terça-feira, dezembro 13, 2011

O dilema; “receber” ou "ser"

Na sexta-feira passada a União Europeia (UE) garantiu a produtos caboverdianos acesso preferencial ao seu mercado no quadro do Sistema Geral de Preferências GSP+. Cabo Verde teve acesso sem quota e a tarifas zero ao mercado europeu até o ano 2008 em foi que foi graduado a País de Rendimento Médio. Seguiram-se três anos de transição que terminam no fim deste mês de Dezembro. Com o GSP+ as prerrogativas vão continuar. A questão que se coloca é o que se fez durante todos esses anos de acesso privilegiado ao vastíssimo e rico mercado europeu. O Governo não fez o balanço no sentido de como se têm comportado as exportações caboverdianas no quadro das facilidades anteriores nem muito menos revelou uma estratégia de aproveitamento das vantagens ora proporcionadas. Bem no seu estilo tomou a oferta como um ganho na competitividade externa do país mesmo sabendo que não resulta do aumento da produtividade nacional mas sim da generosidade de quem se abstém de cobrar tarifas de produtos caboverdianos importados. Os países mais desenvolvidos encaram os acessos preferenciais aos seus mercados como uma forma dinâmica de ajuda ao desenvolvimento. A Europa e o Japão depois da segunda guerra mundial e os países do sudeste asiático posteriormente nas décadas de setenta e oitenta beneficiaram extraordinariamente do acesso privilegiado ao enorme mercado americano. Hoje são todos países desenvolvidos. A própria China que há três décadas vegetava na pobreza extrema agora é a segunda economia do mundo graças à reorientação do sector produtivo para exportação. È a constatação do sucesso desses países e a esperança de que pode acontecer a outros que anima a União Europeia em garantir estatutos GSP e GSP+ e os Estados Unidos em criar programas como o AGOA. A dificuldade porém surge quando os governos estão realmente interessados em donativos e não em comércio, exportações e acesso a mercados. Viu-se a alegria como o Governo do Dr. José Maria Neves tomou o donativo do MCA e a frieza com que sempre tratou o AGOA. A inércia do Governo no caso da FRESCOMAR é ilustrativo. Os operadores na empresa fizeram o investimento porque a UE garante acesso preferencial que torna os produtos competitivos. Mas põe a condição do peixe a ser enlatado ser pescado por caboverdianos explorando os recursos marinhos do países. Até se conseguir fornecer a fábrica com pescado caboverdiana permite por um período certo que importem peixe da China, Marrocos e outros países. Satisfeito com o que lhe é dado o Governo não desenvolve a actividade pesqueira no país não estimula empresas locais nem capacita pescadores. Resultado 15 toneladas de peixe por dia que a FRESCOMAR processa por dia e que podia ser comprado a operadores nacionais são em grande parte importado do exterior porque não há oferta local de peixe. Um dia o prazo dado pela EU chega ao fim e soam todos os alarmes e outra vez vai-se pedinchar para provavelmente continuar a fazer o mesmo. De forma muito diferente comportaram-se alguns países africanos beneficiados no quando de AGOA. Aproveitaram o acesso privilegiado para lançarem um programa de atracção de capitais externos interessados na colocação dos seus produtos nos mercados certos. Potencia-se o investimento externo se em simultâneo densifica-se o tecido empresarial nacional fornecendo bens e serviços às empresas instaladas. Entretanto criam-se as condições para privados nacionais tomarem conta do negocio a exemplo do aconteceu noutras paragens designadamente as Maurícias. O que não se pode ad aeternum esperar que benefícios de hoje sejam substituídos por benefícios de amanhã porque “exportamos credibilidade”.

segunda-feira, dezembro 12, 2011

Memórias convenientes

Na controvérsia à volta da decisão da Universidade do Mindelo em homenagear o professor doutor Adriano Moreira com o título de doutor “honoris causa” esgrimiram-se memórias. Os ex-presos políticos lembraram-se de quem assinou a reabertura da prisão do Tarrafal como campo de trabalho. O Primeiro Ministro desviou o assunto com lembranças de quem ajudou na aproximação à Europa no quadro da parceria especial. O Presidente da República absteve-se de pronunciar só recordando que estudou num liceu na Praia com o nome do agraciado. Ficou claro para quem ainda tinha dúvidas que memória em Cabo é matéria de conveniência dos que pretendem ser donos da narrativa histórica do país. O país parece comportar-se como um paciente de Alzheimer esquecendo eventos próximos e deleitando-se com coisas do antigamente. Assim, a memória é curta se se trata de acontecimentos recentes do regime de partido únicos. As biografias de dirigentes homenageados do PAIGC/PAICV, Aristides Pereira e o Pedro Pires são apresentadas com “buracos de 15 anos de profundidade”. A memória já é longa se a conversa é sobre o regime colonial, Salazar e seus ministros. E há uma confusão de memórias se a discussão incide sobre a década de noventa. Fica-se sem saber se os anos noventa, também qualificados de negros e tenebrosos pelos dirigentes do PAICV, seguiram-se à noite colonial de 500 anos ou se vieram depois dos 15 anos de partido único e duraram até que o país fosse uma outra vez resgatada das trevas pela “força, luz e guia”. As aparentes memórias cheias de buracos e desarticuladas servem um propósito: deixam os adversários fora da história e só os recupera se posteriormente se mostrar conveniente para reforço da narrativa histórica. Fez-se isso com personalidades portuguesas anteriormente acusadas de “agentes do colonialismo” mas que hoje são amigas e professam admiração pelos “libertadores” . Continua-se a fazer com muitos que no passado foram consideradas ovelhas tresmalhadas do PAIGC/PAICV e agora são reencontrados na associação dos combatentes da liberdade da pátria. Em tudo isto porém sabe-se onde mora a coerência. Pedro Pires, questionado no dia 12 de Dezembro, sobre a existência de regimes ditatoriais actualmente em Africa, disse: “Esta é uma ideia "perigosa" importada do exterior e que pode minar a estabilidade de um país”. "É preciso cuidado, é preciso evitar taxar este ou aquele como ditador, ou como ditador perigoso, ou como ditador que não aceita mudanças. Acho que é preciso cuidado porque, além da ditadura, há um elemento importante que é a estabilidade e mais o Estado. Precisamos de estabilidade para, na estabilidade, construirmos então as instituições do Estado de Direito".

sexta-feira, dezembro 02, 2011

Europa na encruzilhada. Fim do euro?

A crise da dívida soberana iniciada em Maio de 2010 caminha rapidamente para um desenlace final. Perspectiva-se ou uma maior integração dos países europeus numa união fiscal ou o desaparecimento da zona euro e o eventual reaparecimento das moedas nacionais. O que recentemente considerava-se impensável, hoje é tida como possível se não provável que aconteça nos próximos dias. As consequências para Europa e para o mundo num cenário ou noutro serão profundas. Receia-se uma monumental recessão capaz de constranger por muitos anos o crescimento da economia mundial.

