A sociedade caboverdeana ainda lida mal com o pluralismo. O exercício do contraditório e o confronto de ideias são, muitas vezes, tidos como perda de tempo. Consenso parece o nirvana nas relações na esfera pública. È celebrado mesmo significando na maior parte dos casos o desejo de uma parte em submeter a outra em nome de interesses profundos da Nação com os quais diz estar indissoluvelmente ligados. Encontros de socialização, organizado pelos poderes públicos e invariavelmente iniciados e encerrados por membros do Governo, tornaram-se no modelo preferido de interacção com a sociedade. Na generalidade dos casos não passam de um ritual onde se simula a discussão pública de matérias, já aprovadas pelo Governo. As dificuldades com o pluralismo advêm, em boa medida, do facto de, ainda, ser visto, em sectores poderosos de influência política e ideológica, como uma espécie de dádiva à sociedade. Diz-se que resultou de uma decisão da abertura política. A insistência nesse ponto responde à preocupação de justificar o regime de partido único e os seus dirigentes. Segundo eles a decisão no sentido do pluralismo só foi possível quando a sociedade se mostrou pronta para isso, ao contrário do que aconteceu nos primeiros 15 anos. Um dos problemas com esse argumento é que apresenta o pluralismo como um processo gradual. Daí, é um passo para se cair na tentação de o limitar, consoante o grau de maturação sócio-político que se presume existir no momento, de o dosear, em nome do pragmatismo na tomada de decisões, e, mesmo, de o sacrificar, pontualmente, por razões de Estado. Prejudica o aprofundamento do pluralismo a incapacidade de extrair na plenitude o sentido da sua consagração na Constituição de 1992. Pluralismo não é um ganho, muito menos, uma dádiva. Resulta directamente do respeito devido à dignidade humana de cada indivíduo. Suporta-se no reconhecimento da inviolabilidade e a inalienabilidade dos direitos do Homem como fundamento da comunidade humana, da paz e da justiça, assim como está estabelecido no artigo 1º, nº1 da Constituição. Realiza-se, quando se aceita que há um limite a partir do qual nenhuma autoridade, muito menos a autoridade política do Estado, deve procurar coagir a consciência do indivíduo para o levar a ser o que não é e o que não quer ser. Regimes totalitários distinguem-se pela sua profunda negação do pluralismo. E definem-se pela disposição em ir para além desse limiar e a partir daí encetar a construção do homem novo. A derrota estrondosa desses regimes, simbolizada na Queda do Muro de Berlim, revelou o quão a natureza humana e o desejo de liberdade são obstáculos intransponíveis nas tentativas de engenharia do homem novo. A desumanidade desses projectos ficou patente nas crueldades, nas humilhações e na miséria que fizeram passar largas centenas de milhões de pessoas, por todo o mundo, em fomes provocadas, massacres, prisões, torturas e campos de reeducação. O totalitarismo ficou desacreditado mas isso não significa que impulsos de natureza totalitária deixaram de se manifestar. Isso é visível em muitos dos ataques ao sistema de partidos, ao parlamento e a órgãos de comunicação social. Como bem disse o grande diplomata americano George Kennan, o busílis da questão é que há um bocadinho de totalitário enterrado algures, lá muito para o fundo, em todos e cada um de nós. Por isso mesmo é essencial manter uma democracia funcional, de respeito pelos direitos fundamentais e dotado de um Estado cumpridor da Constituição e das Leis. A centralidade da democracia em manter os checks and balances (pesos e contrapesos) nas manifestações da natureza humana é realçada pelo filósofo Reinhold Niebuhr quando diz: “é o desejo de justiça do Homem que torna a democracia possível, mas é a tendência do Homem para criar injustiças que faz a democracia indispensável. O contencioso à volta das origens do pluralismo em Cabo Verde dificulta a eliminação de valores e práticas, particularmente na actuação de instituições do Estado, que não o favorecem. Um exemplo recente é a comemoração do dia da comunicação social em Cabo Verde. Devia saltar à vista imediatamente que a tomada da Rádio Barlavento no dia 11 de Dezembro de 1974 não seria a melhor data para se celebrar a liberdade de expressão, a liberdade de informação e a garantia de expressão e de confronto de ideias das diversas correntes de opinião nos meios de comunicação social do Estado. Essa data marcou o fim das rádios e jornais privados e o início da institucionalização da comunicação social a uma só voz. O processo de centralização numa rádio nacional única, então desencadeado, nem poupou a rádio Voz de S. Vicente, nascida nesse dia. Não existe uma sensibilidade crítica quanto ao limite do que é permitido ao Estado e aos seus dirigentes fazer sem ferir o direito das pessoas à sua consciência, às suas convicções e às suas ideias. É-se particularmente insensível quando se trata da juventude e da infância. A Constituição da República em vários artigos condiciona, firme e claramente, a relação do Estado com os jovens e as crianças. Assim o artigo 49º alínea c) proíbe o Estado de programar a educação e o ensino segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas. No artigo 81º nº 4 garante aos pais o direito e o dever de orientar e educar os filhos em conformidade com as suas opções fundamentais. No artigo 74º do direito dos jovens restringe o apoio do Estado aos jovens exclusivamente à realização dos objectivos constitucionais (desenvolvimento da personalidade, gosto pela criação livre, sentido do serviço à comunidade e integração em todos os planos da vida activa). E mesmo assim não deve ser nunca de forma directa mas em cooperação com organizações de pais e outras organizações, designadamente juvenis, como estabelece o nº 4 desse mesmo artigo. Essas restrições constitucionais, que claramente proíbem a influenciação politico ideológica das crianças e jovens, são basicamente ignoradas. Notícias, reportagens e imagens televisivas dão conta de encontros, palestras, aulas nos liceus em que crianças e adolescentes são compelidos a ouvir discursos de dirigentes políticos vestidos da autoridade do Estado. È evidente que o que está na Constituição é uma reacção forte a toda a instrumentalização de crianças e jovens nas organizações de massa verificada durante o regime de partido único. Mas também é uma acção defensiva para garantir o pluralismo na sociedade evitando que futuros cidadãos sejam arregimentados em fase ainda frágil e permeável por forças poderosas alcandoradas no aparelho do Estado. O que aconteceu com o dia das crianças é elucidativo em vários aspectos. Até 2004 era festejado em todas nas escolas no 1º de Junho. A partir do momento em que voltou a ser feriado, as notícias do dia convergem invariavelmente para encontros de grupos de crianças com o Primeiro Ministro ou com o Presidente da República. Uma outra ameaça ao pluralismo é intervenção excessiva do Estado na divulgação do trabalho governamental. O Governo tem miríades de oportunidades no parlamento, em forum, workshops, cerimónias de lançamento de primeira pedra, visitas, inaugurações e entrevistas para transmitir a sua mensagem e divulgar o trabalho governamental com toda a transparência. Parece que não lhe chega. Resolveu montar uma máquina específica para fazer isso, mas sem qualquer restrição, mediação ou contraditório. Ou seja, resolveu forjar uma máquina de propaganda. Para isso pôs no Orçamento de Investimento o montante de 30 mil contos, acrescido de mais 3 mil contos em comunicação e imagem. Fica-se com uma ideia das prioridades do governo quando se compara esse montante com os 43 mil destinados a Cabo Verde Investimentos. Ou o trabalho, supostamente essencial para economia que é a atraccão de investimentos e a criação de novos empregos, não merece mais ou, então, para o Governo, o trabalho de propaganda está acima de outras considerações de momento. Por isso, também, é que não tem rebuços em destinar à propaganda 2 mil contos mais do que os 31 mil contos que o Estado transferia aos municípios para a actividade de Promoção Social. É evidente que a liberdade de informar, de ser informado e de acesso à informação é seriamente posto em causa quando o Governo torna-se excessivamente agressivo na sua comunicação com a sociedade. A comunicação social em Cabo Verde é frágil. Os três jornais são semanários e têm residência na capital. A informação radiofónica e televisiva é essencialmente feita através de órgãos públicos. Em tal ambiente, são inevitáveis os estragos quando o governo usa fundos públicos fabulosos para, em programas sofisticados de televisão, passar o seu ponto de vista do impacto das suas políticas, sem qualquer hipótese de competição de outras correntes de opinião. Sofre o pluralismo, inibe-se o cidadão que se sente coagido a seguir as posições do governo e mitiga-se a democracia com a proclamação de que as obras são patrióticas e portanto não sujeitas a críticas. No fim do dia, acaba-se sempre por sacrificar a verdade e em pôr em causa a relação honesta que os governantes devem ter com o País. Puralismo e tolerância andam de mãos juntas. Não há uma sem outra. Enfraquecendo o pluralismo, a intolerância aumenta, a crispação e a violência política atingem outros patamares. Nesta época de Natal que se quer de Paz e de Justiça é fundamental que todos se lembrem do dito: ninguém é inocente mesmo quando se acredita que tudo o que está a ser feito é com a melhor das intenções. Poder corrompe e a única forma de conter os seus nefastos efeitos é através da evolução gradual das instituições, com bem referiu o presidente John Kennedy. Essa evolução só é possível com pluralismo. O próximo ano será do recrudescer da agitação pré-eleitoral, que entrou antes de tempo com o surgimento da crise. Só será um ano proveitoso se se souber manter um ambiente plural gerador de tolerância para aceitar a diversidade de posições e interesses e para escutar diferenças de opinião. Um novo rumo irá ser traçado para o País. É essencial que os cidadãos não se sintam constrangidos na discussão das propostas e em fazer livremente as suas escolhas.
