangeiro. E de que não se soube criar bases de conhecimento potenciadores da produtividade nacional e da inovação. O grande nível de desemprego dos jovens com 12º ano é prova disso como também o é o crescente desemprego entre jovens com licenciaturas. Cabo Verde não tem recursos naturais. Mesmo se os tivesse todos sabem os limites do crescimento baseado na venda de minérios e petróleo. Mais de qualquer outro país, o desenvolvimento dos seus recursos humanos tem que ser visto como crucial. Os dados de comparação com outros países demonstram que é inquestionável que Governo fracassou em propiciar ao País os instrumentos fundamentais da sua prosperidade presente e futura. Isso é indisculpável. Não é responsabilidade repassável para os outros nem objecto de artes ilusionistas que só escondem os problemas e adiam soluções.

sábado, outubro 02, 2010

Provocações

Várias foram as provocações feitas no colóquio do PAICV pelo Dr José Maria Neves: “Cabo Verde teve um percurso constitucional notável desde 1975”. “MpD expulsou a oposição do processo de revisão constitucional”. “Há uma nova Constituição em 2010”. Com a primeira afirmação, o Primeiro Ministro varre ganhos de civilização condensados no art. 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (DDHC) de há 300 anos:A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”. E para quê? Para justificar um regime do passado que se situou nos antípodas da democracia e do Estado de Direito. O artigo 16º da DDHC deixa claro que a a LOPE, a Constituição de 1980 e mesmo a constituição revista de 1990 não preenchiam os requisitos básicos de uma Constituição. Mas o PM não ficou por aí. Relembrou ainda a “generosidade” do partido único que impôs a ditadura, como “forma a congregar todas as vontades e as competências nacionais, visando a salvação nacional de Cabo Verde enquanto Nação”. Na segunda afirmação, acusa o o MpD de não ter transformado o parlamento eleito numa assembleia constituinte. Quer que se esqueça que o PAICV, durantre o processo de transição, rejeitou sempre a ideia de eleição de uma Assembleia Constituinte. O PAICV justificou-se, então, com a revisão da Constituição que unilateralmente fez a 29 de Setembro de 1990. Disse que era o suficiente. Os caboverdianos, porém, não concordaram e no dia 13 de Janeiro deram ao MpD dois terços dos votos para completar a mudança do regime com uma nova Constituição. Agarrado à ideia de legitimar o seu passado, o Paicv não podia concordar com uma nova Constituição. Queria continuidade e não ruptura. Por isso, não precisava que ninguém o expulsasse do processo. Ele próprio se excluiria, assim como fez, abandonando a sessão plenária da Assembleia Nacional. Na terceira afirmação vê-se como o PAICV não acredita no constitucionalismo e arranja formas de sempre o pôr em causa. Houve uma revisão da Constituição mas quer falar de uma nova constituição. Provavelmente até advoga uma nova república. Para que, parodiando a célebre frase de Lavoisier, se veja que "nada se consolida, nada é certo e nada se institucionaliza. Tudo se transforma em matéria de arremesso político-partidário". Portugal já vai na sétima revisão constitucional desde 1976. Será que se devia falar na décima república portuguesa? O ridículo que com essas tiradas se atrai para o processo democrático é deliberado. Assim como é deliberado o acto de impedir o Estado de se juntar à comunidade nacional na celebração das datas que, invocando liberdade e pluralismo, renovam a unidade de todos num objectivo comum. Garante-se com isso que os caboverdianos ficarão divididos e à mercê dos que já demonstraram saber como jogar na divisão para manter o Poder.

quinta-feira, setembro 30, 2010

Salário mínimo: desvio do essencial?


A central sindical UNTC-CS fez o seu Congresso no último fim-de-semana sob o signo “Salário Mínimo Digno”. Pelo tema constata-se que os sindicatos de Cabo Verde continuam focalizados nos direitos dos trabalhadores já empregados. Parece-lhes interessar muito pouco a problemática do emprego em Cabo Verde. O facto do crescimento durante esta década não ter sido suficiente para pôr as taxas de desemprego a um nível mais baixo do que em 2000 não os interpela. Da mesma forma, não parece que se preocupem com a falta de competitividade do País derivada em boa parte da rigidez do mercado de trabalho. Cabo Verde situa-se no lugar 122º num grupo de 139 países quanto à eficiência do mercado laboral. A esse nível de competitividade não é razoável esperar investimentos privados nacionais e estrangeiros que eventualmente poderiam combater efectivamente o desemprego, o subemprego e o problema dos jovens que entram no mercado à procura do primeiro emprego. O Governo recentemente abraçou a questão do salário mínimo como forma de desviar a atenção da problemática geral do emprego em Cabo Verde, do falhanço das políticas de emprego e do incumprimento de promessas feitas. Põe foco na redistribuição de rendimentos para mobilizar paixões e gerir expectativas de curto prazo. Deixa para um plano secundário a questão da criação de riqueza e da produtividade que é essencial para se ter aumento de rendimentos dos trabalhadores e se combater, efectiva e sustentadamente, a pobreza. Ao deixar-se seduzir por essa estratégia, a UNTC-CS perde a oportunidade de exigir uma política de emprego e de ir além de reivindicações salariais para os trabalhadores já empregados. E ao propô-la, o Governo deixa de lado a possibilidade de congregar todos, patronato, sindicatos e Estado num pacto colectivo para o emprego e maior eficiência do mercado de trabalho. Cabo Verde não pode tornar-se mais competitivo pela via da desvalorização da sua moeda. O escudo tem um câmbio fixo com o euro. A exemplo de vários países na zona euro, hoje em dificuldades como Portugal e Espanha, tem que flexibilizar e manter a preços competitivos o custo unitário do trabalho. Países como Alemanha e Holanda conseguiram, em vários momentos, ter taxas de crescimento elevados e níveis mais baixos de desemprego porque souberam, desde cedo construir, esse pacto colectivo de sindicatos, patronato e Estado. Nesses países, os sindicatos interessam-se pela sustentabilidade do processo de criação de riqueza. Não ficam somente pela reivindicação de salários e defesa de direitos adquiridos. É esse o caminho que se deve seguir para que uma pequena economia como Cabo Verde se torne competitiva e seja bem sucedida no mercado global.