Nos últimos dias acontecimentos vários vieram demonstrar que o problema aparentemente só dos gregos e de outros países periféricos era afinal algo sistémico que, por contágio, acabaria por atingir o coração da União Europeia. De repente não era só a Grécia e Portugal a pagar taxas de juro elevadas nos títulos da dívida. A Espanha e a Itália também já pagavam acima dos 7% considerados pelos especialistas como limite para a sustentabilidade da dívida. Entrementes o rating AAA da França começou a tremelicar, a Bélgica viu o seu ser rebaixado e os mercados recusaram-se a absorver todos os títulos de dívida colocados pela poderosa Alemanha. O sentimento actual é que o tempo para acção enérgica e efectiva está a esgotar-se.

Há algum tempo que o mundo vem assistindo com estupefacção à incapacidade dos europeus em pôr cobro a uma situação potencialmente destrutiva dos ganhos acumulados na construção da União Europeia. Planos de austeridade radicais em vários países foram adoptados. Partidos no Governo na Irlanda, em Portugal e em Espanha perderam eleições e na Grécia e na Itália dirigentes políticos foram substituídos por tecnocratas. Mesmo assim os mercados não se mostraram convencidos. Acham que restrições e rigor na gestão das finanças pública, por si sós, não garantem crescimento suficiente para pagar a dívida se paralelamente não houver ganhos significativos na competitividade externa.

Cabo Verde tem um peg unilateral ao euro no quadro do Acordo Cambial de Março de 1998. O peg confirma a estreita ligação da economia caboverdiana com a Europa. De facto, o grosso do comércio de importação e exportação faz-se com países europeus e é deles que vêm o essencial dos investimentos, dos donativos e dos empréstimos concessionais. A Europa é o principal emissor de turistas para Cabo Verde e boa parte das remessas dos emigrantes tem aí a origem. Um resfriado na Europa pode traduzir-se em algo muito mais grave em Cabo Verde.

Num cenário de desaparecimento do euro, os desafios seriam ainda maiores. Uma ligação subsequente a qualquer das moedas nacionais submeteria o escudo caboverdiano às vicissitudes que sofreria no mercado no momento em ficasse solta para flutuar. O nível de vida dos caboverdianos não deixaria de ser afectado com isso. A recessão económica que se seguiria na Europa tornaria mais difícil o retorno aos níveis desejáveis de crescimento com impacto no emprego e na diminuição da pobreza.

Espera-se que este momento crucial na história da União Europeia seja ultrapassada com sucesso para que os povos em dificuldades vejam luz no fim do túnel, os mercados sejam acalmados e renove-se a confiança no crescimento futuro. Países pequenos como Cabo Verde precisam de um mundo estável e em expansão para poderem alijar os hábitos de dependência de ajuda externa e construir uma economia dinâmica. A própria democracia depende disso.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 30 de Novembro de 2011

quinta-feira, dezembro 01, 2011

Opacidade de regime e morte de Renato Cardoso

Renato Cardoso foi assassinado no dia 29 de Setembro de 1989. Amanhã, dia 1 de Dezembro, seria o seu 60º aniversário. O crime nunca foi resolvido e o autor ou autores descobertos e punidos. As circunstâncias em que foi cometido perderam-se ou foram engolidas pela opacidade que caracterizava o regime político então vigente em Cabo Verde. O partido único PAIGC/PAICV desde de cedo criou um regime de excepção para se defender de eventuais manifestações de revolta e indignação individuais ou colectivas dos caboverdianos contra o seu domínio. Logo em 1975 fez a lei de boatos (decreto-lei 36/75) que punia autores de rumores contra o Estado e seus dirigentes. Em 1976 com o decreto-lei 95/76 as forças de segurança e a polícia podiam prender qualquer pessoa durante um total de cinco meses sem culpa formada. Em 1977 avançou com o tribunal militar (decreto-lei 121/77) constituído por juízes nomeados sob proposta do ministro da Defesa que podia julgar civis classificados pela polícia como subversivos. Essas leis só foram revogadas pela Assembleia Nacional Popular em Maio de 1990. Sob o chapéu legal assim criado durante quinze anos o exército e a polícia constituíram-se como força de protecção do regime e dos seus dirigentes e todos os métodos, incluindo tortura, foram utilizados para reprimir dissidências e crimes. A vontade do regime em usar de todo este aparato nunca foi posta em causa. Sempre que se sentiu ameaçado agiu forte e duro. Por isso toda a gente estranha que o assassínio de um membro do governo tenha ficado por resolver. É crença geral, e a História confirma, que não são encontrados culpados nos assassinatos de graúda em regimes autoritários ou totalitários (Humberto Delgado, Sergey Kirov,) quando os crimes têm ramificações políticas. No caso de Renato Cardoso, o porta-voz do regime apressou-se logo no dia seguinte a garantir que não havia motivação política. O programa de viagens dos dirigentes não se alterou. O Primeiro Ministro Pedro Pires manteve a viagem para os Estados Unidos e o Presidente da República Aristides Pereira acompanhado do Ministro das Forças Armadas e Segurança partiu para Angola dois dias depois. Segundo relatos vindos a público, a polícia judiciária portuguesa chamada para investigar concluiu que a cena do crime não foi convenientemente salvaguarda e possíveis indícios do crime perderam-se. A sociedade caboverdiana, como bem ilustra a folha de jornal até hoje presente na montra do Djibla em S.Vicente, ainda pergunta “quem matou Renato Cardoso"? A angústia perante o hediondo crime contudo não impede que se celebre a vida desta figura marcante da vida politica, cultural e intelectual de Cabo Verde.

segunda-feira, novembro 28, 2011

Quem deve licenciar rádios e televisão?

Finalmente aprovou-se a lei que abre o caminho para a instalação da Autoridade Reguladora da Comunicação Social. Esta entidade reguladora foi criada na revisão de Fevereiro de 2010. O governo em antecipação da perda de muitos dos poderes em matéria de comunicação a favor da nova entidade apressou-se a fazer aprovar novas leis de comunicação social. Recusou-se a conformar as leis apresentadas com o figurino constitucional saído da revisão que atribui a um órgão eleito por maioria de dois terços dos deputados a competência para regular o sector chave para o exercício da liberdade de expressão e informação e da liberdade de imprensa. Na discussão na especialidade da semana passada o Governo insistiu em manter o poder de licenciar rádios e televisão. Argumentou que já está na lei, a lei da rádio e televisão que aprovou à revelia no ano anterior. Esquece que o princípio constitucional geral (art. 48º da CR) é que “todos têm a liberdade de exprimir e de divulgar as suas ideias pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio”. Para os jornais (artigo 60º n. 6 da CR ) aplica-se o princípio sem restrições. Para a rádio e televisão (artigo 60º n. 7 da CR) há necessidade de uma licença. As razões para isso prendem-se essencialmente com o facto de as emissões desses órgãos utilizarem o espectro electromagnético disponível. Como bem público e escasso, o espectro tem que ser gerido, alocadas as frequências e evitadas as interferências. Licenças para a rádio e televisão sendo restrições à liberdade de informação não devem estar dependentes do poder político. É à Autoridade de Regulação que a cabe assegurar “a independência dos meios de comunicação social perante o poder político e o poder económico” (artigo 60º n. 12 b) da CR). Em 2007 viu-se o que acontece quando é o governo a atribuir licenças de televisão. Licenças são atribuídas a figuras próximas do Poder. Outras são dadas por conveniência e em violação da lei que proíbe grupos religiosos de operarem televisão. Em todos os casos não há exigência de capital nem outras necessárias para o cumprimento completo do caderno de encargos, incluindo cobertura nacional. O mercado publicitário continua dominado pelos órgãos do sector público subtraindo receitas aos operadores privados e o resultado é que não se aumentou significativamente o pluralismo no país pelo facto de ser atribuído mais 4 licenças de televisão. A estação pública domina. Mas parece que é o estado de coisas que o Governo pretende manter com a sua teimosia de duvidosa constitucionalidade em licenciar rádio e televisão. Com a lei aprovada com as reticências dos deputados do MpD, a bola agora está com o Sr. Presidente da República para confirmar a constitucionalidade das soluções apresentadas.