terça-feira, dezembro 29, 2009
quinta-feira, dezembro 17, 2009
Cabo Verde 1989-90: Cai o 1º dominó em Africa
domingo, novembro 29, 2009
Orçamento do Estado 2009 -discurso parlamentar
O Governo através da Sr Ministra de Finanças vem afirmando que o actual Orçamento do Estado é ambicioso e prudente. Na nossa opinião o que lhe falta em ambição sobra-lhe em imprudência. Compreende-se. É um orçamento que quer gerir expectativas e visa a sobrevivência política da actual maioria. Por isso, os fins justificam os meios. Ou como disse o Sr. Primeiro Ministro no ano eleitoral de 2005, é hora da chupeta.
A Sra. Ministra das Finanças compara favoravelmente a taxa de crescimento de Cabo Verde com a taxa de economias maduras com a dos Estados Unidos ou da União Europeia. Aliás com a generalidade dos países, com excepção da China e da Índia.
A falácia nesse raciocínio fica evidente quando se correlaciona taxa de crescimento e emprego. A América com a taxa de crescimento de 4, 5 % aproxima-se do pleno emprego. Enquanto que Cabo Verde com tal crescimento está longe do seu crescimento potencial e convive com desemprego a mais de 22%. Economias maduras crescem essencialmente com base na produtividade e na inovação, enquanto economias em desenvolvimento têm muito ainda a ganhar com a diminuição de custos de transacção e de contexto e com o aumento de eficiência dos seus mercados. Daí a disparidade das taxas de crescimento.
Crescimento está intimamente ligado ao modelo económico adoptado. O Governo insiste numa economia baseada no trinómio CONSUMO, AJUDA e IMPORTAÇÔES. Por isso o crescimento é raso, não se criam empregos suficientes e a pobreza não é reduzida. Com este orçamento, o governo mantém o modelo falhado, mas face à diminuição dos donativos mostra-se disposto a substituir AJUDA com DÍVIDA. Pior emenda que o soneto.
A Sra. Ministra de Finanças diz que os créditos são concessionais e há que os aproveitar. O problema é que só são concessionais na aparência. Têm taxas de juro baixas mas impõem condições custosas: restringem quem pode fazer as obras, onde se pode comprar bens e serviços e em quê se pode aplicar o crédito. Já avisava Adam Smith que “pessoas com a mesma actividade económica quando se encontram, inevitavelmente a conversa termina com uma conspiração contra o público ou então em alguma conivência para aumentar os preços”. Observadores vários põem em mais de trinta por cento o empolamento geral do custo das obras.
Mas há outros custos para o país. Custos a curto, médio e longo prazo. A curto prazo, perde-se no emprego que se podia ter gerado com uma outra gestão e uma outra escolha de prioridades para o uso do crédito. A médio prazo, Cabo Verde perde por não ter aproveitado uma oportunidade de infraestruturação para dar dimensão ao seu sector de construção civil. A longo prazo, sem empresas internacionalizadas e sem um sector de exportação activo, todos perdem com o sufoco das dívidas por pagar e com os custos de infraestruturas de racionalidade económica duvidosa ou marginal.
A Sra. Ministra das Finanças desafiou a Oposição a ir à Internet e ali encontrar imitadores das soluções de estímulo fiscal propostas. O problema é que todos dispensam tal originalidade que só tem sentido no quadro de uma economia com base em consumo, ajuda/dívida e importações. Para quem já viu que tem de crescer, e depressa, e de forma sustentável, o estímulo fiscal tem uma outra lógica. Vai para as empresas que criam emprego e incentiva o desenvolvimento de sectores de exportação de bens e serviços, sem descurar as necessidades dos mais vulneráveis em tempos de dificuldades.
Cabo Verde tem que abandonar o modelo CONSUMO, AJUDA/DÍVIDA e IMPORTAÇÕES e ir por um caminho que privilegie PRODUÇÃO, INOVAÇÃO E EXPORTAÇÕES. É o caminho certo para a solução rápida do emprego. Cabo Verde aprendeu isso quando arrancou com indústrias exportadoras e o desemprego baixou para os 17% em 2000. Recentemente voltou a confirma-lo com o Turismo. Mas como da outra vez a falta de visão deste Governo serviu para enfraquecer o sector exportador levando, primeiro, à perda de milhares de postos de trabalho na indústria e, mesmo antes da crise, à falta de dinâmica no turismo traduzida, designadamente, na baixa taxa de retorno dos turistas
O Orçamento do Estado ora apresentado peca ainda por falta de transparência designadamente no que respeita à relação com o sector empresarial do Estado (Electra, TACV, ASA, IFH) e o nível de risco com poderá incorrer a médio prazo,. A Sr. Ministra de Finanças, por exemplo refere-se a um subsídio de 100 mil contos á TACV como sendo a única intervenção financeira do Estado nessa empresa. Mas pergunta-se o que é o crédito de um milhão e mais de contos que a ASA vem concedendo á TACV, senão um subsídio do Estado disfarçado. Amanhã se a ASA tiver problemas será o Tesouro a acarretar com as consequências.
Como aconteceu aliás com a Electra. A empresa foi descapitalizada subsidiando o preço de energia e agua aos consumidores enquanto o Governo beneficiava das vantagens políticas de não alteração significativa dos preços mesmo após dois ou três aumentos do preço de combustível. O resultado viu-se na saída do parceiro estratégico, nos graves problemas no sector de energia e água que, ainda hoje, se debate com o problema de falta de investimento suficiente para suprir as necessidade do crescimento do país. O Governo há dias referiu-se aos 10 milhões de contos já investidos. A previsão no momento de privatização em 1999 era de 25 milhões contos em 15 anos. É evidente que se está muito aquém do que já se poderia ter feito com uma outra gestão que não a desastrosa feita por este Governo. Os custos disso tudo espalham-se por aí em produtividade perdida por falta de energia e em despesas não previstas na aquisição de grupos de geradores privados.
