Cabo Verde vai a eleições para a escolha do novo governo no dia 20 de Março. Vários partidos disputam os votos para a eleição de deputados à Assembleia Nacional. Felizmente que de entre eles há partidos que podem constituir alternativas de governo. A democracia estaria fragilizada se, em qualquer circunstância, mas particularmente após quinze de governo por um único partido, não houvesse partidos ou coligação de partidos que oferecessem a possibilidade de uma alternância credível do poder.
Quinze anos é muito tempo e naturalmente que a governação por uma única formação política durante três legislaturas seguidas tende a condicionar as instituições, a constranger opiniões e a criar clientelas próximas. Notam-se em maior ou menor grau fenómenos do género em qualquer sociedade mesmo em democracias avançadas como o Reino Unido após 15 anos do partido conservador ou do partido trabalhista e também em Portugal na sequência de duas maiorias absolutas seguidas. Com mais razão se evidenciam nas jovens democracias onde a sociedade civil é incipiente e a dependência do Estado é prevalecente. No caso de Cabo Verde os efeitos são mais pronunciados devido às notórias políticas assistencialistas, ao facto da propaganda se ter tornado num instrumento central da acção do governo e também se constatar a vontade explícita dos poderes públicos em cercear a autonomia de indivíduos, associações e municípios.
Não se ter chegado ao fim dos quinze com um partido hegemónico acompanhado de um conjunto de pequenos partidos satélites demonstra que a sociedade cabo-verdiana já deu provas de uma grande resiliência democrática. Maiorias absolutas como não precisam da contribuição de outras forças para fazer leis e aprovar orçamentos do Estado tendem a minimizar a necessidade de compromisso e de negociações com outras forças políticas. Podem até a chegar ao ponto de querer apresentar a oposição com algo dispensável se não mesmo prejudicial para os interesses do país. O Parlamento nestas condições torna-se alvo a abater e na instituição a desprestigiar porque é a sede do contraditório e é a tribuna de onde se exige que contas sejam prestadas e responsabilidades assumidas. Sente-se que caminham para aí quando se ouvem acusações de que para a oposição quanto pior, melhor, ou que ela se se comporta como profeta da desgraça e que é antipatriótica. O que mais terrível pode acontecer ao sistema político é se por causa de desânimo, sentimento de impotência e derrotas sucessivas os partidos sucumbam à pressão e deixem de ser alternativa, enfraquecendo a democracia por não oferecer a possibilidade de alternância.
Samuel Huntington, o cientista política autor da Terceira Vaga da Democracia, estabeleceu a dupla alternância no poder como teste de verificação se a democracia nos países que fizeram a transição democrática está de facto consolidada. Em Cabo Verde ainda não se verificou a dupla alternância. Contrariamente ao que alguns pensam, seguindo a teoria de Huntington, no 13 de Janeiro de 1991, só houve a transição de regime político e não uma alternância de poder dentro do sistema democrático. Enquanto isso não acontecer e enquanto não se normalizar que qualquer dos partidos pode estar no governo e depois ir para a oposição dificilmente vão desenvolver entre si os hábitos de compromisso e de negociações. Nem tão pouco vão sentir a necessidade de chegar a acordos tácitos no que tange ao comportamento enquanto actores políticos que contribua para valorizar as instituições e diminuir a crispação política.
Não se estranhe por isso que em vez de uma evolução que valorize o sistema de partidos haja de facto muita pressão para o pôr em causa pelas razões mais estapafúrdias. Explora-se bastante e por mais variadas razões o sentimento anti-partido. Em Cabo Verde esse sentimento vem de longe. Desde logo, do salazarismo e depois foi refinado nos quinze anos do regime de partido único. O facto de os dois grandes partidos conseguirem mobilizar multidões e serem vistos como agentes alternativos de poder em Cabo Verde revela o quanto, apesar de tudo, os partidos não foram realmente afectados pela hostilidade anti-partido.
A campanha para as eleições de Março deixa claro que para o eleitorado cabo-verdiano os partidos têm um papel central no processo de definição do futuro. Não faltam críticas à actuação dos partidos, mas a realidade é que ninguém se mostra na disposição de os dispensar e procurar conforto em políticas populistas e demagógicas. A percepção, de que nos sistemas parlamentares a responsabilidade para o melhor ou para pior pode e deve ser assacada aos partidos políticos, independentemente das lideranças conjunturais, conseguiu vingar. Por outro lado, reconhece-se que as relações de lealdade e também de confiança com o partido mantêm-se para além das mudanças na liderança e das vicissitudes eleitorais. A garantia de persistência do pluralismo na sociedade e no sistema político é fundamental para que se possa visionar o futuro com entusiamo e optimismo. Para isso a participação de todos os cabo-verdianos através do voto no dia 20 de Março é de maior importância.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 16 de Março de 2016