sábado, novembro 26, 2011

Malhar nos anos 90 e enaltecer partido único

Espanta qualquer pessoa ouvir o governo debater no parlamento o Orçamento do Estado para o ano 2012. Parece um diálogo de surdos-mudos. Questionado pela oposição sobre os níveis perigosos do défice orçamental e de contas correntes, responde com incursões sobre o que ter-se-ia verificado nos anos 90. Inquirido sobre eventuais alterações na proposta de lei em coerência com as declarações do PM da semana anterior, contrapõe que não se justificam porque no país não há crise como acontecera em 90. Confrontado com os alertas do Banco de Cabo Verde sobre possíveis implicações da crise internacional no país, clama ter resgatada uma credibilidade perdida em 90. Credibilidade essa que, presumivelmente, blindam o país perante a crise, não obstante os sinais de abrandamento do crescimento económico, a baixa nas reservas externas e a diminuição significativa dos donativos e do fluxo de capitais estrangeiros. Tece elogios à sua governação, apontando as obras existentes mesmo sabendo que a base da economia real estreitou-se e cada vez mais depende do turismo. Os outros motores da economia previstos na chamada “Agenda de Transformação” (clusters do mar, ar, financeiro e transbordo) continuam a ser ficções por realizar. Do discurso do Governo, fica claro que não se sente responsável pelos fracos resultados das suas políticas de crescimento e emprego e pela falha no domínio da competitividade externa. Sem pudor algum, acusa e ataca o carácter de Carlos Veiga, que há mais de dez anos não governa Cabo Verde. Curioso é o facto do mesmo governo que em pleno debate da lei do Orçamento para 2012 fustiga os anos iniciais da democracia constitucional em Cabo Verde estar tão obcecadamente disposto em promover símbolos, personalidades e agentes do regime totalitário dos quinze anos após a independência. Simples coincidência não é certamente. E não augura nada de bom para o regime democrático.

quinta-feira, novembro 24, 2011

Parlamento de "arena"

O Parlamento caboverdiano funciona mal. Quem já assistiu na televisão o funcionamento de outros parlamentos, designadamente o parlamento português nota como os trabalhos normalmente decorrem. O Primeiro-ministro e outros membros do governo respondem às perguntas dos deputados de todas as bancadas e dão réplica nos debates. Há momentos de mais paixão e outros de algum azedume. Mas incidentes mais graves são raros.

Na Assembleia Nacional constata-se que situações difíceis surgem sempre que, aos olhos das forças da oposição, o Governo procura furtar-se a responder ao questionamento dos deputados. O tempo para intervenção da bancada da maioria e do Governo somam quase o dobro do tempo deixado para as outras forças políticas. A Oposição queixa-se de que, por causa disso, é alvo de manobras, acções dilatórias e mesmo provocações que acabam sempre por diminuir o seu tempo, desviar o debate e deixar matéria por esclarecer.

A percepção de que tais tácticas estão a ser postas em práticas, não raras vezes leva à exaltação dos ânimos e mesmo a situações desagradáveis. A imagem que os caboverdianos têm do parlamento é profundamente afectada por esses incidentes. Espera-se que não seja de interesse de nenhum dos sujeitos parlamentares que a casa da democracia seja mal vista pelo público. Mas às vezes parece que é precisamente isso que é procurado. Quando o Governo vai ao parlamento e esquiva-se a responder perante o plenário e a nação as questões colocadas pelos deputados, algo não está bem e se não for corrigido é a própria instituição que é posta em causa.

A suspensão da sessão da Assembleia Nacional na sequência de insultos trocados entre deputados e o Primeiro-ministro foi mais um destes episódios tristes. A oposição insistia com o Governo para prestar esclarecimentos ao parlamento e o discurso dos governantes derivava para os anos noventa da governação do MpD e eram dirigidos ataques ao líder do MpD, o deputado Carlos Veiga. A expectativa da oposição era que, na sequência da comunicação do Sr. Primeiro-ministro ao país, no dia 14, alterações à proposta de Orçamento do Estado espelhassem as novas medidas do governo. Como tal não aconteceu, normal era que os deputados procurassem esclarecimentos sobre o porquê se mantinha a proposta inicial.

Juízos diversos podem ser feitos à volta do que se passou, mas uma coisa é certa: o governo deve prestar contas e não pode deixar a impressão que procura subtrair-se à fiscalização dos deputados e do parlamento. A solução para um melhor parlamento passa por ter todos os sujeitos parlamentares e, em particular, o governo a seguirem à risca o regimento.

Já é tempo de a Assembleia Nacional deixar de ser um parlamento de arena, funcionando essencialmente em reuniões plenárias. As comissões especializadas precisam assumir o grosso do trabalho do parlamento. Só assim poder-se-á entrar num processo evolutivo do parlamento com melhoria da imagem e cumprindo integralmente o seu papel no sistema político caboverdiano.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 23 d Novembro