Concluindo, quero dizer que perante este orçamento e a insistência do Governo em políticas falhadas quem fica sem pernas para andar não são as críticas da oposição mas sim os milhares de caboverdianos no desemprego e que não vêm no trabalho temporário previsto a solução para os seus problemas.
domingo, novembro 08, 2009
A Crise, o Pós Crise e a Nova Atitude
O livro “A Crise, o pós Crise e a Nova atitude” é uma colectânea de textos escritos entre 2007 2 2009. O objectivo pretendido com a sua publicação é de contribuir para o debate sobre o futuro no momento em que ficou claro para todos que o País está a perder a luta contra o desemprego, a meio de omissões várias e de opções erradas. Fala da crise porque a crise marcou o fim de um período. Um período caracterizado pelo crédito fácil e pela expansão rápida do comércio internacional, e , por isso, cheio de oportunidades extraordinárias. O facto de ter chegado ao fim e a as oportunidades não terem sido aproveitadas devidamente obriga a pensar e a procurar saber o que falhou. Como é que num tempo de vacas gordas Cabo Verde não conseguiu diminuir o desemprego e crescer a níveis aceitáveis? . Como é que em vez de desemprego a menos 10%, como prometido no programa de governo de 2006, temos desemprego a mais 22%. Em vez de crescimento económico a dois dígitos, o País anda 5 %. Como é possível que os empreendimentos milionários, anunciados Governo, não se realizaram? O livro quer ser parte do debate necessário neste momento que é de viragem na economia mundial. Em muitos outros países debates similares estão a ser feitos. O mundo pós crise exige uma outra atitude. E é fundamental que se procure saber os contornos da nova atitude . Para daí, se encontrar os ingredientes certos que poderão trazer sucesso na luta contra o desemprego e permitirá o país crescer de forma sustentável e na liberdade. Vê-se pelos textos no livro que a forma de governar terá que mudar para que oportunidades não sejam desperdiçadas. Terá que mudar para que grande parte da população, e particularmente da população jovem, não perca esperança de ter rendimento próprio, derivado do seu trabalho. Terá que mudar para que as ilhas, todas elas, tenham dinâmica económica que lhes garanta voz , estabilidade social e demográfica, e protogonismo cultural para contribuírem para a diversidade na caboverdianidade e neutralizarem a ultracentralização no país. A relação Estado e economia tem que mudar. Governar não pode significar insistir numa relação controleira e parasitária da economia em que, de um lado, o Estado o emperra e, do outro, o Estado sufoca. Os cidadãos, as empresas não podem ficar sujeitos à ineficácia dos serviços do Estado, a começar pela morosidade da justiça. Perde-se, em direitos e em serviços não prestados com qualidade e em tempo útil. Conflitos não são dirimidos, nem direitos de propriedade e direitos contratuais ficam seguros. Quem governa deve assumir em pleno as responsabilidade de governação e sujeitar-se ao escrutínio de todos. E não meter-se num jogo de escondidas quando os problemas surgem ou fica claro as consequências de omissões graves. Quem, por exemplo, se responsabiliza pela não realização até agora de vários empreendimento de peso em S.Vicente. Ou o estado em que se encontra a ilha do Sal quanto ao saneamento, vias de acesso, e segurança ? quem não confrontou o problema das migrações entre as ilhas e não soube responder, em tempo próprio, aos problemas da habitação, de saúde pública, de fricções culturais e tensões inflacionistas? Quem geriu mal o sector de energia e água de obrigando o investidor a incluir nos seus cálculos a os custos do fornecimento instável desses factores? Quem não soube lidar com a imigração de tal forma que, segundo o documento do Governo sobre a Segurança, dos entre 15 a 20 mil imigrantes menos de 2 mil está legal no país e essa imigração é composta por gente sem qualificação profissional? Ouvindo o Governo, a culpa é de todos com excepção dele próprio. É culpa das empresas ,das câmaras e até dos jovens. Já se ouviu que eles não têm emprego é porque não querem. Este estado de coisas já deu no que deu. No excessivo desemprego e no crescimento económico abaixo do potencial. Há que mudar. Outros estão a fazê-lo por que sabem o mundo pós crise será uma realidade completamente diferente. E a prosperidade das nações dependerá de quem melhor souber adaptar-se aos desafios do que vêm aí. Deseja-se que o livro seja uma das muitas contribuições, a vir, espera-se, de todos os quadrantes, para uma assunção plena de uma nova atitude face ao mundo e às exigências de desenvolvimento de Cabo Verde.
sexta-feira, novembro 06, 2009
Ser ou não ser ilha
Ser ilha pode trazer algumas vantagens se a condição insular for traduzida em produtos que vão de encontro aos desejos de paz, sossego e entretenimento dos que a procuram. À partida, porém, é fonte de extraordinárias desvantagens devido à pequenez do território e à população geralmente diminuta. Quando, então, o País é arquipélago, as desvantagens crescem exponencialmente devido á necessidade imperiosa de se investir em cada ilha, repetindo infraestruturas já existentes noutras, como forma de viabilizar a sua ligação com um mundo mais amplo.
As desvantagens são múltiplas e permanentes. As vantagens, pelo contrário, têm que ser identificadas a cada passo e com o olho atento nas tendências evolutivas do mundo global. Janelas de oportunidades devem ser exploradas no momento em que se abrem e agressivamente mantidas as qualidades da ilha que melhor a posicionam para as pôr em bom uso. Uma atitude positiva face ao mundo deve caracterizar o ilhéu, mesmo quando as desvantagens de ser ilha perdida no meio do mar ameaçam esmagá-lo. Não pode sucumbir ao fatalismo, à vitimização e à tentação de se erguer na dependência dos outros. Isso só leva ao assistencialismo não dignificante, ao crescimento das desigualdades, à medida que alguns apropriam-se desproporcionalmente dos fundos disponibilizados no quadro das ajudas, e à fraca atenção dada ao crescimento económico criador do emprego.
A atitude certa deve ser diminuir o impacto das desvantagens. O mundo moderno dos transportes rápidos, das telecomunicações seguras e céleres e da internet como suporte universal de transferência de conteúdos fornece alguns dos meios para isso. Mas é preciso visão estratégica e políticas públicas adequadas para fazer com que actos individuais de expressão e afirmação, conjugados com o esforço de venda de bens e serviços pelas empresas e com o elevado espírito de serviço público das instituições do Estado , resultem numa economia dinâmica, competitiva e articulada com o exterior.
Potenciar as vantagens implica manter os ingredientes essenciais que levam as pessoas a optar por ilhas para férias, para estadias prolongadas ou para residência permanente. Segurança, saúde pública e ambiente sociocultural estimulante, mas sem choque cultural, são dos primeiros ingredientes a ter em consideração. As dificuldades do turismo em Cabo Verde, manifestas na fraca taxa de retorno dos turistas, estão intimamente ligadas às insuficiências que se notam, precisamente, nesses sectores. A insensibilidade das autoridades, face ao que exigia acção decisiva para ultrapassar as dificuldades, já custou muito ao País em oportunidades perdidas.
A falta de comprometimento das autoridades na preservação das vantagens das ilhas voltou a manifestar-se perante mais esta ameaça. Identificado o mosquito do dengue não se desencadeou um esforço nacional, dirigido e efectivo, para o eliminar. Nem se fez o suficiente para controlar a entrada de pessoas contaminadas e evitar que fossem picadas por mosquitos, contribuindo para a propagação da doença. As autoridades omitiram-se mesmo quando a população pressentiu que confrontava algo novo, identificando a doença como sacudim djam bem.. O Governo só viria a despertar quando o número de casos chegou aos milhares, ou seja, quando, provavelmente, a maioria da população da Praia já tinha tido contacto com o vírus. Isso, porque em oito a dez pessoas infectadas, em média, só uma desenvolve a doença.