Anúncio da "III República"?

No dia 24 de Setembro, o Dr. David Hopffer Almada fez o lançamento do seu livro a “Revisão Constitucional de 2010 e o advento da Nova República”. A tese do deputado é que com a alteração nos poderes do presidente e mudanças introduzidas no sistema de Justiça o país adoptou novos paradigmas na organização do poder do Estado. Razão suficiente para se anunciar uma nova república. Certamente para substituir a II República, fundada com a Constituição de 1992. De facto com a revisão da Constituição o presidente deixou de estar vinculado a um parecer favorável do Conselho da República antes de poder dissolver a Assembleia Nacional. Já não nomeia um juiz para o Supremo mas continua a nomear o juiz presidente do Supremo Tribunal de Justiça de entre os juízes escolhidos com base em concurso publico. E porque o presidente do STJ deixou de acumular o cargo de presidente do Conselho Superior de Magistratura, a revisão atribui ao PR o poder de o nomear directamente. Dificilmente alterações dessa natureza justificariam em qualquer lado anúncios de novas repúblicas. Em Portugal a revisão de 1982 acabou com o Conselho da Revolução e todos os mecanismos de tutela militar da democracia. Alguém falou em IV República? Depois disso fizeram mais seis revisões. Outras tantas repúblicas? Situações de crise profunda como a da França em 1958 justificaram o fim da IV República e o nascimento da V República Francesa, mas após um plebiscito. Ninguém, por exemplo, fala de uma nova república na Turquia porque se referendou há dias alguns artigos da constituição, diminuindo a tutela dos militares e aumentando a independência dos tribunais. Só em Cabo Verde essas aparentes "extravagâncias" aparecem. Mas não é atoa. Demonstram a contínua hostilidade do PAICV e dos seus dirigentes a todo o processo de derrube do regime em 1991 e a emergência do Estado de Direito democrático com a Constituição de 1992. Hostilidade visível em diferentes intervenções na conferência do PAICV realizada no dia 27 com o tema "Percurso Constitucional de Cabo Verde desde 1975". Mas em 1975 com a LOPE e a partir de 1980 com o art 4º da Constituição o que se tinha era o princípio fundador do Estado de que o PAIGC/PAICV é a força dirigente da sociedade e do Estado. Claramente que tal princípio não podia ser o ponto de partida para o constitucionalismo caboverdiano. Seria interessante saber se, por exemplo, os juristas russos também pensam que o Estado constitucional russo tem as suas origens no Estado soviético? É que o nosso artigo 4º era precisamente igual ao artigo 6º da Constituição da União Soviética.

quarta-feira, setembro 29, 2010

Avisos subtis


Nas dificuldades do país foi ontem colocado mais um paninho quente. Cortesia de uma missão do FMI. Era evidente a satisfação dos governantes. Ninguém os viu ou ouviu quando o foco de atenção eram os índices detalhados da competitividade de Cabo Verde, constantes do relatório do Fórum Económico Mundial. Mas tratando-se de declarações genéricas sobre níveis de confiança, importações e receitas fiscais como indicadores de crescimento apareceram logo a facturar. Os caboverdianos gostariam de saber se esse crescimento está ser induzido por maior fluxo de capital directo estrangeiro, se já é visível o crowding in de capitais privados seguindo os investimentos públicos, se há uma dinâmica de criação de emprego e se as exportações ganharam uma nova dinâmica. A missão do FMI parece concordar com a ideia de se estimular a economia com empréstimos concessionais. Não põe, porém, a sua mão no fogo pelas opções feitas pelo governo na aplicação desses créditos. Vai avisando que o “maior desafio nos próximos anos é executar com eficiência os investimentos públicos enquanto se preserva a sustentabilidade da dívida”. Mas eficiência é precisamente o que o relatório referido aponta como o ponto fraco da competitividade de Cabo Verde. De qualquer forma ninguém se lembra do FMI a avisar a Grécia e os outros países PIGS do que poderia resultar do estímulo fiscal que davam às suas economias. Falta de transparência nuns casos e outros problemas resultaram na terrível situação vivida actualmente. Quem lhes fez ver isso, muito provavelmente, não o foi o FMI mas sim o mercado: os que lêem o relatório da competitividade.