segunda-feira, novembro 21, 2011

Petróleo e pedras preciosas: sonho enganador

Segundo a Agência Lusa, Petra Lanz coordenadora residente das Nações Unidas em Cabo Verde, ao apresentar o país num seminário em Lisboa como “um bom exemplo” de desenvolvimento citou o primeiro-ministro cabo-verdiano dizendo que “o petróleo de Cabo Verde é a "boa governação" e as pedras preciosas são os jovens e as jovens”. Generosidade da senhora e perpetuação de equívocos. Não se vive da venda de boa governação. Pratica-se boa governação para estar à altura de poder vender bens e serviços. Mas quando se pretende viver dela, conseguindo donativos para financiar as necessidades do país, a tentação é governar “para inglês ver”. Problemas e insuficiências acumulam-se debaixo do tapete. Em caso de crise, as fragilidades do país reaparecem e ficam patentes a todos. Só que não há muito tempo para tomar medidas suaves de contenção. Hoje sabe-se que Cabo Verde não está nas melhores condições de a enfrentar. Do Banco Central de Cabo Verde vêm os alertas: 1 - Riscos Orçamentais: o controlo das despesas com o pessoal e da evolução das pensões exigirá reformas estruturais. 2- Custos escondidos: nas empresas públicas, municípios e provavelmente nos institutos públicos existirão responsabilidades contingenciais cuja materialização é susceptível de agravar significativamente as contas públicas. 3- Perda no rating internacional: Cabo Verde está a aproximar do limiar do risco moderado. 4- Prioridades tracadas: por fazer ficarão algumas reformas estruturais importantes. 5- Ilusões: a sustentabilidade das finanças públicas não é suficiente para impulsionar o crescimento económico e do emprego. 6- Falta de visão: a competitividade externa é igualmente crucial, mas as exigências não estão colocadas na agenda e nem foram ainda comunicadas aos caboverdeanos. 7- Atrasos: é ainda visível o atraso em termos de serviços de infra-estruturas, nomeadamente energia, água, comunicações, transportes e saneamento. 8- Por completar: na Administração Pública, a utilização das modernas plataformas tecnológicas deve ser complementada com reformas organizacionais, de estruturas e do sistema de incentivos. 9- Falta de flexibilidade: a legislação laboral carece de adaptação à realidade de uma economia em busca de competitividade. 10- Força do Informal: a informalidade (da economia) constitui um dos mais sérios obstáculos no acesso ao financiamento, limitando o investimento privado e o crescimento da economia. Quanto aos jovens, de há muito suportando níveis altíssimos de desemprego, sabem que o sistema de ensino e formação sem qualidade retirou-lhes as possibilidades de terem o brilho e o polimento das "pedras preciosas". O Governo deixou-se ficar pela retórica enquanto o futuro prenhe de possibilidades lhes passava ao lado porque não lhes foi dado a competência linguística, os conhecimentos matemáticos e científicos e domínio das TIC exigidos.

sexta-feira, novembro 18, 2011

Mistificações

"Temos liberdade de imprensa do primeiro mundo", sentenciou o Sr. Primeiro-ministro num discurso proferido nas comemorações da Inforpress. É mais uma das mistificações que o Governo é pródigo em criar e que levadas pela máquina dos media estatal ecoam pelos órgãos da comunicação social do país. O PM justifica a sua afirmação com a inexistência de processos judiciais contra jornalistas. A realidade é que todas as democracias liberais têm como pressuposto básico os direitos fundamentais como liberdade de expressão e liberdade de imprensa, mas também o direito ao bom nome, à imagem e à intimidade. O normal numa sociedade aberta é que, em certos momentos, haja tensões e mesmo conflitos no exercício dos direitos e liberdades. Para os dirimir existem tribunais independentes. Bastante jurisprudência foi já produzida nas democracias desde que foi criada a República americana há mais de duzentos anos. Acórdãos célebres debruçaram-se sobre casos em que jornalistas e jornais se opunham ao Estado (New York Times vs. USA, Pentagon Papers) ou publicações contra personalidades (Larry Flint vs. Jerry Falwell). Nos dias de hoje, o Tribunal europeu em vários momentos teve de se debruçar sobre casos que em que a disputa era, se uma notícia, fotografia ou vídeo fere ou invade a esfera privada ou íntima das pessoas e o que isso representa quando se trata de personalidades públicas. A existência de casos judiciais opondo jornais e jornalistas a personalidades públicas ou privadas não é evidência suficiente para, como pretende o Sr. Primeiro-ministro, avaliar do estado da democracia, sobretudo se rotineiramente casos nos tribunais são ganhos por órgãos e profissionais da comunicação social. Já a ausência de casos de tensão, particularmente com o Poder instalado, chama a atenção. Durante todo o regime de partido único, tirando o caso do julgamento do Frei Fidalgo, não houve situações de choque aberto com os jornalistas. A relação do regime com a comunicação social ficou bem expressa nas palavras do então Presidente da República Aristides Pereira: “não há especialistas em Informação. Há, sim, militantes que coordenam, em diversos escalões, o trabalho essencial de levar a cada cidadão, por todos os meios possíveis, o conhecimento de como se desenrola o processo complexo, em que é chamado a participar, de construção dos alicerces do progresso do país”. (Jornal Voz di Povo de 29/9/84)”. Com os primeiros passos na democracia surgiram tensões inevitáveis entre órgãos e jornalistas, agora armados das liberdades de expressão, e de imprensa e o poder democrático obrigado a funcionar num ambiente transparente e sujeito ao escrutínio público permanente. A segunda década da democracia, dominada pelo PAICV, destacou-se pelo aparecimento da auto-censura como deixam bem claro relatórios sucessivos da Freedom House e dos Jornalistas sem Fronteiras. A realidade de todos conhecida é que o Estado domina a comunicação social em Cabo Verde na rádio e na televisão e não há muitos sinais de emergência de uma opinião pública contrariamente ao que diz o Sr. PM. Os privados sofrem com a competição dos órgãos estatais no mercado publicitário e toda a actividade da comunicação social é condicionada pela presença fortíssima da propaganda governamental. As intenções do Governo para com os media de Cabo Verde mostram-se sem disfarce na lei da comunicação social: O Estado considerava a comunicação social parceira e daí convidá-la, entre outras coisas, a incentivar e apoiar políticas económicas e a censurar más práticas. O Estado daria subsídios, benefícios fiscais e outros incentivos a quem melhor fizesse isso. No discurso referido o PM dá a questão da responsabilização dos jornalistas uma tonalidade quase apocalíptica citando frases bíblicas do Juízo Final: "por tuas palavras serás justificado, e por tuas palavras serás condenado". Essa invocação traduz a forma como aparentemente o PM vê a liberdade de imprensa: Uma liberdade com limites democráticos, ou seja, uma liberdade social e democraticamente prospectada em pacto colectivo. Complicado.

quarta-feira, novembro 16, 2011

Construir vontades

Os desafios colocados pela actual crise são extraordinários. Confrontá-los tem sido difícil particularmente se reina a crispação no meio político nacional. Em vários países europeus, recentemente a Grécia e a Itália foi-se pela via de construção de consensos políticos alargados. Nos dois casos, o Primeiro-ministro em funções cedeu lugar a personalidades aceites pelos principais partidos e bem referenciados nos mercados internacionais pela competência, ponderação e capacidade de transformação. Noutros casos, como em Portugal e provavelmente em Espanha, o novo governo trabalha com uma oposição que de algum modo se sente responsável pela implementação das reformas.

A evolução do diálogo político, para além da habitual confrontação partidária, teve suporte em dois factores essenciais: 1- reconhecimento pelas partes da realidade da crise no país; 2- aceitação das reformas e do pesado preço político que há que pagar para as pôr em prática. O caminho para se chegar a consensos não foi fácil. Nos diferentes casos foi necessário fazer um grande esforço para extrair, do manto de ofuscação construído pela propaganda governamental, a verdade dos factos sobre o país. E não foi pacífico porque dificultada a cada passo por manobras de encobrimento de responsabilidades. Compreende-se que terminem com o sacrifício do líder.