Publicado pelo jornal A Semana de 6 Novembro de 2009
sexta-feira, outubro 16, 2009
Avançar com a revisão constitucional
O posicionamento do CSMJ mostra-se necessário porque, não obstante a Constituição ter criado, dez anos atrás, o Tribunal Constitucional e instituído o princípio do concurso para o preenchimento das vagas no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), tudo continua como antes. A não definição de um horizonte temporal para implementação das normas constitucionais deu azo a que se assistisse, durante toda esta década, à politização permanente da questão, resultando na situação actual. Ainda hoje, o País não está dotado de um tribunal constitucional. Os juízes da única instância de recurso judicial, administrativo, fiscal, aduaneiro e militar continuam a ser designados por órgãos de poder político. A reforma do sistema de justiça continua emperrada porque as forças políticas não chegam a acordo em como, e quando, materializar as alterações do sistema, estabelecidas na revisão constitucional de Novembro de 1999.
O último episódio deste drama político iniciou-se há um ano atrás quando o partido no Governo, sem adequada consulta prévia dos outros partidos e recusando contactos ao mais alto, tentou impor legislação que consolidaria um sistema híbrido na justiça caboverdiana. Segundo a proposta de lei do Governo, um dos juízes do Supremo Tribunal Judicial seria designado pelo Presidente da República, e não através de concurso público. A recusa da Oposição em validar tal proposta mostrou a urgência de se proceder a uma revisão da Constituição. Revelava-se imperativo eliminar a alínea l) do nº 1 do art. 134º da Constituição da República que confere ao PR o poder de nomear um juiz do Supremo Tribunal
Desencadeado o processo de revisão constitucional, os três projectos de revisão apresentados por deputados das duas bancadas parlamentares convergiram na supressão do referido artigo, sem que tenha havido qualquer negociação prévia. Um consenso sobre o obstáculo maior à reforma de justiça ficou assim estabelecido logo após a entrada do último projecto de revisão. É só ver o artigo 10º, o n º1 do artigo 23º e o nº 2 do art. 23º respectivamente, e em ordem de entrada, dos projectos de revisão do deputado Humberto Cardoso (MpD), do projecto de 21 deputados do PAICV e do projecto de 18 deputados do MpD. A questão que se pode colocar é porque ainda não se foi avante com a revisão constitucional para ultrapassar esse obstáculo e, na sequência, prosseguir com as reformas do sector.
Analisando as iniciativas políticas, que se sucederam a partir de não aprovação do pacote de Justiça, nota-se a repetição do mesmo padrão de comportamento que, nestes últimos dez anos, manteve o status quo actual. O início do processo de revisão constitucional a 10 de Novembro de 2008 não impediu o Governo de, duas semanas depois, propor de urgência e fazer aprovar com a sua maioria o alargamento do Supremo Tribunal de Justiça. Apesar das justificações apresentadas, mostrou-se, posteriormente, que não era a eficácia da justiça, que poderia resultar do aumento do número de juízes, o móbil principal da iniciativa. No Relatório sobre a Situação da Justiça de 2009 lê-se que o aumento de juízes “sequer foi acompanhada da alocação de meios financeiros necessários à aquisição de mobiliários e equipamentos para os gabinetes dos dois novos Juízes Conselheiros”.
O que o Governo pretendia era renovar o STJ no modelo antigo, em que o Presidente da República e a Assembleia Nacional designavam juízes, e insuflar-lhe mais cinco anos de vida. E é o que veio a acontecer quando, em Janeiro de 2009, conseguiu o apoio da então liderança do MpD, na base da promessa de um mandato limitado para o novo STJ. Mandato esse, porém, que só poderia ser limitado em sede de revisão constitucional. Revisão, que ainda está por acontecer, cujo processo é interrompido periodicamente por acusações, num jogo em que o MpD não dá mostras de ganhar.
O processo de revisão constitucional, que poderia levar à supressão dos principais obstáculos à reforma de justiça, até porque já nos projectos iniciais era claro que havia o entendimento de base para isso, foi posto nas mãos de uma comissão eventual. Composto por deputados do PAICV, por deputados do MpD e o pelo deputado da UCID, sem que este tivesse apresentado qualquer projecto, a comissão partidarizou em extremo os seus procedimentos. As acusações periódicas, o posicionamento público permanente sobre as questões mais delicadas, a rejeição da discussão de questões de regime também abertas em projecto de revisão apresentado, levou a que os seus trabalhos resultassem num impasse.
A constituição dá aos deputados o poder de apresentação de projectos de revisão, com exclusão do Governo e dos Grupos Parlamentares precisamente para evitar que o processo seja completamente sequestrado pela lógica partidária. Por isso, quando não se seguem os procedimentos certos, quando não se deixa imbuir do espírito que imana do processo e que o distingue de outros actos legiferantes o caminho fica aberto para a barganha partidária ou mesmo intra-partidária.
O facto dos dois grandes partidos se encontrarem em ano de eleição de líderes e de definição de estratégias para o futuro não facilita entendimentos ao nível constitucional. Há naturalmente uma turbulência interna que dificulta o traçar de posições claras. Por isso não estranha que não se chegue a compromissos certos em muita matéria. Ou que compromissos, aparentemente já assentes, sejam postos em causa no dia seguinte.
Não admira, pois, que, em tal ambiente de definições políticas futuras, uma matéria como é a supressão do poder do Presidente da República em nomear um juiz do Supremo Tribunal de Justiça não sejam apanhada no torvelinho das sensibilidades intra-partidárias. E que isso constitua um obstáculo para se fazer a revisão mesmo que publicamente se apresentam outras razões.
É claro para todos que a eleição de José Maria Neves com o apoio ostensivo de quem já mostrou comandar votos dos militantes, pelo menos na Praia, não parece ter aquietado as sensibilidades. Pelo contrário. Manifestam-se em frentes como remodelação ministerial, candidato presidencial e, ainda privadamente, na questão da composição dos órgãos a sair do congresso. E tudo leva a crer que também o descarrilamento periódico dos trabalhos da comissão eventual traduz essas tensões internas.
No actual momento de redefinição das forças políticas, poderia, talvez, ser vantajoso para todos avançar com a revisão constitucional pela razão por que se justificou, em primeiro lugar, o arranque do processo: Supressão da alínea l) do n.1 do artigo 134 da Constituição. Outras questões também importantes podem esperar um aprofundamento do debate nacional e a aproximação de posições necessária e, eventualmente, serem consideradas numa revisão extraordinária. O MpD e o PAICV têm conjuntamente deputados suficientes, mais de quatro quintos dos deputados, para, a qualquer momento, dar à Assembleia Nacional poderes extraordinários de revisão.
Em relação às leis de Justiça, a revisão constitucional mínima retiraria o impedimento estrutural. Ficaria espaço para as duas bancadas negociarem os entendimentos necessários para criação, ou não, de tribunais de relação, para o reforço da inspecção judicial e para uma maior autonomia administrativa e financeira do sector judicial. O consenso essencial existe. Falta agir em consequência e não procurar justificativas para não o fazer.