terça-feira, setembro 28, 2010

O Estado: o grande ausente das comemorações do 18º Aniversário da Constituição


O Estado de Cabo Verde distinguiu-se mais uma vez como o grande ausente das cerimónias que celebram a II República. No 18º aniversário da Constituição ninguém viu ou ouviu o Chefe do Estado. A Assembleia Nacional, sempre pródiga na organização de fora, conferências e mesas redondas, omitiu-se completamente no caso da homenagem à Constituição. O vazio foi preenchido por vários eventos e conferências organizados pelos partidos políticos e por entidades académicas como o Instituto de Ciências Jurídicas. À medida que os anos passam, a ausência do Estado na celebração das datas simbólicas do advento da II República vem-se tornando cada vez mais uma afronta. Nem se respeita o 13 de Janeiro, consagrado na Lei como feriado nacional. Vê-se que se trata de uma atitude deliberada quando a comparação é feita com a postura assumida todos os anos pelos titulares dos órgãos de soberania nos festejos do 5 de Julho, Dia da Independência. Aí, fazem as comemorações durar meses. Com orçamento farto em milhares de contos de recursos públicos, o Estado e as suas instituições fazem ecoar por todos os pontos do território nacional o refrão de louvores à luta de libertação e de votos de gratidão eterna aos libertadores. Ao se impedir que o Estado, enquanto expressão política organizada da comunidade nacional de participar nas comemorações da Liberdade, da democracia e do constitucionalismo, o que se pretende é claríssimo: que essas datas não sejam de união à volta dos direitos fundamentais, do primado da lei e de outros princípios incorporados na Constituição. Que sejam, sim, de desunião e de renovação de fracturas partidárias sobre questões fundamentais.

segunda-feira, setembro 27, 2010

Reféns da defesa do passado

Todas as oportunidades parecem boas para confundir a memória colectiva e reescrever a história. O PAICV e os seus dirigentes não perdem "uma" na sua incessante defesa do passado do regime de partido único e de justificação dos actos da governação actual. O Presidente da Assembleia Nacional, na Mesa Redonda sob o tema “Os factores de sucesso da Administração Autárquica”, realizada no dia 10 de Setembro, disse a dado passo da sua intervenção: “Cabo Verde tem feito um grande percurso de descentralização do poder notável. No tempo colonial havia um grande distanciamento entre o poder local e os cidadãos e estes realmente não podiam escolher universalmente a sua câmara municipal devido ao sufrágio restrito e não livre. Com a Independência houve um processo em que o povo aproximou-se mais do poder não obstante, não se terem durante quinze anos realizados eleições competitivas mas apenas consultas populares prévias às nomeações posteriores pelo governo dos principais órgãos autárquicos”. Sobressai imediatamente dessas palavras a perspectiva linear da história que o PAICV acarinha. “No início eram as trevas, a época colonial, mas depois surgiu o Partido que pôs a nação num movimento. O regime de partido único foi uma etapa necessária e incontornável para se chegar ao ponto onde o Pais se encontra hoje”. O Dr. Aristides Lima escolhe reduzir a história autárquica de séculos em Cabo Verde, registada em vários documentos e fonte bibliográfica valiosa de estudos, ensaios e livros, à questão da representação popular nas câmaras municipais, nos quarenta anos do regime de Salazar/Caetano. Não se refere à cultura cívica e institucional desenvolvida durante os séculos de experiência autárquica e esquece-se de realçar que, apesar de tudo, ninguém chegou ao ponto de suprimir as câmaras municipais. Isso só viria acontecer precisamente nos 15 anos de regime de partido único que ele chama de “aproximação de poder pelo povo”. As câmaras só viriam a reaparecer em Cabo Verde em 92. E, a partir daí, procuraram reconstruir o que em termos de civismo e de cultura institucional foi destruído, ao mesmo tempo que geriam no dia a dia a situação urbana caótica que lhes foi deixada pelos secretariados administrativos” e delegados do governo do regime de partido único. Em simultâneo com o pesado lastro que herdaram as câmaras tiveram que confrontar os efeitos da cultura centralizadora, predominante no país. Cultura essa que sobrevivieu aos primeiros anos de democracia e de instalação dos municípios e ganhou um novo ímpeto com o actual governo. Os dez anos de mandato têm sido de hostilidade geral ao Poder local. Na sua intervenção o Dr Aristides Lima uma vez mais não tem razão quando coloca a questão das tensões entre o Poder Central e Local da seguinte forma: “o poder local deve conquistar o seu espaço, que não deve passar pela confrontação com o poder central”. Pois, “o poder local como instrumento para fazer oposição ao poder central é uma ideia perversa e não favorecerá a descentralização, nem a boa gestão”. De facto, considerando que reina uma cultura centralizadora no país é mais lógico que, em existindo tensão, ela resulte da pressão do Governo e da administração central no sentido de diminuição das atribuições e competências das autarquias, e não o contrário. Aliás as câmaras não têm como fazer oposição ao governo. A desproporção de meios é demasiado grande. Mas já o contrário é perfeitamente verosímil como vários factos podem testemunhar.