Em Cabo Verde o Primeiro-ministro liderou uma primeira tentativa de diálogo. Mas começou mal. Primeiro não reconhece que o país desde o fim da bolha imobiliária, em 2008, é afectado pela crise. Segundo, secundariza o papel dos partidos com assento parlamentar ao recebê-los no mesmo formato que ouve personalidades e entidades públicas e privadas e organizações sindicais e religiosas. Terceiro, termina o ciclo de consultas opondo-se frontal e publicamente a posições e opiniões que considerou terem sido de algumas das entidades ouvidas. É evidente que não é essa a forma de se construir uma vontade nacional em questões fundamentais.

Na segunda-feira, o Primeiro-ministro, sem ainda reconhecer os efeitos da crise, dirige uma mensagem ao país, delineando as medidas que o governo pretende tomar nos próximos tempos. Na terça-feira, reuniu-se com os parceiros em sede de Concertação Social e sem surpresas, a reunião não deu em nada. O próximo encontro ficou adiado para Dezembro.

Dificilmente poderia ter sido de outra forma. Em cima da mesa estavam matérias como o 13º mês, o salário mínimo, aumentos salariais e flexibilidade do código laboral. Sem um trabalho prévio, sincero e honesto quanto à situação real do país não é razoável pedir que promessas sejam simplesmente esquecidas. Nem propor às pessoas que abdiquem dos seus direitos para abraçarem um pacto social propiciador de crescimento e de futuros empregos. Confiança é algo que tem que ser construída e confirmada a cada momento.

A bola está do lado do governo. Tem que ter coragem para ir além dos seus instintos de controlo para associar outros na tarefa exigente de fazer face à crise que assombra todo o mundo. Os principais parceiros de Cabo Verde já estão a sentir os efeitos recessivos das reformas encetadas. A dependência actual de Cabo Verde das transferências externas garante que o país que não ficará incólume. É tempo de agir e não de polarizar.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 16 de Novembro de 2011

segunda-feira, novembro 14, 2011

Artes de simulação

A Política está a se institucionalizar com uma actividade que exige fundamentalmente um rápido jogo de pernas, que nem o Muhammad Ali: está-se em todo o lado e não se é encontrado em sítio nenhum. O Governo move-se como se estivesse a combater a crise, mas sempre que é surpreendido apressa-se logo a proclamar que a crise ainda não afecta o país. Esvazia quaisquer sugestões de acção, dizendo ou que os conselhos vêm com atraso de dois anos, ou proferindo declarações teatrais “não me peçam para parar os investimentos”. Antes de ser questionado sobre o porquê das sete folhas de medidas contra a crise que apresentou na segunda-feira, o PM apressou-se a dizer que o combate contra a crise não é de hoje. Vem desde 2007. Neste ponto é de realçar a omnisciência do Governo que na época já combatia a crise que iria desencadear-se em Setembro de 2008. Seguiu-se a blindagem do país e a substituição do capital directo estrangeiro por empréstimos para a construção de infraestruturas. As obras entregues maioritariamente a empresas estrangeiras não impediram o aumento do desemprego nem ajudaram as empresas nacionais a se consolidarem. Paradoxalmente, diminuíram os índices de pobreza, mesmo em S.Vicente com a maior taxa de desemprego do país, chamando a atenção para os canais abertos entre o Governo central, ONGs e associações comunitárias que permitiram a distribuição de donativos e de fundos públicos. Revelações em tempo de campanha, não desmentidas pelas autoridades confirmaram que esses canais também servem interesses político-eleitorais. É em tempo desta “boa governação” que a dívida externa atinge mais de um bilhão de dólares, perdem-se oportunidades de investimento nos enredos da administração pública, despesas não discricionárias aumentam em sintonia com o aumento das receitas e o governo falha em transmitir à população a urgência em ganhar competitividade externa, como bem salientou o governador do BCV. Atingido o ponto em que segundo um funcionário do Banco Mundial já não restam munições ao Governo, o país é agraciado com as sete páginas de medidas. É de se perguntar o que esteve antes a fazer. Sabe-se que algo se fez, afinal são dez anos, mas é evidente que não resultou como desejado. Mudar vai custar, e vai levar tempo para ultrapassar os muitos obstáculos que se colocam no caminho do desenvolvimento. O Jogo de pernas, as artes de aparição e desaparição e a não assunção de responsabilidades não vão desaparecer. O encontro com a realidade já está marcado. A dúvida está no modo de aterragem: suave ou brusco.

sexta-feira, novembro 11, 2011

Receitas sem olhar como

O Governo que diz não querer aumentar impostos, arranja uma saída airosa para obter mais receitas. Penaliza o tabaco e o álcool em nome da luta contra o tabagismo e alcoolismo. A realidade é que se sabe perfeitamente que a procura desses produtos não é elástica. Como alimentam hábitos arreigados, dificilmente se alteram os padrões de consumo pela via da tributação. Mas outros males sociais podem surgir de uma manipulação desproporcional dos preços. O contrabando pode tornar-se interessante e atrair pessoas para esta actividade criminosa se a discrepância de preços justificar o risco da operação. Nesse caso perdem todos. Há quebra nas receitas, o crime aumenta e aprofunda-se a informalização da economia. As pessoas mantêm os hábitos ou saem simplesmente à procura de produtos alternativos, invariavelmente mais perigosos. Ou seja, aos custos referidos deve-se ainda ajuntar a pressão sobre os serviços de saúde, os dias de trabalho perdidos e quebra de produtividade. No caso actual de Cabo Verde, o objectivo de diminuir o alcoolismo particularmente entre os jovens dificilmente será atingido com maiores impostos no álcool importado. A impressão generalizada é de que a juventude, seja no mundo rural, na cintura urbana das cidades ou à volta das discotecas e de outros centros de diversão bebem o grogue e outras mistelas à base do grogue. Esse álcool, produzido e distribuído sem controlo, raramente cai sob alçada do fisco. O Estado tem-se mantido basicamente impassível a ver o alcoolismo a crescer a ponto de se tornar um sério problema de saúde pública. Nada de significativo tem feito para pôr cobro à produção ilegal, permitindo com isso que situações difíceis com implicações nas famílias, na economia e na segurança e tranquilidade das pessoas e das comunidades persistam sem um fim à vista. O Estado prefere ignorar o problema do alcoolismo. Não é coerente e justo que agora queira lucrar simulando lutar contra ele. Aliás a voracidade por receitas sem olhar a meios é bem ilustrado com a taxa ecológica. O Estado arrecadou receitas Mais de (500 mil contos) bem acima das previstas (300 mil contos) prejudicando severamente a competitividade das empresas nacionais. Ainda sente-se a relutância em abdicar do que há de excessivo nessa taxa.