Publicado pelo jornal A Semana de 16 De Outubro de 2009
sexta-feira, outubro 02, 2009
Seriedade nas respostas
Publicado pelo jornal A Semana de 2 de Outubro de 2009
segunda-feira, agosto 03, 2009
Estado da Nação 2009
A transformação de Cabo Verde, apregoada pelo Governo do PAICV, falhou. O crescimento económico de dois dígitos não foi atingido. O desemprego nunca baixou ao nível do ano 2000. Muito menos chegou ao nível de um dígito prometido pelo Governo. A culpa não é da crise. O Governo foi imprevidente enquanto durou o tempo das vacas gordas. O rei vai nu apesar das vestimentas virtuais tecidas pela propaganda e pela manipulação despudorada da televisão estatal. Questionado sobre o desemprego o Sr. Primeiro-Ministro desculpa-se dizendo que é estrutural. Isso é confissão de fracasso. O estrutural não é fatalismo. Resulta de políticas e muda com políticas certas. A China, a India e o Brasil alteraram o estrutural, e os resultados vêem-se no crescimento e na diminuição efectiva do desemprego e da pobreza.
terça-feira, junho 23, 2009
Faz de Conta
Os resultados das eleições europeias de há duas semanas, dando vitória aos partidos do centro direita na generalidade dos países da União Europeia, diminuíram consideravelmente o entusiasmo dos sectores da esquerda. Aparentemente, a descrença das populações no mercado não se verificou, nem as pessoas mostram-se dispostas a conceder, de forma permanente, meios excessivos de intervenção ao Estado, sob que pretexto for. Sondagens feitas nos Estados Unidos, citadas pelo colunista do New York Times David Brooks, em Maio último, confirmam o mesmo sentimento. Os americanos não se deixam embalar pelo Estado, mesmo face aos benefícios do pacote de mais de 700 biliões de dólares aprovado por Obama. Nem se deixam levar pelo populismo na crítica ás práticas da classe empresarial que estiveram na origem da crise. E, muito menos, perdem o sentido da responsabilidade individual em contribuir para a prosperidade pessoal e familiar.
Em Cabo Verde o debate Estado versus mercado, finanças públicas versus economia, interesse público versus interesse privado ganhou um outro ímpeto, na sequência de posicionamentos públicos de empresários nacionais mais afectados pela crise internacional e das respostas que obtiveram do Governo. Os empresários confirmaram a quebra no crescimento económico particularmente nos pontos do País mais ligados à economia mundial e os seus efeitos tanto para as empresas como para as pessoas que, em cada vez maior número, se vêem sem emprego e sem fontes alternativas de rendimento. O Governo respondeu declarando que no momento, fundamental é a garantia de tranquilidade por parte do Estado. Segundo o Sr. Primeiro Ministro, em entrevista a Orlando Rodrigues (13/6/09), para que todos os funcionários possam receber no fim do mês, para que possamos fazer todas as transferências, para que o Estado possa assumir todos os seus compromissos.
Duas perspectivas do País sobressaem dessa troca de conversa. Numa fala-se de empresas enquanto entidades essenciais á criação de riqueza e que no processo transformam poupança em capital, garantem rendimento aos seus empregados e criam mais valia, que podem reinvestir, ampliando o emprego e aumentando a produção nacional e as exportações. O Estado nessa perspectiva depende dos impostos sobre os rendimentos das pessoas e das empresas e das receitas do IVA, o imposto sobre a actividade económica. Noutra perspectiva o Estado coloca-se acima da actividade económica, alimenta-se dela quando pode mas não tem um interesse fundamental na sua dinâmica. O foco do interesse do Estado são os fluxos de financiamento externos como doações, empréstimos concessionais, ajuda orçamental e linhas de crédito especiais Com tais fluxos o Governo consegue alimentar o sistema no qual as populações mantêm-se subordinadas ao Estado, a classe média e empresarial fica dependente de favores e acessos privilegiados e faz-se política com a gratidão compelida nas pessoas pelas realizações feitas.
Face à situação concreta que se vive na Ilha do Sal de quebra de crescimento económico, do aumento do desemprego e do recrudescer dos problemas sociais e de segurança, a reacção do PM na entrevista citada é de, afirmar que os compromissos com a ilha “estão a ser rigorosamente atendidos”. E cita a questão dos terrenos e dos registos. Para logo depois remeter as outras questões para uma Sociedade de Desenvolvimento Turístico Integrado a criar, adiantando, entrementes, que não há “património para viabilizar esta sociedade”.
Na prática está-se de facto a confessar que não há resposta concertada para a crise económica em Cabo Verde. E isso sente-se nas ilhas mais expostas à economia mundial e onde a presença do Estado e das suas ramificações é menos concentrada. Mais, a ausência de resposta não resulta simplesmente de falta de meios. Muita vezes é uma questão de prioridades. Prioridades que não económicas mas sim politicamente determinadas. Por exemplo, em termos de construção de estradas há algo mais prioritário do que o acesso aos hotéis na ilha do Sal?
Ou então é “o faz de conta” ? Proclama-se o Turismo como motor da economia. Afirma-se mesmo que Cabo Verde está na moda. E fica-se por aí?!
Não se dá uma resposta efectiva ao problema de Segurança nas ilhas de vocação turística. Não se desenvolve uma política de imigração nem se cria um quadro de suporte a migrações internas. Ignora-se o problema habitacional criando problemas sociais graves e aumentando o custo de vida com implicações directas na competividade geral do destino turístico. Não se perspectiva uma política de saúde para o futuro que contemple e concilie as necessidades da população das ilhas com as dos residentes e visitantes que se pretende atrair. Os objectivos da educação e da formação profissional, no essencial, mantêm-se divorciados da actividade económica considerada estratégica.
Pelo contrário, paralisam-se projectos em S.Vicente e noutras ilhas em disputas de propriedade de terrenos com câmaras municipais e privados. Constrange-se fortemente a construção civil, em plena crise, com medidas de limitação de registo de terrenos só ultrapassadas há três semanas atrás, e em parte, por um decreto lei do Governo. Dá-se prioridade à construção de certas infraestruturas em detrimento de outras com impacto económico imediato. Por exemplo, em S.Vicente, avança-se com a estrada Baía Calhau abrindo uma zona virgem da ilha e adia-se não se sabe para quando o sistema rodoviário que do aeroporto e contornando a cidade do Mindelo deve servir os projectos, por implementar, de Salamansa, Baia das Gatas, Flamengo, Calheta, Palha Carga e Calhau. Mesmo o aeroporto, que deveria ser sido factor de aceleração dos projectos, só vai funcionar já em plena crise e sem um número significativo de quartos construídos na ilha.
“O faz de conta” do governo em relação à economia nacional não é de hoje. Dá nomes sonantes aos ministérios e deixa morrer, por razões essencialmente ideológicas, o esforço já realizado na atracção de indústrias para a exportação, com custos em milhares de postos de trabalho. Confrontado com dois programas americanos, o AGOA e o MCA, ignora basicamente o AGOA que pressupõe a atracção de investimentos, constituição de empresas, criação de postos de trabalho e exportações para o mercado americano, mas abraça entusiasticamente o MCA, um programa de ajuda pública.
Não intervém de forma compreensiva na contenção e diminuição dos custos de transacção derivados das relações com a administração pública e empresas públicas. Deixa ao mercado livre sectores cruciais como os transportes marítimos inter ilhas não obstante as permanentes falhas de mercado e a não consecução do objectivo de unificação do mercado nacional. Escuda-se atrás da prestação do serviço mínimo para algumas ilhas como se tal serviço, de cariz essencialmente social, substituísse medidas de política económica.
Mostra-se incapaz de utilizar os investimentos públicos e a compra de bens e serviços dos organismos do Estado para dar suporte a uma política de densificação do tecido empresarial do país. A relação mínima entre os investimentos nas infraestruturas e as empresas nacional exemplifica essa falta de sensibilidade. No mesmo sentido vai o fraco aproveitamento que o sector privado caboverdiano nos ICT fez dos muitos milhares de contos de investimento público na governação electrónica. Mesmo quando há investimento directo estrangeiro não há um esforço de criação de um ambiente próprio para o surgimento de clusters ou empresas conexas via um quadro de incentivos adequados e a regulação de actividades económicas.