sábado, setembro 25, 2010

Ênfase em Novos produtos e no acesso a mercado

O MpD organizou sábado dia 18 de Setembro, na cidade da Assomada, Santa Catarina, um encontro de reflexão sobre a agricultura caboverdiana. Pelos temas desenvolvidos, designadamente no do “Agricultura no Cluster do Turismo” vê-se que o principal objectivo do evento foi encontrar vias para fazer da agricultura uma actividade de peso na economia caboverdiana. E isso por uma razão simples: uma percentagem significativa da população vive da agricultura e a maioria dos pobres do país está nas zonas rurais. Conseguir rendimentos que retirem da pobreza milhares pessoas, fazer da agricultura um sector atractivo para investimentos privados e mobilizar recursos para que o campo seja requalificado e sirva o eco turismo e o turismo rural são metas atingir. Implicam uma orientação determinada e consequente para o mercado e uma especialização em produtos de grande valor acrescentado, considerando a escassez de terra arável e de água. O passado dá pistas quando assinala que se alguma prosperidade na agricultura houve outrora foi quando pontualmente se beneficiou de exportações como o de café e da banana. A agricultura de subsistência complementada por produtos de baixo valor acrescentado mantém as pessoas numa vida precária, dependente das chuvas, dependente de familiares e cada vez mais dependente do Estado. Sempre os agricultores procuraram fugir ao círculo vicioso e inevitavelmente empobrecedor, refugiando-se em produtos que pela sua natureza, eram considerados menos arriscados. O Grogue foi a solução encontrada particularmente em ilhas como S.Antão. Tinha mercado certo e não se deteriorava em caso de dificuldades de acesso. A desregulamentação completa do sector de produção da aguardente levou à situação em que efectivamente “o mau grogue deslocou o bom grogue”, com todas as consequências que se conhecem no plano económico, mas também no aspecto social como o alcoolismo e a violência juvenil. É evidente que haverá ganhos a todos os níveis se houver visão e vontade política para se regular o sector e dirigir o grogue de base na cana sacarina, produzida com controle de qualidade, para o mercado com potencial de expansão como é mercado étnico. Também o turismo poderá vir a revelar-se um mercado de expansão para agricultura caboverdiana. O que pressupõe equacionar e resolver o problema do acesso a esses mercados, estruturar a oferta para, de forma fiável e sustentável e ao nível dos padrões europeus alimentá-los e ainda identificar nichos em que produtos caboverdianos teriam vantagens comparativas sobre produtos importados. Problemas nada fáceis de resolver. Cabo Verde é um arquipélago, as facilidades criadas de acesso directo dos turistas ás ilhas também beneficiam importações directas. Por outro lado desenvolver nichos de mercado competitivos vão obrigar a uma estruturação rigorosa da oferta nacional em termos de processos e à diminuição drástica de custos de transacção e de contexto actualmente existentes. Encontrar produtos de grande valor acrescentado que garantam retornos de capital atractivos e níveis de rendimento adequados e sustentáveis deve ser o principal foco das acções no sector. A possibilidade de usar o óleo da purgueira como biodiesel deve ser energicamente investigada. O mercado nacional do diesel está acima dos 90 mil toneladas desse combustível. Substituir 10, 20, 30 ou mais % por óleo produzido localmente teria consequentes extraordinárias no rendimentos das pessoas, efeitos macroeconómicos favoráveis para além do impacto ambiental derivado do aproveitamento dos terrenos das zonas semi-áridas do país. Outros países, grandes e pequenos, criaram através de legislação o seu mercado de biocombustíveis. E agora colhem os benefícios disso. Cabo Verde também deve ser ousado e não deixar de explorar o que pode vir a revelar-se um mercado anual de milhões de dólares com directo impacto no mundo rural.

A II República atinge a maioridade

No dia 25 de Setembro completam-se os 18 anos da II República. A celebração do Dia da Constituição marca o novo amanhecer em Cabo Verde iluminado por novos princípios e valores tendo como centro a dignidade humana.
As eleições livres e pluralistas de 13 de Janeiro de 1991 montaram o palco onde se ia desenrolar todo o processo que iria desembocar na adopção pela República de uma verdadeira Constituição. Uma Lei Magna onde os direitos fundamentais do cidadãos, o princípio da separação de poderes, a independência dos tribunais e a autonomia do Poder local seriam os alicerces do Estado de Direito democrático a ser edificado nos anos seguintes.
Cabo Verde não esteve sozinho nesse momento histórico de consagração dos valores civilizacionais da Liberdade, do constitucionalismo e da democracia. Nos fins dos anos 80 e início dos anos noventa mais de uma dezena de novas constituições surgiram em todos os continentes. Uma onda democrática vinha varrendo o planeta desde dos tempos da queda do muro de Berlim, deixando na sua passagem restos de impérios e de regimes autoritários e totalitários.
A aprovação da Constituição não foi consensual. Dificilmente seria. Era bem presente a tentação de se tornar permanente o quadro constitucional criado em Setembro de 1990 para a realização das eleições pluripartidárias. A história veio provar que a adopção de uma nova Constituição foi a decisão mais acertada.
Percalços que outros países sofreram por terem seguido a outra via confirmam a validade da escolha feita. Assim como também a confirmam a aceitação geral de que hoje a Constituição de 92 goza junto de toda a nação cabo-verdiana.
Nos 18 anos vem-se consolidando no país uma cultura constitucional. Mas não sem desafios. Sobrevive no país resquícios de culturas políticas adversárias da Liberdade e da democracia. E o voluntarismo revolucionário ainda procura contornar ou instrumentalizar a Lei em nome do princípio que os meios justificam os fins. O Tribunal Constitucional, que devia fazer a regulação do processo político-constitucional, está dez anos à espera de ser instalado.
No dia do aniversário da Constituição todos os cabo-verdianos devem ser unânimes em exigir de todos, mas particularmente dos órgãos de soberania e do Estado, o respeito pelos seus princípios e valores e a defesa intransigente do seu núcleo central que são os direitos fundamentais dos cidadãos.
Ediitorial do Jornal "Expresso das Ilhas" de 22/9/2010

sexta-feira, setembro 24, 2010

Mudar o registo para brilhar

O único comentário que se ouviu do Sr. Primeiro Ministro sobre a triste posição de Cabo Verde atrás de mais de 16 países africanos no índice de Competitividade e no 117º lugar mundial que “o facto de termos entrado no Indice é uma grande vitória para o país”. Claro que não se entra para o Índice porque se é competitivo. Existindo dados fiáveis e instituições credíveis para os coligir e os certificar está-se no índice. Mas é a manobra habitual quando este Governo é confrontado pelos factos: Muda o registo para menor denominador comum e proclama-se o melhor de entre os piores. Assim quando hoje se fala de competividade, o Governo muda discurso para Desafios do Milénio e para luta contra pobreza porque ali o País consegue competir com os mais pobres. Fica por responder como manter baixos os níveis de pobreza de forma sustentável com baixa competitividade, crescimento abaixo do potencial e desemprego de dois dígitos. Só sendo competitivo é que se pode criar riqueza. Caridade e subsídios não resolvem permanentemente o problema da pobreza, mesmo quando os recursos são bem geridos. Para o Governo, porém, tudo parece reduzir-se a um problema de imagem: As pessoas, os seus problemas e as suas expectativas são simples figurantes nesse filme.