quinta-feira, novembro 10, 2011

Deselegância inédita

Depois de uma semana de consultas a personalidades e entidades, supostamente a procura de consensos para enfrentar a crise, o Primeiro-ministro saiu a “disparar”. Colocou-se logo na posição adversária aqueles “analistas e partidos de oposição que pretendem trazer um plano recessivo para a economia de Cabo Verde”. Aos analistas estaria a juntar o Governador do Banco Central que num texto publicado nos jornais e em entrevista ao Expresso das Ilhas chama a atenção para o óbvio: a economia caboverdiana, vulnerável e dependente da ajuda externa e de remessas de emigrantes, necessariamente será afectada pela quebra de dinâmica dos principais parceiros e pela ameaça de falência financeira que recai sobre alguns deles. Nesse sentido, o BCV no seu relatório semestral de política monetária, aconselha contenção orçamental e aumento da competitividade externa do país. Para o BCV, há que se evitar que o governo, para financiar o défice orçamental, recorra ao crédito interno e em consequência se verifiquem duas coisas: 1- baixa perigosa nas reservas cambiais pondo em perigo o Acordo Cambial com a União Europeia; 2- o sector privado fique prejudicado no acesso ao crédito. O cumprimento do Acordo Cambial é fundamental para a confiança no país. Crédito para investimento privado mostra-se essencial, porque já se sabe que o Estado já atingiu os limites do endividamento público e não pode continuar com os actuais níveis de investimento. Na resposta do PM ao BCV ficou claro a discordância entre o órgão político e a instituição independente mandata pela Constituição para executar autonomamente a política monetária e cambial nos termos de compromissos internacionais a que o Estado de Cabo Verde se vincule. Mas se para o PM não há que seguir o conselho do BCV e fazer reorientação orçamental para minimizar o seu carácter expansionista, para a Ministra de Finanças o governo não precisa que o BCV lhe venha ensinar a dar missa. O Governo irrita-se sempre que algo lhe escapa ao controlo. O Governador não está na mesma situação de há dois anos, em que ficou à espera de renovação do mandato de Agosto de 2009 a Maio de 2010. Despiques do género minam a confiança nas instituições e são sinais de que a aparente disponibilidade em ouvir outros, serve outros objectivos. Para o secretário geral do PAICV, as consultas visavam fundamentalmente obter a compreensão de todos pelo não cumprimento das promessas eleitorais do 13º mês e do salário mínimo. Cinco dias depois desde incidente, o PM, num volte-face, veio anunciar medidas correctivas para as situações referidas no relatório do BCV. Ainda não se sabe como irão afectar a proposta da OGE já entregue ao parlamento e que vai para discussão e aprovação na próxima segunda-feira.

quarta-feira, novembro 09, 2011

Esconder-se de promessas feitas

Depois do estado de negação vieram os grandes gestos de teatro para dar o dito por não dito. Negou-se durante mais de três anos que a maior crise económica e financeira desde da Grande Depressão dos anos 30 do século passado pudesse afectar Cabo Verde. Quando o sistema financeiro mundial ameaçou soçobrar sob os efeitos tóxicos dos títulos subprime em Cabo Verde assobiou-se para o lado. Quando em consequência da crise financeira diminuiu o crédito disponível e verificou-se uma grande contracção da economia mundial e do comércio internacional o governo regozijou-se com a taxa de crescimento de 5%. Fazia-se gala de que era superior ao crescimento de países exportadores designadamente africanos que sofriam com a retracção do consumo global. O aparente paradoxo era explicado dizendo que o sucesso caboverdiano dever-se-ia à “boa governação”. Iludiu-se a crise também contraindo pesada divida externa para financiar infraestruturas custosas, muitas delas fruto de prioridades trocadas mas que poliram e bem a imagem do governo e contribuíram para que o partido no governo ganhasse as eleições legislativas. Nem quando há mais de um ano começou a despontar a crise da dívida soberana dos estados na sequência dos défices orçamentais criados para salvar os bancos de falência e estimular a economia o governo deu conta de si. Tinha uma eleição entrementes e estava disposto a tudo prometer para ganhar. Depois da vitória poder-se-ia até que dizer que promessas de 13º mês nunca foram feitas. Reconhece-se agora a crise porque toca no que realmente dói: a ajuda orçamental e os donativos e os empréstimos concessionais. Isso dá medida de facto do grau dependência do país apesar dos 36 anos de independência e também das consequências de se insistir durante décadas a fio com políticas de reciclagem de ajuda. O reconhecimento não significa porém mudança real de atitude. Os encontros sucessivos do Primeiro ministro com várias entidades para falar da crise parece mais teatro sem consequência do que real engajamento em mudar as coisas. Depois de um dia de reunião o centro de reflexão do governo já tinha recomendações para apresentar ao Primeiro Ministro. É um déjà vu. Com tudo isso fica a impressão de que se está simplesmente a ganhar tempo. Continua viva a esperança de se encontrar uma alternativa a Portugal e à Europa para alimentar o sistema. China poderia servir. Tem reservas de mais de 3 triliões de dólares. O único problema é que não tem complexo colonial. Investe nos seus próprios interesses e não entra na jogada de dar dinheiro para que outros, depois de receber, venham com pretensa postura digna reclamar que “pensam com as suas próprias cabeças”.

terça-feira, novembro 08, 2011

BCV e Governo: cenários desencontrados

O Primeiro Ministro fala em taxa de crescimento para o próximo ano no intervalo 6-7%, enquanto o Banco Central no Relatório de Política Monetária divulgado ontem projecta para 2012 crescimento no intervalo 4-5%. A disparidade das projecções do Governo e do Banco Central tem provavelmente a ver com os dois cenários aventados pelo BCV no referido relatório. Num primeiro cenário, com mais crédito à economia e aumento no financiamento interno ao orçamento do Estado, haverá redução de reservas internacionais em cerca de 15%. No cenário preferido pelo BCV, porque “mais consentâneo com a defesa da credibilidade do regime cambial e da estabilidade macroeconómica” as reservas garantiriam 3 meses de importação, mas à custa da queda no investimento em resultado do abrandamento do ritmo do crédito interno. De acordo ainda com o relatório, neste cenário se o Estado mantiver as suas necessidades de financiamento de acordo com o que está orçamentado, haverá perigo de crowding out do investimento privado. Ou seja, o crédito disponível irá preferencialmente para satisfazer as necessidades do Estado, limitando os privados e prejudicando possivelmente a criação de empregos. Como se vão reconciliar as duas perspectivas é o que se vai ver. O Governador é claro em dizer que ajustes significativos devem ser feitos ao nível do Orçamento do Estado apresentado para 2012 que continua expansionista como os dos anos anteriores. O problema é que, como todos puderam verificar nas eleições presidenciais, muitas despesas do Estado são feitas com propósitos eleitorais. No horizonte de 2012 eleições autárquicas já condicionam as movimentações dos membros do governo e a dispensa de fundos para associações comunitárias, ONGs, programas governamentais para a juventude, cultura, coesão social, etc. Austeridade em tempo de eleições custa mais. Para quem ache que o acordo cambial é um colete-de-forças talvez seja o momento de retomar a discussão proposta pelo então deputado Josefá Barbosa: ponderar se convém a Cabo Verde manter-se num peg unilateral ao euro ou se devia movimentar-se ou para euroização ou então tornar-se mais flexível e ligar-se a um cabaz mais alargado de moedas.

segunda-feira, novembro 07, 2011

Porquê só na Capital?