Das empresas porém espera, muitas vezes, um comportamento de conformação às suas necessidades políticas de momento. Ilustra isso o braço de ferro que o Governo fez com a ELECTRA e com outras empresas, designadamente as de transporte, para as obrigar a absorver os custos dos aumentos sucessivos dos combustíveis e não os passar aos consumidores, evitando ónus político ao Governo. Sabe-se hoje as consequências desse tipo de pressão na Electra: os investimentos não realizados, os enormes custos suportados pelos consumidores, o fim da parceria estratégica e ainda a falta de um plano coerente e previsível de investimento em energia e água.
Tácticas diversas são usadas para pôr pressão sobre as empresas e conseguir delas a aquiescência aos interesses do momento do Governo. Interesses esses que, diferentemente do que o PM diz na entrevista citada, nem sempre coincidem com o interesse público, designadamente quando se trata de ganho político imediato. O efeito geral dessas tácticas é perda da eficiência e da competitividade das empresas.
Uma dessas tácticas é o recurso ao discurso populista e à retórica anti capitalista. Os tempos de crise mostram-se propícios a isso. Assim acusam-se os empresários de defenderem interesses particulares como se por definição não o fossem. Cabe ao Estado, orientado pelo Governo, criar o ambiente adequado para que a prossecução do interesse particular resulte no interesse público. Mas quando o governo procura ganho político imediato o que parece a defender é o interesse particular do partido que o sustenta E isso, de facto, é que não cabe na ética republicana, a que todos os sujeitos públicos estão obrigados.
Mas acusa-se os empresários para se poder desresponsabilizar perante o que pode vir a acontecer às empresas. Mas as empresas não simplesmente os empresários. São também gente empregada, são expectativa de rendimentos para as famílias e esperança para os à procura de trabalho. Defender o interesse público não pode ser simplesmente garantir os vencimentos dos funcionários. È também assegurar-se do ambiente próprio para o desenvolvimento empresarial do país. Da actividade das empresas é que deve vir a o essencial da riqueza que proporcionará os meios para que o Estado pague os seus agentes e desempenhe o papel que todos dele esperam designadamente na segurança, na administração da justiça, na redistribuição de rendimentos, na saúde e na educação.
O que menos Cabo Verde precisa neste momento é de um simulacro de luta classes que intimide os empresários e convide ao conformismo. Depois das oportunidades perdidas ou mal aproveitadas, o mínimo que se exige é que o país ganhe consciência dos reais desafios que enfrenta. E aí o Governo tem uma especial responsabilidade. Espera-se que deixe “o faz de conta” na construção da economia nacional e não se deixe levar só pelas facilidades que conjunturalmente uns e outros vão oferecendo ao País.
Publicado pelo jornal A Semana de 23 de Junho de 2009
domingo, maio 24, 2009
Malefícios da gratidão política
A Africa está repleto de exemplos de como a utilização da política de gratidão pelos protagonistas da independência tem sido desastrosa. Exigir gratidão foi a via encontrada para se arrogar o direito ao exercício do Poder com exclusão de todos. Com isso dividiu-se a sociedade e legitimaram-se tácticas políticas de exploração de diferenças étnicas, linguísticas e religiosas. Construíram-se cumplicidades continentais para garantir o reconhecimento do direito dos heróis da luta anti colonial ao Poder nos seus países.
Subsequentemente o controle dos recursos naturais e da ajuda externa serviu para perpetuar a exploração do sentimento de gratidão das populações. No sistema rentista instituído, governar passou a significar dar prendas às pessoas, realizar sonhos das populações, e contemplar grupos seleccionados com acesso a recursos ou a oportunidades. Actos do governo transformaram-se em rituais diários de demonstração da generosidade dos governantes e de manifestações de gratidão das populações, altamente mediatizados via comunicação social, em especial a televisão.
As consequências vêem-se na história pós independência da generalidade dos países africanos: Guerra civil, golpes de Estado e atraso económico indiscutível, particularmente quando comparados com a Coreia do Sul e Singapura, países que nos primórdios da independência, tinham o mesmo rendimento per capita do Gana e da Nigéria. Onde, então, houve luta armada anti colonial a política de gratidão resultou, quase sempre, em guerra civil. Zimbabwe, Moçambique e Angola são casos paradigmátios.
A turbulência política na Guiné Bissau é o exemplo mais recente e notório da verdade nas palavras de John Adams. Trava-se aí uma variante da guerra civil. De uma primeira fase de eliminação de potenciais ou imaginários adversários com o massacre dos antigos comandos africanos e outras figuras guineenses, o PAIGC entrou em intermináveis conflitos internos que dilaceraram o país. O culto de gratidão pelos combatentes da independência pôs o destino da Guiné nas mãos deles e tem justificado a sua permanência no Poder, não obstante a desgovernação de décadas a que sujeitaram o País. O resultado é que hoje, segundo Aristides Gomes, antigo primeiro-ministro, citado pelo Público de 9/6/2009, “os políticos dependem de tal forma do apoio de facções poderosas nas forças armadas que o país se tornou impossível de governar. As forças armadas não são mais um exército no verdadeiro sentido do termo, mas uma mescla de várias milícias”.
Nelson Mandela destaca-se de todas as manifestações despudoradas de ganância de Poder em Africa. Figura central da luta anti-apartheid na Africa do Sul não se candidatou para mais um mandato após realizar o seu desígnio de construção de uma democracia multi-étnica, multiracial e multicultural. O seu gesto teve significado similar ao do general George Washington que se retirou para a vida civil logo que terminou a guerra da independência. O mesmo George Washington que, mais tarde, chamado a servir a jovem república como presidente, retirou-se ao fim do segundo mandato, para que a voz do povo nas urnas tivesse expressão mais distinta e clara, criando o precedente de dois mandatos universalmente referenciado.
Robert Mugabe, pelo contrário, é o exemplo acabado de como um herói da guerra da independência se sente no direito de até destruir o país, se o seu poder for questionado. Logo após a independência, procedeu ao aniquilamento de rivais do ZAPU, também combatentes da independência. Posteriormente desferiu ataques contra a minoria branca destruindo a economia do país no processo. O espectáculo do Zimbabwe, um país outrora dos mais prósperos na região, a ser engolido pela hiperinflação, é elucidativo do que acontece quando reina o despotismo de quem reivindica eterna gratidão pelos seus feitos no passado.
O mais complicado é a complacência generalizada em relação aos actos destrutivos de Mugabe. Demonstra o quão muitos se revêem na política de gratidão. E como as narrativas de vitimação, do esclavagismo e do colonialismo são instrumentais para a manutenção do Poder em Africa.
Cumplicidades extraordinárias são forjadas no esforço permanente de controlo da memória pública dos acontecimentos históricos. A exaltação da luta pela independência e dos seus protagonistas ou heróis caminha lado com uma leitura oficial e unidimensional da história que a justifica. Por isso, gera permanentes divisões na sociedade e insiste que o presente seja sempre visto com os olhos do passado. O País vê-se roubado de coesão social, capacidade de governança e perspectiva do presente e futuro para que se eternize o poder dos que se fazem proclamar “melhores filhos”.
Causa alguma estranheza a cumplicidade das antigas potenciais coloniais na manutenção de narrativas independentistas. E a deferência demonstrada em relação aos seus protagonistas oficiais. Talvez resultado de interesses económicos, de complexos de culpa ou, ainda, de resquícios de paternalismo. Em todos os casos, só os ajudam no controlo da memória pública e, por essa via, a munirem-se dos meios de manutenção no governo ou de regresso ao Poder.