quinta-feira, setembro 23, 2010

Respeito pela Propriedade Intelectual e fim à Pirataria

Em matéria de defesa da propriedade intelectual, Cabo Verde no relatório do Fórum Económico Mundial ficou na posição 127ª num grupo de 139 países. A percepção de que há violação de direitos de autores e patentes não é bom para Cabo Verde. Afecta negativamente relações comerciais particularmente no quadro da OMC e pode levar a sanções pesadas. É um factor de desincentivo do investimento externo. Mas trata-se fundamentalmente de um grande tiro no pé. Claramente que uma das exportações de Cabo Verde é a sua cultura e particularmente a sua música. Deixar prevalecer um ambiente de infracção dos direitos autorais e de desrespeito pela propriedade intelectual condiciona fortemente o crescimento da indústria cultural, desmotiva artistas e criadores e rouba o público o acesso a produtos culturais artísticos e de entretenimento de qualidade. Dias atrás a Assembleia Municipal da Praia aprovou uma derrama para resgatar o cine –teatro da Praia. Neste momento esse cinema é o único que mesmo interminentemente está a funcionar em Cabo Verde. Outros cinemas foram fechados, vendidos, como é caso do Éden Park que tantos protestos tem provocado. E pergunta-se o porquê desta situação. Pistas para a resposta vêem-se por exemplo no que faz a televisão pública. No sábado passou um filme “The A-Team”que foi lançado em Junho nos cinemas mundias e ainda não tem edição em DVD, nem está na TV por assinatura e muito menos na televisão de sinal aberto. É claro que não se pode ter cinemas com a televisão nacional a transmitir cópias piratas de filmes e os vídeo clubes a aluga-los. Os cinemas de Cabo Verde começaram a morrer com o controle do Instituto caboverdiano do cinema no regime do partido único. O golpe de misericórdia da televisão e dos vídeo clubes veio depois. As autoridades ao longo de todo o tempo tem-se mostrado insensíveis a uma situação que provavelmente não tem paralelo no mundo: Um país sem cinemas. Como todos vêem, os prejuízos não ficam pelo negócio dos cinemas e nas gerações de caboverdianos que não conhecem a arte do cinema. Extravasam-se também para o sector musical com a pirataria que rouba os artistas da compensação pelo esforço e os desmotiva para continuarem a engrandecer e a enriquecer a nação. Impõe-se acções decisivas para acabar com a pirataria no sector e proteger a criação e a produção artística nacional ao mesmo tempo que se cumprem os deveres que a adesão à OMC obriga o País.

segunda-feira, setembro 20, 2010

Quando o Poder não vê limites


No sábado de manhã o Estado avançou com a demolição da antiga casa de Dr. Adriano Duarte Silva, com vista à construção da delegacia de saúde de S.Vicente. A decisão obviamente não teve em devida conta os protestos de muitos mindelenses. Nem considerou o posicionamento da Assembleia Municipal no sentido de preservação do que os eleitos e a população na ilha e na diáspora consideram ser património histórico da cidade. Em Maio último uma petição de munícipes de S.Vicente à Assembleia Municipal foi aprovada por maioria qualificada de dois terços. O Governo ao levar a diante a demolição do edifício, passando por cima das objecções dos munícipes e dos seus órgãos representativos, deixa transparecer as suas dificuldades em compreender e em aceitar as razões porque se considerou a autonomia municipal como um dos fundamentos do Estado de Direito democrático. As populações têm interesses próprios e específicos. Esses interesses não se esgotam nos interesses globais da nação. Na Constituição da República, o Estado é obrigado a reconhecer a existência e a autonomia de base territorial, a respeitar os seus órgãos representativos e a abster-se de intromissões no exercício das suas atribuições e competências básicas, que são a sua principal razão de existência. Uma dessas atribuições é precisamente o controle efectivo do espaço da comunidade, do que se pode ou não fazer na urbe. Atropelar isso porque se é Estado não deixa de ser grosseiro. Tensões existem e existirão sempre entre o Poder local e Poder Central nos pontos de sobreposição de competências. Mas não é este o caso. A responsabilidade pela organização do espaço urbano e preservação do seu património arquitectónico e histórico é fundamentalmente uma função municipal. Por isso impunha-se um maior esforço do Governo em encontrar solução mais consentânea com as preocupações dos munícipes e que fosse sinal de mais respeito não só pela vontade firme de dois terços do eleitos em opor-se à proposta existente como também pela própria abstenção dos eleitos do PAICV. Só a extrema arrogância pode justificar manter o projecto inicial, ignorando todos. Que S.Vicente precisa duma delegacia de saúde moderna e capaz de responder ás crescentes necessidades da populações é algo que todos parecem estar de acordo. Mas não é a todo o custo e cortando a direito, sem ver as consequências. Avança-se seguro e firme para a modernidade quando se salvaguarda o essencial que nos distingue, que nos orgulha e que nos motiva nesta nossa caminhada de séculos como nação.