Na proposta de Lei da Autoridade para a Comunicação Social há uma norma que estabelece que o novo órgão constitucional deve ter sede na Praia. E pergunta-se porquê. Porquê a concentração obrigatória na capital de institutos, entidades reguladoras e vários outros serviços do Estado. Nem órgãos de soberania são. Aliás, tanto nos Açores como nas Canárias, dois países arquipélagos com ampla autonomia política, estruturas do governo e órgãos representativos localizam-se em ilhas diferentes. A lógica anterior de ter tudo centralizado baseava-se na eficiência e eficácia que a proximidade dos vários serviços e entidades estatais propiciava. Os ganhos simbólicos e de produtividade dos serviços do Estado aparentemente compensavam pela desigualdade de oportunidades que a localização na capital, ou seja, num ponto do território nacional, causava aos outros. Afinal são os recursos de toda uma comunidade, as receitas do Estado, que são preferencialmente gastos num único lugar. A percepção da injustiça aí implícita tem motivado esforços recentes com vista ao alargamento da desconcentração e de descentralização para que a repartição de recursos seja mais equitativa. Os avanços nos domínios dos transportes e comunicações com particular ênfase para as extraordinárias possibilidades abertas pela Internet retiram o essencial da justificação da proximidade para se ter entidades estatais todas no mesmo sítio. É a percepção que assim é, levou em parte os deputados por unanimidade a votar o futuro Tribunal de Relação de Sotavento para ser sedeado em Assomada, Santa Catarina. Videoconferências, envio e troca de documentos em suporte informático e comunicação oral a baixo custo ou custo zero através da VOIP/ Skype retiram argumento ao imperativo de se localizar tudo na capital. Sem esse argumento, outros factores merecem ponderação mais aprofundada. Designadamente dever-se-á considerar a questão da dinâmica das migrações internas particularmente de jovens qualificados, o crescimento acelerado da capital versus o colapso ou estagnação de outros centros, o impacto no mundo de negócios de cada ilha, a preservação das elites locais e a salvaguarda da diversidade nacional que isso implica. Pode-se ponderar tudo isto. Não se pode é ficar paralisado pela inércia, seja no pensamento, seja na acção.

sexta-feira, novembro 04, 2011

Tudo para dar certo

A propósito do Fórum realizado em Mindelo, a 4 de Novembro, seria interessante ver na experiência dos outros o que possivelmente poderá estar a faltar para que São Vicente dê certo. Durante séculos muitos pensaram que a China tinha tudo para dar certo: dimensão, população, recursos naturais e ética confucionista. A realidade de algumas décadas atrás era de um país subdesenvolvido com centenas de milhões de pessoas na pobreza extrema. Hoje é a segunda economia do mundo e a crescer à taxa de 10% ao ano. A transformação começou em 1978. Deng Xiao Ping presidiu a uma mudança de atitude que potenciou todas as outras qualidades e recursos da China. Dizendo que “ser rico é glorioso” varreu a inveja, a paralisia e a descrença no mérito que a ideologia igualitária induzia nas pessoas e perpetuava na sociedade. Clamando que não importa que o gato seja branco ou preto e o que interessa é que cace ratos derrubou ideologias sufocadoras da iniciativa individual e da inovação e elegeu o pragmatismo como referência. A China entrou num caminho em que resultados contam para se avaliar da adequação dos meios disponibilizados e para se reconhecer o empenho dos envolvidos e compensá-los devidamente. Infelizmente não é esse o caminho de Cabo Verde. Focaliza-se demasiado em conseguir meios em detrimento de uma avaliação ponderada dos resultados conseguidos. A relação custo-benefício dos empreendimentos não é tida em devida conta. Investe-se na oferta e esquece-se de mobilizar a procura. Vive-se fundamentalmente do fluxo de recursos a partir do exterior (remessas de emigrantes, donativos e empréstimos concessionais) e não do que a economia pode produzir em bens e serviços. Para fazer com que São Vicente acerte e tenha sucesso, como aliás todo o Cabo Verde, é essencial uma mudança profunda de atitude. No Fórum do Mindelo apresentaram-se projectos da imobiliária como se a bolha no sector não implodira, a procura pela segunda residência não se retraíra drasticamente e o crédito barato de anos anteriores estivesse disponível com a mesma facilidade de antes. Mas, como qualquer surfista, o caboverdiano deve saber quando a onda já morreu na praia. E como também deve estar ciente que não pode criar ondas. A hipótese que lhe fica é de preparar-se para a próxima onda, com pragmatismo e sem amarras ideológicas. A hora é de identificar possível procura externa para bens e serviços que a ilha pode realisticamente oferecer. Para um arranque súbito (jump start) um investimento “all inclusive” podia mostrar-se interessante. Os operadores trazem com eles o mercado e a ilha ganharia no fluxo de pessoas e nas várias atracções para além de “sol e praia” que ofereceria aos turistas. A médio prazo, podia estrategicamente preparar-se para um turismo de cuidados de saúde. Afinal a Europa fica a 3, 5, 6 horas de distância, a população está a envelhecer, e cuidar dos mais idosos fica cada vez mais caro. Parece que há aí uma onda potencialmente gigante que merece ser espreitada e talvez cavalgada com sucesso. Tudo depende de nós. De encontrarmos os parceiros certos, reorientarmos a formação profissional e desenvolvermos uma cultura fina de serviço.

quinta-feira, novembro 03, 2011

Ministro de Economia precisa-se

Nos últimos dias o Sr. Primeiro Ministro tem-se desdobrado em múltiplas consultas de entidades públicas e privadas, religiosas, empresariais e sindicais. Faz isso para dar um sentido de urgência ao combate à crise e para supostamente receber sugestões de como enfrentá-la. Poderia bem receber a sugestão de nomear um ministro da Economia pleno, sem necessidade de acréscimos como Competitividade e Inovação. Um ministro que tivesse peso político e todo o suporte do Primeiro-ministro para fazer as reformas e conseguir resultados concretos e substanciais na diversificação da economia nacional, na criação do emprego, no aumento de bens e serviços transaccionáveis, na consolidação de uma classe empresarial dinâmica, na redução dos custos de contexto, no abaixamento dos custos de energia, água, transportes marítimos e aéreos. Nos governos do Dr. José Maria Neves já passaram mais de seis ministros com pastas do sector da economia. Nenhum deles foi verdadeiramente o ministro da economia que Cabo Verde precisava. A prova disso é o ponto em que o país se encontra no momento, frágil com uma economia afunilada no turismo e quase no limite da capacidade de endividamento sem que a dívida tivesse sido útil na criação de emprego e na expansão das empresas nacionais. Ao longo do tempo prevaleceu a vontade das Finanças Públicas em nome da manutenção dos equilíbrios macroeconómicos. Das finanças não se podia esperar grande sensibilidade micro. Ao nível macro sentia-se confortável com as transferências externas sem precedentes que o País recebia desde de 2004 para juntar as pontas. E sempre ajudava, para manter a pose de rigor, alguma criatividade orçamental com desorçamentação de despesas e não assunção de risco derivados de responsabilidades contingenciais de empresas públicas, municípios e institutos públicos como bem chama a atenção o Governador do Banco Central. O propalado rigor nas despesas porém ficou ferido de morte com a divulgação das transferências a associações comunitárias nas vésperas das eleições presidenciais. Agora que as transferências externas tendem a diminuir drasticamente é urgente ter-se um verdadeiro ministro da economia a trabalhar com um sector das finanças que acredite que a prazo só o crescimento a taxas elevadas poderá garantir a estabilidade macroeconómica do país.

quarta-feira, novembro 02, 2011

Fim do ilusionismo, aparição da Crise

Oficiosamente a Crise já chegou a Cabo Verde. Oficialmente diz-se que os efeitos da crise lá fora poderão atingir-nos. Mas que até lá nada realmente ficou de fora, seja o 13º mês, o salário mínimo ou os aumentos salariais para repor o poder de compra perdido. O Poder continua a sentir-se compelido a dizer meias-verdades à sociedade. Situações complicadas continuam a acumular-se lá fora, particularmente na zona do euro, mas o governo cá persiste em subestimar os efeitos já sentidos da crise e em demonstrar que rapidamente serão ultrapassados com uma ofensiva diplomática que renove a ajuda e abra outras linhas de crédito concessionais.