Mesmo em situações extremas como as da Guiné-Bissau, em que se assiste à implosão progressiva do país e a sua transformação num Estado falhado, não se vai ao fundo do problema. Deixa-se ficar pelas recomendações de sempre: eleições urgentes e criação de forças de interposição. Insiste-se mesmo que eleições presidenciais continuem marcadas para o dia 28 de Junho, não obstante o assassinato recente de um candidato presidencial e de um deputado proeminente. Espera-se que a realização das eleições restaure a ordem constitucional. Como se isso fosse possível, tendo em conta a ausência do controlo civil das forças armadas e de garantias de segurança e, também, a falta do esclarecimento completo dos assassinatos do Presidente da República e do Chefe de Estado Maior.
O PAIGC tem mais de dois terços dos deputados desde das eleições de Novembro de 2008. Vê-se que o país continua nas suas mãos, mas a Guiné continua sem segurança, sem governo e sem perspectivas de desenvolvimento. O Presidente Obama no seu discurso de Cairo de 4 de Junho deixou claro que “só eleições não fazem uma democracia de verdade”. É preciso, segundo ele, “manter o poder por meio de consentimento, não de coerção; é preciso respeitar os direitos das minorias e participar com espírito de tolerância e compromisso; é preciso colocar os interesses do povo e os trabalhos legítimos do processo político acima do partido”.
Em Cabo Verde, os acontecimentos na Guiné são vistos num misto de pena e ansiedade. Pena porque se trata de destruição progressiva de um país próximo, que em muitos caboverdianos, por uma razão ou outra, traz boas recordações. Ansiedade porque sempre que a Guiné está na berlinda põe-se o problema da real herança histórica do PAIGC. Do que ele foi, o que fez e em quê se transformou. E assim é, porque, também em Cabo Verde, há uma pressão constante no sentido do controlo da memória pública.
Não houve luta armada em Cabo Verde mas instalou-se um regime de partido único na base de uma legitimidade, adquirida na guerra na Guiné. Os líderes sentiam-se justificados na gratidão que o povo lhes devia pela independência alcançada e por terem vertido sangue e demonstrado livre de interesses próprios. O problema nesta construção ideológica é que se tratava de história contada, não de história vivida nas ilhas. O controlo dos elementos da narrativa teria que ser o mais estrito possível para evitar contradições, incoerências e revelações demolidoras. Daí a “dança” com a Guiné.
É ali que tudo se tinha passado. Dali é que vinha a legitimidade, mas também podia vir elementos destrutivos. Manteve-se durante cinco anos a ilusão da Unidade Guiné-Cabo Verde contra toda a evidência da violenta interna do PAIGC, demonstrada na morte de Cabral. Convinha aos desígnios do Poder em Cabo Verde. Hoje esforça-se por determinar uma data para o descalabro da Guiné, para evitar que a verdade contamine quem ainda reivindica o legado da luta de libertação. Por isso, uns dizem que foi depois do golpe contra Nino, outros garantem que foi com o Nino, outros ainda vão ao tempo do Luís Cabral e às valas comuns. A realidade é que conflitos dentro do PAIGC e as formas sumárias de os resolver vêm de longe, do Congresso de Cassacá em 1964, como testemunha Amílcar Cabral na obra “Palavras de Ordem”. Depois da independência, essa cultura política foi simplesmente extrapolada para o país todo, no quadro do partido-estado.
A preocupação com o controlo da memória pública, após quase duas décadas de democracia e de legitimação do exercício do Poder pelo voto livremente expresso, demonstra que políticas de gratidão estão vivas e activas na sociedade caboverdiana. Há, certamente, quem quer alavancar as suas chances políticas, cobrando dívidas de gratidão por factos passados, favores prestados e benesses dispensadas.
Não é estranho a isso a insistência num nacionalismo que se sustenta mais de lutas de fora do que de vivências de dentro, que vive mais do passado do que dos desafios do presente e que mais desune do que une. Também não é estranho que se inculque um sistema de referência onde governos são valorizados pelo volume de ajuda angariada, a governação fica, muitas vezes, por grandes gestos sem consequência e a dependência das pessoas é activamente alimentada pelo Estado. Como também não é estranho que se mantenha o timbre fortemente partidarizado da acção do Estado, a comunicação social pública dentro da narrativa libertária e a Educação sob controlo ideológico, actualmente até com inputs directos do Primeiro Ministro para crianças e adolescentes, em aulas especialmente fabricadas.
Rejeitar a cultura política que elege dívidas de gratidão como sustentáculo da actividade política é fundamental para a Liberdade, para a contínua institucionalização do país em direcção ao ideal da boa governança e para que Cabo Verde deixe de se mirar no passado e projecte o futuro, realçando os valores do mérito, da criatividade e da capacidade de execução e inovação.
Publicado pelo jornal A Semana de 22 de Maio de 2009
sexta-feira, maio 08, 2009
Emprego, o mercado e o futuro
E isso não se esconde com o frenesim habitual de membros do Governo a se espalharem pelas ilhas a falar de formação profissional e empreendedorismo e a prometer a construção de centros de formação. Formação profissional é útil para responder ás necessidades do mercado em trabalhadores qualificados. Por si mesmo não cria emprego. Pode tornar as pessoas empregáveis. Mas isso, se houver procura, ou seja, se houver crescimento da economia, se os mercados estiverem organizados e se o exercício da profissão for regulado de modo a evitar informalidade no acesso ao trabalho.
Crescimento económico não aconteceu nas taxas que podiam contribuir para debelar significativamente o desemprego. Com a crise, o investimento público, focalizado em infraestruturas, não se tem revelado capaz de arrastar o resto da economia e manter o ritmo de crescimento. Consequências disso são visíveis ao nível do emprego e do rendimento das pessoas mas também das receitas do Estado, como bem disse a Sra. Ministra das Finanças.
A unificação do mercado nacional que, num país arquipélago e de pequena população, poderia trazer um factor de escala para alguma produção nacional não atingiu níveis desejados. S. Antão continua cortada do resto do país por causa dos milpés, Brava e Maio estão praticamente isoladas e as comunicações entre as outras ilhas sofrem os efeitos da precariedade das ligações, inadequação dos barcos e constrangimentos vários ao nível dos portos e serviços neles prestados. O Governo insistiu na construção de rede de estradas nas ilhas e descurou as “auto-estradas” entre as ilhas, as linhas marítimas. Sem movimento garantido inter ilhas fica-se muito aquém de retirar os benefícios possíveis da construção das estradas. A estrada Porto Novo Janela, por exemplo, compreende-se em grande parte se houver um esforço redobrado de unificação económica de S.Vicente e S Antão que gere mais circulação de pessoas e bens.
A organização do mercado pressupõe que se reconheça, designadamente, onde é capaz de funcionar em pleno, onde é imperfeito, onde se deve condicionar a entrada de operadores e onde não é possível substituir a presença do Estado. E, também, que se aja em consequência.
As ligações marítimas inter ilhas são claramente um sector que não pode ser deixado unicamente nas mãos do sector privado. A exemplos de outros espaços arquipelágicos como os Açores onde se subsidia o transporte marítimo, o Governo de Cabo Verde deve ter respostas à altura. Subsídio, concessões, licenças ou intervenção directa, devem ser considerados com vista à unificação do mercado interno como forma de potenciar a produção nacional .
Subsídios têm sido estigmatizados, muitas vezes sob pressão do FMI, devido a preocupações legítimas com o possível impacto orçamental no presente e no futuro. Não se tem, talvez, em devida conta os ganhos derivados do efeito multiplicador na economia que, a verificarem-se, diminuem o risco orçamental.