sábado, setembro 18, 2010

Quando a Propaganda entorpece o espírito

Nos estudos publicados pela Afro­sondagem o que, provavelmente, mais deve chamar a atenção não são as fotografias instantâneas tiradas das preferências eleitorais dos entrevista­dos. Isso é algo que pode mudar com as campanhas e a explicitação de razões pelas partes, como aliás os números de indecisos deixam transparecer. O que parece mais significativo é percepção geral, com a excepção da Brava, da boa prestação do Governo. Para os Bravenses a incapacidade em resolver o isolamento da ilha parece ser prova de que este governo não lhes serve. O mesmo já não acontece com S.Vicente apesar da maior taxa de desemprego do país, da memória recente de destruição de postos de trabalho na indústria, dos exemplos evidentes de bloqueio de projectos turísticos e do impacto do movimento no porto e aeroporto muito aquém do prometido. De facto Cabo Verde parece ser dos únicos paí­ses no mundo em que, acreditando nas sondagens, a população mostra não ter retirado quaisquer ensinamentos da crise internacional. A máquina de propaganda do Governo conseguiu desviar a culpa de não realização das promessas de emprego e crescimen­to para outros. Estribando-se nos fundos conseguidos de Portugal, via dívida, lançou-se na construção de infra-estruturas que mais respeitam as prioridades dos financiadores do que as necessidades nacionais, mas que servem para alimentar a ilusão do progresso. Consequência de tudo isso é que, enquanto noutros países se está em discussão acesa do modelo de go­vernação, em Cabo verde a sociedade, anestesiada pela propaganda do governo, parece resignar-se a continuar a fazer o “mais do mesmo”. E a ficar pelo que só lhe tem garantido dez anos desemprego de 20 e mais porcento e crescimento ané­mico, abaixo do potencial. A realidade, porém, é que Cabo Verde já é um país de rendimento médio. Isso tem conse­quências no acesso a donativos e créditos concessionais. Não vai poder manter-se por muito mais tempo como o país que mais ajuda per capita recebe em África. Por outro lado, o estimulo á economia, justificado oficialmente pela crise mas de facto projectado com objectivos elei­torais, fez o défice orçamental e a divida pública ascender a patamares críticos. Tudo isso devia ser factor de grande discussão na sociedade caboverdiana, a exemplo do que se passa noutras para­gens. O facto de não se passar aqui pode estar a indiciar resignação, uma atitude nociva e adversária do desenvolvimento. Curiosamente as sondagens mostram as ilhas de Barlavento, as mais tocadas pela crise e talvez as mais sofredoras do modelo de governação actual, favoráveis ao governo. Esse dado pode estar a su­gerir que o processo de resignação das populações ou de gestão por baixo das suas expectativas é mais profundo do que se pensava.

quinta-feira, setembro 16, 2010

Década perdida para a competitividade


A competitividade de Cabo Verde foi pela primeira vez avaliada pelo World Eco­nomic Fórum. Ficou em 117º lugar num total de 139 países. No continente africano ficou atrás de 16 países: Tunísia, África do Sul , Maurícias, Namíbia, Botswana, Ru­anda, Argélia, Gâmbia, Líbia, Benim, Senegal, Quénia, Camarões, Tanzânia, Gana e Zâmbia. Claramente está-se perante um fiasco de todo o tamanho. Fiasco tornado maior pelo facto do Governo do PAICV, há sete anos atrás, ter criado um minis­tério para o crescimento e a competitividade. No domínio económico não atingiu as metas prometidas porque o crescimento situou-se sempre abaixo do potencial do país, tirando o ano de excepção que foi 2006 com os exercícios da NATO e os anos, 2007 e parte de 2008, de grande entrada de capitais estrangeiros, no pico do “boom” mundial. Confirma-se agora que a outra promessa de maior competitividade externa também não foi cumprida. O estudo governamental “Análise dos Constran­gimentos” já tinha revelado os escolhos, designadamente nos domínios financeiro, de educação e formação e de transportes e comunicações, onde a agenda de transformação do governo deixara-se encalhar. O relatório do Fórum Económico Mundial vem reforçar as conclusões desse estudo com a má avaliação de Cabo Verde nos factores que mais contribuem para a competitividade no seu grupo de países. Mesmo no que respeita à estabilidade macroeconómica Cabo Verde não está bem classificada. Inflação é o único factor que dá alguma vantagem comparativa, mas aí sabe-se que as razões não são primariamente da governação mas decorrem essencialmente da disciplina imposta pelo Acordo Cambial com Portugal e a União Europeia. O relatório define a competitividade como o conjunto de instituições, políticas e factores que determinam o nível de produtividade de um país. Como se pode ver pelo gráfico só em meados de 1994 é que Cabo Verde conseguiu crescer acima da média dos países africanos. São os anos em que com a Constituição de 1992 e a passagem da economia estatizada para uma economia de base privada, novas instituições elevaram o potencial de crescimento do país para um patamar mais elevado. Depois de 2000, para se manter o nível de crescimento era necessário o uso de factores indutores de eficiência na economia: uma maior aposta na qualidade do ensino particularmente no secundário; o aumento da eficiência dos mercados com a diminuição do informal e aumento da concorrência; suficiente vontade política para firmar um pacto que viabilizasse a flexibilidade do mercado de trabalho; supressão de constrangimentos ao desenvolvimento do mercado financeiro e uma atitude proactiva de procura de mercados passando pela unificação do mercado interno e pelo promoção de exportações. Mas aí é o fracasso que o relatório põe a nu. Conclusão: uma década perdida. As consequências vêem-se no nível fraco de investimentos privados internos e externos e na incapacidade de criar um número de postos de trabalho que diminua significativamente o desemprego.