Em todos os países enfrentar a crise significa para a generalidade das pessoas sofrer cortes brutais sucessivos nos rendimentos e na qualidade de vida à medida que são implementadas as medidas de austeridade. Nas muitas das manifestações de revolta e desagrado verificadas nas ruas das cidades do mundo inteiro ouve-se sempre a queixa de que os cidadãos não foram devidamente consultados quando decisões fatídicas eram tomadas. Ninguém os chamou quando se tratava de salvar os bancos do desastre financeiro que tinham engendrado com a sua ganância. Nem tão pouco quando a conjugação de grandes acumulados de dívida pública com perspectivas baixas de crescimento económico a médio prazo provocou stress nos mercados e em consequência subiram as taxas de juro da dívida de alguns países para níveis que praticamente os levou à beira da falência.

Em alguns desses países, eleições recentes serviram para canalizar o ressentimento das pessoas e para penalizar governos que lhes ocultara a verdade. Na Grécia, o primeiro ministro Papandreou quis antecipar-se com o pedido de um referendo que lhe assegurasse o apoio da população na implementação das rigorosas decisões dos parceiros. A decisão caiu mal e já provocou tumulto nos mercados, abrindo a possibilidade de a Grécia sair do euro. Em Cabo Verde, o primeiro-ministro confessou recentemente que uma crise no euro teria efeitos catastróficos para o país. À parte isso, pouco se tem dito à nação sobre os perigos da crise e as medidas que deverão ser tomadas para conter o seu impacto. A linha oficial é que o país estava salvo da crise. Por isso, as medidas já anunciadas pelo PM incluindo cortes a serem feitos, consolidação de instituições diversas e de controlo rigoroso de certas despesas dificilmente encontrarão o eco desejado.

Para o Governador do Banco de Cabo Verde, no texto publicado neste número do jornal (pags. 18 e 19) é crucial a gestão da competitividade externa para fazer face à crise. Mas teme que as exigências não foram comunicadas aos caboverdianos com vista a obtenção dos necessários consensos. Quer dizer que os caboverdianos nem sabem como a crise está a afectar o país nem como preparar-se para a confrontar. As ambiguidades e meias-verdades do Governo têm servido para toldar completamente a visão sobre os factos. O debate com a Oposição tem sido crispado e pouco esclarecedor. Dificilmente servirá como suporte de consensos futuros de como lidar por exemplo com uma crise do euro na sequência da saída de um ou mais países da união monetária.

Os tempos são de extraordinária dificuldade e imprevisíveis quanto ao desfecho de vários processos cruciais em jogo. Uma certeza que os povos querem ter é que seus governantes lhes falem verdade. Porque vontades são mobilizadas e sacrifícios são consentidos se a causa é comum, se o esforço é igualmente suportado e se a governação prima pela verdade e a honestidade.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 2 de Novembro de 2011

terça-feira, novembro 01, 2011

Pôr um stop à marginalização das ilhas

Na sexta-feira próxima, dia 4 de Novembro, vai-se realizar mais um debate sobre o desenvolvimento de São Vicente. Para alguns mais cínicos, trata-se de mais um exercício do “pessoal de São Vicente” que não se reconcilia com o facto que hoje a ilha toca um longínquo segundo violino no concerto nacional. A realidade porém é bem outra. São Vicente está na situação de ter a maior taxa de desemprego, porque não se conseguiu pôr realmente de pé uma economia nacional que permita o desenvolvimento equilibrado das ilhas e viabilize de facto o país. A opção tem sido de focalizar na captação de fluxos externos com particular foco nas doações e nos fundos concessionais. E isso leva inevitavelmente à macrocefalia da Capital em detrimento das outras ilhas e do interior da ilha de Santiago. Reequilibrar as coisas, passaria por dinamizar vários pontos do país com o estímulo de uma procura externa de bens e serviços. Uma grande oportunidade foi desperdiçada a partir de Maio de 2007 em que, na sequência do Conselho de Ministros em São Vicente, o governo sistematicamente empatou todos os projectos de imobiliária turística previstos e já aprovados para ilha. O impacto desses projectos em São Vicente e em todo o país seria muito diferente do que empreendimentos de mesma envergadura têm nas ilhas do Sal e da Boa Vista. São Vicente juntamente com Santo Antão tem vários atributos, designadamente uma população conjunta próxima de 150 mil pessoas, um tecido empresarial mais denso, escolas e centros de formação mais experimentados e actividade sócio-cultural mais rica. O efeito de arrastamento sobre a economia local e sobre a economia nacional seria seguramente mais pronunciado e mais enriquecedor da nação, seja nos novos empregos gerados, seja no aumento geral dos rendimentos das pessoas. O efeito sentir-se-ia na criação de múltiplos destinos para as migrações internas, numa maior confiança e autonomia da sociedade civil e na mudança de atitude das pessoas no sentido de mais solidariedade, mais civismo e optimismo em relação ao futuro. O país assim equilibrado, poderia planificar melhor o crescimento dos centros urbanos. A Praia, particularmente, seria poupada à enorme pressão demográfica que actualmente sofre e que causa à cidade e ao país problemas gravíssimos, designadamente de segurança, saneamento, saúde pública, habitação e infraestruturas. Enganam-se em parte aqueles que dizem que este estado de coisas é devido à centralização do Poder na Praia e que a solução seria simplesmente partir para a regionalização administrativa ou política. A centralização resulta de uma opção de política que privilegia a captação de fluxos externos em detrimento da criação de capacidade nacional de produção e exportação de bens e serviços e de atracção de investidores e capitais estrangeiros. A gestão centralizada dos recursos põe o Estado no topo da “cadeia alimentar” e ajuda a construir a malha de favores, facilidades e acessos especiais que no momento certo podem ser traduzidos em apoio político. A luta pelo desenvolvimento das ilhas passa por libertar-se da estratégia de desenvolvimento que tem perpetuado certas elites no poder, aumentado a desigualdade social, marginalizado as ilhas, votando milhares ao desemprego e ao emprego precário. A crise está aí. Temos de mudar de rumo como muitos outros países muito mais desenvolvidos foram forçados a fazer.