O resultado é que ligações como as que ligam Praia ao Maio e Brava ao Fogo não gozam de um contrato próprio incluindo subsídios. Contrato esse que ao estabelecer frequência certa do barco, ou seja criar previsibilidade na ligação, abre o caminho para o crescimento progressivo do movimento de carga e passageiros nos dois sentidos e consequente aumento do emprego e produção na ilha. O subsídio inicial para cobrir a diferença entre o custos e as receitas derivadas de carga e passageiros, tende a diminuir com o crescimento do tráfico. E, a prazo, a terminar mesmo, com a viabilização da rota. Mais arriscado parece é a insistência do Governo em soluções que comprometem o Estado com subsídios sem serviço imediato, Cartas de Conforto na emissão de obrigações, sem o aparente suporte de activos, e presença problemática do Primeiro Ministro em OPOs (Oferta Pública de Obrigações) de empresas privadas.
A ajuntar-se à falta de visão na organização do mercado nacional, vêm as omissões na regulação. Um dos exemplos mais gritantes é a produção e distribuição do grogue. Mesmo os efeitos desastrosos do elevado alcoolismo em todo o País, particularmente no mundo rural e entre os jovens não levam as autoridades a ter uma posição forte e corajosa.
O País não tem cana sacarina suficiente para produzir os muitos hectolitros de grogue consumidos anualmente. A diferença entre a oferta e a procura é coberta por mistelas diversas destiladas livremente, sem obviamente qualquer controle de qualidade e de nível de toxicidade. O resultado é que o “mau” grogue acaba por deslocar o “bom” grogue de cana, deprimindo os preços, arruinando os proprietários de cana ou forçando-os a juntarem-se à produção ilegal. A desconfiança generalizada em relação ao Grogue faz o produto perder mercado tanto no país, entre as classes mais abastadas e no mercado do turismo, como não consegue atingir o seu potencial enquanto produto de exportação para o mercado étnico das comunidades na América e na Europa. Perdem os proprietários, perde o Estado com a produção ilegal, não tributada, e perdem os exportadores.
A distribuição não regulada, por outro lado, tem consequências sociais graves pelo impacto directo nas famílias, na produtividade do trabalho, nos custos das estruturas de saúde e nas demandas feitas ao sistema de segurança para pôr cobro aos tumultos causados pelo uso excessivo do álcool. Fica evidente que aceitar-se que se venda, em todo o lado, cálices de grogue por 10 escudos, ou que se deixe generalizar misturas adocicadas para disfarçar o mau gosto do grogue e atrair jovens mulheres a bebidas fortes, não traz quaisquer ganhos ao País. Em vez de criar trabalho e gerar divisas com exportações, a produção do Grogue destrói pessoas, compromete a produtividade nacional e onera o Estado. É tempo de se agir inteligentemente, mas resolutamente, para regular o sector e pôr cobro ao problema.
A intervenção qualificada do Estado num economia pequena e insular como a caboverdiana pode ser um factor importante de crescimento. Desde logo pelo facto da própria presença do Estado através dos salários pagos, serviços prestados, bens e serviços comprados, fluxo de pessoas induzidos e eventos criados afectar tudo à sua volta. Modular o impacto do Estado de forma a que, designadamente, favoreça a concorrência entre empresas, contribua para uma maior qualidade nos produtos e serviços prestados, e incentive a emergência e desenvolvimento de novos mercados deve constituir uma parte importante das medidas de política económica do Estado. As opções de descentralização, o modelo de aprovisionamento de bens e serviços, as formas adoptadas na prestação dos serviços do Estado e mesmo a organizações de eventos públicos devem ter em devida consideração o peso e a influência que a acção do Estado poderá ter nas pequenas economias das ilhas, para melhor as potenciar.
O sector energético é um sector a pedir uma intervenção qualificada do Estado. Uma intervenção que vá além da simples procura de financiamento para formas convencionais de produção de energia e água. Ou fique por acções, também financiadas do exterior, como é caso das entregas mediatizadas de lâmpadas de baixo consumo.
Onde estão as outras medidas de promoção da poupança nos consumidores? Se a tendência do futuro – futuro que já foi o presente poucos meses atrás no preço de petróleo a 145 dólares - é do aumento do preço dos combustíveis fósseis sob o impulso da procura, como ficar pela actual política de preços de combustível? O objectivo parece ser, tão somente, proteger o orçamento do Estado de choques futuros. Quando o que importa, agora e no futuro, é modelar comportamentos dos consumidores, consentâneos com a inevitabilidade do aumento dos combustíveis, logo que a economia mundial saia da recessão actual.
Por outro lado, como não criar possibilidades de emprego com novos mercados criados pela regulação do sector energético. Uma decisão, por exemplo, de favorecimento de colectores solares térmicos para a produção de água quente para hotéis, blocos de apartamentos e outros edifícios em detrimento de termoacumuladores eléctricos criaria espaço para o surgimento de empresas de montagem, instalação e manutenção dos colectores. Ganhar-se ia em novos empregos e na poupança de energia com proveito directo para os consumidores, para os fornecedores de energia e para a balança de pagamentos do País. No mesmo sentido ir-se ia com acções de política dirigidas para instituir a certificação energética dos edifícios.
A grande oportunidade que poderá abrir-se ao País está num comprometimento forte, sério e abrangente no domínio dos biocombustíveis, particularmente do biodiesel a partir da purgueira. A purgueira, jatropha curcas, é uma planta decididamente adaptada em Cabo Verde cujo óleo já fez parte da economia das ilhas como produto de consumo local e de exportação. Das plantas oleaginosas é a que mais se pode retirar óleo: até 40% da sua massa. Depois de um processo de refinação que é fundamentalmente de transesterificação, o óleo resulta em biodiesel e glicerina. O biodiesel pode ser misturado com o diesel num blend a diferentes percentagens. Na Nova Zelândia, em Fevereio deste ano, fez-se mesmo a experiência de misturar 50-50 o biodiesel da purgueira com o Jet Fuel para operar um dos reatores de um Boeing 747-400.
Com uma capacidade de produção por colheita e por hectare de cerca de 1800 litros de óleo, a purgueira a pode ser a cash crop que o mundo rural caboverdiano, há muito tempo, procura. Dá-se muito bem em zonas semi-áridas e de terrenos marginais e não compete com as plantas alimentares. Importa neste momento é que se crie um mercado para o óleo da purgueira.
E isso faz-se definindo por lei a percentagem do diesel em Cabo Verde que deverá ser biodiesel. A exemplo da Directiva da União Europeia de 2003 que aponta para uma percentagem de biodiesel de 5.75 % na Europa até 2010 e de leis noutros países que estipulam percentagens muito mais elevadas de 20%. Com isso, grandes ganhos podem ser vislumbrados: ganho para os agricultores e para a população rural; ganho para o país porque haveria menos importações de combustíveis fósseis; ganho para o ambiente com um combustível menos poluente. Ganhos futuros em vendas de crédito de carbono.
Acordos público-privado do género do que foi assinado na semana passada com a GeoCapital denota o interesse dos poderes públicos. Mas há que agir de forma decidida para criar espaço para o biodiesel, a partir do óleo da purgueira, no mercado global do diesel em Cabo Verde, avaliado em mais de 96 mil toneladas e um total de 11 milhões de contos.
No mundo globalizado de hoje ganhos importantes vão para quem consegue ver as tendências a emergir e posicionar-se para as explorar. Os empregos novos assim criados têm maior possibilidade de sustentabilidade a prazo. Para o País, saber antever o futuro e adaptar-se rapidamente ás suas exigências pode ser a fórmula ganhadora. Nessa perspectiva, mais do que talvez a formação profissional , uma grande qualidade no ensino das ciências, da matemática e das línguas no nível básico e secundário parece mais vantajoso. Uma base sólida permite que rapidamente as pessoas adquirem novas qualificações e mudem de profissão, conforme a dinâmica do mercado.
É matéria para se continuar a reflectir.
Publicado pelo jornal A Semana de 8 de Maio de 2009