quarta-feira, setembro 15, 2010

Carpir o Tribunal Constitucional

O presidente da Assembleia Na­cional numa conferência do PTS, em S.Vicente, lamentou que, dez anos após a criação do Tribunal Constitucional em 1999, esse tribunal ainda não esteja instalado. E, por essa razão, os direitos de oposição estejam ainda limitados no que concerne a formulação de pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade. Esqueceu-se o presidente da A N de se referir que os direitos das minorias são, de facto, mais prejudicados quando o parlamento se deixa levar indevidamente pelos interesses da maioria. Em Novembro de 2008, já com o processo de revisão constitucional aberto e com o manda­to dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça a poucos meses do seu térmi­no, o Governo iniciou uma manobra para manter o sistema de nomeação de juízes por órgãos de poder político e impedir mais uma vez a instalação do Tribunal Constitucional. A ini­ciativa do Governo passou apesar do aparente absurdo de se alterar a orga­nização e a composição de um órgão de soberania, o Supremo Tribunal de Justiça, por uma resolução aprovada por maioria simples. O Governo pos­teriormente conseguiu convencer os partidos da oposição que o Tribunal Constitucional seria instalado ainda no ano de 2009 e que o mandato dos novos juízes seria de meses. Como era facilmente previsível, e alguns o disseram, todas as promessas não passavam de um embuste. O Tribunal Constitucional não foi instalado e disposições transitórias, aprovadas na revisão da constituição, asseguram o cumprimento completo do mandato dos juízes nomeados para o supremo tribunal de justiça. A manobra feita em 2008/2009 foi uma repetição mais trabalhada do que já acontecera em 2003. Nesse ano, o MpD, em antecipação do fim de mandato dos juízes do STJ e em cumprimento da Constituição, apresentou um projecto de lei de instalação do tribunal constitucional. A lei foi simplesmente rejeitada pelo PAICV. Com a aproximação do fim do mandato dos juízes, o Presidente da República, num gesto inédito, avança em primeiro lugar e nomeia um juiz e o presidente do STJ sem esperar que o novo colégio de juízes tivesse sido nomeado. Um nível similar de colaboração do PR também serviu em 2009 para se ter o actual figurino de adiamento da instalação do Tri­bunal Constitucional. Por isso tudo, só podem ser lágrimas de crocodilo as que são derramadas pelo Tribunal Constitucional.

terça-feira, setembro 14, 2010

Abusos minam autoridade e eficácia

A prisão do oficial superior da Forças Armadas no Aeroporto da Praia, em 27 de Agosto, pôs uma outra luz sobre denúncias de brutalidade policial provenientes de vários pontos do País. A perspectiva de conflito agravado obrigou o Director da Polícia Nacional a prometer “inquérito e decisões”.
Espera-se que assim seja. Outras denúncias não têm recebido resposta das autoridades. A Polícia normalmente defende-se com contra acusações de desacato à autoridade ou resistência à prisão e remete para os tribunais. A instituição recolhe-se sobre si própria e não dá sinais ao público de que está a inquirir internamente, a rever os procedimentos, ou a agir disciplinarmente para prevenir eventuais situações de abuso. Mesmo em situações críticas, como a do cerco ao Palácio de Justiça, na Praia, ou a tentativa de rebelião contra o Juiz de Santa Catarina, em 2009, não há notícia de resultados de inquérito e de punição disciplinar ou criminal de presumíveis autores.
Já dizia o Lord Acton que “o Poder corrompe, e o Poder absoluto corrompe absolutamente”. Uma verdade que ninguém ignora. Na democracia, Poder é atribuído à Polícia para assegurar a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, mas não a qualquer custo. Deve estar na primeira linha na defesa dos direitos dos cidadãos. Não pode punir porque, quem julga e pune, são os tribunais. O uso da força deve ser feito quando necessário e com sentido de proporcionalidade. Espancar e torturar pessoas para extrair confissões e como retribuição por reacções dos cidadãos, ao serem interpelados, são práticas explicitamente proibidas.
O Governo dirige a Polícia. Responsabiliza-se por ela. Tem obrigação de a dotar de uma inspecção interna efectiva. Mas não pode ficar por aí. Há que criar instâncias de controlo externo capazes de proceder a inquéritos, exigir responsabilidades e agir de forma decidida para erradicar más práticas e seus agentes.
O Governo tem beneficiado de amplo consenso parlamentar na alocação de meios à Polícia. O orçamento mais do que duplicou nos últimos dez anos. Hoje exige-se o 12º ano aos candidatos a agentes. Com tais recursos, os cidadãos esperam ter a patrulhar as ruas um polícia educado, bem formado, efectivo na sua actuação e ciente de que é um servidor público e não um “justiceiro” solto nas ruas para punir transviados e criminosos.
Confiança é fundamental para eficácia da acção policial na comunidade. A Polícia só pode construir essa confiança se der garantias de que é capaz de investigar e punir os abusos de autoridade de que é acusada. É dever do Governo certificar-se que a Polícia vai actuar sempre dentro do quadro legal e constitucional, para o conforto, Segurança e Liberdade de todos.

