No parlamento na semana passada, o VPM e ministro das Finanças em resposta à pergunta dos deputados sobre os objectivos pretendidos com uma melhor gestão do Sector Empresarial do Estado (SEE), pôs enfase na necessidade de reduzir o risco para o orçamento do Estado e no papel de acelerador da diversificação da economia e do crescimento económico. A oposição, em outro momento da mesma sessão parlamentar, chamou a atenção para o que líder parlamentar do PAICV chamou de elevado risco representado por pelo menos seis empresas públicas de acordo com um quadro da UASE.
Em debate na Assembleia Nacional estava uma proposta de alteração na governança do SEE com a criação de uma nova entidade de gestão de participações do Estado na perspectiva de se obter uma melhoria na eficiência do funcionamento das empresas estatais. Quer-se com um novo modelo de gestão que as empresas deixem de ser sugadores dos recursos públicos e de passarem a contribuir de forma mais efectiva para a melhoria do ambiente de negócios, para diminuir custos de factores como água e electricidade e outros custos transaccionais ligados aos transportes e à conectividade interilhas e entre o país e o mundo. A melhoria da gestão das empresas que constituem o SEE tem sido uma recomendação permanente de organizações internacionais como o FMI e o Banco Mundial e também do GAO.
A iniciativa legislativa do governo visa aparentemente dar uma resposta à essa insistência das organizações internacionais. Espera-se é que não se fique por aí e haja consequências práticas com real impacto na redução dos riscos, na melhoria dos serviços prestados e na facilitação da iniciativa privada em vários sectores. O cepticismo em relação a isso revelado nas intervenções da oposição tem a ver com as enormes dificuldades em realmente mudar a situação no SEE como se pode constatar de outras iniciativas do actual governo e dos anteriores para melhoria da gestão dessas empresas que não tiveram o sucesso esperado. O resultado em muitos casos viu-se na dívida pública acumulada, na excessiva exposição do Estado devido a garantias e avales e nas dificuldades acrescidas em novos custos e em maiores resistências às reformas que globalmente tornam os problemas de certos sectores públicos quase intratáveis.
Pode-se considerar que o cepticismo é transversal. Hoje é expresso pela actual oposição que já foi governo e amanhã poderá ser a atitude assumida por uma diferente oposição. As dificuldades em determinar o papel do Estado e em particular do SEE num pequeno país arquipélago de parcos recursos e reduzida população e com mercado fragmentado por nove ilhas são enormes. Também não ajuda o facto de não existir entendimento quanto à natureza das dificuldades e em como as ultrapassar. E não poucas vezes essas dificuldades tornaram-se maiores por razões ideológicas, por insistência em mitos diversos e por imposição de soluções pela cooperação internacional.
Assim, já se teve a estatização da economia com um SEE dominante nos primeiros quinze anos e não resultou. A estagnação económica que acabou por produzir juntamente com a escassez e falta de diversidade de produtos e o desincentivo à iniciativa empresarial e aos investimentos serviram de motor para a mudança para uma economia de mercado que veio a verificar-se nos anos noventa. Seguiu-se a liberalização económica, atracção de investimento directo estrageiro e privatizações que aumentaram extraordinariamente o potencial de crescimento do país e levaram a taxas elevadas do PIB.
Desde a crise financeira de 2008 que se nota que, com o pouco crescimento da produtividade e a diminuição da competitividade do país, não obstante o grande crescimento do fluxo turístico, não tem sido possível elevar de forma sustentada as taxas de crescimento do PIB a mais de 7%, a taxa que consensualmente se acha necessário para o país prosperar, criar emprego e garantir rendimento às pessoas. Entretanto, a dívida pública vem aumentando e depois do salto devido à Covid-19, ainda não regressou, segundo os últimos relatórios do FMI, aos níveis pré-pandémicos de 2019. Tem sido feito um esforço de consolidação orçamental e conseguiu-se um saldo primário positivo em 2023, mas segundo o FMI foi com o aumento das receitas fiscais, baixa execução do orçamento de investimentos e pagamento pontual do fee da concessão dos aeroportos. A contenção efectiva de riscos orçamentais e a obtenção de saldos primários positivos terá que passar necessariamente por uma melhor gestão e adequação do SEE.
Não havendo, porém, entendimento quanto à natureza das dificuldades que as empresas estatais enfrentam e quanto ao papel ou função que podem desempenhar, fica tudo muito difícil. Há quem pense que o mercado de per si pode resolver. Viu-se nos transportes marítimos em como de um concurso público e da procura de navios novos se chegou a um concessionário, a navios sob leasing e à subsidiação expressiva. Acontece algo similar nos transportes aéreos e noutros sectores como água e energia. De facto, o mercado do país não é realmente unificado, em vários sectores o mercado é imperfeito e noutros há falhas de mercado. Globalmente há um problema de escala que cria ineficiências graves com os custos correspondentes e ineficácias na prestação de serviços.
Claramente que a iniciativa privada e o empresariado público devem poder se conjugar para obter os melhores resultados no processo de criação de riqueza no país. Para isso é fundamental que haja um esforço dirigido do Estado para conseguir uma gestão altamente qualificada e competente para o sector público. Uma política de atracção e formação de quadros seguindo critérios meritocráticos seria o desejável. É o que Singapura fez, mas que no ambiente de crispação política que se vive em Cabo Verde dificilmente se conseguiria, particularmente quando cada vez mais a lógica da militância partidária orienta-se pela procura e disponibilização de lugares no Estado.
Porém, sem gestão competente do SEE não há como fazê-lo cumprir os objectivos de contenção do risco e de acelerador. Pode-se avançar com mudanças no modelo de governança, mas dificilmente se vai criar cultura organizacional adequada e ganhar competência executiva. De facto, nomeações determinadas pelo jogo político-partidário podem acabar por distorcer os propósitos de gestão. Nota-se, por exemplo, como nas empresas a colegialidade dos órgãos de administração é enfraquecida com o empoderamento e voto de qualidade dos PCAs. Também a relação entre governantes, entidades reguladoras independentes e as empresas estatais pode ser condicionada pela excessiva centralização dos poderes de nomeação e de tutela num único membro do governo, o que claramente não favorece o ambiente de negócios propício a investimentos e à actividade empresarial. Por outro lado, privatizações por si só não vão resolver o problema, como já se sabe dos fracassos passados.
Cepticismo de hoje em relação a melhorias na gestão do SEE será o mesmo de amanhã, como já foi o de ontem, se não se assumir uma outra atitude. É preciso que haja um entendimento geral quanto à necessidade fulcral de se ter uma administração pública e um SEE competentes. É fundamental para desenvolver um país. A par com uma educação de excelência foi a opção ganhadora de Singapura.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1181 de 17 de Julho de 2024.