Editorial "Expresso das Ilhas" 8/Setembro/2010

Pequenas coisas

No programa da TCV “Conversa em Dia” com Rosana Almeida, de duas semanas atrás o Sr Patone chamou a atenção para a urgência de se atender aos pequenos problemas que os operadores turísticos e o s turistas dizem existir com o destino Cabo Verde: iluminação pública, estrada de acesso aos hotéis, barulho nas ruas, assédios nas praias etc. Problemas que o governo foi exímio em adiar com as consequências que todos conhecem. Sinais de crise na ilha do Sal surgiram em 2007mas o Governo continuou a desconversar, escudando-se em grandes projectos, planos estratégicos, revisão de legislação etc. Resultado, os problemas pequenos e vitais ainda estão por resolver. A persistência de muitos eles bloqueia a possibilidade da economia nacional beneficiar, em vendas e emprego, do fluxo turístico no país. Na entrevista do Director Geral do Turismo ao Jornal Asemana de 3 de Setembro faz-se referência a vários pequenos problemas que diminuem o impacto do turismo na economia das ilhas. Na Boavista, por exemplo, como não se regulamenta e se disciplina o transporte de turistas nas excursões, operadores nacionais perdem para os estrangeiros. A mesma coisa acontece com a actividade de observação das tartarugas. A oferta de bens e serviços nacionais tem que ser regulada e certificada. Nalgumas actividades há que definir condições de entrada de operadores. Só assim se poderá garantir qualidade, fiabilidade e a sustentabilidade da oferta dos produtos. Deixar o informal dominar é condenar a oferta nacional a ter ganhos marginais com o tráfico de turistas e mesmo a prejudica-lo com a falta de qualidade. È aqui que fazer as pequenas coisas do Sr. Patone, que melhoram a qualidade do ambiente económico e social circundante, mostra-se fundamental. Não são talvez as coisas “glamourosas” que os governantes gostariam de fazer. Mas são necessárias para o que, afinal, se prestaram realizar, quando aceitaram os cargos: criar condições para o aumento da riqueza nacional, do emprego e da qualidade de vida de todos os caboverdianos.

domingo, setembro 12, 2010

Revista COMUNICAR. Onde está a ética?

“A ética republicana exige que o funcionário sirva a República e proíbe-o de se servir da República para promover os seus fins pessoais ou os de um determinado grupo”. A frase enuncia muito bem o qual deve ser a conduta dos funcionários cumpridores de vários comandos da Constituição caboverdeana, nomeadamente dos artigos 240º, 242º, 242º que regem a relação Governo/Administração pública/ interesse público. A revista Comunicar, publicada pelo Gabinete de Comunicação e Imagem, é um exemplo claríssimo de como o Governo não se sente obrigada pela ética subjacente a esses preceitos constitucionais. A revista já vai no sei 17º número e é essencialmente um instrumento de propaganda junto de quem, talvez, o partido, que suporta o governo, considera eleitorado cativo: os funcionários públicos. Imagine-se como o ambiente criado afecta a relação com os utentes. Funcionários mais zelosos de agradar superiores hierárquicos, que tão abertamente procuram indoutriná-los, não deixarão de olhar para a cor partidária de quem os está a requerer serviço. No último número da revista Comunicar, o Sr. Primeiro-Ministro diz que o Governo rege-se por uma ética que teria vindo de Amílcar Cabral e que se distingue pela decência, honestidade e patriotismo. Uma ética que, pelos vistos, a entrevista não sufraga. Os meios que usa para se divulgar, os princípios constitucionais que se recusa a reconhecer e os interesses que defende em detrimento das instituições do Estado de Direito democrático não a colocam nesse patamar ético. O que de facto a caracteriza, é normalmente conhecido por amoralismo revolucionário. Um conceito bem definido na cerimónia de fundação do PAICV, no dia 20 de Janeiro de 1981: “. Só existe uma só, uma única moral, a revolucionária. A moral dos que deram tudo para que este país fosse independente e para que este seja o que é neste momento. Aquele que pretender através da demagogia, através da vã tentativa de dividir o nosso povo, através das suas pretensões, perturbar a nossa marcha, será, tarde ou cedo, esmagado. ( revista “Unidade e Luta” nº 4, II série).

sábado, setembro 11, 2010

O Cabo Verde a "branco e preto" do PAICV

O presidente do PAICV, José Maria Neves, no lançamento, em S.Vicente, da plataforma eucontribuo.cv para doações, mais uma vez caracterizou o seu partido como positivo e classificou de negativo a minoria. Não é um discurso inocente. Deliberadamente, recorria à dicotomia que historicamente o seu partido sempre se serviu para excluir os outros, não aceitar opiniões e interesses diversos e estigmatizar os que não se revêem nele. Positivos versus negativos é a nova versão da célebre diferença entre “povo” e “população”. Dizia-se que “povo é todo aquele que está com o partido. A população é o resto”. E na população encontram-se os “assimilados, os colaboracionistas e os agentes do colonialismo e do imperialismo”. Conforme os tempos essa perspectiva dicotómica, antagonística e de exclusão tomou outras roupagens: de “povo versus população”, passou para “patriotas versus anti-patriotas” e, depois, de “amantes da terra versus vendedores da terra”. Renova-se agora em fim de mandato para instilar nos militantes o zelo, a determinação e o “não olhar a meios” no combate eleitoral que se avizinha. Também para avisar aos que queiram ficar em cima do muro que, no mundo a branco e preto, “ou se está connosco ou se é contra nós”. Serve, ainda, para dar um novo ímpeto à cultura política que combina o atiçar da crispação com apelos cínicos ao consenso. Uma cultura que se suporta no não reconhecimento que os caboverdianos podem ser uno e, ao mesmo tempo, terem opiniões diferentes e perseguirem interesses de acordo com a sua individualidade, motivação, saber e criatividade, sem questionarem o direito dos outros fazerem o mesmo.